Resumo: São inúmeras as dúvidas que os professores, os técnicos-administrativos, os alunos e pais de alunos, e, até mesmo os gestores das Escolas públicas brasileiras da Educação Básica possuem em relação ao Ensino Religioso, especialmente em seus aspectos legais. Este artigo investiga os principais aspectos legais do Ensino Religioso (ER) na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Constituição Federal (CF), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBD) e nos Pareceres e Resoluções do Conselho Superior de Educação, buscando respostas para questões “o que é o Ensino Religioso?”, “é obrigatório?”, “quem pode ministrá-lo?”, e assim, contribuir para a construção de uma identidade desta tão nova componente curricular nas inúmeras escolas brasileiras.
Palavras chave: Ensino Religioso; Liberdade Religiosa; Educação e Religião
Abstract: There are numerous questions that teachers, technicians and administrative staff, students and parents, and even the managers of Brazilian public schools of Basic Education have in relation to religious education, especially its legal aspects. This article explores the main legal aspects of Religious Education (RE) in the Universal Declaration of Human Rights, the Federal Constitution (FC), the Law of Guidelines and Bases of National Education (LBD) and the opinions and resolutions of the Board of Education, seeking answers to questions "What is Religious Education?", "is required?", "who can administer it?", and thus contribute to the construction of a new identity as this curricular component in many Brazilian schools.
Keywords – Keywords: Religious Education, Religious Freedom, Education and Religion
Sumário: Introdução; 1. Declaração Universal dos Direitos Humanos; 2. Constituição Brasileira; 3. Lei de Diretrizes e Bases da Educação; 4. Atos Normativos do Conselho Nacional de Educação; 5. Considerações Finais
Introdução
Chamam-nos a atenção, as mudanças que o Ensino Religioso sofreu nos últimos anos no cenário da educação brasileira. E muitas têm sido as dúvidas em relação aos diversos aspectos desta tão fascinante área de conhecimento. Neste artigo, esclareceremos dúvidas relacionadas à sua oferta, natureza e formação de professores à luz legislação.
Podemos classificar os conceitos relativos ao Ensino Religioso em dois grandes grupos, no primeiro, estão os fatores caracterizados pela ampla presença na sociedade, tais como a liberdade religiosa e a relação do Estado com a Igreja. No segundo grupo questões específicas da educação como carga horária, a obrigatoriedade da oferta, a facultatividade da matrícula, etc.
Não pretendemos de forma alguma, esgotar o assunto ou apresentar-lhe um resultado último, mas sim, investigar os aspectos legais relacionados ao Ensino Religioso, ajudando a esclarecer as dúvidas mais comuns dos agentes envolvidos neste fazer pedagógico. Que se bem conduzido, poderá a nosso ver, contribuir significativamente, na construção de um mundo melhor neste alvorecer de um novo milênio.
1. Declaração Universal dos Direitos Humanos
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 da qual o Brasil é signatário, é um documento referência no âmbito do direito nacional e internacional e apesar de não tratar diretamente sobre Ensino Religioso vale, sem dúvida alguma ser citado pela relevância dos aspectos nela abordados.
Como já dissemos anteriormente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não nos fala diretamente sobre Ensino Religioso, mas, trata de inúmeros aspectos de fundamental importância sobre a temática, como por exemplo, em seu artigo II, sobre direitos e liberdades de todas as pessoas independentemente de “raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” (o grifo é nosso). Também nos fala sobre a liberdade de contrair casamento (artigo XVI) “sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião” (o grifo é nosso).
Talvez esses direitos e liberdades de tão elementares nos cause estranheza, mas eles passam a ganhar sentido ao lembrarmos que este documento é uma resolução de uma Assembléia Geral das Nações Unidas e que direitos e liberdades como estas, foram e (infelizmente) são negados em muitos países, aos seus cidadãos.
Ainda sobre liberdade citamos o artigo XVIII da referida Declaração, que reza que,
“Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.”
Outro importante aspecto que destacamos é quando referido documento faz menção à “instrução”. Que deve ser um direito de todas as pessoas, em grau fundamental, obrigatória e gratuita, e, em nível técnico-profissionalizante e superior acessível e baseada no mérito. A instrução deve também promover “a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz”.
2. Constituição Brasileira
De forma semelhante à Declaração Universal dos Direitos Humanos a Constituição Brasileira de 1988, também alude em seu Art. 5º inciso VI, ao direito de “liberdade crença” e vai mais longe ao especificar o direito ao “livre exercício dos cultos religiosos” e ainda a “proteção aos locais de culto e as suas liturgias”.
