Ativismo judicial e a sua aplicação no atual cenário político-jurídico brasileiro: possibilidades e limites

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Resumo: É difícil imaginar atualmente alguma questão política, moral, econômica, científica ou ambiental que não possa ser levada à apreciação, mesmo sem necessidade jurídica, pelo Supremo Tribunal Federal. Inúmeros fatores corroboram esta percepção do atual funcionamento da complexa relação entre os Poderes de Estado em nosso sistema político-jurídico marcado pela expansão da judicialização da política. Ao mesmo tempo, nesse período conturbado de redemocratização, grandes expectativas foram depositadas no Poder Judiciário, que passou a ser vislumbrado por muitos como o guardião das promessas e o principal responsável pela efetivação da aplicação das leis em um contexto de suspeita e de descrédito em relação aos poderes democraticamente eleitos. Todavia, três principais argumentos trazem intenso debate em relação a essa postura mais ativa do Poder Judiciário, de que tal ativismo judicial afronta o princípio da separação de poderes de envergadura constitucional; à democracia e o Estado Democrático de Direito; a própria Constituição Cidadã de 1988. Assim, sob o aspecto metodológico, utilizou-se a pesquisa bibliográfica ou teórica além da jurisprudencial, com apoio do método indutivo. Ademais, com o objetivo de investigar o primeiro deles, buscaram-se as origens do poder e suas emanações mais frequentes na acepção institucionalizada do Estado. A conclusão parcial que se extraiu deste ponto foi de que, no Brasil, seja em momentos de normalidade, seja em situações de exceção, não houve uma distribuição do poder estatal linearmente entre os Poderes constituídos. A preponderância do Executivo se destacou, bem como o crescente fortalecimento da independência e da força política do Judiciário. Depois, adentrando na perspectiva do segundo argumento, necessária se fez uma delimitação conceitual da judicialização; da judicialização da política e do ativismo judicial, com a identificação da crise constitucional em que o Estado Democrático de Direito, no Brasil,atualmente, vem passando. Por fim, a pesquisa culmina na investigação das possibilidades (i)legítimas de ativismo judicial e na apresentação de alguns limites sobre a atuação ativista através da demonstração da posição do Poder Judiciário brasileiro, nessa perspectiva, com base em decisões proferidas em casos concretos.

Palavras chave: Ativismo judicial. Judicialização da Política. Estado Democrático de Direito. Democracia. Crise Constitucional.

Sumário: Introdução. 1. Origem e estruturação do Poder Estatal, notadamente, no Brasil. 2. Judicialização da política e ativismo judicial no Brasil – Crise constitucional no Estado Democrático de Direito. 3. Possibilidades; legitimidade e limites ao ativismo judicial – Um olhar sobre os casos concretos. Considerações Finais. Referências.

INTRODUÇÃO

Ao longo dos anos, notadamente após a promulgação da Constituição de 1988, o Poder Judiciário vem sofrendo significativas mudanças, que vão muito além de apenas aplicar as leis. Hoje, o Poder Judiciário assume um papel de grande relevância frente a sociedade como concretizador dos direitos fundamentais assegurados pela Carta Magna. Frente a isso, os magistrados que, antes, apenas controlavam o processo legislativo mediante parâmetros constitucionais, no que tange a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de leis no plano do controle difuso de constitucionalidade, agora, assumem a tarefa de também fazer cumprir a Constituição, pelo menos em alguns casos concretos. Nesse cenário, o Poder Judiciário surge como uma resposta para a sociedade, fazendo com que sejam emanadas novas decisões para preencher lacunas deixadas pelo Poder Legislativo – quanto as normas de eficácia limitada (programáticas) – as quais dependem de legislação infraconstitucional para surtirem todos os seus efeitos e pelo Poder Executivo, que, uma vez ou outra, falha no planejamento e execução de políticas públicas que promovam os direitos fundamentais.

