Resumo: O protagonismo judicial como se mostra atualmente, nos leva a uma reflexão histórica. A inércia de um dos poderes de nossa republica, conduz outro a superar sua deficiência, até com previsão constitucional, como nos casos do Mandado de Injunção ou das Sumulas Vinculantes. Mas tal vertente traz preocupação, quando esse ativismo advém de decisões pautadas exclusivamente em princípios, fora dos casos positivados. Nas palavras do professor ROTHEMBURG: “Boas razões deve haver para que se destitua um titular designado pelo poder constituinte. A configuração constitucional originaria, com seu quadro de distribuição orgânica e espacial de competências, não é algo que esteja á disposição de modificações, em principio. Existem mesmo limites intransponíveis, funções absolutamente exclusivas, titulares insubstituíveis. A injustificável inércia ou inaptidão em realizar determinações constitucionais, nesses casos extremos, configura uma autentica crise e pode levar a uma quebra da constituição. ” [1] Essa situação onde um poder não consegue atender as expectativas constitucionais, dando margem a invasão de sua órbita de atuação por outro, traz de certa forma uma figura já vista em nosso ordenamento pretérito: o Poder Moderador do império. Esse poder, exercido pelo imperador, atuava justamente na ineficiência de algum dos legitimados, além de dirimir conflitos entre os mesmos. Nossos comentários fazem um despretensioso paralelo entre o ativismo judicial e o poder moderador. Notamos certo reflexo do segundo na marcante e crescente presença do primeiro.
Palavras-chave: ativismo – judicial – poder – moderador
Sumário: 1) Resumo 2) Introdução 3) O jusnaturalismo e o positivismo 4) O ativismo atual – pós-positivismo 5) O direito comparado 6) A pratica empírica do commow law no Brasil 7) Visão atual 8) As funções moderadoras do ativismo 9) Conclusão.
“Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto [o Imperador, graças principalmente a deter o Poder Moderador], guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade” (Ruy Barbosa, discurso em 1914)
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como escopo, fazer breve e sintática análise do ativismo judicial praticado no Brasil, sob a ótica do pretérito Poder Moderador, exercido pelo Imperador durante a monarquia, especialmente cotejando ambos os efeitos.
Trata-se de um paralelo, que em vários momentos, cruza as consequencias de ambas as possibilidades jurídicas.
Diante das atuais posturas do Poder Judiciário, legislando positivamente, podemos numa analise histórica de nosso constitucionalismo, achar que a Constituição de 1824 foi revitalizada, porem com uma nova redação em seu artigo 101, que conferia o Poder Moderador ao monarca.
A conclusão não se mostra teratológica se cotejarmos as funções do Imperador no Século 19, com as posições adotadas pelo Judiciário, especialmente o STF.
Tal poder não era um mero instrumento do absolutismo monárquico, mas uma das mais poderosas ferramentas políticas do império.
O idealizador desse poder foi o suíço Henri-Benjamin Constant de Rebeque no final do século 18 e inicio do 19.
A função do Poder Moderador era justamente de harmonizar as funções típicas dos três poderes instituídos. O modelo somente foi utilizado na forma original, pelo Brasil e Portugal.
Em nossa Pátria, o artigo 98 da então Constituição Monarquista, descrevia seus contornos:
“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.”
Observe-se, que o mesmo tinha como escopo, equilibrar as funções exercidas pelos poderes do império.
Fazendo um breve paralelo entre esse poder, e a atual conjuntura de nossa federação, notamos lampejos da previsão constitucional imperialista nas decisões judiciais que impõe uma nova ordem jurídica positiva.
