Sumário: 1. Introdução; 2. A Destinação e o Emprego da Força Terrestre (FT); 3. Aspectos Legais do Emprego do Exército na Defesa da Pátria; 4. Conclusão.
Este artigo aborda os aspectos legais do emprego do Exército na defesa externa do País, destacando a sua destinação constitucional e sua missão na defesa da Pátria, como um instrumento de autodefesa e de dissuassão, preservando e garantindo os objetivos nacionais frente às ameaças externas. Aborda aspectos jurídicos que devem coexistir com as atividades militares, relacionando-os com os conceitos de legalidade e justiça.Apresenta também idéias sobre a limitação da soberania e da autodefesa dos povos, acrescidas das intenções de extinção das Forças Armadas ou sua transformação em forças policiais
1. INTRODUÇÃO
O contexto de rivalidades e incertezas de ordem econômica, política e psicosocial que marca esse início de século impõe que a defesa continue a ser uma prioridade para os governos nacionais. As Forças Armadas são, portanto, os instrumentos disponíveis para o exercício do direito de autodefesa de cada país.
Apesar de conviver pacificamente na comunidade internacional e ter, internamente, sua situação político-social relativamente estabilizada, o Brasil pode ser compelido a envolver-se em conflitos externos ou internos. Esses conflitos de origens diversificadas podem ameaçar a soberania, a integridade, o patrimônio, as instituições e os interesses nacionais, surgindo a necessidade do emprego do Poder Nacional, particularmente a sua expressão militar, para fazer face àquelas ameaças.
Em razão das diferentes missões atribuídas às Forças Armadas, particularmente ao Exército Brasileiro, e ainda, em razão das situações cada vez mais dinâmicas e complexas decorrentes do relacionamento entre as nações, face à nova conjuntura, o estudo dos aspectos legais que legitimam ou não o emprego do Poder Militar, merece uma atenção especial por parte de todos aqueles envolvidos no emprego desse poder.
A legalidade do emprego do Poder Militar decorre da lei, enquanto que a sua legitimidade decorre do caráter de justiça dessa atuação, em virtude dos valores escolhidos e necessários da raça humana e, em particular, da sociedade brasileira.
A legalidade e a legitimidade são qualidades diferentes do poder. A legitimidade é o atributo do título do poder e a legalidade, a qualidade do seu exercício, conforme a ordem jurídica vigente. Em princípio, a legalidade deve estar contida no conceito de legitimidade.
O presente trabalho não pretende esgotar o assunto, mas destacar importantes aspectos jurídicos que coexistem com as atividades militares, relacionando-os com os conceitos de legalidade e justiça, a fim de permitir que a Força Militar seja empregada conforme as normas jurídicas nacionais e internacionais, os valores naturais do Homem e os princípios eleitos como imprescindíveis para o desenvolvimento da sociedade.
O tema será abordado, considerando a destinação constitucional do Exército Brasileiro, como membro das Forças Armadas, caracterizando os principais aspectos legais do seu emprego na defesa da Pátria.
2. A DESTINAÇÃO E O EMPREGO DA FORÇA TERRESTRE (FT)
As Forças Armadas são consideradas elementos fundamentais da organização coercitiva do Estado a serviço do Direito e da Paz Social. Nelas encontram-se a sustentação da ordem na órbita interna e do prestígio estatal na comunidade internacional. São, portanto, as garantias materiais da subsistência do Estado e da perfeita realização de seus fins.
A Constituição Federal estabelece no artigo 142 que as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
O parágrafo primeiro do artigo 142 determina que lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, preparo e emprego das Forças Armadas, fornecendo, desse modo, o respaldo legal para que outras normas complementem o previsto na Constituição.
Do preceito constitucional pode-se inferir que a destinação básica e essencial do Exército Brasileiro é a defesa da Pátria e a garantia dos poderes constitucionais.
A defesa da Pátria traduz-se pela atuação contra as ameaças e agressões estrangeiras, a fim de preservar a independência, a soberania, a unidade, as instituições e a integridade do patrimônio nacional, o qual abrange o território, os recursos humanos e materiais, além dos valores histórico-culturais.
