Aspectosinconstitucionaisdo artigo 300, § 3º do Código de Processo Civil de 2015

Resumo:O artigo em tela se dedicará a demonstração da inconstitucionalidade, parcial, do artigo 300, § 3º do Código de Processo Civil de 2015, quando confrontados com os ditames constitucionais. Por meio de uma análise bibliográfica teórica, valendo-se de método dedutivo, serão apresentados conceitos indispensáveis para o enfretamento do tema, como a relação entre constituição e processo, direitos fundamentais, suas características, bem como uma abordagem mais detalhada sobre os institutos da tutela provisória de urgência, tanto no código de processo civil de 1973 quanto no de 2015.

Palavras-chave: Constituição, Processo Civil, Tutela Provisória de Urgência.

Sumário:1Introdução, 2Alcance normativo de princípios e regras constitucionais no atual sistema jurídico nacional, 2.1 Aspectos gerais dos direitos constitucionalmente assegurados e o processo, 2.2A vedação ao retrocesso, 3A tutela definitiva e a tutela provisória no ordenamento pátrio, 3.1Tipos de tutela provisória,3.2Características da tutela provisória, 3.2.1Características e pressupostos da tutela provisória de urgência, 3.3Disciplina legal da tutela provisória de urgência no código de processo civil de 1973, 3.3.1Posicionamento doutrinária sobre as disposições do diploma processual de 1973, 3.4Poder geral de cautela, 3.5A disciplina da tutela de urgência irreversível no códigode processo civil de 2015, 3.5.1Enunciados do fórum permanente de processualistas civis acerca do art. 300, § 3º, 4A inconstitucionalidade da vedação integral do § 3º do art.300 do código de processo civil de 2015, 5Considerações finais.

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1Introdução

O presente artigo propõe a análise doutrinária a respeito das novas disposições do Código Civil de 2015, mais precisamente em relação ao exposto no §3º, art. 300, que elege como pressuposto para o deferimento da tutela provisória de urgência, a reversibilidade dos efeitos da sua concessão.

O objetivo primeiro será a demonstração da inconstitucionalidade da aplicação integral e irrestrita das disposições do aludido fragmento legal em face da força normativa dos princípios constitucionais. Para tanto será utilizada uma pesquisa de caráter estritamente bibliográfico, sem recurso a outras fontes de pesquisa, sendo priorizado o aspecto dogmático da ciência em comento, chegando às conclusões finais por meio de uma articulação lógico-dedutiva.

A relevância dessa discussão consiste na possibilidade de ser compreendido, o ora citado dispositivo, como uma afronta aos direitos constitucionais, a partir da perspectiva doutrinária majoritária e afinada com os regramentos constitucionais ora vigentes.

A linha de discussão do presente trabalho iniciará com a delimitação do alcance das regras e princípios constitucionais, seguindo para a diferenciação das tutelas definitiva e provisória, passando a destrinchar as formas de funcionamento da tutela provisória, no que diz respeito aos seus pressupostos, e mais detalhadamente, às suas ramificações. A tutela provisória de urgência, a espécie da provisória importante para esta análise, possui, como restará demonstrado, as mesmas características e requisitos de seu gênero para ser efetivada. Para um entendimento mais apurado a respeito da validade do instituto em tela, serão contrapostas as ideias de doutrinadores renomados e enunciados do FPPC (Fórum Permanente de Processualistas Civis).

2Alcance normativo de princípios e regras constitucionais no atual sistema jurídico nacional

A Carta Magna de 1988 alterou diversas dinâmicas jurídicas no ordenamento nacional, sobretudo aquelas em que percebia as relações de interesses cuja discussão debruçava-se sobre direitos fundamentais.

As diretrizes trazidas pela Constituição irradiam-se por todo o ordenamento e passam a ter força vinculante sobre todos os diplomas infraconstitucionais, antes e após sua vigência. Sendo assim, para muito além dos princípios que regem a sistemática do processo esculpidos na Constituição, a vontade constitucional informa e vincula também certos aspectos inerentes exclusivamente ao processo mas que são, igualmente, indissociáveis da entranha geral constitucional, como i.e., a tutela de bens da vida que sejam indisponíveis.