O Brasil passa por uma crise de identidade entre seus poderes, em especial quando o Judiciário invade área de competência do Executivo e principalmente do Legislativo, o que aflora latente necessidade de uma revisão dos conceitos basilares dos limites de atuação, conforme sinalizado pela doutrina na voz do professor da Universidade de São Paulo, ELIVAL DA SILVA RAMOS:
“Em manifestação veiculada por prestigioso órgão de imprensa, o Presidente do Senado e do Congresso Nacional expressou o desconforto institucional do Poder Legislativo brasileiro diante de práticas adotadas pelos outros Poderes que lhe ameaçam a primazia no desempenho de uma de suas funções primordiais, a de legislar. De fato, não se ignora que o Congresso se encontra pressionado, de um lado pelo Poder Executivo, mercê da edição desenfreada de medidas provisórias com força de lei, desde a entrada em vigor da Constituição de 1988, e, de outro, por recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, que teriam transposto os limites da lídima atividade jurisdicional que lhe compete exercer. Daí a exortação que culminou por fazer aquela autoridade em relação a esse ultimo fenômeno, no sentido de que caberia “definir com precisão os limites da intromissão do Judiciário na seara parlamentar”. Entendo que se trata de questão de fundamental importância para os ulteriores desdobramentos do estado Constitucional de Direito e da democracia no Brasil, podendo vir a se constituir, se bem equacionada, em poderoso obstáculo, na hipótese inversa. Por certo a atuação harmônica dos Poderes, preconizada em termos principiológicos pelo Constituinte depende, em boa medida, de um sábio e prudente exercício das competências constitucionais que lhes foram assinaladas. Entretanto, a precisa identificação dos limites a que se sujeita o Poder judiciário no exercício da jurisdição, dada a natureza eminentemente jurídica dessa função estatal, assume contornos técnicos inafastáveis, razão pela qual avulta a responsabilidade da doutrina constitucional na busca de resposta adequada ao problema posto.” [2]
A par de tais celeumas, a maneira como o Judiciário vem atuando, o aproxima do Poder Moderador outrora exercido pelo imperador.
Embora nossa atual Carta Federal não contemple tal figura, de fato, o órgão julgador pátrio vem desempenhando as funções indicadas pelo artigo 98 da Constituição de 1824.
2. O JUSNATURALISMO E O POSITIVISMO
Antes de falarmos sobre ativismo, mister uma analise introdutória a esse chamado pós-positivismo.
O direito natural, pautado em forte base filosófica, veio ao longo dos séculos sendo sustentado por aqueles que entendiam presentes em nossa essência, direitos independentes de normatização.
Tal vertente se opõe ao positivismo, que dogmatiza o direito, somente através das normas, não reconhecendo um direito fora do ordenamento. BOBBIO traz com muita clareza essa concepção:
“Não é nossa tarefa ilustrar um problema tão rico e complexo como o do direito natural. Aqui, a corrente do direito natural vem á tona apenas devido ao fato de que há uma tendência geral entre os seus teóricos de reduzir a validade à justiça. Poderíamos definir esta corrente de pensamento jurídico como aquela segundo a qual uma lei para ser lei deve estar de acordo com a justiça. Lei em desacordo com a justiça non est Lex sed corruptio legis. Uma recente e exemplar formulação desta doutrina pode ser lida na seguinte passagem de Gustav Radbruch: “Quando uma lei nega conscientemente a vontade de justiça, por exemplo concede arbitrariamente ou refuta os direitos do homem, carece de validade … até mesmo os juristas devem encontrar coragem para refutar-lhes o caráter jurídico”; e em outra parte: “Pode haver leis com tal medida de injsutiça e de prejuízo social que seja necessário refutar-lhes o caráter jurídico … tanto há princípios jurídicos fundamentais mais fortes que toda normatividade jurídica, que uma lei que os contrarie carece de validade”; e ainda: “ Onde a justiça não é nem mesmo perseguida, onde a igualdade, que constitui o núcleo da justiça, é conscientemente negada em nome do direito positivo, a lei não somente é direito injusto como carece em geral de juridicidade, (Rechtsphilosophie (Filosofia do Direito), 4º Ed., 1950, PP. 336-353) [3]. “
Observe-se que o autor coloca pela ótica jusnaturalista, a validade do direito somente ligado à justiça.
Essa justiça dos naturalistas, sempre encontrou muitos críticos, que questionavam a falta de um padrão de fundamento.
A falta de uniformidade dos conceitos elementares da teoria, como v.g. de natureza e justiça, levaram-na a decadência.
Inobstante esse fato, ela juntamente com o iluminismo, trouxe grandes avanços sociais, como a revolução francesa (1789) e a independência norte-americana (1776).