É nesse cenário, em busca de uma efetivação e concretude das normas constitucionais, face ao vácuo legislativo, que surge a judicialização da política e o ativismo judicial. Certo ou errado, legítimo ou ilegítimo, o ativismo judicial ocasiona diversas discussões tanto na doutrina quanto na jurisprudência, notadamente, quando se trata de alguma questão controvertida. Conforme se demonstrará, a discussão gira em torno da atual problemática tida por alguns como ingerência do Poder Judiciário sobre o Poder Legislativo e, mais recentemente, sobre o Poder Executivo, através da utilização (des)ordenada do ativismo judicial, sendo indagado: o ativismo judicial em todas as suas vertentes é legítimo? Em caso positivo, existem limites a esta prática? Para que as perguntas fossem respondidas necessária se fez a atuação das decisões judiciais com a efetividade dos direitos fundamentais e da força normativa da Constituição, todos, observados sob o viés do Direito Constitucional associado ao fato acerca da (i)legitimidade das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, notadamente, no que se refere a sua função de Corte Constitucional, Guardiã da Constituição da República, quando extrapola sua competência de órgão jurisdicional e, por vezes, atua como Poder Legislativo, quando decide sobre questões que ainda não encontraram amparo na legislação, sendo que a principal crítica decorre do fato de os magistrados não serem escolhidos de forma democrática e participativa, como ocorre com os membros dos demais poderes e previsto na própria Carta Fundamental.

A concentração depositada no Poder Judiciário, especialmente na Corte Máxima Brasileira, para a tomada de decisões sobre questões emblemáticas suscita elogios e críticas, demandando uma análise cautelosa, até mesmo porque o tema ora abordado é recente, complexo e exige prudência quando estudado, notadamente, pelo fato de que a sua aplicação desenfreada, sem limite para tanto, pode trazer problemas no que tange a infringência da Separação dos Poderes tida como princípio constitucional e a própria democracia.

Desta feita, para investigação do objeto proposto, a escolha da forma de pesquisa e de seu método mostra-se essencial. Por tratar-se de objeto teórico, logicamente a pesquisa bibliográfica ou teórica foi identificada como uma forma eficaz, eis que permite a investigação da produção científica amparada em decisões jurisprudenciais sobre casos concretos. Buscou-se, então, o objetivo de realizar um trabalho com amplitude necessária para que fosse preciso demonstrar a realidade social e jurídica estudada. Assim, o objetivo geral do presente trabalho é abordar o ativismo judicial no âmbito do atual sistema político-jurídico brasileiro na consecução dos direitos fundamentais tendo como parâmetros casos concretos. Por sua vez, o objetivo específico se demonstra através da pesquisa acerca da atuação jurisdicional como legítima e se há limites para a atuação ativista.

O título escolhido busca dar ensejo à discussão acerca da distribuição do poder estatal, bem como do papel do Poder Judiciário como órgão prolator de eventuais decisões ativistas, suscitando a pesquisa sobre a separação dos poderes, sendo que o “ativismo judicial” encarado como forma de agir, modo de exercício da função constitucional de julgar, estimulando o estudo acerca da legitimidade, principalmente, em virtude da complexa relação entre os Poderes da República através da crise político-jurídica que permeia em todos os níveis no cenário nacional.

Ademais, para que fossem necessária a pesquisa, sob o aspecto metodológico, utilizou-se a pesquisa bibliográfica ou teórica além da jurisprudencial com apoio no método indutivo, com a conclusão sendo retirada de casos específicos que demonstram a realidade estudada, os quais servirão de esteio a conclusão do presente trabalho, colaborando para a pesquisa o estudo hermenêutico.

Desse modo, à pesquisa.

1 ORIGEM E ESTRUTURAÇÃO DO PODER ESTATAL, NOTADAMENTE, NO BRASIL

Desde o surgimento do relacionamento entre dois seres humanos há relação de poder. A sua origem tem a antiguidade do homem sendo, pois, conatural a este. Nessa senda, cabem duas constatações de Francisco Sá Filho (1959, p. 49-50) de que a “origem do poder é um dos mistérios da história” e de que “história é uma luta de poderes”.

De certo modo, a palavra “poder” pode ser encarada em seus diversos sentidos, quais sejam antropológico; sociológico; político e jurídico. Para o estudo ora proposto, cumpre buscar o conceito de poder político. Desta forma, a pesquisa condensadora de Fernando Henrique Cardoso e Carlos Estevam Martins (1979, p. 16), é aclaradora no sentido de que poder político é “a possibilidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, ainda que contra qualquer resistência”. Em outras palavras, poder político nada mais é do que um fenômeno social que busca garantir a organização do corpo social a partir de normas buscadas pelo próprio grupo.