Outro importante conceito tratado na Constituição de 1988 é o de um Estado Laico, ou seja, um Estado separado da religião. Segundo Celso Ribeiro Bastos, nas relações entre Estado e Igreja existe “três modelos possíveis: fusão, união e separação. O Brasil enquadra-se inequivocadamente neste último desde o advento da República, com a edição do Decreto119-A, de 17 de janeiro de 1890”. Como consequência desta ideia de Estado Laico que foi defendida, no art. 19, I está firmada a seguinte proibição:
“É vedado à União, aos Estados, a Distrito Federal e os municípios:
1. estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”
Uma questão resultante deste princípio constitucional, e bastante discutida nos dias atuais é a presença de símbolos religiosos em prédios públicos não iremos aqui, nos a ter a esta questão, por não se tratar do tema deste artigo, mas que vale a pena ser citada.
Mas, a Constituição não tratou apenas de questões mais amplas como a da liberdade de crença e separação entre Estado e Igreja, tratou também de questões específicas sobre Ensino Religioso ao determinar em seu Art. 210 § 1º, que a matricula seria facultativa, e ministrada nos “horários normais das escolas publicas de ensino fundamental”. Compreendemos o porquê desta preocupação ao considerarmos que apesar das constituições anteriores terem determinado um Ensino Religioso facultativo e leigo isso não vinha acontecendo na prática (COSTA, 2012).
3. Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB
Apesar das importantes considerações feitas na Constituição não somente para o ER, mas, para a Educação Nacional de forma ampla, o país necessitava de uma nova lei que norteasse questões mais específicas sobre a Educação. Foi publicada em 20 de dezembro de 1996 a “nova” Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei nº 9.394). O Ensino Religioso foi tratado em seu artigo 33.
O conteúdo deste artigo que determinou além das considerações já feitas na constituição tais como, facultatividade da matrícula, ofertada em horários normais das escolas públicas de Ensino Fundamental, determinou que, o ER seria ministrado de acordo com a preferência dos alunos ou de seus responsáveis, “sem ônus para os cofres públicos”, em duas formas de organização distintas,
“I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou
II – interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades”
Após esta (des)organização do ER, houve uma vasta mobilização de professores, organizações sociais, e, organizações religiosas que resultou na proposição de um projeto de lei para mudar o artigo 33 da LDB. Na Câmara dos Deputados, o Padre Roque foi o responsável pela construção de uma legislação alternativa, que ganhou nova redação com a Lei nº 9.475 de 22 de junho de 1997 (Junqueira & Wagner, 2011). Salientamos que esta foi a primeira e (até agora) a única mudança feita na LDB.
A nova lei (de nº 9.475) manteve em sua redação as observações já feitas pela constituição, e, retirou a observação feita quanto ao ônus aos cofres públicos, feita anteriormente. Destacou a importância do Ensino Religioso como “parte integrante da formação básica do cidadão”, assegurou “o respeito a diversidade religiosa do Brasil”, e ainda vedou “quaisquer formas de proselitismo“.
Segundo o Minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa, Proselitismo é a “conquista de prosélitos”, e, por sua vez prosélito é “o indivíduo que abraçou uma doutrina, religião, etc., diferente da que professava”, assim sendo, o texto proíbe a tentativa de fazer a partir do ER com que os alunos abracem uma nova religião ou doutrina. O artigo ainda fala que,
“§ 1º. Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos de ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º. Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.”
Com isso foi escrito um importante capítulo na história do Ensino Religioso no Brasil, mas, surgiram muitas questões práticas referentes ao tema, como por exemplo, “quem pode ministrar o ER?”. Questões como esta e outras foram analisadas pelo Conselho Nacional de Educação.
4. Atos Normativos do Conselho Nacional de Educação
O Conselho Nacional de Educação (CNE) possui importantes atribuições “normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação”, competindo-lhe “formular e avaliar a política nacional de educação”. Na prática, o Conselho emite atos normativos (pareceres e resoluções) sobre questões relativas à Educação brasileira. Não iremos nos ater de forma mais aprofundada às atribuições, missão, composição e funcionamento do CNE por entender que este não é o objetivo deste artigo.
Consideraremos aqui, dentre os muitos atos normativos emitidos pelo Conselho, apenas três: a Resolução nº 02/98 que estabelece a base curricular comum do Ensino Fundamental; Parecer CNE Nº 16/98 que nos falará sobre a carga horária di ER; e o Parecer CP nº 97/99 que esclarece questões relativas à formação de professores para o ER. Isto por entendermos que estes três são muito importantes, e contemplarão grandes questionamentos, por parte das comunidades escolares brasileiras.