Diante da falta de concretude e segurança nas relações, por um direito natural, nasce a figura do positivismo. Na definição do professor BARROSO,
“O positivismo filosófico foi fruto de uma idealização do conhecimento cientifico, uma crença romântica e onipotente de que os múltiplos domínios da indagação e da atividade intelectual pudessem ser regidos por leis naturais, invariáveis, independentes da vontade e da ação humana. O homem chegara à sua maioridade racional e tudo passara a ser ciência: o único conhecimento válido, a única moral, até mesmo a única religião. O universo, conforme divulgação por Galileu, teria uma linguagem matemática, integrando-se a um sistema de leis a serem descobertas e os métodos válidos nas ciências da natureza deviam ser estendidos às ciências sociais [4]. “
Para BOBBIO,
“Enquanto para um jusnaturalista clássico tem, ou melhor dizendo, deveria ter, valor de comando só o que é justo, para a doutrina oposta é justo só o que é comandado e pelo fato de ser comandado. Para um jusnaturalista, uma norma não é valida se não é justa; para a teoria oposta, uma norma é justa comente se for válida. Para uns, a justiça é a confirmação da validade, para outros, a validade é a confirmação da justiça. Chamamos esta doutrina de positivismo jurídico, embora devamos convir que a maior parte daqueles que são positivistas na filosofia e teóricos e estudiosos do direito positivo (o termo “positivismo” se refere tanto a uns quanto a outros), nunca sustentaram uma tese tão extremada. Entre os filósofos positivistas do direito, tomemos, por exemplo, novamente Levi: mesmo que, como positivista, seja relativista, e não reconheça valores absolutos de justiça, todavia admite que é preciso distinguir aquilo que vale como direito dos ideais sociais que instigam continuamente a modificação do direito constituído, e que, portanto, o direito pode ser válido, sem ser justo. Entre os juristas, tomemos, por exemplo, Kelsen: quando Kelsen sustenta que aquilo que constitui o direito como direito é a validade, não quer em absoluto afirmar que o direito válido seja também justo, mesmo porque os ideais de justiça, para ele, são subjetivos e irracionais; o problema da justiça, para Kelsen, é um problema ético e é distinto do problema jurídico da validade. Se quisermos encontrar uma teoria completa e coerente do positivismo jurídico, devemos remontar á doutrina política de Thomas Hobbes, cuja característica fundamental me parece ser , na verdade, a reviravolta radical do jusnaturalismo clássico. Segundo Hobbes, efetivamente não existe outro critério do justo e do injusto fora da lei positiva, quer dizer do comando do soberano. Para Hobbes, é verdade que é justo o que é comandado, somente pelo fato de ser comandado; é injusto o que é proibido, somente pelo fato de ser proibido. Como chega a esta conclusão tão radical ? Hobbes é um racionalista, e como para todos os racionalistas, também para Hobbes, o que conta é que a conclusão seja tirada rigorosamente das premissas. No estado de natureza, como todos estão á mercê dos próprios instintos, não há leis que determinem a cada um o que é seu, todos têm direito sobre as coisas (ius in omnia) e nasce a guerra de todos contra todos. Sobre o estado de natureza, somente se pode dizer que é intolerável e que dele é preciso sair. E de fato, a primeira lei da razão para Hobbes é a que prescreve buscar a paz (pax est quaerenda). Para sair do estado de natureza de modo estável e definitivo, os homens pactuam entre si objetivando renunciar reciprocamente aos direitos que tinham in natura e transmiti-los a um soberano (pactum sublectionis). Ora, o direito fundamental que os homens tem no estado de natureza é o de decidir, cada um segundo os próprios desejos e interesses, aquilo que é justo e injusto, e tanto isso é verdade que enquanto perdura o estrado de natureza não existe nenhum critério para distinguir o justo do injusto, exceto o arbítrio e o poder do individuo. Na passagem do estado de natureza ao Estado civil, os indivíduos transmitindo todos os seus direitos naturais ao soberano, lhe transmitem também o direito de decidir o que é justo ou injusto; e assim, desde o momento em que o Estado civil é constituído, não há outro critério do justo e do injusto que não seja a vontade do soberano. Esta doutrina hobbesiana está ligada à concepção da simples convencionalidade dos valores morais e, portanto, também da justiça, segundo a qual não existe um justo por natureza, mas somente um justo por convenção (também por este aspecto a doutrina hobbesiana é a antítese da doutrina jusnaturalista). No estado de natureza, não existe o justo e o injusto porque não existem convenções válidas. No Estado civil, o justo e o injusto repousam sobre o comum acordo entre os indivíduos de atribuir ao soberano o poder de decidir o que é justo e injusto. Para Hobbes, então, a validade de uma norma jurídica e a justiça dessa norma não se distinguem, porque a justiça e a injustiça nascem juntas com o direito positivo, isto é, juntas com a validade. Enquanto se permanece no estado de natureza não há direito válido, mas tampouco há justiça; quando surge o estado nasce a justiça, mas esta nasce ao mesmo tempo que o direito positivo, de modo que, onde não há direito não há também justiça, e onde há justiça, significa que há um sistema constituído de direito positivo [5]. ”
Com essas premissas, o positivismo divorciou-se de valores morais e transcendentes, impondo a soberania da norma pela coação.