Nesse estágio, para os fins propostos no presente trabalho, é de se enveredar, agora, na investigação de como o poder político se transforma em poder jurídico ou estatal. E, o renomado Miguel Reale (2003, p. 84), ajuda na busca ao afirmar que “o poder político, uma vez criado o Estado, passa a ser limitado pela própria criatura: o direito”. Ou seja, à medida que o direito é constituído, como forma de expressão do poder político que lhe é anterior, ele passa a limitar o próprio poder que lhe deu vida, sendo, portanto, o poder político limitado pelo direito a partir do momento em que o Estado é constituído. Assim, tem-se que é a Constituição, evidentemente em instituições democráticas, caso do Brasil, que constitui o Estado. É o Poder Constituinte expressão do poder político que rege a sociedade.

Daí que a Constituição, como criatura do Poder Constituinte, gera e organiza os poderes (constituídos) do Estado, sendo, por isso, superior a eles, contendo os projetos de poder, que podem ou não ser compatíveis com os anseios sociais, dos detentores do poder político que resultou no Poder Constituinte.

Assim, para que a Constituição se realize, deverá haver uma conjunção de projetos políticos dos detentores reais do poder com os projetos dos detentores teóricos do poder (o povo). Sem essa compatibilização de vontades a Carta Fundamental tende a não se aplicar, sua eficácia resta comprometida e, diante do vácuo legislativo, é justamente onde surge a judicialização da política e o ativismo judicial.

Por outro lado, a acepção de poder no decorrer da história, principalmente, da passagem da soberania absolutista para a soberania popular demonstraram uma crescente busca por uma limitação do poder estatal, limitação esta que teve o seu marco histórico através do seu defensor, o estudioso Montesquieu, que na sua obra O Espírito das Leis, deu bases modernas à celebre tripartição de poderes: Poder Executivo; Poder Legislativo e Poder Judiciário, com o objetivo primordial de limitar a atuação do detentores do poder estatal. Ademais, de acordo com a sua obra, deveria haver um equilíbrio entre tais Poderes, o que justificaria a origem do sistema de freios e contrapesos.

Todavia, as emanações mais frequentes da atuação dos aludidos Poderes na acepção institucionalizada do Estado dão conta de que o equilíbrio teoricamente idealizado pelo nobre estudioso francês, na realidade, demonstra ser uma disputa por poder com embates políticos entre os três Poderes constituídos.

O que se extrai é de que a separação do poder estatal entre três órgãos distintos não é, nem nunca foi, equilibrada em graus matemáticos. Há interferências e limitações estabelecidas tanto no ordenamento jurídico quanto na prática política a cada um dos Poderes.

A atual interpretação do princípio constitucional da separação de poderes decorre de uma luta por poder entre os Poderes constituídos, notadamente, porque tal princípio deve ser investigado segundo a realidade nacional, em que se pode observar períodos extremamente ativistas e outros, ao contrário, bastante retraídos, refletindo, pois, a postura que a sociedade espera que seja tomada frente às situações que surjam.

No que tange ao Brasil, tem-se que desde a época colonial até a proclamação da República e, posteriormente, com a época ditatorial e redemocratização não se teve uma distribuição do Poder estatal de forma linear, cada momento da história brasileira apresentou, dentro do contexto de separação de poderes, a preponderância de um Poder sobre outro.

No império, o cenário da distribuição estatal desfavoreceu e muito o Poder Judiciário, haja vista que os cargos eram usados como moeda de troca; O Poder Legislativo não tinha expressão; o Executivo era extremamente conservador e ditava as regras.

Com o nascimento da República, o Poder Executivo federal perdeu poder, o qual fora transferido aos Executivos regionais e locais, sendo o Legislativo controlado pelas conjecturas do poder coronelesco. Já o Poder Judiciário tornou-se mais forte e independente com a criação das garantias da vitaliciedade, irredutibilidade de vencimentos e inamovibilidade.

Na República Velha o Poder Judiciário não conseguiu se desvincular dos sistemas coronelistas de dominação do poder político vigente, tendo o Legislativo ganhado espaço e o Poder Executivo exercendo o domínio inconteste das decisões políticas da época.

