Assédio processual

“Praticou a ré assédio processual”, uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação por uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária.” (Mylene Pereira Ramos, Juíza Federal, da 63ª Vara do Trabalho, da Seção Judiciária da Comarca de São Paulo, in processo nº 02784200406302004) (grifos e destaque não no original.)

Brilhante, sob todos os aspectos, a sentença proferida pela Excelentíssima Juíza do Trabalho – Dra. Mylene Pereira Ramos, em ação trabalhista proposta por reclamante, contra grande instituição financeira, no processo nº 02784200406302004.

Durante 15 (quinze) anos, ex-empregado de grande instituição financeira, batalhou na Justiça do Trabalho, contra o ex-empregador, visando o cumprimento de acordo judicial celebrado, noutra reclamação trabalhista.

Pelo referido acordo, a instituição financeira deveria complementar a aposentadoria do ex-empregado, como se na ativa estivesse.

Porém, com freqüência, o Banco lhe pagava quantia a menor, obrigando-o a, ano a ano, ingressar com execuções das diferenças, cujos processos eram sistematicamente procrastinados com embargos, agravos, enfim, toda sorte de recursos, por parte da instituição financeira.

Assim foi, ao longo dos anos, até que, num pedido de tutela antecipada, deferida pela MM. Juíza do Trabalho, o reclamante obteve a penhora de recursos financeiros do Banco para assegurar, também, a execução seguinte, cominada com multa, por litigância de má-fé, caso o executado uma vez mais não cumprisse o acordo celebrado há quinze anos.

Finalmente, o Banco passou a respeitar o acordo judicial celebrado.

Encerrada a pendenga trabalhista, o ex-empregado propôs, contra o Banco, na Justiça Comum, ação ordinária de reparação de danos morais e materiais, tramitada pela r. 16ª Vara Cível do Foro Central.

A ação foi julgada parcialmente procedente, condenando o Banco a pagar, ao autor, quantia aproximada de R$ 95.000,00, a título de danos morais, rejeitando o pedido de danos materiais.

Em sede de recurso de Apelação, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acolheu a preliminar de incompetência da Justiça Comum argüida pelo Banco, determinando a remessa dos autos para a Justiça do Trabalho.

Ao sentenciar a ação, a Meritíssima Juíza da 63ª Vara do Trabalho, em brilhante sentença, ressalte-se, acolheu o pedido de danos morais pleiteados pelo ex-empregado, condenando o Banco a indenizá-lo na importância de R$ 182.363,00 e mais R$ 10.000,00 por litigância de má-fé, rejeitando o pedido de danos materiais.

Na verdade, a alegação de incompetência da Justiça Comum, argumentada pelo Banco, contra a decisão de primeira instância, representou um autêntico “tiro no pé”, porquanto, nesta fora condenado em R$ 95.000,00, e na Justiça do Trabalho, em R$ 202.363,00, porém, isto é de somenos importância.

Contudo, diversas outras passagens da r. sentença proferida pela Meritíssima Juíza da 63ª Vara do Trabalho mereceriam ser transcritas, porquanto, em seu contexto, a par de representarem notável saber jurídico, conjuga todos os anseios que um cidadão comum do povo espera do Poder Judiciário, quais sejam: celeridade, eficiência e acima de tudo justiça. Texto integral está disponível no site do TRT-2ª Região.

Mas sobreleva destacar da r. sentença proferida pela Meritíssima Juíza a nova figura por ela capitulada de “assédio processual”, assim entendido por Sua Excelência, como sendo a procrastinação processual perpetrada por uma das partes, tão somente para ganhar tempo.

A propósito, ao largo de diversos outros motivos, tal procedimento, salvo melhor juízo, senão o maior, certamente, um dos expedientes mais utilizados para atravancar o Poder Judiciário, contribuindo, sobremaneira, para sua morosidade e ineficiência.

Desta feita, ao lado do “assédio sexual” e do “assédio moral”, temos, agora, o “assédio processual”, muito brilhantemente incorporado ao nosso ordenamento jurídico processual pela Excelentíssima Juíza Dra. Mylene Pereira Ramos.

Referida sentença, pode-se afirmar, é um alento para nós brasileiros, no sentido de jamais deixar de acreditar no Poder Judiciário, por mais duras e severas críticas, quando não deboches e sarcasmos descarados, lhes são imputados. “A Justiça tarda, mas não falha”? Sim, mas não é o ideal que objetivamos, com evidência.

O autor da ação trabalhista labutou, por quinze anos, para ver finalmente o Banco, seu ex-empregador, ser compelido a cumprir um acordo, diga-se, homologado por sentença judicial. Em outras palavras, não dava a mínima para uma sentença judicial. Depois, mais quatro anos para ver ressarcido das angústias e aborrecimentos suportados durante aquele calvário.

A condenação em litigância de má-fé foi suficiente? Certamente não, mas não há outro “castigo”, por falta de previsão legal.

Quem sabe, ao se criminalizar também o “assédio processual”, obtém-se uma contribuição para agilizar a Justiça Brasileira.

A propósito, os EUA foram o primeiro país a criminalizar o assédio sexual (denominado “sexual harassment”), em fins da década de 70.

De lá para cá, tem aumentando consideravelmente o número de países que passaram a se preocupar com o tema. A maioria deles, entretanto, reserva o tratamento da matéria à legislação civil ou trabalhista.

No Brasil, a Lei nº 10.224, de 15/05/2001, introduziu no Código Penal, no Capítulo dos Crimes contra a Liberdade Sexual, o delito de assédio sexual.

A inclusão desse tipo penal demonstrou um amadurecimento e uma tomada de posição em relação a certos temas que, não obstante trazerem enorme prejuízo, principalmente para as mulheres, não vinham sendo tratados com a necessária atenção.

Ao lado do assédio sexual, surgiu a figura do assédio moral caracterizado como um comportamento que utilizando técnicas de desestabilização, conduzem o indivíduo a um estado de desconforto psíquico, evoluindo para a irritação, estresse, causando humilhações e inferioridade moral.

Agora, temos o “assédio processual”, cujo conceito, nas palavras da douta Magistrada – Juíza Mylene Pereira Ramos, assim se resume: “Praticou a ré “assédio processual”, uma das muitas classes em que se pode dividir o assédio moral. Denomino assédio processual a procrastinação por uma das partes no andamento de processo, em qualquer uma de suas fases, negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas, procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados, tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária.”

Enfim, apesar dos inúmeros obstáculos a serem ultrapassados, a nossa sociedade, cuja origem teve numa colonização culturalmente medíocre, vai se modernizando, buscando educação e cultura, de modo a recuperar os 500 anos de atraso, com boas perspectivas de alcançarmos um modelo de Poder Judiciário e de Justiça, céleres, eficientes e sobretudo justos, notadamente contando com magistrados do gabarito da Meritíssima Juíza acima citada.

Talvez, alcançado o modelo de Poder Judiciário ideal, partamos para fazer o mesmo com o Político, no qual somente se instalarão indivíduos cultos, no mínimo, semi-alfabetizados, e realmente interessados no país, na nação brasileira, não só no próprio bolso.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

João Batista Chiachio

 

Advogado em São Paulo, especializado em Direito Empresarial. Sócio da Hodama, Duarte, Chiachio, Kayo Advogados Associados

 


 

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