Talvez seu maior momento, tenha ocorrido no positivismo Kelseniano através da Teoria Pura do Direito, obra na qual o jusfilósofo Hans Kelsen, procura aproximar ao máximo, direito e norma. Em suas palavras:
“Essas tendências ideológicas, cujas intenções e efeitos políticos são evidentes, ainda prevalecem na dominação da atual ciência do direito, mesmo na aparente superação da Teoria do Direito Natural. É contra ela que se insurge a Teoria Pura do Direito, a qual apresenta o direito como ele é, sem legitimá-lo como justo ou desqualificá-lo como injusto; ela indaga do real e do possível, então do direito justo. Nesse sentido, é uma Teoria do Direito justo e também uma teoria do Direito radical-realista. Aproxima-se do direito positivo para avaliá-lo. Porta-se como ciência, sem compromisso com nada, como direito positivo, que procura entender sua existência e, através de uma análise, compreender-lhe a estrutura. Procura, principalmente, servir a algum interesse político, fornecer-lhe a ideologia, os meios pelos quais legitima ou desqualifica a atual ordem social. Com isso, entra na mais forte contradição com a ciência do direito tradicional, que – conhecida ou desconhecida, ora mais, ora menos – tem um caráter ideológico. Justamente por sua tendência antiideológica é que a Teoria Pura do Direito se manifesta como verdadeira ciência do direito. A ciência tem o conhecimento como aspiração imanente, qual seja, revelar seu objeto. A ideologia, porem, encobre a verdade, com a intenção de preservá-la, de defende-la, transfigurá-la, ou na intenção de agredi-la, de destruí-la, substituí-la através de outra, desfigurando-a. Toda ideologia tem sua raiz na vontade, não no conhecimento, mas originada em determinados interesses, ou melhor, no interesse pela verdade: diante do que, naturalmente, nada se deve dizer sobre o valor ou a dignidade desses outros interesses. Novamente o conhecimento rasgará o véu que a vontade e as circunstancias criaram. A autoridade, que cria o direito e que, por isso, procura mantê-lo, pode indagar se um conhecimento, livre de ideologia pode servir ao objeto criado; e também às forças, que perturbam a ordem existente procurando substituí-la por outra melhor, não podem, através de tal conhecimento jurídico, saber muita coisa. Uma ciência do direito não pode preocupar-se nem com uma nem com outra. Tal ciência do direito será a Teoria Pura do Direito [6]. ”
O ilustre idealizador dessa nova teoria do direito firmou alguns pontos relevantes em sua celebre obra.
A primeira delas foi à necessidade de uma aproximação entre o direito e a norma; a segunda que há necessidade da estabilidade do direito, não podendo ficar a mercê de subjetivismos teóricos; a terceira que o direito deve ter concretude, não se admitindo lacunas ou omissões; a quarta é a necessidade de um formalismo que valida o conteúdo.
Sobre esses pilares, Kelsen edificou sua teoria. Como no jusnaturalismo, o positivismo teve seu ápice e posteriormente a derrocada.
Esta fatalmente adveio da queda dos regimes totalitários fascistas e nazistas, que sob o palio do direito, promoveram o horror.
Os julgamentos de Nuremberg, tinham em quase sua totalidade, a tese da obediência a um sistema jurídico.
Diante desses episódios, o positivismo mostrou-se apático para resguardar valores intrínsecos de todos os humanos, como a dignidade e a ética. O passo seguinte, foi o surgimento do pós-positivismo.
3. O ATIVISMO ATUAL – PÓS-POSITIVISMO
O fracasso do jusnaturalismo e do positivismo, deram espaço para uma nova ordem de idéias, pautadas em postulados principiológicos.
Essa nova ordem, fortaleceu a necessidade da positivação não somente de regras, mas de princípios, que garantissem os direitos fundamentais de todos os seres humanos, o chamado pós-positivismo.
Sobre esse prisma, a atuação do Judiciário cresceu sobremaneira, julgando em alguns casos somente pelos princípios. Justamente esse ponto aflora-se como pilar do nosso trabalho.
A tendência de alongamento da atuação do Judiciário, já mostrava indícios na Constituição Mexicana de 1917 e na Weimar de 1919. Segundo BARACHO,
“As origens do ativismo judicial de fato remontam à jurisprudência norte-americana. Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial e para a invalidação das leis sociais em geral. A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969), e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, em especial em questões envolvendo negros [7]. ”
Fala-se em judicialização da política como ativismo, porem nossa doutrina diverge sobre a natureza dos dois institutos colocando-os em regra, como parecidos mas não iguais.