Com a ditadura Vargas e a Constituição de 1937, tem-se que o Poder Legislativo praticamente não existiu, permaneceu fechado ao longo da ditadura Vargas; o Judiciário, embora aumentou suas competências não conseguiu maior autonomia ou independência em face do braço forte da ditadura e o Executivo, governou sozinho o País.

A Constituição de 1946 valoriza o Poder Judiciário; engradece o Poder Legislativo, após anos de sus quase inexistência e enfraquece o Poder Executivo. Porém, em 1964, com o Golpe Militar, houve manipulação do Poder Judiciário e Legislativo, com o fortalecimento de um Poder Executivo inflado, centralizado, nacionalista e intervencionista.

Em um processo de transição tem-se o retorno da democracia e do Estado de Direito, com a promulgação da Constituição de 1988, oportunidade na qual um sopro de democracia invadiu as instituições, tendo a balança dos Poderes demonstrado equilíbrio, porém mesmo com a redução drástica do Poder Executivo com o fim da ditadura, este Poder permaneceu bem fortalecido, como, por exemplo, com o ativismo legislativo, por meio das medidas provisórias; já o Poder Legislativo mais independente para fins de elaboração de projetos de leis e fiscalização dos atos do Executivo; o Judiciário, por sua vez, com autonomia institucional desconhecida na história nacional (MENDES et al., 2007, p. 883) e com a “consolidação do controle concentrado de constitucionalidade, colocando este Poder, necessariamente, como um Poder entre os demais”.

Desta feita, diante da digressão pelos marcos históricos vivenciados no Brasil, cada qual com sua peculiaridade, tem-se que o equilíbrio da balança, no que tange a separação de poderes, pesou mais para o Poder Executivo, sendo que a divisão do poder do Estado em três órgãos distintos, oscilou no caminhar das Constituições, ora como predomínio esmagador do Executivo ora com respiro do Legislativo, tendo o Judiciário, ao longo do tempo, de forma crescente ganhando independência e poder político em face dos demais, principalmente, com a promulgação da Constituição de 1988, em que houve o aumento de sua competência e de sua visibilidade perante a opinião pública.

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O Brasil, portanto, não assistiu ao longo da sua história uma divisão equilibrada do Poder. A conclusão parcial que se extraiu deste ponto foi de que, no Brasil, seja em momentos de normalidade, seja em situações de exceção, não houve uma distribuição do poder estatal linearmente entre os Poderes constituídos. A preponderância do Executivo se destacou, bem como o crescente fortalecimento da independência e da força política do Judiciário.

O que se extrai é que a política é que determina qual a expressão da divisão de poderes no País, sendo que quando há momentos de muita valorização de um Poder, sobretudo do Executivo, mostram sua retração no período constitucional vigente ao passo que quando o Poder Judiciário é valorizado, sem dúvida, a expansão do espírito democrático, do atendimento aos direitos e garantias fundamentais, com assunção do papel político de concretizar a Constituição, notadamente diante do vácuo legislativo ou administrativo (executivo), através de uma postura proativa e positiva, sendo essa a nova realidade no cenário jurídico brasileiro.

2 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL – CRISE CONSTTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Antes de ingressarmos nas digressões atinentes ao estudo do presente tópico, necessária se faz a delimitação conceitual de três termos distintos, porém conexos e que se inter-relacionam: judicialização; judicialização da política a ativismo judicial.

Judicialização, nos dizeres de Luís Roberto Barroso (2008, p. 3) significa que:

“Algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade”. (BARROSO, 2008, p. 3)

Tal fenômeno, para que seja possível uma melhor compreensão em relação a sua verificação, depende de dois olhares: um quantitativo e outro qualitativo. O primeiro diz respeito à quantidade de ações que são submetidas ao Judiciário. O segundo, por sua vez, reflete à forma como o Judiciário julga as questões a ele submetidas, seja em relação à gama de assuntos ou a maneira de julgamento desses mesmos assuntos.

Tanto a judicialização quantitativa quanto a qualitativa demonstram, sem dúvidas, o aumento correlato da importância social do Judiciário na vida da população. Constitui “um fato inelutável, uma circunstância decorrente do desenho institucional vigente, e não uma opção política do Judiciário” (BARROSO, 2010, p. 9).

