Resumo: Em países de vasto território uma das barreiras mais significativas do acesso à justiça é a barreira econômica. As disparidades econômicas são vastíssimas e repercutem de forma negativa no exercício do acesso a justiça dando origem a uma margem cada vez maior de conflitos marginalizados e que por vezes acabam voltados para a autotutela. O Estado por conseguinte ao assumir a função de dizer o direito solucionando os conflitos decorrentes do convívio social deve criar meios de ultrapassar a barreira econômica de forma eficaz. Desta forma insere-se a necessidade de conceder isenção de despesas judiciais de forma a possibilitar a efetividade não apenas do acesso á Justiça, mas da própria cidadania.
Sumário: Introdução. 2. Da evolução constitucional da gratuidade no Brasil. 3. Da Lei nº 1060 para a nova legislação processual. 4. Assistência judiciária e gratuidade da justiça: mais do mesmo. Conclusão. Bibliografia.
Introdução
A solução de conflitos no meio social não é uma preocupação apenas das partes envolvidas mas sim do próprio estado pois quanto maios o numero de litígios no meio social mais difícil será o desenvolvimento da própria sociedade.
Há muitas décadas se vem elaborando e discutindo meios de efetivar a justiça em especial no que se refere formas de pacificação social. A autotutela , pautada no uso da força física, não se mostra como meio eficaz em face de sua instabilidade pois que concede aos envolvido no conflito a possibilidade de a ele retornar a qualquer momento.
A arbitragem muito embora tenha obtido um grande espaço no meio social não atingiu sua plenitude por diversas razões entre as quais pode-se citar a questão cultural e econômica da população brasileira. A mediação tem obtido maior destaque em especial com sua inserção no sistema processual. Muito embora todas as formas apresentam características positivas o sistema judiciário ainda se mostra uma das formas mais procuradas pela população para solução de conflitos.
Reformas vêm ocorrendo há anos no Poder Judiciário e no sistema processual vislumbrando o mesmo objetivo: maior efetividade e celeridade no acesso a justiça. Neste sentido, e vislumbrando a efetividade do meio no sentido de conceder justiça a quem dela precisa criaram-se diversos instrumentos processuais entre os quais a gratuidade da justiça objetivando romper-se com a barreira econômica imposta entre o individuo e a solução do conflito que o envolve. Como bem assevera Cappelletti[1] , a questão econômica representa uma das ondas mais severas que obstaculizam o acesso à justiça pois “os altos custos, na medida em que uma ou ambas as partes devem suportá-los, constituem uma importante barreira ao acesso á justiça”.
O Brasil, em particular, em razão de seu vasto território apresenta desigualdades consideráveis em especial sob o ponto de vista econômico. As disparidades econômicas entre os estados são vastíssimas o que acaba repercutindo de forma negativa no exercício do acesso a justiça dando origem a uma margem cada vez maior de conflitos marginalizados, e, que por vezes acabam voltados para a autotutela. Ressalta Grunwald que “cabe ao Estado, em sua função estatal de viabilização do acesso á justiça equilibrar as desigualdades sociais permitindo que, não somente os hipersuficientes, mas também, os hipossuficientes sejam representados em juízo”. Neste sentido o Brasil adotou em 1950 a lei de assistência judiciária gratuita voltada para a concessão do beneficio da gratuidade a todos que não possuíssem formas de arcar com os custos de um processo incluindo as custas iniciais do processo mas também eventuais taxas e honorários advocatícios.
2.Evolução constitucional da gratuidade no Brasil
A gratuidade da justiça percorreu um longo caminho até a sua inserção na nova legislação processual civil não apenas sob o ponto de vista procedimental mas inclusive de abrangência. Considerando que o objetivo do presente não é aprofundar as origens históricas-legislativas do instituto optou-se por abordar a questão sob o ponto de vista de garantia constitucional tomando-se por base, portanto, as Constituições Brasileiras.