Resolução nº 02/98
Esta resolução Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental através de base nacional comum e de uma parte diversificada integradas em torno de um paradigma curricular que estabeleça uma relação entre a educação fundamental e
“a) a vida cidadã através da articulação entre vários dos seus aspectos como: 1. a saúde; 2. a sexualidade; 3. a vida familiar e social; 4. o meio ambiente; 5. o trabalho; 6. a ciência e a tecnologia; 7. a cultura; 8. as linguagens
b) as áreas de conhecimento: 1. Língua Portuguesa; 2. Língua Materna, para populações indígenas e migrantes; 3. Matemática; 4. Ciências; 5. Geografia; 6. História; 7. Língua Estrangeira; 8. Educação Artística; 9. Educação Física; 10. Educação Religiosa, na forma do art. 33 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996.”
Ou seja, nesta resolução a Educação Religiosa é colocada como uma área de conhecimento semelhante à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia, etc.
Parecer nº 16/98
Neste parecer reforça-se a autonomia dos sistemas de ensino em organizar o currículo escolar e consequentemente, a carga horária do ER (que não possui um número mínimo) e sua disposição na grade curricular do Ensino Fundamental, desde que não sejam criados “horários especiais” e nem se fira as determinações em relação a grade curricular a saber: no mínimo de 200 dias anuais de trabalhos letivos realizado em no mínimo de 800 horas, fora o período destinado a realização de exames finais.
Parecer nº 97/99
Outra questão é em relação à formação dos professores que ministram o ER, que historicamente eram religiosos (na maioria das vexes formados em Teologia). O parecer aponta para a independência entre Estado e Igreja, o dever no estado em não interferir na religiosidade brasileira tão diversificada e por vezes contraditória.
Considera que caso estabelecesse diretrizes para a formação de professores do ER, estabeleceria critérios para a admissão desses professores pelos diferentes sistemas de ensino, e, interferiria na elaboração dos conteúdos ministrados no ER. Ora, isso feriria direitos básicos tais como a liberdade de crença, a separação entre estado e Igreja. Além disso leva em conta que os § § 1º e 2º do artigo 33 da LDB garantem a autonomia dos sistemas de ensino em estabelecer critérios para a admissão desses professores e a necessidade de ouvir entidade civil dos diferentes denominações.
“Mas então como contratar os professores de ER?”. Os próprios sistemas de ensino devem estabelecer esses critérios, ainda neste parecer, o Conselho “sugere” aos sistemas de ensino que organizem cursos de extenção ou cursos livres para a formação destes professores que poderiam ser das mas diversas áreas. Existe apenas a restrição legal para o exercício do magistério, ou seja,
“- diploma de habilitação para o magistério em nível médio, como condição mínima para a docência nas séries iniciais do ensino fundamental;
– preparação pedagógica nos termos da Resolução 02/97 do plenário Conselho Nacional de Educação, para os portadores de diploma de ensino superior que pretendam ministrar ensino religioso em qualquer das séries do ensino fundamental;”
5. Considerações Finais
Investigamos os principais aspectos referentes ao Ensino Religioso tentando esclarecer dúvidas que os agentes envolvidos neste fazer pedagógico possuem. Tivemos a oportunidade de (re)descobrir o Ensino Religioso como uma componente curricular que deve obrigatoriamente ser ofertada em todas as escolas públicas brasileiras de ensino fundamental. Mas que, entretanto, é de matrícula facultativa de acordo com as opções dos alunos ou de seus responsáveis.
Vimos que os sistemas de ensino possuem autonomia em estabelecer critérios para a admissão e contratação dos professores que ministrem o ER, desde que, sejam resguardadas as condições legais para o exercício do magistério. E que, devem ouvir entidade civil constituída por representantes das diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos, a serem ministrados nos horários normais das escolas públicas, dentro dos 200 dias letivos e das 800 horas mínimas anuais de trabalho efetivo.
E finalmente, é importante acrescentar aqui que pesquisas como estas contribuirão de forma determinante na qualidade deste “fazer ensino religioso” nas nossas escolas. E que como dissemos no inicio deste trabalho, se bem conduzido, poderá a nosso ver, contribuir significativamente, na construção de um mundo melhor neste alvorecer de um novo milênio.
Informações Sobre o Autor
Genildo Antunes Galindo
Professor habilitado pelo Normal em Nível Médio pela Escola Cristo Rei Bacharel em Educação Religiosa pelo ITG e Licenciando em Matemática pela UFPE. Professor do quadro efetivo das cidades de São Caitano-PE e Caruaru-PE