Para Luiz Werneck Vianna e outros (1999, p. 47-51 e 149-160), “a judicialização ocorre nas relações privadas, nas relações públicas, como também nos reflexos das decisões com viés político”. Daí que, nesse contexto, tanto as relações sociais quanto à política podem ser objeto do fenômeno ora discutido. Todavia, para o nosso estudo o que é relevante é o segundo objeto que pode ser judicializado que é a política, por isso judicialização da política.

Rafael Favetti (2003, p. 34), o conceitua como “o fenômeno no qual a uma transferência do conflito político de sua arena própria (política) para uma arena jurídica”, o qual “é típico de Estados com separação de poderes e significa expansão do papel do Judiciário no sistema de Poder”. Portanto, tem-se o aumento da importância do Judiciário no jogo político e na divisão do poder estatal.

Exemplo de judicialização da política, corriqueiro e hodierno, no nosso cenário jurídico brasileiro é a hipótese identificada quando os Tribunais e/ou Juízes fazem ou ampliam sua participação no processo decisório referente à formulação e/ou implementação de políticas públicas, notadamente, nas áreas de saúde e educação.

As causas que impulsionaram o referido fenômeno, conforme preleciona Marcus Faro de Castro (1997, p. 147-151), foram: “a constitucionalização do direito após a Segunda Guerra Mundial; o resgate da proteção dos direitos humanos; o exemplo dado pelos EUA, impulsionado pela Corte de Warren; a tradição europeia de controle concentrado de constitucionalidade”.

Nesse norte, a judicialização da política é provocada por causas políticas e jurídicas. Entre as causas políticas, além das já citadas, estão: i) “o descrédito nas instâncias políticas tradicionais” (BARROSO, 2008, p. 103); ii) “a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo” (BARROSO, 2009, p. 19); iii) “a morosidade das instâncias políticas tradicionais e sua incapacidade de realizar propósitos tão audaciosos de uma Constituição, fazendo com o que o Judiciário passe a ocupar espaços vazios” (RAMOS NETO, 2009/2010, p. 7). Por sua vez, as causas jurídicas serão expostas no decorrer do trabalho, especialmente, quando da análise da tensão pela aplicação deste fenômeno como fato enquanto o ativismo judicial como forma de agir dos magistrados, criando um novo cenário na relação de Poderes.

A judicialização da política, portanto, é mais ampla, haja vista ser contingencial, decorrendo da omissão dos Poderes Executivo e Legislativo na implementação dos direitos fundamentais sociais.

Já o ativismo judicia lse mostra ser fenômeno bem distinto da judicialização. Luís Roberto Barroso (2008, p. 6) menciona que “o ativismo e a judicialização são primos”, ou seja, embora sejam fenômenos próximos, são distintos um do outro, sendo que o primeiro expressa uma postura do interprete, “um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário.” Já a judicialização deriva da vontade do constituinte, porquanto, “decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais.”

O ativismo judicial caracteriza-se pela interferência do Poder Judiciário nos demais poderes constituídos, no intuito de intensificar os valores e os objetivos constitucionais, revelando-se como ampliação da competência jurisdicional.

Luís Roberto Barroso (2008, p. 6) elucida que o ativismo judicial “é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance […],” estando relacionado a uma atuação mais extensa e intensa do Poder Judiciário na efetivação dos valores e fins constitucionais, com maior ingerência no espaço de atuação dos Poderes Legislativos e Executivo.

Esclarece que “normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.” Acrescenta, também, que o ativismo se manifesta por diferentes condutas, citando alguma delas:

“(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário;

(ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição;

(iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”. (BARROSO, 2008, p. 6)

Segundo José Afonso da Silva (2013, p. 4) o ativismo judicial é:

“Uma forma de interpretação constitucional criativa, que pode chegar até a constitucionalização de direitos, pelo que se pode dizer que se trata de uma forma especial de interpretação também construtiva”. Para ele o ativismo judicial se caracteriza por “um modo proativo de interpretação constitucional pelo Poder Judiciário, de modo que, não raro, os magistrados, na solução de controvérsias, julgam além do caso concreto e criam novas construções constitucionais.” (SILVA, 2015, p. 4)

José Afonso da Silva (2013, p. 4) observa, ainda, que o Poder Judiciário só pode prosseguir quando o Poder Legislativo não regulou inteiramente a matéria ou regulou de forma deficiente, em síntese, “onde há decisão política, respeita-se; onde não há decisão política, é preciso resolver o problema; mais que isso, onde haja um direito fundamental e de sua maioria, o Judiciário precisa intervir.”