A primeira Constituição brasileira, de 1824, não fazia nenhuma referência acerca do acesso à justiça bem como a constituição de 1891. Somente em 1934 é que o acesso a justiça passou a ser considerada garantia concedida a todo cidadão conferindo o direito a isenção de taxas, emolumentos bem como definindo que competiria ao Estado a União a criação de “órgãos especiais “ com finalidade de representação judicial para os necessitados.
“Art 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
32) A União e os Estados concederão aos necessitados assistência judiciária, criando, para esse efeito, órgãos especiais assegurando, a isenção de emolumentos, custas, taxas e selos”[2]. (grifo nosso)
Ao contrário do rumo da constituição de 1934 a Constituição de 1937 não fez nenhuma menção a gratuidade judiciária em seu texto, voltando a sistema legislativo somente com o código de processo civil de 1939 o qual destinou onze artigos ao tema, referindo não apenas a sua abrangência como também o processamento do beneficio, sendo considerado direito personalíssimo extinguindo-se, portanto, com do beneficiado. Determinou, ainda que poderia ser concedido a estrangeiros e que o requerimento realizado pelo interessado deveria estar acompanhado de atestado de pobreza a qual seria emitida pelo serviço de assistência social e não existindo este, por autoridade policial
“Art. 68. A parte que não estiver em condições de pagar as custas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou da família, gozará do benefício de gratuidade, que compreenderá as seguintes isenções:
I – das taxas judiciárias e dos selos;
II – dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;
III – das despesas com as publicações no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;
IV – das indenizações devidas a testemunhas;
V – dos honorários de advogado e perito.
Parágrafo único. O advogado será escolhido pela parte; si esta não o fizer, será indicado pela assistência judiciária e, na falta desta, nomeado pelo juiz.”[3]
Em 1946 como bem ressalva Messitte[4] “a promulgação em 1946 de uma constituição democraticamente concebida, era de se esperar que a garantia de assistência judiciária surgiria novamente”, e tal ocorreu que em seu dispositivo 141 determina que compete ao poder público a promoção de assistência judiciária àqueles que dela necessitarem dependendo de regulamentação própria.
“Art 141 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 35 – O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados”[5].
A Constituição de 1967 não inovou em termos de assistência judiciária mantendo em seu texto praticamente a mesma afirmativa da Constituição anterior.
“Art 150 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 32 – Será concedida assistência Judiciária aos necessitados, na forma da lei”[6].
Com o advento da Constituição de 1988, a Constituição Cidadã, é que o acesso a justiça foi elevado ao patamar de garantia constitucional e junto a ele a gratuidade não mais apenas judiciária mas jurídica integral.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos[7].
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”[8].
Como bem refere Lopes[9], com a Constituição Cidadã, “tem-se uma garantia bifronte da assistência judiciária: a de corresponder a um item constitucional catalogado no capítulo dos direitos individuais e de constituir-se, também, em atividade estatal essencial ao exercício da função jurisdicional".
Inovou o texto ao determinar que a Defensoria Pública seja um dos órgãos responsáveis pela sua aplicabilidade bem como no sentido de conferir a assistência uma amplitude maior; atingindo não apenas as despesas judiciais com o processo mas também o aconselhamento, a orientação jurídica de natureza extra jurisdicional tratando-a como assistência jurídica integral gratuita.
Acerca desta evolução terminológica utilizada pela Constituição Federal, Moreira[10] menciona que:
“Os necessitados fazem jus agora a dispensa de pagamento e á prestação de serviços não apenas na esfera judicial, mas em todo o campo dos atos jurídicos. Incluem-se também na franquia: a instauração e movimentação de processos administrativos, perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis; os atos notariais e quaisquer outros de natureza jurídica, praticados extrajudicialmente; a prestação de serviços de consultoria, ou seja, de informação e aconselhamentos em assuntos jurídicos.”