Em breve síntese, a diferença reside na origem da atuação judicial além dos limites da interpretação, ou seja, na judicialização o fenômeno deriva da vontade do legislador constituinte em macro-condições jurídicas, e no ativismo, da vontade do interprete pro ativo.
No Brasil esse fenômeno, caracterizado pelo exercício das funções típicas de outros poderes, tem raízes na própria CF/88 que outorgou prerrogativas historicamente nunca vistas ao Judiciário, especialmente através das Sumulas Vinculantes e do Mandado de Injunção.
Fora as previsões formais da Constituição, ainda o Judiciário se vê na condição de interpretar o ordenamento infra conforme à Constituição, ou seja, judicando por princípios e superando aquelas normas que a seu ver estejam em divorcio das colunas principiológicas de nosso Estado de Direito.
Por tais instrumentos, referido poder passou de mero legislador passivo a um verdadeiro criador de normas.
Essa postura de legislador ativo vem aparecendo de forma muito forte, como v.g. no julgamento sobre as uniões homoafetivas [8] e da fidelidade partidária [9].além da Corte ter invadido território claro do Poder Executivo ao demarcar terras no caso Raposa Serra do Sol [10].
Vários outros julgamentos emblemáticos interferiram positivamente em nosso ordenamento, gerando normas até então não contempladas, como a questão da Biossegurança, que permitiu e disciplinou as pesquisas com células-tronco embrionárias [11], suspensão dos dispositivos da Lei de Imprensa [12], etc.
Consigne-se que o Judiciário nesses casos, manifestou-se nos moldes dos pedidos, e não poderia deixar de fazê-lo, não residindo as decisões no campo da pura criação do prestador da tutela jurisdicional.
O ativismo atualmente observado aflora-se de variadas formas, como na aplicação direta da Constituição a hipóteses não contempladas de maneira expressa em seu texto e a revelia da manifestação do legislador ordinário; a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do Poder Legislativo; a imposição de posturas comissivas ou omissivas ao Poder Público, etc. Para DA SILVA,
“A posição ativista em regra, pauta-se pelo julgamento conforme a Constituição, ou seja, não se está falando de interpretação constitucional, pois não é a constituição que deve ser interpretada em conformidade com ela mesma, mas as leis infraconstitucionais [13]. ”
Para se compreender esse fenômeno de forma mais apurada, mister que vislumbremos com serenidade esse novo período na historia do direito no Brasil, o pós-positivismo. Para BOBBIO, “em linhas gerais, as (também numerosas) teorias positivistas defendiam que a validade do direito seria determinada exclusivamente por considerações formais, isto é, pela atribuição ou reconhecimento de competência normativa à sua fonte produtora ou, simplesmente, pela eficácia social da norma [14].” Ainda GRIMM afirma que “com isso, ao contrario do que ocorria no período pré-moderno, a validade do direito passaria a não mais depender de sua conformação a uma determinada ordem de valores [15]. ”
A par de tal postura, o direito separava-se de qualquer valor moral (filosófico ou religioso).
Os regimes autoritários como o nazismo e o stalinismo, mostraram que o positivismo por si, não garantia valores essenciais à dignidade humana, podendo se tornar instrumento do arbítrio a ponto de banalizar o mal, nas palavras de Hannah Arendt. Diante dessas reflexões, houve uma inclinação relativa em favor dos postulados do jusnaturalismo chamada de virada Kantiana, que não teve muita repercussão. Para o professor BARROSO,
“O Direito, a partir da segunda metade do século XX, já não cabia no positivismo jurídico. A aproximação quase absoluta entre Direito e norma e sua rígida separação da ética, não correspondiam ao estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a causa da humanidade. Por outro lado, o discurso cientifico impregnava o Direito. Seus operadores não desejavam o retorno puro e simples ao jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos de uma razão subjetiva. Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e legitimidade.[16] ”
A estrutura do pós-positivismo ainda divide opiniões.
Encontramos diversas correntes sobre o tema, mas em comum notamos que todas clamam pela inserção de valores pela via dos princípios.
Valores esses que assumem papel normativo não de postura, mas de objetividade existencialista.
AVILA atesta que “diante de normas tão abertas, dirigidas diretamente não à determinação de condutas, mas dotadas de conteúdo preponderantemente finalistico [17].”
Ou nas palavras de SUNDFELD, “cabe ao aplicador do direito um cotejamento entre a regra e o principio” [18], como ensina ALEXY, “na busca do que a doutrina germânica denomina de enunciado normativo” [19]. “A necessidade de se diferenciar entre enunciado normativo e norma pode ser percebida pelo fato de que a mesma norma pode ser expressa por meio de diferentes enunciados normativos [20].”