Por isso considera-se o direito processual constitucional, que não deve ser compreendido como ramo autônomo de direito mas exatamente essa convergência entre os interesses normativos constitucionais e aqueles outros, que importam diretamente a disciplina processual, mas que, a despeito de suas peculiaridades convergem entre si, num possível diálogo de fontes (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2014, p.104).

Este diálogo deve, portanto,observar a superioridade normativa constitucional, especialmente quando, vislumbrada aparente antinomia. Esta constitucionalidade processual estende-se para além dos princípios que o informam, mas efetivamente à proteção da integral tutela constitucional de direitos, numa jurisdição constitucional das liberdades que perpassa o processo como ensinam Cintra; Grinover e Dinamarco (2014, p.104).

2.1 Aspectos gerais dos direitos constitucionalmente assegurados e o processo

Nas lições de Bulos (2014, p.525) “direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária” sem qualquer aspecto condicionante, devendo ser diretamente derivada da condição humana.

Nessa senda cabe anunciar características mínimas que a doutrina comumente elenca para compreensão de tais direitos, quais sejam aquelas relativas a sua natureza histórica, universal, cumulável, irrenunciável, inalienável ou indisponível, imprescritível e relativa.

Quanto a natureza histórica, pode ser dito sobre os direitos fundamentais que eles derivam de um alonga marcha evolutiva, construída e imbricada no fenômeno histórico e social. Diz-se universal pois ultrapassam os limites territoriais por serem atrelados a condição humana e não politica que perpassa os indivíduos. Podem ser exercidos cumulativamente. Podem deixar de ser exercidos conforme o interesse de seus titulares, todavia, jamais renunciados, não sendo suscetíveis de disposição, a qualquer título, sendo igualmente insuscetíveis de prescritibilidade pelo não exercício, pois são despidos de caráter patrimonial(BULOS, 2014, p.533).

Cabe destacar que os direitos fundamentais possuem, todos, as anunciadas características, ao tempo em que se estendem-se a todo e qualquer individuo:

“Não é impróprio afirmar que todas as pessoas são titulares de direitos fundamentais e que a qualidade de ser humano constitui condição suficiente para a titularidade de tantos desses direitos. Alguns direitos fundamentais específicos, porém, não se ligam a toda e qualquer pessoa. Na lista brasileira dos direitos fundamentais, há direitos de todos os homens – como o direito à vida” (MENDES; COELHO; BRANCO, 2008. p.240) (grifos nossos).

Possuem eficácia imediata conforme determinação do art. 5º, §1º da Carta de 1988[1].

Não poderia assim, o processo minimizar a relevância destinada constitucionalmente aos direitos fundamentais, devendo qualquer diploma processual servir de instrumento à materialização das proteções erigidas na Carta Magna aos indivíduos e a sociedade.

2.2A vedação ao retrocesso

O caráter vinculante dos direitos fundamentais vincula o exercício das funções legislativa, executiva e jurisdicional do Estado, de modo a lhes impor o respeito aos limites que se estendem a partir da ideia de que são irreversíveis tais conquistas alcançadas (BULOS, 2014, p.538).

O avanço das legislações, infraconstitucionais não poderia reverter ou mesmo subverter a marcha histórica que é intrínseca ao conceito que se percebe nos direitos e garantias fundamentais, como se pode extrair das importantes lições de Canotilho:

“Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo. (…) O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (…) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ´anulação` pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade de conformação do legislador e inerente auto-reversibilidade têm como limite o núcleo essencial já realizado.”(grifos nossos)

Assevera ainda a doutrina:

“Apesar de o princípio do não-retrocesso social não estar explícito, assim como o direito de resistência e o princípio da dignidade da pessoa humana (para alguns, questão controvertida), tem plena aplicabilidade, uma vez que é decorrente do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser absolutamente suprimido” (BARROSO, 2001. p.158) (grifos nossos).

A vedação ao retrocesso é desdobramento lógico da rigidez e vinculação constitucional sobre todas as demais normas inferiores a ela, de modo que devem ser mantida a observância e respeito aos fundamentos postos pela Carta Maior, em qualquer esfera normativa, não podendo ser diferente com a sistemática processual.