Nesse norte, independentemente de qualquer conceituação precisa do que seja ativismo judicial, inclusive, pela dificuldade de se estabelecer um parâmetro uniforme para aplicação do mesmo, urge destacar, de forma pontual, posicionamento contrários e favoráveis ao ativismo, especialmente, para se buscar maximizar o alcance da utilização de tal medida no cenário jurídico-político mundial, notadamente, no Brasil.

E é justamente a discussão sobre a legitimidade dessa forma de agir judicial, bem como sobre eventual afronta à separação dos poderes (art. 2º da CF) e à legalidade (art. 5º, II da CF) além da própria democracia, onde se encontra um rico campo de discussões e divergência teórica.

Há quem doutrine a defesa de que o ativismo judicial é uma invasão do Judiciário na esfera restrita dos demais Poderes, sobretudo do Legislativo. No Brasil, Elival da Silva Ramos (2010, p. 129), destaca que há “uma sinalização claramente negativa no tocante às práticas ativistas, por importarem na desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes”.

Noutro giro, há quem defenda o contrário, ou seja, que o ativismo judicial é necessário, sobretudo diante da omissão dos demais Poderes em sua obrigação de realização dos direitos constitucionalmente atribuídos. Desse lado, encontram-se, por exemplo, Luís Roberto Barroso e Evandro Gueiros Leite.

Ainda, há aqueles que adotam um meio termo, ou seja, o ativismo judicial deve, sim, ser utilizado, mas apenas em situações específicas com razoabilidade, ponderação, sob pena de o agigantamento do Poder Judiciário ser tido como funesto, conspurcando a obtenção pelo jurisdicionado de uma resposta adequada à Constituição da República Federativa do Brasil, comprometendo a deontologia e a coerência do direito. Dentre estes defensores, encontram-se Lênio Luiz Streck e José Afonso da Silva, para quem conforme dito acima, “o Poder Judiciário só pode prosseguir quando o Poder Legislativo não regulou inteiramente a matéria ou regulou de forma deficiente, em síntese, onde há decisão política, respeita-se; onde não há decisão política, é preciso resolver o problema; mais que isso, onde haja um direito fundamental e de sua maioria, o Judiciário precisa intervir.”

Tal doutrina que advoga a defesa da utilização do ativismo judicial apenas em situações específicas, traz uma indagação pertinente: existem limites para o Poder Judiciário? Se sim, quais são esses limites?

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E é a resposta a essas perguntas que torna a ampla a discussão não somente no Brasil, mas no mundo todo.

Daniel Sarmento (2009, p. 288-300), por exemplo, é um dos doutrinadores em destaque na tentativa de identificar limites ao ativismo judicial. O referido doutrinador alerta para possíveis riscos para a democracia em face da judicialização excessiva da vida social; o perigo da jurisprudência calcada em metodologia muito aberta. Inclusive, o doutrinador propõe limites ao neoconstitucionalismo, sobretudo no que se refere à atuação judicial como “judiciocracia”, como “oba-oba constitucional” e como “panconstitucionalização”, sendo que a crítica à atuação ativista do Judiciário, notadamente do Supremo Tribunal Federal se situa no primeiro aspecto.

E é com base nessas posições doutrinárias o viés principal do presente trabalho. Não se está aqui a advogas favorável ou contrário a uma postura ativista, mas sobretudo, a encontrar limites de atuação ao Judiciário, sob pena de a Carta Maior, como ápice do ordenamento jurídico nacional tornar-se letra morta e, consequentemente, se chegar a uma ditadura do Judiciário.

Até porque como assevera Lênio Luiz Streck (2013, p. 33), “no Brasil o protagonismo judicial produz crescente efeito negativo na sociedade, mina o direito, acarreta o agigantamento do Poder Judiciário, para além de suas competências e finalidades”.