A própria evolução das relações jurídicas exigia a participação de advogados no auxilio dos indivíduos , exemplificandi grattia o art.1º §2º da Lei nº 8.906[11] o qual determina que os contratos constitutivos de pessoas jurídicas só podem ser levados a registro após revisão por advogado. Oras se em diversas vezes os necessitados precisam de representação judicial por outras precisam de orientação jurídica , nada mais correto então ampliar a assistência até então assegurada para as demandas judiciais.
Em termos Constitucionais somente a partir de 1988 é que se perceberam mudanças efetivas no sistema de assistência judiciária/jurídica muito embora em fevereiro de 1950 tenha sido publicada a Lei nº 1.060 a qual tratava da assistência judiciária aos necessitados abrangendo não apenas alguns estados, mas todo o território nacional. A publicação da lei foi fundamental para a uniformização dos procedimentos e concessão do benefício pois até então cada Estado encontrava-se regulamentando a concessão da gratuidade.
3. Da Lei nº 1.060 para a nova legislação processual civil
Com a publicação da lei de assistência judiciária aos necessitados ( manteve-se aqui a mesma terminologia utilizada pela lei a época ) percebeu-se a relevância do tema para o acesso a justiça e sua efetividade, voltada aos necessitados sendo estes, segundo a legislação todo individuo nacional ou estrangeiro cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, sem prejuízo de seu próprio sustento ou de sua família; exatamente a classe mais prejudicada pela barreira econômica descrita por Cappelletti.
A LAJ concedeu a isenção de pagamento de taxas judiciais, custas devidas aos serventuários de Justiça, despesas com as publicações indispensáveis, indenizações às testemunhas bem como a honorários de advogado e de peritos. Ressaltando, ainda, em seu texto que as despesas e custas deveriam ser arcadas por aquele que viesse a perder a demanda mas que havendo a possibilidade de custear em parte o processo o beneficiado deveria fazê-lo bem como estabeleceu que no prazo de cinco anos , caso o beneficiado viesse a ter melhoras em suas condições econômicas reembolsaria a Justiça.
A lei manteve, por outra banda, a necessidade de apresentação do atestado de pobreza que poderia ser emitido pela autoridade policial local como forma de comprovar a sua condição econômica e consequentemente a necessidade d o beneficio para que pudesse demandar em juízo
A Lei nº1.060 (LAJ) no decorrer dos anos passou por diversas adequações em 1979 foi publicada a Lei nº 6.707/79 referia que o atestado de pobreza poderia ser emitido não apenas pela autoridade policial local mas também pelo próprio Prefeito Municipal desvinculando o “estado de necessidade” do recebimento do mesmo ou inferior ao dobro do salário mínimo regional.
“Art. 4º (…)§ 1º A petição será instruída por um atestado de que conste ser o requerente necessitado, não podendo pagar as despesas do processo. Este documento será expedido, isento de selos e emolumentos, pela autoridade policial ou pelo Prefeito Municipal, sendo dispensado à vista de contrato de trabalho comprobatório de que o mesmo percebe salários igual ou inferior ao dobro do mínimo legal regional”[12].
Dentre as adequações da lei pode-se citar, também, a alteração realizada pela Lei nº 7.510/86 a qual passou a determinar que não havia mais necessidade de apresentação de atestado de pobreza para que fosse concedido o benefício, basta ao interessado “ afirmar” a sua necessidade.
“Art.1º Os artigos 1º e 4º da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, passam a vigorar com a seguinte redação:
Art. 4º A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.
0 Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.”
No que se refere a abrangência da gratuidade a Lei nº10.317/01 estendeu o benefício da gratuidade para os exames de DNA realizados nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.
“Art. 1o O art. 3o da Lei no 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso VI:
Art.3o (…) VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade”[13].
Em 1979 a Lei de nº 6.248, trouxe uma adequação procedimental determinando apenas a intimação pessoal dos defensores públicos encarregados da prestação de assistência judiciaria gratuita mantida e organizada pelos próprios estados Da mesma forma o fez a Lei de nº 7.510/86[14] que determinou que o pedido de assistência judiciária não precisaria ser mais antecedente ao ajuizamento da demanda, podendo realizar o requerimento na própria petição inicial além de autorização a mera afirmação da necessidade; e, a Lei nº 7.871 de 1989 ao determinar que não havia necessidade de procuração para o advogado integrante da entidade pública incumbida da prestação da assistência judiciária gratuita, até então, os Defensores Públicos.
