Atividade Jurídica para Ingresso na Magistratura – Considerações sobre a Resolução nº 11 do Conselho Nacional de Justiça

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Muitas questões têm sido levantadas com relação às atribuições do Conselho Nacional de Justiça. Conforme a Emenda Constitucional n. 45 estabeleceu, ao acrescentar o art. 103-B, § 4º, da Constituição Federal, compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências.

Com a publicação da Resolução n. 11, que trata da definição de atividade jurídica, dentre outras disposições, pelo Conselho Nacional de Justiça, começam a surgir novas indagações.

Em primeiro lugar, a norma que rege o ingresso na carreira da magistratura consta da própria Constituição Federal que, por força da Emenda Constitucional nº 45/2004, estabeleceu em seu artigo 93, inciso I, o seguinte:

Art. 93. “Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

I – ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação”;

Já se entendia que não seria possível considerar atividades exercidas, antes da condição de Bacharel em Direito, como sendo atividades jurídicas. Ao se analisar esse aspecto da norma constitucional, deve-se levar em consideração a intenção do constituinte ao elaborar a Emenda Constitucional, qual seja, de que o Bacharel em Direito possuísse três anos de experiência. Desta forma, interpretando-se o dispositivo constitucional, a finalidade que o constituinte derivado quis imprimir à norma foi a exigência de três anos de atividade na área jurídica ao indivíduo formado em Direito, ou seja, ao Bacharel em Direito, conforme se verifica analisando os estudos realizados no Congresso Nacional.

A recente Resolução n. 11, de 31 de janeiro de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, regulamentou a noção de atividade jurídica nesse mesmo sentido ora exposto, buscando estabelecer regras e critérios gerais e uniformes quanto ao tema, uma vez que tal assunto ainda não consta do Estatuto da Magistratura.

Assim, o art. 1º busca explicitar o alcance da norma constitucional ao determinar que somente será computada a atividade jurídica posterior à obtenção do grau de bacharel em Direito. O art. 2º, por sua vez, afirma que atividade jurídica consiste naquela exercida com exclusividade por bacharel em Direito, bem como o exercício de cargos, empregos ou funções, inclusive de magistério superior, que exija a utilização preponderante de conhecimento jurídico, vedada a contagem do estágio acadêmico ou qualquer outra atividade anterior à colação de grau. Estão compreendidos no cômputo do período de atividade jurídica os cursos de pós-graduação na área jurídica reconhecidos pelas Escolas Nacionais de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados de que tratam o artigo 105, parágrafo único, I, e o artigo 111-A, parágrafo 2º, I, da Constituição Federal, ou pelo Ministério da Educação, desde que integralmente concluídos com aprovação (art. 3º).

No momento da inscrição definitiva do concurso deverá ser feita a comprovação do período de três anos de atividade jurídica. Aqui a Resolução seguiu caminho diverso do disposto na Súmula nº 266 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “o diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público”, o que certamente ensejará inúmeras demandas perante o Poder Judiciário.

Para os ocupantes de cargos, empregos ou funções não privativos do bacharel em Direito, a comprovação do tempo de atividade jurídica será realizada mediante certidão circunstanciada, expedida pelo órgão competente, indicando as respectivas atribuições exercidas e a prática reiterada de atos que exijam a utilização preponderante de conhecimento jurídico.

Deve-se entender que houve o esclarecimento por parte da Resolução da real abrangência do dispositivo constitucional em tela, a respeito da matéria. Não houve usurpação de espaço reservado à lei em sentido formal. A presente norma tratou apenas de elucidar a compreensão daquilo que o próprio constituinte derivado já buscava, não pretendendo inovar o ordenamento jurídico. O CNJ realizou a sua função pública de controle da atividade administrativa, prevista constitucionalmente, ao dissipar as divergências a respeito do corrente entendimento da expressão “atividade jurídica”.

O art. 6º da resolução em tela, por outro lado, extrapola dos limites normativos do Conselho, ao criar impedimento de integrar comissão do concurso e banca examinadora, para todo aquele que exercer a atividade de magistério em cursos formais ou informais voltados à preparação de candidatos a concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura até três anos após cessar a referida atividade de magistério. Nessa hipótese, a Resolução invadiu o campo da reserva legal, ao criar proibição que não possui expressa menção na lei em sentido formal. Nesse sentido, Lenio Luiz Streck, Ingo Wolfgang Sarlet e Clèmerson Merlin Clève, no artigo “Os limites constitucionais das resoluções do CNJ e do CNMP, publicado na Revista Jurídica Última Instância, em 14 de novembro de 2005, afirmam que “as resoluções que podem ser expedidas pelos aludidos Conselhos não podem criar direitos e obrigações e tampouco imiscuir-se (especialmente no que tange à restrições) na esfera dos direitos e garantias individuais ou coletivas. O poder “regulamentador” dos Conselhos esbarra, assim, na impossibilidade de inovar”.

Tal compreensão é necessária para impedir eventual violação aos direitos fundamentais dos cidadãos, uma vez que estamos em um efetivo Estado Democrático de Direito. Apenas a lei em sentido formal, instrumento normativo originário, elaborado pelos representantes do povo, tem o condão de restringir as liberdades do cidadão.


Informações Sobre os Autores

Leandro J. Silva

Professor de Processo Civil do Curso Aprovação e do Curso Jurídico.

Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt

Advogado da União, Mestre em Direito do Estado pela UFPR, Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Curitiba, da Escola da Magistratura Federal do Paraná, do Curso Aprovação e do Curso Jurídico. Autor do Livro “Manual de Direito Administrativo”- Editora Fórum – 2005


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