Integra esses enunciados normativos, necessariamente um valor constitucional, um programa de interpretação.
Para SILVA, “muitas normas são traduzidas no texto supremo apenas em principio, como esquemas genéricos, simples programas a serem desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários. São estas que constituem as normas constitucionais de principio programático [21].”
O novo interprete, hermeneuta do pós-positivismo, deve estar atento a essa estrutura.
Utilizá-la não significa o abandono do positivismo nem o debruçamento pleno no jusnaturalismo, mas a junção racional e equilibrada dos dois institutos, sem que ambos se fundam, mas ao contrario, que se completem. Ainda o professor BARROSO, firma que:
“a distinção qualitativa entre regra e principio é um dos pilares da moderna dogmática constitucional, indispensável para a superação do positivismo legalista, em que normas se cingiam a regras jurídicas. A Constituição passa a ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um papel central [22]. ”
Esse regramento aplicado a priori aos direitos fundamentais, traz ao interprete, uma amplitude hermenêutica muito alem do que poderia se propor no positivismo clássico. ALEXY elucida pontuando no sentido que, “quando duas formas puras e antagônicas não são aceitáveis, deve-se considerar a possibilidade de uma forma mista ou combinada, ou seja, de um modelo combinado. Um tal modelo é o modelo de regras e princípios, que surge da ligação entre um nível de princípios e um nível de regras [23].”
Esse é o modelo atualmente utilizado no Brasil, que torna nosso Judiciário deveras ativo.
4. O DIREITO COMPARADO
Em países que adotam o civil law, a jurisprudência não é fonte de direito, cabendo esse papel exclusivamente às normas regularmente positivadas.
Já aqueles Estados que adotam o common law, como a Inglaterra, as decisões judiciais produzem efetivamente direitos e obrigações (in fleri).
Esse ativismo judicial dos países anglo-saxões, é extenso e amplo, indo da supressão das omissões do Executivo e do Legislativo, até a interpretação teratológica em sentido evolutivo, atuando nas funções típicas desses poderes. RAMOS leciona:
“Não há, pois, necessariamente, um sentido negativo na expressão “ativismo”, com alusão a uma certa prática de jurisdição. Ao contrario, invariavelmente o ativismo é elogiado por proporcionar a adaptação do direito diante de novas exigências sociais e de novas pautas axiológicas, em contraposição ao “passivismo”, que, guiado pelo propósito de respeitar as opções do legislador ou dos precedentes passados, conduziria a estratificação dos padrões de conduta normativamente consagrados. Na medida em que no âmbito do common law se franqueia ao Poder Judiciario uma atuação extremamente ativa no processo de geração do direito, torna-se bem mais complexa a tarefa de buscar no plano da dogmática jurídica, parâmetros que permitam identificar eventuais abusos jurisdição em detrimento do Poder Legislativo. Daí porque a discussão, como se constata nos Estados Unidos, tende a se deslocar para o plano da Filosofia política, em que a indagação central não é a consistência jurídica de uma atuação mais ousada do Poder Judiciario e sim a sua legitimidade, tendo em vista a ideologia democrática que permeia o sistema político norte-americano [24]. “
5. A PRÀTICA EMPÍRICA DO COMMON LAW NO BRASIL
Sobre os aspectos retro mencionados, surge o chamado criacionismo judicial.
Ao se interpretar a Constituição Federal, pode-se fazê-lo em sentido stricto ou lato sensu.
Na primeira hipótese, busca-se o prescrito pelo legislador sob todos os enfoques: lógico, gramatical, teleológico, etc.
No segundo, a amplitude da interpretação, vai ao encontro das necessidades sociais e ao bem comum, positivados de forma principiológica na Constituição Federal, conforme preceito expresso no artigo 5º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro.
Esses vetores fazem com que o interprete vá além do mero preenchimento de lacunas, mas atuando efetivamente como criador constitucional.
Como já mencionado, a Suprema Corte estadunidense, é a motivadora mundial do chamado construction, onde o Judiciário cria leis.
Tal vertente deve-se muito a aplicação naquele país do common law, derivado do direito anglo-saxão.
Como vivemos em um país não colonizado pelos ingleses, nossa tradição sempre foi a do civil law.
A par dessa tradição não estadunidense, o crescimento do modelo britânico em nossas decisões, causa preocupação a muitos.
A analise de algumas recentes decisões do STF, indica que nossa Corte Constitucional inclina-se na esteira da Suprema Corte norte-americana, porém em Estado com povo e cultura muito diferentes.