3A tutela definitiva e a tutela provisória no ordenamento pátrio

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A resposta que se é dada, ao final da lide, para as partes envolvidas no conflito, pode ser definida como tutela jurisdicional.        

Todavia, para que se possa falar em acesso efetivo à justiça e tutela jurisdicional que possa produzir efeitos eficientes é preciso atentar-se ao problema do decurso temporal que é inerente ao processo e por vezes afeta diretamente a necessária proteção ao direito pleiteado.

Por vezes o tempo é mais antagônico ao interesse das partes,      que as próprias partes, que essencialmente o devem ser. Por isso mesmo, pensou o legislador em medidas que venham a dirimir esta adversidade processual, com vistas na promessa constitucional de justo processo:

“É nesse quadro que se situam as disposições com as quais a lei institui instrumentos destinados a neutralizar os males do tempo, aludindo a este como o tempo-inimigo. O fundamento mais elevado dessas disposições e da sistemática das medidas urgentesno direito processual é a promessa constitucional de tutela jurisdicional, a qual de desdobra no trinômio adequação-tempestividade-efetividade” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p.364).

A promessa constitucional, de que fazem alusão os doutrinadores citados, está esculpida no art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, que diz:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…]

XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

Ainda há que se falar que este acesso não pode se dar de modo inútil, tardio e inefetivo, como aludido pelos doutrinadoresé preciso que o acesso seja conjugado com o trinômio adequação-tempestividade-efetividade.

A depender dos contornos presentes no caso concreto é possível vislumbrar o atendimento jurisdicional apenas ao termino da lide, sendo esta, mesmo nesta circunstancia tempestiva e efetiva. Quando isto for possível, sem prejuízos suportados pelas partes, diz-se ser a tutela definitiva, uma vez que esta se dará apenas ao termino da lide e ainda assim, apta a produção de seus necessários efeitos.

Segundo Didier Jr (2015, p.561):

“A tutela definitiva é aquela obtida com base em cognição exauriente, com profundo debate acerca do objeto da decisão, garantindo-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. É predisposta a produzir resultados imutáveis, cristalizados pela coisa julgada. É espécie de tutela que prestigia, sobretudo, a segurança jurídica”.

A tutela definitiva, ainda segundo Didier Jr (2015, p.562) “pode ser satisfativa ou cautelar”, isto depender da forma processual como ela é arguida.

No entanto, nem toda tutela a ser entregue pode suportar o tempo regular de que precisa o processo:

“A rigor, o tempo é um mal necessário para a boa tutela dos direitos. É imprescindível um lapso temporal considerável (e razoável) para que se realize plenamente o devido processo legal e todos os seus consectários, produzindo-se resultados justos e predispostos à imutabilidade. É garantia de segurança jurídica(…) oque atormenta o processualista contemporâneo, contudo, é a necessidade de razoabilidade na gestão do tempo, com olhos fixos na: i) demora razoável, o abuso do tempo, pois um processo demasiadamente lento pode colocar em risco a efetividade da tutela jurisdicional, sobretudo em casos de urgência; e na ii) razoabilidade da escolha de quem arcará com o ônus do passar do tempo necessário para concessão da tutela definitiva” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, 567).

O problema do tempo, nesta situação, implica diretamente no resultado esperado, eficaz, que a tutela jurisdicional se pretende a oferecer. Sendo possível, dado a demora que é inerente ao processo que a seu termino, quando da prolatação da tutela definitiva, ao final da lide, que a parte vencedora não possa mais perceber os efeitos da decisão.

Por isso mesmo é que se fala em uma tutela que se antecipa à decisão exauriente, uma tutela que para promover seus efeitos é sumária.

Neste sentido Didier Jr (2015, p.567) aduz que “o tempo necessáriopara obtenção da tutela definitiva pode colocar em risco sua efetividade. Este é um dos males do tempo do processo”.

Isto também é comentado por Dinamarco (2003, p.55):

“A realidade sobre as quais todos os dispositivos opera é o tempo como fator de corrosão dos direitos, á qual se associa o empenho em oferecer meios de combate à força corrosiva do tempo-inimigo. Quando compreendemos que tanto as medidas cautelares como as antecipações de tutela se inserem nesse contexto de neutralização dos males do decurso do tempo antes que os direitos hajam sido reconhecidos e satisfeitos, teremos encontrado a chave para nossas dúvidas conceituais e o caminho que há de conduzir á solução dos problemas práticos associados a elas.”

