Assistente técnico comete falsa perícia?

Resumo: Tal texto avalia a possibilidade da figura processual do assistente técnico ter contra si imputação do delito de falsa perícia

Pode-se considerar que fora especificamente com a Lei n. 11.690 de 2008 que houve a introdução formal da figura do assistente técnico no processo penal brasileiro, comum no processo civil e vista no art. 422 desde a vigência da Lei n. 8.455, de 24 de agosto de 1992.

É possível enxergar no artigo 159 do Código de Processo penal, em seus parágrafos 3, 4 e 7 a disciplina e as possibilidades de atuação do assistente técnico no processo penal.

Maior harmonia e igualdade processual (ou paridade de armas) emanou da inovação legislativa, visto que a defesa, assim como a acusação, teria possibilidade de acionar um cientista processual ou técnico que auxiliasse a explicar ou a fundamentar sua tese.

Portanto, como o inquérito policial e o(s) perito(s) designado(s) pelo estado fornecem elementos indiciários e informações aptas a formar o Opinio delicti, o assistente técnico poderá participar ativamente da estruturação do entendimento defensivo sobre o caso, bem como fornecerá elementos técnicos críticos (ou não) sobre a atividade do perito oficial e suas conclusões.

Em suma, o assistente técnico terá a função de analisar dados fornecidos pelo inquérito policial (ou civil), verificar a validade científica destes dados (considerando a falibilidade científica já amplamente reconhecida pela filosofia do conhecimento), promover o embate deles com a ideia apresentada pela parte verificando sua qualidade, além de questionar os dados com a elaboração de quesitos e apresentar pareceres demostrando o equívoco científico do laudo oficial ou a viabilidade da conclusão do assistente técnico.

Assim como no processo civil, então, o assistente técnico do processo criminal é contratado, vinculado e trabalha para a parte, o que não enseja falhas processuais ou conclusivas de seus estudos e pareceres, justamente porque se é o processo criminal um conjunto de procedimentos desenvolvido em contraditório é a atuação do assistente técnico indispensável à isso.

À semelhança da disposição do CPC, “Os assistentes técnicos são de confiança da parte, não sujeitos a impedimento ou suspeição” (art. 422) no processo criminal.

Isso porque, na omissão de disposições no CPP, é aplicável (por abertura sistêmica contida em dispositivo legal do art. 3 “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”) a este código as disposições do Código de Processo Civil, fixando, com efeito, a normatividade do art. 422 do CPC aos procedimentos criminais.

À despeito de tal unidade processual, o delito insculpido no art. 342 do Código Penal tem sido imputado ao assistente técnico, figura inconfundível com o perito oficial ou louvado. Tal erro decorre da tentativa de enquadramento do tipo penal (falsa perícia) ao assistente técnico quando não apresenta concordância com perito oficial ou convocado.

O ímpeto punitivista visto no atual momento do país (possivelmente gerado pelo que Zygmunt Bauman[1] chama de medo líquido), não é refreado senão pelo uso técnico do direito penal indissociável da taxatividade para evitar incriminação analógica, por costume ou por ampliação de texto.

O delito do art. 342 do Código Penal deve ser visto com as luzes extremamente bem calibradas e focadas em seus limites incriminatórios, principalmente porque o tipo penal é fechado e cuja descrição já oferta ao julgador tudo que é necessário à sua análise.

E é possível enxergar a precisão do Nomen juris, além da clareza dos elementos objetivos do preceito primário.

Nota-se que o delito somente pode ser praticado sujeitos determinados, além de ser delito praticado por quem realizada “falsa perícia’.

Conforme salienta Fauzi Hassan Choukr[2], “O assistente técnico não produz, de acordo com a locução da presente norma, laudo, mas, sim, pareceres”. Tal afirmativa é alinhada com o art. 159 do Código de Processo Penal, porquanto o caput rege que “exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial” enquanto o §5º, inciso II determina alinhava da seguinte forma: “assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres”.

Não bastasse tal distinção (a qual já obsta a realização de falsa perícia pelo assistente técnico), “O assistente técnico deve ser compreendido como um auxiliar das partes, dotado de conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, responsável por trazer ao processo informações especializadas pertinentes ao objeto da perícia”[3] e que “Tratando-se de auxiliar das partes, é evidente que, da sua atuação, não se pode esperar a mesma imparcialidade que permeia a atuação do perito. Destarte, ao contrário dos peritos, os assistentes técnicos não se sujeitam às causas de impedimento e suspeição”[4].

Gustavo Badaró tem o mesmo posicionamento, frisando ser um alguém parcial, não sujeito ao art. 280 do Código de Processo Penal (É extensivo aos peritos, no que lhes for aplicável, o disposto sobre suspeição dos juízes.), auxiliar das partes, livre de impedimentos e suspeições[5].

Hidejalma Muccio[6] afirma que como assistente técnico “poderá ser indicada uma terceira pessoa com conhecimentos técnicos, científicos, artísticos ou práticos, para emitir seu parecer em concordância ou discordância com os peritos nomeados”.

Em outra posição está o perito.

Para Aury Lopes Jr.[7], o perito oficial do art. 159 do Código de Processo Penal se constitui como aqueles que “são servidores públicos de carreira, devidamente concursados”. Além desta figura, há o perito nomeado previsto mesmo artigo, mas em seu §1º, redigido com os seguintes moldes: “Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame”.

Acerca da figura do perito nomeado, Aury Lopes Jr., leciona sua hipótese alternativa à figura do perito oficial e concursado, delineando que “Quando não houve perito oficial, o exame deverá ser realizado por duas pessoas idôneas, portadora de diploma de curso superiores, escolhidas, de preferências, entre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame […] os peritos nomeados deverão prestar compromisso”[8].

Diante da distinção jurídica entre cada figura processual, não há possibilidade técnica de imputação do delito de falsa perícia ao assistente técnico, ensejando, eventual acusação nestes moldes, clara atipicidade e violação do princípio da taxatividade.

Notas:
[1] BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 9.

[2] CHOUKR, Fauzi Hassan. Código de Processo Penal. Comentários consolidados e crítica jurisprudencial. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen júris, 2010, p. 317/318.

[3] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 2 ed. Salvador: Juspodium, 2014, p. 623/625.

[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal. 2 ed. Salvador: Juspodium, 2014, p. 623/625.

[5] BADARÓ, Gustavo. Processo penal.2 ed. Rio de Janeiro: Campus, 2014, p. 301.

[6] MUCCIO, Hidejalma. Curso de processo penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Método, 2011, p. 974/978.

[7] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 10  ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 614/615.

[8] LOPES JR., Aury. Direito processual penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 614/615.


Informações Sobre o Autor

Diego Prezzi Santos

Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de São Paulo (FADISP). Mestre em Direito pelo programa de mestrado em ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (CESUMAR) na linha de pesquisa Instrumentos de Efetivação dos Direitos da Personalidade, recebendo aprovação com nota máxima da banca. Pós-graduado em Direito e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor de pós-graduação na Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professor da Fundação Escola do Ministério Público (FEMPAR). Professor de pós-graduação na Faculdade Arhur Thomas (FAAT). Professor de pós-graduação na Universidade Norte do Paraná (UNOPAR). Professor de pós-graduação não Centro Universitário de Maringá (CESUMAR). Professor de graduação no Instituto Catuaí de Ensino Superior (ICES). Parecerista em revistas científicas. Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) com habilitação em Direito Penal e Processo Penal. Membro associado do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Advogado com experiência em direito penal e processo penal.


logo Âmbito Jurídico