Dentre as diretrizes do Comandante Supremo, destaca-se a atual Política de Defesa Nacional, que tem por finalidade fixar os objetivos para a defesa da Nação, bem como orientar o preparo e o emprego da capacitação nacional, em todos os níveis e esferas de poder, e com o envolvimento dos setores civil e militar.
É imperativo que, antes de serem abordados os aspectos jurídicos do emprego da Força, seja definido de maneira clara e objetiva, como o Exército atua para cumprir sua missão. No âmbito externo, a Força Terrestre será empregada como instrumento eficaz de combate para: prevenir e dissuadir atividades hostis e ameaças externas aos interesses vitais da Nação; atuará contra o inimigo externo, impedindo ou repelindo qualquer forma de ameaça ou agressão aos interesses vitais da Nação; garantirá a inviolabilidade do território nacional, em especial da fronteira terrestre; participará de forças, sob a égide de organismos internacionais, como decorrência de compromissos assumidos, no quadro da defesa coletiva do continente americano ou para a manutenção da paz mundial.
O exato conhecimento da missão e a sua capacidade operacional garantem, nos momentos críticos das relações internacionais, o respaldo necessário para fazer valer as decisões soberanas tomadas pelos poderes constitucionais, preservando a soberania e elevando o prestígio do País.
3. ASPECTOS LEGAIS DO EMPREGO DO EXÉRCITO NA DEFESA DA PÁTRIA
No relacionamento entre os países, os interesses conflitantes estão sempre presentes, pois todos são entidades soberanas, capazes de tomar decisões independentes, apoiadas em seus respectivos poderes nacionais.
O Direito Internacional nasceu da necessidade de limitar ou ordenar esses conflitos, no sentido de obter um grau elevado de segurança mundial. É imperativo para uma nação, colocar a segurança entre as suas aspirações primordiais.
Juridicamente, as relações entre os Estados são realizadas à base de igualdade e reciprocidade, entretanto a realidade política expressa uma situação bem diferente. Assim, para uma nação, é essencial a existência de uma expressão militar à altura de sua estatura político-estratégica, capacitada para, mesmo em tempo de paz, desempenhar papel de relevância, seja como instrumento de dissuasão, seja como instrumento de pressão política, em benefício dos interesses nacionais.
Os Estados modernos, devido aos conflitos de poder e interesses, continuam submetidos ao perigo das guerras, sendo impossível eliminar as suas respectivas estruturas militares, sob pena de perderem o respeito no cenário internacional.
Nesse contexto, as Forças Armadas não podem ser transformadas em forças policiais ou extintas, como querem alguns, nem a defesa da nação pode ser entregue a outros Estados mais poderosos ou a organismos internacionais, pois, dessa forma, os princípios basilares da soberania e da autodeterminação, fundamentos do Direito Internacional, da Declaração dos Direitos do Homem e da Carta das Nações Unidas, ficariam definitivamente comprometidos.
Na defesa externa de um país, o Poder Nacional deve ser aplicado como um todo e não somente a sua expressão militar.
O respeito à legislação interna do país, o cumprimento às leis da convivência internacional, o atendimento aos interesses e às posturas nas relações entre os Estados, bem como às normas para o emprego das forças militares constituem as preocupações e as condicionantes que devem estar sempre presentes na doutrina de preparo e emprego das Forças Armadas.
Os Estados Nacionais surgiram na Idade Moderna e o aperfeiçoamento de suas estruturas sociais, políticas e jurídicas têm como base alguns direitos fundamentais, que são reconhecidos por toda a comunidade internacional. Esses direitos figuram nos mais diversos tratados, acordos ou convenções adotados pelos países, destacando-se entre outros, os direitos à Conservação, à Soberania, à Integridade Territorial, à Segurança e ao Desenvolvimento.
Os direitos fundamentais, no caso, são aqueles que, se suprimidos no seu exercício, provocam o fim do Estado, sendo, portanto, de grande importância e de natureza vital para os países. O desrespeito a esses direitos é o maior responsável pelos conflitos armados entre as nações.