“Art. 1° O art. 5° da Lei n° 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, fica acrescido de um parágrafo, numerado como § 5°, com a seguinte redação:Art. 5°(…) § 5° Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos”[15].
Em 2012 uma importante adequação/interpretação foi realizada não por meio de Lei, mas sim de uma Súmula do Superior Tribunal de Justiça ( Súmula 481) pois a partir dali não apenas as pessoas físicas poderiam obter a assistência judiciária gratuita mas também as pessoas jurídicas[16], até então excluídas pela Lei nº1.060. Corroborando, por conseguinte, a previsão constitucional acerca da concessão do benefício uma vez que em seu artigo 5º,LXXIV “o Estado prestará assistência jurídica e integral aos que comprovarem insuficiência de recursos “ .
Nada mais correto pois o fato de se tratar de pessoa jurídica não quer dizer que tenhas recursos disponíveis naquele momento para arcar com as despesas judiciais, custas, emolumentos, taxas e honorários advocatícios. Resguardando diferentemente do que ocorre com as pessoas físicas, o fato de que deverá comprovar a necessidade da concessão da assistência judiciaria gratuita sob pena de não obtê-la.
Mais recentemente tem-se a nova legislação processual civil que introduziu em seu texto, na Seção IV do Titulo I referente as Partes e Procuradores, a temática gratuidade da justiça. A nova sistemática processual preocupou-se com a questão apenas judiciária, da mesma forma que a própria lei de assistência judiciária aos necessitados ( Lei nº 1.60), porém não se pode deixar de lado que em termos constitucionais a assistência gratuita não é referente apenas as demandas judiciais mas a toda orientação e auxilio extrajudicial até porque como bem ressalta Greco[17] a sociedade contemporânea tida como sociedade de massa “envolve o indivíduo numa rede de complexas relações jurídicas, cujos direitos dificilmente são bem compreendidos pelo homem comum, exigindo frequente consulta a um profissional habilitado, muitas vezes um verdadeiro especialista , para ditar seu comportamento.”
4.Assistência judiciária e gratuidade da justiça: mais do mesmo
Muito se tem visto acerca da diferença entre assistência judiciária e gratuidade da justiça inserida no novo sistema processual civil pela Lei nº 13.215 de 16 de março de 2015 (NCPC).
A Lei de Assistência Judiciária teve como principio a assistência aos necessitados no que tange a possibilidade de demandarem em juízo. A preocupação maior era exatamente as disparidades econômicas que acabavam impedindo os indivíduos de buscarem seus direitos em juízo caracterizando um dos maiores obstáculos a efetividade do acesso à justiça. Desta forma, o Estado, publicou a Lei de Assistência Judiciária aos necessitados no ano de 1950 voltada em especial as pessoas físicas assegurando a estas a isenção de custas e demais despesas judiciais e assegurando-lhes a presença de um advogado para representa-los em juízo gratuitamente.
A inserção do tema na Constituição de 1988 ampliou o significado da assistência concedida pois se percebeu que não se tratava apenas de uma barreira econômica, mas também cultural. A barreira econômica vivenciada por uma parcela considerável da sociedade repercute em questões culturais e educacionais e, por conseguinte, no conhecimento de seus direitos, na tomada de decisões, desta forma, então, de nada adiantaria conceder assistência apenas quando da necessidade da promoção de uma demanda judicial pois muitas vezes até para se chegar a este ponto era necessário conhecer o direito que se estaria reclamando, além de atos negociais que por vezes sequer chegavam a demandas judiciais. Assim sendo se percebeu a real necessidade de conceder não apenas assistência judiciária para pessoas necessitadas que precisassem demandar em juízo ou que já estivem em demandas judiciais como, também, para aqueles que precisavam de orientações acerca de seus próprios direitos pois se os desconhecessem como reclamá-los? O conhecimento das regras estipuladas pelas leis de convivência é uma das formas de se evitar a instauração de conflitos e em especial conflitos judiciais, da mesma forma que por vezes é o oposto, é fundamental para que se possa reclamar ao Estado via Poder Judiciário, a sua efetividade, sendo inserido, então, como garantia de acesso a justiça em seu sentido mais amplo, judicial e extrajudicial.