Desta forma a tutela provisória, que se funda em cognição que não é definitiva é imprescindível à proteção de certos direitos que, de outro modo, seria corroídos pelo tempo que se leva para o alcance da decisão final, sendo assim o tempo considerado como inimigo da efetiva tutela e por conseguinte, inimigo da determinação constitucional de efetiva e tempestiva tutela de direitos, o que respalda a tutela que se manifesta provisoriamente, no curso do processo.

3.1Tipos de tutela provisória

A decisão que protege o direito antes de ter sua natureza definitiva, imutável, é portanto provisória.

Sua principal finalidade, como ensina Didier Jr (2015, p.567) é:

“Abrandar os males do tempo e garantir a efetividade da jurisdição (os efeitos da tutela). Serve, então, para redistribuir, em homenagem ao principio da igualdade, o ônus do tempo no processo, conforme célebre imagem de Luiz Guilherme Marinoni. Se é inexorável que o processo demore, é preciso que o peso do tempo seja repartido entre as partes”.

É, portanto fundada em cognição sumária dando eficácia imediata à tutela definitiva que se pretende e que somente será plenamente conhecida ao final da lide.

3.2Características da Tutela provisória

Conforme larga doutrina a tutela provisória é marcada por três características fundamentais, sendo elas a sumariedade, a precariedade e a ausência da proteção das coisa julgada.

Sobre as características aponta Didier Jr (2015, p.568) que a sumariedade da cognição existe “vez que a decisão se assenta em análise superficial do objeto litigioso e, por isso, autoriza que o julgador decida a partir de um juízo de probabilidade”. Sobre a precariedade implica dizer que, por ser sumária, “poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo” e quanto aos efeitos finais, “por ser fundada em cognição sumária e precária, a tutela provisória é inapta a tornar-se indiscutível pela coisa julgada”.

3.2.1Características e pressupostosda Tutela provisória de urgência

A tutela provisória de urgência é aquela em que a situação de urgência, que impõe uma resposta estatal imediata, já existe no momento da propositura da ação. Já no momento em que se apresenta a petição inicial já é requerida a tutela provisória de urgência.

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Extraía-se, assim, como pressupostos para deferimento da medida era necessário a evidenciação do “fumus boni iuris” e o “periculum in mora”,sendo respectivamente a demonstração da probabilidade do direito e a demonstração do perigo do dano ou do ilícito em razão da demora do processo.

Todavia, com vistas nas disposições que estavam presentes no § 2º do aludido artigo, exigia-se, para aquelas tutelas provisórias satisfativas, ou seja que haveria desde já o gozo do direito pretendido,a reversibilidade dos efeitos da decisão antecipatória.

3.3Disciplina legal da tutela provisória de urgência no Código de Processo Civil de 1973

O Código de Processo Civil de 1973, disciplinava as tutelas provisórias de urgência em seu art. 273, nos seguintes termos:

“Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

I – haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou(Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.(Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.(Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.”

Desta forma, sob a égide do código processual de 1973, eram exigidos como pressupostos a serem demonstrados para que se fosse deferida a tutela provisória de urgência: a probabilidade do direito (fumus boni iuris), o perigo da demora (periculum in mora) e ainda um requisito especifico, qual fosse a reversibilidade da tutela provisória.

3.3.1Posicionamento doutrinária sobre as disposições do diploma processual de 1973

A exigência que já existia no § 2º do art. 273 do CPC de 1973 era vista com cautela pela doutrina:

“Conceder uma tutela provisória satisfativa irreversível seria conceder a própria tutela definitiva – uma contradição em termos. Equivalente a antecipar a própria vitória definitiva do autor, sem assegurar ao réu o devido processo legal e o contraditório, cujo exercício, “ante a irreversibilidade da situação de fato, tornar-se-ia absolutamente, inútil. Como seria inútil, nestes casos, o prosseguimento do próprio processo” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p.600).