No direito positivo mundial encontram-se diversos documentos jurídicos que consubstanciam os direitos fundamentais dos Estados. Entre eles, pela importância que representam para o Brasil, figuram a Carta das Nações Unidas, a Carta da Organização dos Estados Americanos(OEA) e o Tratado Interamericano da Assistência Recíproca (TIAR).
Na Carta das Nações Unidas não há formalmente uma declaração de direitos estatais, mas em seus artigos estabeleceu-se os direitos fundamentais da mais alta relevância para harmonia mundial, ressaltando a soberania, a igualdade dos povos, a conservação e a legítima defesa dos Estados.
A Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) contem, no Capítulo III, intitulado “Direitos e Deveres Fundamentais dos Estados”, uma relação de direitos reconhecidos e adotados pelos Estados signatários, entre os quais encontra-se o Brasil.
No Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR), são reconhecidos os direitos à inviolabilidade ou integridade territorial, à soberania e à independência política, contribuindo para a concretização de uma ordem jurídica mundial.
Na defesa desses direitos, cada Estado se arrisca participar de um conflito armado, sacrificando vidas humanas para preservar sua existência, identidade e seus interesses. Para a garantia e exercício desses direitos, reconhecidos pelos membros da comunidade internacional, as forças militares são imprescindíveis, respaldando gestões diplomáticas e decisões que envolvam a soberania de cada nação.
Atualmente, o Direito de Soberania está recebendo diversas interpretações no cenário mundial, em virtude das idéias de soberania limitada ou compartilhada, de dever de ingerência e de intervenção humanitária. O tradicional conceito de soberania vem sofrendo impactos de toda ordem no sentido de que seja modificado em favor de “interesses internacionais”.
Esta nova concepção de Soberania está orientando países estrangeiros e organismos internacionais a contestar a soberania brasileira sobre a Região Amazônica, que tem sido, sistematicamente, alvo de interesses dos países mais desenvolvidos.
Também, nesse contexto, existe a tese do Sr Robert Mc Namara, ex-secretário de defesa dos Estados Unidos da América (EUA), segundo a qual, a paz e a segurança do mundo, após o fim da guerra fria, deveriam ser asseguradas pelos EUA, juntamente com os países do Grupo dos Sete (G 7).
Essas idéias minam o ordenamento jurídico internacional, a fim de estabelecerem uma nova ordem mundial, quebrando os princípios de respeito, igualdade, autodeterminação e soberania dos povos, devendo merecer o repúdio de todos os países.
Atualmente, todos os Estados soberanos mantêm suas Forças Armadas em condições de respaldar suas livres decisões, garantir seus direitos fundamentais e proteger seus legítimos interesses, defendendo basicamente o território, o povo e o patrimônio da nação.
O Exército Brasileiro desempenha no contexto político um duplo papel de instrumento de defesa e de dissuasão. Esse último é uma prevenção de defesa, atuando no sentido de desestimular aventuras políticas e militares de outros países.
O Brasil, ciente de seu compromisso e responsabilidades para com o seu povo e com as nações amigas, possui um ordenamento jurídico nacional, onde estabelece os princípios de sua política externa e a estratégia de atuação de seu Poder Militar, para a garantia de seus Objetivos Nacionais contra qualquer tipo de ameaça externa.
A Política Externa Brasileira está regida pelos seguintes princípios constitucionais, relacionados no artigo 4º da Constituição Federal: independência nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não-intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político.
Destacam-se os princípios da independência nacional, da autodeterminação dos povos, da não – intervenção e da solução pacífica dos conflitos, como preceitos constitucionais que impedem a utilização da Força Militar para alcançar objetivos de política externa, ficando patente que o Brasil busca sua projeção internacional sem alusão a sentimentos de hegemonia e guerras de conquista ou intervenção.
O artigo 142 da Constituição define claramente que as Forças Armadas destinam-se à defesa da Pátria, não se referindo a qualquer atitude belicosa ou emprego do Poder Militar em intervenções externas.
Essa missão constitucional está orientada para a proteção do território, da segurança nacional e da soberania do Estado, empregando como estratégias básicas os princípios da dissuasão e da presença.
Considerando ainda a legislação complementar e as diretrizes governamentais referentes às Forças Armadas, verifica-se que não há previsão do emprego de tropas fora do país em ações ofensivas por vontade própria.
