Astreintes e execução civil

Resumo: Trata-se de trabalho de pesquisa referente ao instituto das astreintes, comumente chamadas de multas cominatórias, devido a sua incidência punitiva e coercitiva. No presente, busca-se debater seu escopo, adequação e alguns aspectos controversos quanto ao seu limite pecuniário. Em breve intróito, adianta-se que, por decorrer diretamente de uma obrigação principal, supõe a pré-existência de um vínculo jurídico, contratual ou legal, que obriga o devedor a cumprir determinada prestação ao credor. Uma vez não cumprida, voluntariamente, surge a possibilidade de ser exigida judicialmente. Nesse panorama, poderá ocorrer a possibilidade de imposição de multa diária visando compelir o devedor a cumprir a obrigação. Na prática, uma vez que o nosso sistema jurídico conta com parca regulamentação sobre a matéria, condensando suas normas, sobretudo em alguns artigos do atual Código Civil e do Código de Processo Civil, entende-se que sua correta aplicação depende de um ético juízo de equidade, fielmente embasado no princípio da razoabilidade e proporcionalidade constitucionalmente previstos. Questiona-se, em decorrência, a real finalidade da pena, a possibilidade de ser modifica e o reconhecimento de algum limite pecuniário à sua incidência.

Palavras-chaves: Obrigações. Inadimplemento. Coação. Multa cominatória. Astreintes. Pagamento.

Sumário: Apresentação; 1. Das obrigações em geral; 1.1. Das formas de resolução; 1.2. Do inadimplemento e suas conseqüências; 2. Do processo de execução. 2.1. Conceito e origem; 2.2. Meios de realização executivas. 2.3. Meios de coerção executivas; Do astreinte. 3.1. Origem e conceito. 3.2. Escopo. 3.3. Adequação e limites. Conclusão. Bibliografia.

APRESENTAÇÃO[1]

O homem, como apontava Aristóteles, é um ser social, por isto organizou-se em sociedade e esta é decorrência da natureza humana. Porém, uma vez que passou a viver em sociedade, desenvolveu diversas formas de relacionar-se e de estabelecer vínculos, uns com os outros. Com o passar dos anos, décadas, séculos, esse mecanismo passou a se tornar cada vez mais complexo, necessitando de profundas regulamentações para que se pudesse garantir a paz social.

Na sociedade contemporânea, raramente encontra-se um vínculo que não remeta a alguma idéia economicamente apreciável. Ou seja, vivemos numa geração consumista e em decadência, pois não conseguimos sustentar o estilo de vida que nós mesmos criamos ou nos submetemos.

Diante desse complexo e conturbado organismo os governos tem-se ocupado em garantir a estabilidade da economia muitas vezes tutelando a inadimplência, pois cada vez que há uma quebra na cadeia de credores e devedores todo o organismo social é prejudicado. No entanto, não se pode tutelar ou corroborar com os excessos, mas ao contrário, cada vez mais deve-se atentar para a criação de mecanismos que busquem induzir o cumprimento das obrigações pactuadas como forma de manter-se a estabilidade e a harmonia da convivência social.

O presente trabalho, assim, estuda, valendo-se da pesquisa legislativa, doutrinária e jurisprudencial, as astreintes, instrumento criado para dar efetividade do processo executivo civil de modo a impor o cumprimento de obrigações especiais através da coerção pecuniária.

1. DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL

A sociedade, como um organismo complexo e sempre dinâmico, possui mecanismos que ligam os seus participantes entre si. No que se refere à economia, temos as obrigações como a principal fonte de circulação de riquezas. Portanto o direito buscou regulamentar com apreço tais fatos que, uma vez falhos, comparam-se a uma célula doente dentro de um organismo, no caso, o organismo social.

1.1.Das formas de resolução das obrigações

Toda obrigação, em sua origem, nasce com a finalidade de ser cumprida no tempo, modo, forma e lugar pactuados. Afinal, contraditório seria se ao firmar uma obrigação, não se tivesse como escopo justamente a realização da prestação avençada. Logo, como decorrência lógica da própria natureza da obrigação, tem-se o pagamento como principal forma de resolver uma obrigação. Este seria, sem dúvida, o encaminhamento natural e desejável a todo e qualquer tipo de pacto.