È clara a presença do construction, v.g. no julgamento das uniões homoafetivas [25]. Isso revela de forma muito límpida, o poder normativo do Judiciário, típico dos países anglo-saxões.
O oráculo de nossa Constituição, dia a dia vem pautando suas decisões nos padrões do common law, embora não seja esse o padrão brasileiro.
Sobre a nossa realidade, existem prós e contras, tanto ao common law quanto ao civil law, o que deve ficar consignado porem, é que nosso Judiciário vem aos poucos, senão a passos largos, caminhando para o modelo inglês.
6. VISÃO ATUAL
Como ponto positivo do ativismo, podemos realçar entre outros, o prestigio aos direitos fundamentais através desse novo constitucionalismo, que assegura à aplicação imediata de seus postulados no momento da interpretação da regra.
Estamos diante de um novo raciocínio jurídico, o qual é norteado pela ponderação entre regras e princípios.
Entre as criticas, temos as mais diversas, desde o desprestigio a separação dos poderes, até a que indica o aparecimento de um super poder, que se coloca hierarquicamente acima dos demais, em detrimento ao postulado dos check and balances.
O certo é que nosso país sempre teve uma tradição constitucional intervencionista, isso desde a Carta de 1934. A atual Constituição não foge a regra. No entender de RAMOS,
“Ao Poder Judiciário deveria caber, nesse modelo, o controle jurídico da atividade intervencionista dos demais Poderes. No entanto, sobre ele também recaem as expectativas e pressões da sociedade no sentido da mais célere possível consecução dos fins traçados na Constituição, incluindo a imediata fruição de direitos sociais ou a extensão de benefícios de universalização progressista, concedidos a determinadas categorias ou regiões com exclusão de outras. É nesse sentido que se pode dizer que o próprio modelo de Estado-providência constitui força impulsionadora do ativismo judicial, levando juízes e tribunais a relevar, em algumas situações, a existência de limites impostos pelo próprio ordenamento cuja atuação lhes incumbe, na ilusão de poderem “queimar” etapas, concretizando no presente, o programa que a Constituição delineou prospectivamente [26].”
O Judiciário busca na realidade a concretização do welfare state, que teve sucesso em varias democracias através desse poder.
Nosso sistema normativo adota um padrão social sem desprestigiar o liberal.
A não concretização pelo Estado de suas funções essenciais (não liberais), leva o Judiciario a se posicionar no exercício de funções típicas do Legislativo e do Executivo. Ainda que não haja omissão dolosa por parte desses poderes, o próprio sistema normativo é rarefeito, não tendo a amplitude possível de contemplar todas as situações hipotéticas.
Nesse sentido, cabe trazer à baila as idéias de Herbert Hart concernentes à textura aberta do direito. “Partindo da tese da “textura aberta” da linguagem comum defendida por Friedrich Waissman. HART preconizava que, além das dificuldades inerentes aos processos de comunicação escolhidos para veicular padrões de comportamento, situações novas não vislumbradas previamente implicarão na existência de uma zona de incerteza e imprecisão inerentes às normas jurídicas [27].”
O termo textura aberta, traduz as incertezas das lacunas do sistema normativo.
Embora o welfare state guarde relação direta com os outros poderes do Estado, na falta destes, o Judiciário se vê na obrigação de impor o fornecimento de remédios, a concessão de benefícios sociais, a concretização de direitos laborais, etc.
Inobstante a necessidade dessa atuação judicial, há certa preocupação. Concordamos com Ingeborg Maus quando afirma que “quando a justiça ascende ela própria à condição de mais alta instancia moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social” [28].
Sobre esse prisma, realça a questão: quem controlará o Judiciário ? Se nosso sistema é o do check and balances, e um desses poderes foge ao controle dos demais e ainda preenche as omissões destes, ai temos de fato a inserção do pretérito quarto poder do império, o moderador.
7. AS FUNÇÕES MODERADORAS DO ATIVISMO
Pensado por Benjamin Constant, o Poder Moderador integrava os quatro poderes do Império.
Erguia-se hierarquicamente acima dos outros, e era manejado pelo Imperador.
Esse poder extrapolava os limites típicos dos outros três, para garantir a estabilidade política e social ao Estado.
Pela redação do artigo 98 da Constituição Imperialista, notamos claramente esse viés:
“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.”
Deve-se ressaltar no artigo 98, os seguintes postulados: “vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos”.
È certo que o quarto poder imperial, não era exercido pela aplicação de princípios, mas também não se mostra equivocada conclusão que sua presença tinha como alvo, a pacificação dos poderes, ou seja, o preenchimento de lacunas funcionais.