A atual Política de Defesa Nacional está centrada em uma ativa diplomacia, voltada para a paz e em uma postura estratégica dissuasória de caráter defensivo, baseada nas seguintes premissas: fronteiras e limites perfeitamente definidos e reconhecidos internacionalmente; estreito relacionamento com os países vizinhos e com a comunidade internacional, baseado na confiança e no respeito mútuo nas relações entre os Estados; rejeição à guerra de conquista e busca da solução pacífica de controvérsias, com o uso da força somente como recurso de autodefesa.
O caráter defensivo não implica que a Expressão Militar tenha que se limitar estritamente à realização de operações defensivas, pois a fim de repelir uma eventual agressão armada, o País empregará todo o poderio militar necessário, com vistas à decisão do conflito no prazo mais curto possível e com o mínimo de danos à integridade e aos interesses nacionais, realizando inclusive ações fora do território.
Todas as leis brasileiras, referentes ao emprego da Força Terrestre, deixam clara a vocação pacífica da Nação e direcionam a atuação do seu Poder Militar para a defesa do País dentro do seu território e não para servir de instrumentos de coação em suas relações internacionais.
A legislação também não autoriza o envio de contingentes militares para fora do país em missões de cunho intervencionista, ressalvando as missões de manutenção da paz, sob a direção e orientação das Nações Unidas.
4. CONCLUSÃO
A expressão militar do Poder Nacional aumenta de importância neste início de novo século, a fim de garantir a sobrevivência dos Estados como unidades independentes e soberanas, em decorrência dos grandes conflitos de interesses, de todos os matizes, que regem as relações entre as nações.
O Exército Brasileiro tem sua definição e sua destinação previstas no artigo 142 da Constituição Federal, sendo essa destinação o farol que orienta toda a atuação da Força, tanto no âmbito externo quanto no âmbito interno.
Na defesa da Pátria, a Força Terrestre continua mantendo uma posição de destaque como instrumento de defesa e de dissuasão, preservando e garantindo os Objetivos Nacionais, adotados pelo Estado Brasileiro, contra qualquer tipo de ameaça externa.
O envolvimento do Brasil em um conflito externo depende dos princípios constitucionais que orientam a sua política externa e do respeito aos acordos e tratados internacionais aceitos pelo país. A legislação vigente, relativa ao emprego do Exército na defesa externa, expressa a vocação pacífica da nação, impede a sua atuação como instrumento de coação no relacionamento com outros países e prioriza o caráter defensivo das operações militares.
As novas idéias sobre a limitação da soberania e da autodeterminação dos povos, acrescidas das intenções de extinção das Forças Armadas ou sua transformação em forças policiais, não devem ter guarida no Brasil e contam com o repúdio da Força Terrestre, que continua a ser a guardiã do território e das riquezas naturais do país.
A legitimidade e a legalidade de atuação da Força Terrestre constituem fatores de máxima relevância para manter a confiança do povo brasileiro em suas forças militares e o respeito das demais nações da comunidade internacional, por isso o perfeito entendimento dos aspectos jurídicos que envolvem o emprego do Exército é essencial para todos, civis e militares, responsáveis pela segurança e defesa da Nação Brasileira.
Informações Sobre o Autor
Fernando Carlos Santos da Silva
Coronel do Exército. Formado em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras em 1978 e em Direito pela Faculdade de Direito de ITU – SP em 1984. Mestre em Aplicações Militares em 1988 e Doutor em Aplicações, Planejamento e Altos Estudos Militares em 1998. Possui Pós-Graduação“Lato-Sensu” em Educação, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1999/2000; em Gerência Executiva de Logística e Transporte (Post-Baccalaurete), pela Universidade de Miami – Miami – EUA, em 2004 e em Direito Civil e Processo Civil, pela Universidade Cândido Mendes em Brasília – DF, em 2004. Observador Militar da ONU na Operação de Paz em Moçambique – África, Professor, Palestrante, Consultor de Qualidade e Excelência Gerencial, Consultor de Logística e Transporte, Professor-Autor de apostilas para concurso público na área jurídica