Além do simples pagamento nos termos avençados, existem outras formas especiais de efetuá-lo e, assim, em regra, extinguir a obrigação. Não há interesse de exaurir o tema na presente exposição, portanto resume-se em brevíssimas palavras, os institutos do pagamento por consignação, sub-rogação, imputação de pagamento, dação em pagamento, novação, compensação, transação, compromisso, confusão e remissão.

Tem-se como pagamento em consignação aquele em que há um depósito judicial da prestação a qual houve comprometimento por parte do devedor, como forma de garantir a quitação da obrigação. A matéria está regulamentada nos arts. 334 ao 345 do Código Civil. Sub-rogação ocorre quando um terceiro passa a figurar na obrigação como credor ou devedor, há uma substituição das partes originais da avença. Tal pode ocorrer de pleno direito, tal como refere o art. 346, do Código Civil ou por convenção, nos moldes do art. 347 do mesmo diploma. Vale ressaltar que a sub-rogação em si não possui o condão de extinguir a obrigação, apenas reformula seus participantes.

A imputação em pagamento ocorre quando há diversas dívidas líquidas, vencidas e de mesma natureza em relação a um devedor para o mesmo credor. Nesse caso, ao efetuar o pagamento de uma delas, deverá indicar qual das dívidas está adimplindo. A dação em pagamento, conforme o art. 356 do diploma supra mencionado, se dá quando o credor consente em receber prestação diversa da que foi pactuada. A novação é quando um novo credor, devedor ou objeto incorpora a relação obrigacional, extinguindo o vínculo original. Em qualquer dos casos, deverá haver liberação ou quitação do elemento original, bem como o expresso animus novandi, ou seja, expressa vontade de novar a obrigação. A novação encontra suas diretrizes nos arts. 360 a 365, do mesmo código.

Por sua vez, há compensação quando duas pessoas forem, ao mesmo tempo, credor e devedor um do outro. Ressalta-se que as dívidas se extinguem a medida que se compensam. As especificações legais da compensação são encontradas nos arts. 368 ao 380 do Código Civil. O instituto da confusão é aquele que extingue a obrigação quando a qualidade de credor e devedor se encontrarem, simultaneamente, na mesma pessoa, tal qual o disposto nos arts. 381 a 384 do mesmo código. Por fim, pode ocorrer a remissão da dívida, desde que o devedor assim aceite. Salienta-se que a remissão não exclui direito de terceiro. Sua regulamentação está disponível nos arts. 358 a 388 do mesmo diploma.

1.2. Do inadimplemento das obrigações

De acordo com as considerações iniciais deste capítulo, tem-se o inadimplemento como uma célula doente em um organismo, capaz de causar desequilíbrio ao corpo social. O inadimplemento é o contraponto do pagamento e tal pode ocorrer em dois graus. Há o inadimplemento absoluto quando a prestação não foi e nem poderá vir a ser cumprida. O que determina a possibilidade do cumprimento da obrigação é o princípio da utilidade, ou seja, enquanto a prestação for útil ao credor, esta ainda poderá, regra geral, ser cumprida. Temos, por conseguinte, o inadimplemento relativo quando houver retardamento ou falha do cumprimento da obrigação. Inadimplemento relativo é o mesmo que mora.

A mora pode ser tanto do credor como do devedor. Para que se caracterize mora creditoris há apenas que se comprovar o não recebimento, independente de culpa. Já para a caracterização da mora solvendi, é imprescindível a comprovação da culpa do devedor, consoante o art. 396 do Código Civil que diz: “Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora”. Assim sendo, o devedor, em tese, afasta de si a responsabilidade quando o seu atraso é proveniente de caso fortuito ou força maior.

Como conseqüência, o devedor moroso deverá responder pelos prejuízos que causou ao credor, mais juros, atualização de valores monetários e honorários advocatícios.  Quando se fala em responder pelos prejuízos, está se falando do instituto das perdas e danos, que possui como escopo nada menos do que indenizar o credor que sofreu abalos no seu crédito em função de um comportamento culposo por parte do devedor. Esta indenização não é fixada pelo grau de culpabilidade do devedor, uma vez que não possui a finalidade de imposição de pena, mas é calculada a partir de tudo o que o credor efetivamente perdeu ou deixou de lucrar.

2. DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

2.1. Conceito e origem.

Conforme vimos anteriormente, as obrigações nascem com a finalidade de serem cumpridas e, quando isso não ocorre, o nosso sistema legal prevê respectivas conseqüências. Porém, por força constitucional, não se pode buscar o direito com as próprias mãos, devendo-se submeter ao arbítrio estatal através da jurisdição. Nesse caso, surge o processo, como caminho a ser percorrido para que se chegue ao direito no caso concreto.