Assevera ainda parte da doutrina:

“Tratando-se de tutelas concedidas mediante cognição sumária, em juízo de probabilidade, o requisito referente á aparência do direito na tutela cautelar é diferente daquele previsto para a tutela antecipada. Um dos requisitos para a concessão da tutela antecipada é a prova inequívoca da verossimilhança da alegação, segundo previsão expressa do art. 273, caput, do CPC. (…) Segundo a melhor doutrina, o juiz parte, no início do processo, da mais completa ignorância e desconhecimento a respeito da demanda judicial que julgará, sendo construído o seu convencimento conforme aprofunda a sua cognição. Dessa forma, o juiz parte da ignorância e ao final chega à certeza, que o habilita a proferir a decisão definitiva. Compreende-se que entre a ignorância e a certeza existam .diferentes graus de convencimento, que podem mais se aproximar da dúvida ou da certeza. Nessa verdadeira linha de convencimento pode-se afirmar que a prova inequívoca da verossimilhança da alegação esta mais próxima da certeza do que o fumus bom iuris, ainda que em ambos os casos já exista um convencimento suficiente para o juiz considerar ao menos aparente o direito do autor. Esse entendimento é recepcionado pelo Superior Tribunal de Justiça” (NEVES, 2011, p.1142).

Como regra, na doutrina, sempre asseverou-se que mesmo havendo o risco da irreversibilidade da satisfação da tutela o que caracterizaria o gozo imediato do bem da vida que deveria ser entregue mediante juízo exauriente, estando presentes os requisitos da tutela provisória, dever-se-ia pesar o risco da irreversibilidade e a efetividade da tutela, que em muitos casos, somente se perceberia desde logo, sendo privilegiada a primazia da efetiva tutela, que era preceito constitucional, sobre o risco da irreversibilidade.

3.4Poder Geral de Cautela

Cabe ao juiz, que preside todo processo com vistas ao alcance final de seus objetivos, o devido cuidado com o seu regular andamento, bem como com a sua efetividade.

Sendo assim, a doutrina é unânime no sentido de que detém o juiz o poder de adotar medidas cautelares, mesmo que atípicas (aquelas que não estão descritas em lei), tendo como fulcro a busca pela efetividade do processo. Sendo este poder aquela dirigido à acautelar o resultado final da jurisdição.

Sobre o poder geral de cautela e sua incidência no tocante as tutelas antecipatórias, pondera Dinamarco (2003, p.64):

“A doutrina é pacífica no entendimento de que, para antecipar a tutela, basta a probabilidade e, obviamente, não se exige a certeza; mas é sempre indispensável observar uma linha de equilíbrio com a qual o juiz leve em conta os males a que o interessado na medida se mostra exposto e também os que poderão ser causados à outra parte se ela vier a ser concedida.”

Ensina ainda a doutrina:

“Segundo a previsão do art. 273, caput, do CPC, “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, (…)’’: Da literalidade do dispositivo legal se conclui que a tutela antecipada depende de pedido expresso da parte interessada, sendo vedada a atuação de oficio pelo juiz20, A doutrina majoritária entende que, tratando-se a tutela antecipada de espécie de tutela que beneficia diretamente a parte, que poderá a partir de sua concessão aproveitar-se do bem da vida como se tivesse ganhado a demanda, cabe somente á parte pedir expressamente a proteção junsdicional. Diferente da tutela antecipada, o art. 797 do CPC consagra expressamente o poder geral de cautela do juiz, e um dos sentidos possíveis atribuídos a esse instituto processual é a concessão de medidas cautelares de oficio, ainda que em situações excepcionais. Com maior ou menor amplitude na atividade de oficio do juiz, a doutrina à unânime no reconhecimento de uma permissão legal de concessão de tutela cautelar independentemente de pedido da parte interessada. Ainda que se concorde com a doutrina majoritária de que a tutela antecipada depende de pedido da parte interessada, é preciso lembrar que há uma parcela minoritária que defende a possibilidade de concessão de tutela antecipada em situações excepcionais. Para alguns, a gravidade do caso e a disparidade de armas entre as partes justificariam a concessão de ofício com amparo na regra da razoabilidade, para outros, apesar de afirmarem que o poder do juiz é excepcionai, bastaria a constatação de risco iminente de perecimento do direito e da existência de provas suficientes de verossimilhança, ou seja, bastaria o preenchimento dos requisitos necessários para a concessão de tutela antecipada” (NEVES, 2011, p. 1143).