Por outra banda a inserção, no novo Código de Processo Civil, do tema gratuidade, não se mostra diverso das intenções ou mesmo temática diversa da já tratada anteriormente por leis, súmulas e jurisprudências… é o mesmo beneficio sob a ótica judicial. Quando se fala de assistência judiciária, se está falando da representatividade em juízo de forma gratuita, da isenção de despesas que possam simbolizar um obstáculo ao acesso a justiça. Da mesma forma a gratuidade, oras do que se trata a gratuidade de justiça senão da isenção de despesas que possam obstaculizar o acesso a justiça?
Já se viu falar que a gratuidade da justiça seria um benefício destinado para aqueles que estivessem em juízo e que por algum motivo passassem a precisar desta isenção para prosseguir com a demanda, e, que a assistência judiciária seria para aqueles que estariam tentando ingressar em juízo para reclamar ou defender algum direito, mas que não teriam condições econômicas suficientes para tal. Porém em momento algum nenhuma das duas referências legislativas, o novo Código de Processo Civil (NCPC) e a Lei de Assistência Judiciária(LAJ)fizeram essa abordagem diferenciando os dois institutos com base no momento em que surge a “necessidade”.
A lei refere exclusivamente a possibilidade de a pessoa necessitada, sendo esta aquela que não possui condições de arcar com as despesas e honorários advocatícios sem prejuízo de sua própria subsistência ou de sua família, não vinculando, portanto, ao momento de surgimento desta necessidade ou ser possuidor ou não de patrimônio ou mesmo de perceber valores específicos a título de salário. A lei (LAJ) em si, traria ao país a noção de que os necessitados poderiam contar com o auxilio de advogados legalmente habilitados para atuarem na defesa de seus interesses; profissionais integrantes do Estado que prestariam essa assistência; porém, não ficou restrita apenas a este grupo, hoje os Defensores Públicos, mas também a advogados privados que passariam a atuar com base na lei, ou seja, gratuitamente. A assistência judiciária tem a natureza de respaldar os necessitados de irem a juízo com advogados devidamente habilitados e terem isenção despesas com atos processuais e honorários advocatícios. É indiferente se a representação esta sendo feita pelo defensor público institucional ou por advogado particular.
Entende-se a confusão considerando que três foram os sistemas de assistência judiciária decorrentes da análise das ondas obstaculizadoras do acesso a justiça analisadas por Cappelletti: o primeiro sistema tratava de atendimento aos necessitados por advogados que seriam pagos pelo estado, advogado privados que estariam recebendo seus honorários não da própria parte contratante mas do estado que assumiria tal encargo; tal sistema se torna inviável face ao alto custo de tal procedimento; o segundo, seria pautado na fixação de honorários para advogados que atuassem perante os tribunais na defesa dos interesses dos necessitados; também não obteve muito êxito pois o valor estipulado pelo Estado seria baixo e acabaria repercutindo na atuação do próprio advogado e interesse deste no patrocínio; o terceiro sistema, seria a formação de um corpo de advogados mantidos pelo Estado com remuneração especifica e destinado apenas a atuação junto a pessoas necessitadas, o que no Brasil se equiparia a Defensoria Pública. Porém sabe-se que além dos defensores conta-se com os advogados dativos, núcleos de atendimento de universidades, núcleos de assistência mantidos pelas prefeituras municipais, até porque a organização e número de defensores não se mostra suficiente para atendimento de todas as demandas judicias e extrajudiciais dos necessitados.