O caminho a percorrer, para se chegar a esse direito aplicável ao caso concreto, pode ser vislumbrado por duas vias, através de um processo de conhecimento, que resultará em uma sentença, ou através de um título extrajudicial. Tanto em um caso quanto em outro, o credor estará apto a executar o seu direito que está sendo violado e o meio utilizado para dar efetividade a esta declaração de direito é justamente o processo de execução.

Como conceito mais abrangente e mais preciso, tem-se o do jurista Moacyr Amaral dos Santos que diz: “É o processo pelo qual o Estado, por intermédio do órgão jurisdicional, e tendo por base título judicial ou extrajudicial (Cód. de Proc. Civil, art. 583), empregando medidas coativas, efetiva e realiza a sanção”[2]. Nesse conceito, tem-se como sanção justamente o conteúdo da sentença condenatória ou do título extrajudicial.

2.2. Meios de realização executiva

Antes de se falar nas medidas satisfativas propriamente ditas, é relevantes ponderar alguns aspectos.

O Código de Processo Civil brasileiro subdivide as espécies de execuções basicamente em três: de obrigação de entrega de coisa (certa ou incerta), de obrigação de fazer (positiva ou negativa) e obrigação de entrega de quantia certa (contra devedor solvente ou insolvente). Cabe salientar também que a satisfação pode ser sob forma específica, quando é realizada exatamente nos termos avençados, ou subsidiária, quando se dá através do seu equivalente em pecúnia. Extrai-se, portanto, que toda obrigação de fazer ou entrega de coisa que é satisfeita na sua forma subsidiária acaba por se tornar uma obrigação para entrega de quantia certa.

Nas execuções para entrega de coisa certa, consoante o disposto no art. 625, do Código de Processo Civil, o juiz poderá satisfazer o crédito do exeqüente através da expedição, em seu favor, de um mandado de imissão de posse ou de busca e apreensão, conforme se trate de bens imóveis ou móveis. Sendo possível tal medida, quase sempre é viável a execução sob a sua forma específica.

Nas execuções de obrigações de fazer, há uma limitação bastante peculiar. Pois, enquanto as execuções para entrega de coisa ou de quantia incidem sobre o patrimônio do devedor, a execução em pauta se baseia sobre um comportamento deste. Assim sendo, não há como coagir fisicamente alguém para a prática de qualquer ato, sob pena de estar se incorrendo em um desrespeito ao direito de liberdade constitucionalmente previsto. Assim sendo, a execução específica das obrigações de fazer, é bastante prejudicada sobretudo quando se trata de obrigações personalíssimas, que fatalmente se resolverão em perdas e danos caso sejam descumpridas. As obrigações não personalíssimas até podem ser executadas às expensas do devedor original, mas normalmente não é um caminho viável pela excessiva morosidade do seu procedimento.

No caso das obrigações por quantia certa, de acordo com o art. 646, do Código de Processo Civil, o seu objetivo é satisfazer o direito de credor por meio da expropriação de bens do devedor. Para isso, tem-se como instrumento a penhora que, possui como finalidade a individualização, apreensão e depósito dos bens do devedor que irão garantir a dívida. Embora a sua natureza jurídica seja ponto de controvérsia na doutrina, o que nos é relevante nesse momento é termos presente que ela é o meio juridicamente aceito para impulsionar a expropriação dos bens e, consequentemente, satisfazer o crédito.

2.3. Meios de coerção executivos

Acordando com o já mencionado anteriormente, há duas formas de se obter o resultado da execução da obrigação, ou seja, a forma específica e a subsidiária. Sabe-se que, consoante o disposto no art. 247 do Código Civil, “Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível”. Em tese, retira-se do texto a livre possibilidade de o devedor converter a prestação específica em subsidiária, ou seja, em perdas e danos. Todavia, analisando-se as conseqüências que decorreriam desta compreensão, concluir-se-ia que a seguridade dos contratos estaria completamente defasada.

Em outros termos, uma vez que se admite a livre conversão das obrigações em pecúnia, não haveria mais que se falar no princípio básico dos contratos, a pacta sunt servanda. Certamente, tal princípio encontra-se mitigado em face da ordem pública, mas não é esse o caso em pauta, pois se admitindo a arbitrária conversão, estaria se incentivando o caos social, uma vez que o cidadão que pactua algo se encontraria em situação de total instabilidade, afinal em qualquer momento poderia não receber o objeto pactuado e sim um valor em pecúnia. Ora, como poderia o direito permitir e tutelar tais condutas?