É então claro que, o poder geral de cautela que cabe ao juízo, implica na aplicação de um juízo de ponderação entre os bens que serão sacrificados, caso seja deferida tutela antecipada com vistas a necessária satisfação do direito pretendido, de modo que resta autorizado o juiz a proceder com a medida, ficando atento evidentemente a essa proporcionalidade. Não restando adstrito á vedação legal que estava prescrita no § 2º do art. 273, pela força dos preceitos constitucionais que regem o processo, impondo sobre ele a sua efetividade e tempestividade.

3.5A disciplina da tutela de urgência irreversível no Códigode Processo Civil de 2015

Assim como no código de 1973, o diploma processual civil de 2015 reproduziu as disposições sobre a tutela provisória de urgência, frisando a proibição ao juízo de sua concessão quando evidente a irreversibilidade de seus efeitos, como se extrai da leitura dos dispositivos legais:

“Art. 300.A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.

§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”(BRASIL, 2015) (grifos nossos)

Nota-se que o requisito da reversibilidade que já era exigida e estava esculpido no §2º do art. 273, persiste, agora presente no § 3ºdo art. 300.

Sendo os mesmos requisitos que antes eram exigidos para deferimento da tutela provisória de urgência, quais sejam a probabilidade do direito, o perigo da demora e o requisito especifico da reversibilidade dos efeitos da decisão.

3.5.1Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis acerca do Art. 300, § 3º

O § 3º do art. 300, não traz qualquer exceção para a vedação. Sendo expresso ao determinar que, em sendo percebidos os efeitos irreversíveis da medida, esta não poderá ser concedida. Todavia, o antigo dispositivo (§2º do art. 273) já previa o mesmo rigor, que já era abrandado pela doutrina e jurisprudência, em razão da violação que ele ocasionaria ao direito constitucional à efetiva prestação jurisdicional, que é evidente a depender da concretude do caso.

Seguindo esta linha de raciocínio e, a despeito da exigência legal (§ 3º do art. 300) o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), reunido para tratar das mudanças do novo código de processo civil determinou em seu enunciado n.419 que “Não é absoluta a regra que proíbe tutela provisória com efeitos irreversíveis”:

Quando o FPPC firmou o entendimento do enunciado n.419 ele nada mais fez do que reproduzir o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência de que a ponderação de bens jurídicos deve nortear a concessão ou não da medida provisória, não sendo razoável uma vedação geral que desconsidera a urgência de certas situações. Restando evidente que a regra contida no § 3º deve comportar exceções em sua aplicação.

4A inconstitucionalidade da vedação integral do § 3º do art.300 do código de processo civil de 2015

Para Didier Jr (2015, p.600) “conceder a tutela provisória irreversível seria conceder a própria tutela definitiva”, o que seria, para o autor, um paradoxo nocivo ao processo. Porém ele mesmo entende a vedação do art. 300, § 3º desproporcional em relação as diretrizes constitucionais que incidem sobre o processo.

Conforme aponta o doutrinador, a pretensão do legislador seria “coibir abusos no uso da providencia”, porem uma vedação geral ocasionaria prejuízos muito maiores que os eventuais abusos que pretendeu coibir, o que configura a regra, se admitida como está posta, sem exceções, como inconstitucional.

Desta forma pondera a doutrina:

“Essa exigência legal deve ser lida com temperamentos, pois, se levada às ultimas consequências, pode conduzir à inutilização da tutela provisória satisfativa (antecipada). Deve ser abrandada, de forma a que se preserve o instituto.Isso porque, em muitos casos, mesmosendo irreversível a tutela provisória satisfativa – ex.: cirurgia em paciente terminal, despoluição de águas fluviais etc. –, o seu deferimento é essencial para que se evite um “mal maior” para a parte/requerente. Se o seu deferimento é fadado à produção de efeitos irreversíveis desfavoráveis ao requerido, o seu indeferimento também implica consequências irreversíveis em desfavor do requerente”(DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p.600)..

