Aspectos materiais do Direito Tributário

Resumo: Breve exame de alguns aspectos materiais relevantes de direito tributário.


Palavras-chave: Fato gerador. Hipótese de Incidência. Ato ilícito. 


Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 3. Conclusão; Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO


O presente trabalho tem como objetivo o exame de questões atinentes a aspectos materiais de direito tributário, notadamente a correta aplicação das expressões fato gerador e hipótese de incidência, bem como o exame da possibilidade de tributação de atos ilícitos.


2. DESENVOLVIMENTO


Impende tratar da questão da equivalência das expressões fato gerador e hipótese de incidência, sendo importante referir, de início, que boa parte da doutrina e, especialmente, o Código Tributário Nacional, utilizam-nas, de fato, como sinônimas.


O Código Tributário Nacional acaba por não fazer qualquer diferenciação entre os mencionados termos. Citem-se, neste contexto, os artigos 104, inc. II, 113, §1º, 114, todos do CTN.  


Pelo texto legal, se observa que o legislador, indistintamente, utiliza as expressões fato gerador ou hipótese de incidência para designar, seja a previsão legal geradora da obrigação de pagar tributo (art. 104, inc. II, e art. 113, §1º, do CTN) como o efetivo acontecimento da circunstância anteriormente prevista em lei (art. 114 do CTN).


Ocorre que é necessário realizar-se distinção entre os dois institutos, não se podendo utilizá-los indistintamente para designar tanto a hipótese hipoteticamente prevista na norma tributária (art. 114 do CTN) e o fato efetivamente ocorrido (art. 113, §1º, do CTN). Não se pode utilizar a mesma expressão para designar circunstância abstrata e circunstância concreta.


No ponto, é importante colacionar:


“É importante notar que a expressão hipótese de incidência, embora às vezes utilizada como sinônimo de fato gerador na verdade tem significado diverso. Basta ver-se que uma coisa é a descrição legal de um fato, e outra coisa é o acontecimento desse fato. Uma coisa é a descrição hipótese em que o tributo é devido. […] Outra coisa é o fato de alguém auferir renda. […] A expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. A hipótese é simples descrição, simples previsão, enquanto o fato é a concretização da hipótese, é o acontecimento do que fora previsto (MACHADO, 2004, páginas 135/136)”.


Na linha do ensinamento do Professor Hugo de Brito Machado (2004), entende-se pela necessidade de diferenciação dos institutos, empregando-se a expressão hipótese de incidência para a circunstância abstratamente prevista em lei, como capaz de gerar a obrigação de pagar tributo, e fato gerador como designadora da circunstância efetivamente verificada no mundo dos fatos.


O Prof. Geraldo Ataliba (2006) vai além. Nessa linha, entende por designar a expressão hipótese de incidência ou fato gerador in abstracto para a circunstância abstratamente prevista no texto legal, como possível de gerar a cobrança de tributo, desde que verificada a sua ocorrência no mundo dos fatos. Ainda, denomina fato imponível ou fato gerador in concreto o fato realmente ocorrido, a prática pelo sujeito passivo do tributo daquela circunstância abstratamente prevista na norma tributária. 


A propósito:


“Tal é a razão pela qual sempre distinguimos estas duas coisas, denominando ‘hipótese de incidência’ ao conceito legal (descrição legal, hipotética, de um fato, estado de fato ou conjunto de circunstâncias de fato) e ‘fato imponível’ ao fato efetivamente acontecido, num determinado tempo e lugar, configurando rigorosamente a hipótese de incidência”. (ATALIBA, 2006. Página 54.)”.


Portanto, em que pese a efetiva aplicação indistinta das duas expressões, para diferenciação científica, é imprescindível a distinção.


Por outro lado, no que diz sobre a possibilidade de tributação de eventos ou atos jurídicos com objeto ou efeitos ilícitos, é importante referir que conceito legal de tributo, insculpido no art. 3º do CTN, é expresso ao designar o âmbito de cobrança dos tributos.


Com efeito, o texto legal aduz que o tributo tem como fato gerador a ocorrência de ato lícito, circunstância que, inclusive, diferenciará a cobrança do tributo da exigência de multas, cuja aplicação decorre de violação da norma legal.


Diante disso, à luz do princípio da legalidade tributária, pode-se afirmar que, de fato, não pode a norma tributária fixar como geradora do tributo atividade ilícita. A hipótese de incidência não pode ser um ato ilícito.


Isso, contudo, não afasta a possibilidade de cobrança de exação tributária sobre as consequências ou efeitos da atividade ilícita.


Por mais que não se possa prever como geradora da cobrança de imposto de renda o tráfico de entorpecentes, não se pode negar a tributação da renda dela decorrente.


No ponto, a lição do Prof. Hugo de Brito Machado é providencial:


“Quando se diz que o tributo não constitui sanção de ato ilícito, isto quer dizer que a lei não pode incluir na hipótese de incidência tributária o elemento ilicitude. Não pode estabelecer como necessária e suficiente à ocorrência da obrigação de pagar tributo uma situação que não seja lícita. Se o faz, não está instituindo um tributo, mas uma penalidade. Todavia, um fato gerador de tributo pode ocorrer em circunstâncias ilícitas, mas essas circunstâncias são estranhas à hipótese de incidência do tributo, e por isso mesmo irrelevantes do ponto de vista tributário. (MACHADO, 2004, página 71)”.     


O próprio Supremo Tribunal Federal examinou a questão, quando do julgamento do Habeas Corpus n.º 77.530-4/RS, oportunidade em que a Corte Constitucional aduziu que a necessidade de tributação dos efeitos das atividades ilícitas decorre do próprio princípio da isonomia.


Outrossim, no ponto, é importante que se chame a atenção para o conhecido princípio pecunia non olet – dinheiro não cheira. Por mais que a atividade originadora dos recursos seja ilícita, os rendimentos dele decorrentes não se diferem daqueles auferidos por sujeitos passivos atuantes em atividades lícitas.


Dessa forma, apesar do Código Tributário Nacional prever que a hipótese de incidência tributária não pode estipular um ato ilícito como gerador do dever de pagar tributo, não se verifica óbice a cobrança de tributo sobre os efeitos e consequências de um ato ilícito.


3. CONCLUSÃO


Diante do estudo realizado, observa-se que é imprescindível a aplicação diferenciada das expressões hipótese de incidência e fato gerador, utilizando-se a primeira para designar a previsão abstrata da norma tributária e a segunda como a ocorrência efetiva do fato previsto como originador do direito de pagar tributo.


Na mesma linha, entende-se que há impossibilidade legal de tributação de fatos ilícitos, por força do art. 3° do CTN, o que não impede, entretanto, a cobrança de tributos sobre os efeitos de fatos designados como ilícitos.


 


Referências bibliográficas:

ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 1º Ed. São Paulo: Método, 2007.

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6º Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25º Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus. Matéria Criminal. Habeas Corpus n.º 77.530-4/RS. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 18 de agosto de 1998. Diário da Justiça.


Informações Sobre o Autor

Angela Roberta Kruger

Procuradora da Fazenda Nacional. Pós-graduanda em Direito Público pela UNIDERP.


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