Nesse diapasão, surge o mecanismo jurídico das astreintes, cuja finalidade, entre outras, é justamente evitar essa arbitrariedade por parte do devedor de obrigação de fazer infungível. Logo, a multa seria transitória e teria como finalidade precípua induzir o devedor a cumprir a sua obrigação na espécie que foi contratada sem agredir os direitos constitucionalmente previstos, ou seja, sem a coação física ao inadimplente.

3. ASTREINTES

3.1. Origem e conceito.

O instituto, como aplicado modernamente, tem origem na França onde os dicionaristas apontam que L’astreinte a une fonction comminatoire, c’est à dire qu’elle se veut une menace suffisamment dissuasive pour forcer le débiteur à exécuter ses obligations ou la partie succombante à exécuter la condamnation prononcée à son encontre dans les délais qui leur sont impartis.”[3]  Fazendo parte do universo jurisprudencial desde os primórdios do século XIX, sendo legalizadas em julho de 1972, consiste em acrescer, por determinado tempo, um respectivo valor ao montante da dívida principal em caso de atraso ou manifesto descumprimento, como forma de compelir o adimplemento imediato da obrigação de fazer.

A constatação de sua eficácia, rapidamente ultrapassou as fronteiras francesas para alcançar o Brasil, a Suécia, a Suíça e os países do Benelux, onde existe uma Convenção de lei uniforme relativa ao tema, datada de 26 de novembro de 1973; Luxemburgo por lei de 30 de novembro de 1976; Holanda por lei de 03 de agosto de 1978; e Bélgica por lei de 31 de janeiro de 1980.

No Brasil, as astreintes foram incorporadas ao Código de Processo Civil pela Lei 8.952/94, estando expressamente previstas no seu art. 461, §4º. Todavia, mesmo antes da sua positivação no código mencionado, as multas já vinham sendo utilizadas com êxito por outros diplomas legais, como da defesa dos interesses ambientais (art. 11 da LACP – Lei nº 7.347/85), e dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos do consumidor (art. 84, § 4º, do CPC – Lei nº 8.078/90).

3.2. Escopo

O escopo da astreinte pode ser deduzido pela circunstância de “caracterizar-se como um meio coativo ao cumprimento de determinado comando legal, contrato ou ordem judicial, propondo-se, pois, a defender os contratos celebrados e a proporcionar segurança à ordem jurídica[4]” e que, como multa transitória, de caráter cominatório, visa coagir o devedor ao cumprimento de sua obrigação na forma específica.

3.3.Adequação e limites

Preliminarmente, reforçando a idéia expressada ao término do capítulo 2 do presente trabalho, menciona-se que, consoante o disposto no art. 461§1º do Código de Processo civil, a obrigação somente se resolve em perdas e danos se o autor assim requerer, se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. Assim, mais uma vez se tem que as perdas e danos são um último recurso e não uma arbitrária faculdade do devedor. Tal questão é de suma importância pois reforça a legitimidade de adequação das astreintes ao coibir o devedor a cumprir a obrigação na sua forma específica.

Para se falar em adequação, é imprescindível se o faça à luz das inovações trazidas pela lei 8.952 de 1994 e pela lei 10.444 de 2002.

Assim sendo, de acordo com a nova redação trazida pela lei 10.444/2002, o art. 287, do código de processo civil, prevê a possibilidade das astreintes para o descumprimento de sentenças e de decisões interlocutórias antecipatórias de tutela. No mais, a mesma lei alterou a abrangência das astreintes, passando a incluir a possibilidade de impô-las nas obrigações para entrega de coisa certa, através da inserção do novo dispositivo 461-A, do mesmo diploma supra mencionado.

Quanto as obrigações de fazer e não fazer, a lei 8.952/1994 , já havia acrescentado o §4º do art. 461, do Código de Processo Civil, o qual pacifica a questão, deixando claro a adequação das multas diárias para este tipo de obrigação.

Referente a execução das obrigações de entrega de quantia certa, a lei queda-se inerte, não fornecendo qualquer dispositivo específico sobre o assunto. Há aqueles que defendem a possibilidade, uma vez que não lhes parece coerente que o credor só possa satisfazer o seu crédito pecuniário através da via de expropriação. Assim, implementando-se a possibilidade de multa, estar-se-ia dando um passo importante rumo à celeridade processual. Porém, embora tal regulamentação ainda não exista, a exigibilidade da multa se dará por este rito, precedido de liquidação por artigos.