E ainda:

“Ocorre, entretanto, que, mesmo quando a tutela antecipada é faticamente irreversível, o juiz poderá excepcionalmente concedê-la, lembrando a doutrina que um direito indisponível do autor não pode ser sacrificado pela vedação legal.Nesse caso, valoram-se os interesses em jogo, e, sendo evidenciado o direito à tutela antecipada, é indevida a vedação legal a sua concessão. São, por exemplo, muitas as tutelas antecipadas em demandas em que se discute a saúde do autor, com a adoção de medidas faticamente irreversíveis, tais como a liberação de remédios, imediata internação e intervenção cirúrgica. E óbvio que a mera indisponibilidade do direito não é suficiente para a concessão da tuteia antecipada, devendo sempre o juiz analisar o efetivo preenchimento dos requisitos legais. Não é porque a operação é necessária á sobrevivência do autor que o juiz concederá, por esse simples fato, a tutela antecipada em seu favor somente porque o Plano de Saúde ou Hospital sempre poderão cobrar o valor da operação posteriormente na hipótese de revogação da tutela antecipada” (NEVES, 2011, p.1172) (grifos nossos).

Na avaliação e ponderação dos bens que estarão em jogo, como bem aponta Neves (2011) o juiz poderá desconsiderar a vedação legal (antes no art.273 e agora no art.300) para efetivar direito que de outro modo não seria, tendo este que esperar o tempo que leva o regular andamento processual. Sendo claramente inconstitucional impor tal sacrifício ao requerente, tendo em vista os princípios que regem o processo.

Deve portanto o juiz realizar um juízo de ponderação e, tendo em vista os rigores constitucionais, aplicar, mesmo em casos de irreversibilidade da medida a antecipação da tutela requerida.

5Considerações finais

As determinações legais previstas na regra do art.300, § 3ºdo diploma processual civil de 2015 já eram previstas no antigo diploma processual e desde a antiga disciplina já se entendiam como inconstitucionais as aplicações que tentavam limitar o exercício, mesmo em sede de medida provisória aqueles direitos que estivessem sob ameaça de perecimento.

Assim como outrora, uma vedação a antecipação da tutela, total ou parcial, em razão da irreversibilidade dos seus efeitos ocasionaria um prejuízo tão superior ao requerente, em certos casos, que a própria atividade jurisdicional restaria inviabilizada. E nesta senda não apenas restaria inviabilizada a prestação jurisdicional mas propriamente a determinação constitucional de proteção máxima aos direitos fundamentais, quando seus titulares, estariam obrigados, indiretamente a renunciar seu exercício em nome de um suposto regular andamento processual, dada irreversibilidade dos efeitos de uma decisão que antecipasse a tutela. Deste modo, cabe defender que a imperatividade constitucional sobre todos os diplomas a ela inferiores obriga a ponderação da aplicação das disposições do § 3º do art. 300 do Código de 2015, como já o era no código de 1973. De modo que quando a medida antecipatória versar sobre direito indisponível, mesmo em sendo irreversíveis os seus efeitos, em razão da natureza não patrimonial do direito discutido haverá que se deferir a medida com vistas á guarida constitucional, em muito superior aos regramentos que regem o processo, devendo o conteúdo do aludido dispositivo, nestas circunstancias ser afastado.

Tendo isto em vista, a regra prevista no § 3º do art. 300 do código de processo civil de 2015 é inconstitucional, se consideradaa integralidade de sua aplicação, para toda e qualquer circunstancia, sendo o direito discutido patrimonial ou extrapatrimonial, disponível ou indisponível, porviolar direito ao devido processo legal que pauta-se no trinômio adequação-tempestividade-efetividade, além de evidente subversão à normatividade constitucional de proteção aos direitos fundamentais o que configuraria uma manifestação de retrocesso no ordenamento pátrio.

Referencias
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Nota:
[1] Pondera, todavia, a doutrina que nem todos os direitos fundamentais terão eficácia imediata.


Informações Sobre o Autor

Phablo Freire

Advogado, Professor universitário, Bacharel em Direito. Especializando em Gestão de Cidades pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE), Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Damásio Educacional, Mestrando em Psicologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).


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