Se o pós-positivismo atua formalisticamente na complementação das atividades fim dos poderes inertes, nada mais faz do que concretizar o equilíbrio entre os mesmos, complementando o Estado como um todo, cujo fim é o cidadão.
A diferença que talvez seja a mais marcante, reside no tom axiológico da atuação.
O interpretar ativista (criador) de hoje, estava implícito no artigo 98 da Carta Imperial, porem reservado a outro poder. Traduzindo a importância do Poder Moderador no resguardo dos interesses públicos, somente estes eis que na época não se falava em direitos sociais ou metaindividuais, temos as palavras do Monsenhor Joaquim Pinto de Campos: “Na monarquia constitucional, só uma entidade se perpetua através de todas as mutações: é o chefe do Poder Executivo, é o depositário do Poder Moderador, é a inteligência que conserva todas as tradições, que nunca deixa de intervir competentemente em todos os assuntos que imprime a possível unidade e coerência aos negócios públicos. É ele o único motor sempre invariável, o único piloto constantemente ao leme [29].
A expressão poder moderador do Imperador foi muito usada no meio político, durante o reinado de D. Pedro II. Legalmente e com certa normalidade, o Imperador era forçado a intervir nas questões de todos os dias e nas dificuldades supervenientes.
O resultado era que não podia evitar de decidir e tomar posição nas omissões e nos conflitos de interesses, quer partidários, quer de ordem outra, e sobre ele recaiam objurgatórias e hostilidades dos grupos políticos que se vira obrigado a contrariar.
O conde austríaco Alexandre Hubner, comentou com o Imperador, em visita que lhe fez em 1882: “Vossa Majestade é e se chama Imperador constitucional, e se restringe conscienciosamente aos limites da Constituição. No entanto, Vossa majestade reina e governa. – Não, não ! Vossa Excelência se engana. Eu deixo andar a máquina. Ela está bem montada, e nela tenho confiança. Somente quando as rodas começam a ranger e ameaçam parar, ponho um pouco de graxa [30] .
De observar-se que o poder moderador, era utilizado pelo imperador como instrumento de estabilização política. Na deficiência ou falta de legitimidade de algum deles, atuava o soberano.
O professor LUIZ ROBERTO BARROSO, ao defender um constitucionalismo moderado, mas que não deixe de lado as garantias principiologicas, sustenta caber ao intérprete, na voz do Judiciário, agir nas deficiências de legitimidade dos demais poderes, ou seja: “A Constituição de 1988 tem sido valiosa aliada do processo histórico de superação da ilegitimidade renitente do poder político, da atávica falta de efetividade das normas constitucionais e da crônica instabilidade institucional brasileira. Sua interpretação criativa, mas comprometida com a boa dogmática jurídica, tem-se beneficiado de uma teoria constitucional de qualidade e progressista.” [31]
Em suma, o ativismo judicial, atenua as deficiências dos outros poderes, agindo como moderador. A diferença mais saliente entre este e o imperialista, talvez resida no fato daquele buscar o resguardo dos interesses públicos, pois estávamos diante de uma Constituição liberal, e o atual, que é defendido pelo ilustre professor acima citado, os interesses sociais, positivados em princípios.
8. CONCLUSÃO
A par do exposto, podemos concluir que o pós-positivismo, lastreado na interpretação principiológica do direito, tem como fim a supressão do déficit de legitimidade dos sujeitos constitucionais, ou seja, o alvo é a concretude daqueles direitos fundamentais segundo nosso ordenamento Constitucional. A inércia ou ineficiência, faz com que um poder ocupe a lacuna do outro. No império, o Poder Moderador, tinha função semelhante, cabendo ao soberano, atuar incidentalmente como pacificador ou harmonizador dos demais poderes em suas ausências ou deficiências.
Hoje pela atual leitura que temos do direito constitucional, notamos a necessidade de um elemento que preencha os vazios de atuação, uma espécie e argamassa jurídica que tapa buracos na concretude de um determinado fim (atualmente os princípios), chamado de ativismo judicial. No passado, o interesse não era principiológico, mas simplesmente o da res pública, e era chamado de Poder Moderador.
Informações Sobre o Autor
José Antonio Gomes Ignacio Junior
Graduado em Direito e Administração de Empresas, Pos Graduado com Especialização em Direito Tributario (UNIVEM) e Direito Publico (UNOPAR/IBDP). Mestrando em Teoria do Direito e do Estado (UNIVEM). Professor universitario em curso de Direito.