Ainda sobre a adequação, acrescenta-se a pertinência da multa tanto para execuções baseadas em título judicial quanto extrajudicial. Finalizando, cabe constar que a indenização por perdas e danos não prejudica a imposição da multa.

No que concerne aos limites, o assunto é amplo e sem amparo legal, uma vez que a legislação oferece poucas diretrizes para o assunto. Na realidade, legalmente se tem que o juiz poderá, de ofício, impor e modificar a periodicidade da multa e o seu valor, caso verifique que esta se torna excessiva ou defasada. Mas, quanto aos limites específicos, tal ficou por conta da doutrina e, principalmente da jurisprudência.

Doutrinariamente, tem-se que a multa deve ser alta o bastante para coibir o devedor a adimplir a obrigação, porém não deve ser excessiva a ponto de causar enriquecimento sem causa do credor, até porque o valor das astreintes reverte em seu benefício.

Finalizando, expõem-se dois posicionamentos jurisprudenciais que demonstram a necessidade da utilização de razoabilidade para que se chegue a um patamar justo na fixação das astreintes.

No caso adiante, entendeu o tribunal que não haveria razões para a redução da multa, negando preliminarmente o seguimento do agravo:

EMENTA:  AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FIXAÇÃO DE MULTA. Possibilidade de fixação de multa, de plano, na ação de execução. A ¿astreinte¿ fixada na execução tem a finalidade de garantir a efetividade da sentença. Não há motivos plausíveis para a redução do valor da multa. Agravo a que se nega seguimento, liminarmente. (Agravo de Instrumento Nº 70012297206, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 13/07/2005)

Em contrapartida, este mesmo tribunal, julgando outro caso, entendeu que haveria exorbitância do valor fixado, decidindo pela redução do montante da multa:

EMENTA:  APELAÇÃO. BRASIL TELECOM. EMBARGOS A EXECUÇÃO DE SENTENÇA. OBRIGAÇÃO DE FAZER E MULTA COMINATÓRIA. REDUÇÃO DO VALOR. Descabe o afastamento da multa cominatória fixada em decisão interlocutória nos autos de demanda executiva de obrigação de fazer (subscrição de ações patrimoniais), pois há expressa previsão legal para tanto (art.461, §5º, do CPC). Todavia, considerando a natureza da astreinte ¿ apenas cominatória – e o seu elevado valor (R$11.000,00), possível a redução para R$5.000,00), a teor do art.461, §6º, do CPC. Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível Nº 70011011244, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 30/06/2005

Uma última consideração a respeito é que, como pode ser analisado, trata-se de diferentes relatores. Certamente há que se considerar as peculiaridades de cada caso, porém, não se pode ignorar que  os limites para a fixação do valor das astreintes possui cunho extremamente subjetivo, portanto não seria de se estranhar que, por exemplo, o relator que julgou o primeiro processo, ao julgar o segundo, também não encontrasse exorbitância neste.

Enfim, o que se pode concluir é que este instituto deixa as partes, d certa forma, ao arbítrio do juízo de equidade do magistrado. Talvez esse possa ser um aspecto um pouco negativo do instituto, uma vez que carece de critérios objetivos para tal. Em contrapartida, muitas vezes tolher a liberdade do magistrado pode acarretar em demora processual, além disso, o próprio desenrolar jurisprudencial se encarrega de diminuir a subjetividade no que concerne à fixação de valores da astreinte.

CONCLUSÃO

Em breves linhas, reitera-se a complexidade do organismo social em que vivemos, no qual os vínculos obrigacionais se tornaram a principal fonte de circulação de riquezas e, portanto a sua boa manutenção é imprescindível para garantir a estabilidade econômica do país.

Outrossim, é de conhecimento de todos, que não se vive num contexto ideal, ao contrário, a crise se instaurou entre as pessoas, então não se pode mais basear negócios jurídicos na premissa inocente de que todos somos contratantes confiáveis e isentos de contratempos. Assim sendo, é finalidade precípua do ordenamento jurídico se preocupar em remediar tais situações indesejáveis.

Nesse panorama, podemos contar com todo mecanismo de um processo de execução que busca efetivar a sanção, ou seja, realizar o direito já declarado através de um título executivo judicial e extrajudicial.