Analise-se do seguinte ponto de vista, se o objetivo é atendimento a necessitados, indiferentemente de possuírem patrimônio ou não pois a necessidade não esta atrelada necessariamente a miserabilidade; com a respectiva isenção de taxas e honorários qual a necessidade de se diferenciar se o necessitado esta sendo representado pela defensoria pública ou por advogado privado, até porque decisões[18] inúmeras já existiam assegurando que fosse concedida a “assistência judiciária” aqueles que estivessem representados em juízo por advogados particulares.
Oras se o objetivo é em verdade viabilizar o acesso a justiça tem-se aqui uma evolução do mesmo para o mesmo. O novo Código de Processo Civil em verdade não inovou ao tratar das isenções como forma de acesso a justiça pois já era assegurado a todo necessitado, a toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira o direito de isenção de custas judiciais, despesas judiciais e atendimento e representatividade por advogado legalmente habilitado eliminando a barreira econômica que se opunha entre o cidadão e a justiça.
Tem-se em si uma mera repetição do que já vinha sendo empregado, não criando maior aplicabilidade ou respeitabilidade ao instituto o fato de estar normatizado. Por outra banda é de preocupar a questão referente a possibilidade do parcelamento das despesas judiciais o que em si acabaria repercutindo e gerando novo obstáculo pois se o individuo esta ingressando em juízo com pleito de assistência judiciária/gratuidade por não ter condições econômica e compete ao julgador decidir pela concessão integral ou parcelamento dos débitos decorrentes da ação judicial volta-se novamente ao obstáculo que se pretende eliminar. O individuo ira antes deverá fazer a seguinte análise: terei condições de arcar com as custas judiciais, sim ou não? Terei condições de arcar com eventual parcelamento das despesas judiciais, sim ou não? E de acordo com a resposta, o melhor será não ingressar em juízo pois correrá o risco de ao final ainda sair devedor do Estado e ser inscrito em dívida ativa.
Conclusão
O tema gratuidade da justiça e assistência judiciária gratuita é inerente ao aceso à justiça. Este sim é um dos temas mais amplamente discutidos pela doutrina e operadores do direito pois diversos são seus ramos e aplicações e repercussões na vida do cidadão.
Negar o direito fundamental de acesso à justiça é inconcebível em estado democráticos de direito e neste sentido entende-se a necessidade da concessão do beneficio da gratuidade. O cerne da questão não reside na atualização de que órgão irá exercer essa representatividade, mas sim a forma com que será realizada gratuitamente e eficazmente. As atualizações legislativas decorrentes da evolução da sociedade, dos direitos e das próprias relações jurídicas deve incidir sobre a amplitude da gratuidade e até mesmo de seu processamento, mas sem que isso implique em retornar a estaca inicial.
É incoerente informar que a isenção pleiteada antes da ação judicial está pautada na lei de assistência judiciaria gratuita e a isenção pleiteada após e inerente a gratuidade prevista no Código de Processo Civil. A isenção é a mesma indiferentemente do momento em que se está a pleitear sua concessão, da mesma forma se mostra incoerente destinar a lei para a defensoria publica apenas e a gratuidade para advogados privados se a própria jurisprudência já concedeu assistência judiciaria gratuita a postulantes com advogados privados.
A intenção é a mesma, qual seja, assegurar de forma eficaz o aceso a justiça, garantia assegurada constitucionalmente, reduzir ao máximo possível a barreira economia que ainda se mostra devastadora em grandes territoriais. A questão em si é ampliar ao máximo o aceso à justiça e para tanto há que se conceder a isenção de despesas judiciais sob pena de se estar obstaculizando a justiça e paralelamente o exercício da própria cidadania.
Informações Sobre o Autor
Lucas Cerqueira Costa
Advogado e Professor no Centro Universitário Estácio de Sá, Especialista em Gestão Pública – Universidade Norte do Paraná e pós-graduando em Direito Eleitoral, – Faculdade Baiana