Os procedimentos executivos não podem ficar inertes ao agir do tempo no contexto humano, portanto sempre se devem buscar aprimoramentos legais para que se chegue ao objetivo desejado de forma célere e pouco dispendiosa para o Estado e para as partes. Na busca desse objetivo, surgem as astreintes, como um reforço para garantir o cumprimento das avenças entre os componentes da sociedade.

O Instituto em muito contribui para o cumprimento efetivo das obrigações. Pois as multas, ao mesmo tempo em que punem o descumprimento de deveres pactuados conduzem o devedor ao cumprimento em espécie.

Não há dúvida que tal natureza anômala faz com que se atinjam objetivos bem mais abrangentes, uma vez que não se iguala a uma simples cláusula penal ou indenização de outra natureza. Ela busca o cumprimento, a verdadeira efetivação da prestação.

Conforme visto, o escopo das astreintes anda de mãos dadas com o escopo do próprio processo de execução, ou seja, realizar a sanção. Logo, a correta aplicação deste instituto, poderá levar a um caminho muito mais eficaz na obtenção dos resultados desejados ao se ajuizar uma execução.

Quanto as inovações trazidas no ano de 2002, tais só vêm a acrescentar, uma vez que dilatam a possibilidade de aplicação das multas, assim sendo, conferem maior liberdade ao magistrado para promover a justiça ao caso concreto.

Não obstante a tudo isso, tem-se que essas multas possuem muitos aspectos subjetivos na sua aplicação, o que, dependendo do critério de cada juiz poderá se dar um encaminhamento não muito desejável. Aliás, o que se percebe é que, cada dia mais, estão se conferindo poderes maiores aos juízes, para que através dos seus juízos de equidade possam desenvolver e resolver os casos que encontram sob sua responsabilidade. Certo é que tal dilatação de poderes encaminha para uma maior celeridade, mas também pode culminar em decisões excessivamente discutíveis, sobrecarregando os tribunais com a grande quantidade de agravos e apelações.

No mais, resta obscura a aplicação das astreintes nas execuções de obrigações por quantia certa, afinal não há legislação dispondo sobre tal questão. Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça já vem clamado por mecanismos que dêem poderes ainda maiores aos magistrados para que possam fornecer a tutela jurisdicional por outras vias, esquivando-se da morosidade do procedimento via expropriação.

Por fim, reitera-se a utilidade do instituto, ressaltando a importância dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade para que se tenha um desfeixo capaz de promover a tão desejada justiça e garantir a paz e estabilidade social.

 

Bibliografia
Dictionnaire Juridique: Astreinte. Acessado em 27.8.05. Disponível  em URL http:// www.lawperationnel.com
MATEUS, Cibele Gralha. Efetividade e processo de execução: breve análise das novações da Lei nº 10.444/02. Disponível em URL http://www.jusnavigandi.com.br
SANTOS, Moacyr Amaral dos.Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 3º Vol. 9ª ed. Saraiva: São Paulo, 1988.
SOUZA FILHO, Luciano Marinho de B.E. Multas “astreintes”:   um instituto controvertido. Disponível em URL http://www.jusnavigandi.com.br
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol II. . 36. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Vol.II. 4.ed. São Paulo: Atlas S.A., 2004.
VIEIRA, Leandro. Multa processual do art. 461, CPC – seu escopo e seu beneficiário. Biblioteca Jurídica CONSULEX. Editora CONSULEX. Versão 2005. CD ROM n.º 1.
Notas:
[1] Trabalho Elaborado no Núcleo de Pesquisa Jurídica do Departamento de Ciências Jurídicas da Fundação Universidade Federal do Rio Grande, NUPEJUR/DCJ/FURG, sob orientação do Prof. João Moreno Pomar.
[2] SANTOS, Moacyr Amaral dos.Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 3º Vol. 9ª ed. Saraiva: São Paulo, 1988.  pág. 205.
[3] Dictionnaire_Juridique/Astreinte.htm – em 27.8.05. Disponível  em[ www.lawperationnel.com], cuja tradução é “O constrangimento tem uma função cominatória, quer dizer que ele se torna uma ameaça bastante dissuasiva por forçar o devedor a executar as suas  obrigações ou a parte sucumbente a executar a condenação pronunciada a seu encontro   dentro dos prazos que lhes são concedidos”.
[4] Marinho, Luciano de B. E. Souza Filho. [http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4070]

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Jamile Tavares Schenkel

 

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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