Desta maneira, aquele que procura o Poder Judiciário, tem direito não a múltiplas respostas, ao arbítrio do juiz que for o responsável pelo julgamento da causa, segundo DWORKIN (2003, p. 203 e ss.), “o magistrado possui o dever de decidir de forma correta (have a duty to), fazendo a devida filtragem hermenêutica”. Como é perpetrado, o ativismo, se utilizado de forma desarrazoável, tem gerado discricionariedades, arbitrariedades cometidas pelos julgadores de primeira instância, integrantes de Turmas Recursais, membros de Tribunais, Ministros dos Tribunais Superiores, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

O Supremo Tribunal Federal chancelado como órgão de cúpula, cunhado para ser o guardião da Constituição, invocando para tanto construções jurídicas das mais variadas, inclusive os conhecidos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e ultimamente de tantos outros que sirvam para justificar a postura voluntarista do referido poder, todavia, as decisões deste Tribunal, cada vez mais, são proferidas atentando-se para visão individual de cada membro seja, da turma ou do colegiado, o que causa expectativa, tensão e instabilidade. O jurisdicionado não fica apenas refém da manutenção ou da alternância da composição do órgão julgador, mas também da mudança de pensamento de seus integrantes, o que hermeneuticamente não se sustenta, especialmente em tempos de Constitucionalismo Contemporâneo.

Pode se observar, como efeito decorrente do ativismo judicial, impulsionado pelas metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça, o vultoso número de embargos de declaração interpostos das decisões proferidas, eivadas de lacunas, obscuridades e incoerências. A desatenção, a ausência de compromisso dos magistrados com os jurisdicionados é preocupante. A prolação de uma decisão maculada de vícios ataca diretamente, as partes envolvidas no processo, os direitos veiculados, o aparato judicial, a segurança jurídica, a autonomia do direito e a democracia.

O julgador tem um compromisso com a Constituição, com a ordem democrática, com a preservação do direito. Não é plausível, que se esqueça de analisar questões postas pelas partes em dialeticidade, que profira decisões sem clareza de sentido, obscuras e ou contraditórias. Esse agir não traduz a função da atividade jurisdicional.

Como dito, não se quer trazer à lume qualquer posicionamento acerca da favorabilidade ou não ao ativismo judicial, mas, sim, o limite de atuação, bem como a legitimidade para uma atuação ponderada, razoável do Judiciário em face do vácuo legislativo, eis que a aplicação desordenada do referido ativismo, notadamente, pela Suprema Corte, Instância Última de atuação do Poder Judiciário no nosso País, pode, senão já estiver, a desencadear uma crise constitucional no Estado Democrático de Direito, fato este, atualmente, verificado no cenário nacional, como por exemplo, com a suspensão da posse da deputada federal Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho, pelo STF, o que merecerá maior digressão no próximo tópico.

Paulo Bonavides (2009, p. 383), em idos não muito pretéritos, com a peculiar maestria de sempre, aduz que “a crise da estabilidade social no Brasil não é a crise de uma Constituição, mas a da Sociedade; do Estado e do Governo; em suma, das próprias instituições por todos os ângulos possíveis”.

Ora, o principal dilema que aflige o direito constitucional contemporaneamente, inclusive no Brasil, é a i) atuação ativa do Poder Judiciário, com sua maior participação tanto na vida da sociedade quanto na política e ii) a efetividade dos direitos fundamentais, sobretudo os de caráter prestacionais ou sociais.

Sem dúvidas, o caminho percorrido ao longo da história, sob o aspecto do direito constitucional até se chegar ao viés de Estado Constitucional Democrático de Direito foi árduo, tenso, tendo o Estado Constitucional mais como um ponto de partida do que um ponto de chegada. No nosso cenário, o ápice de tal conquista se deu com a atual Constituição, que nas palavras de Antônio Cavalcanti Maia (2009, p. 8) “incorporou, através dos princípios, opções valorativas e, por meio de diretrizes, compromissos públicos”. A atual Constituição, promulgada quando da redemocratização do nosso País, foi escrita de forma compreensiva, de modo a conter valores tanto do Estado Liberal quanto do Estado Social, valores estes escolhidos pelo povo brasileiro, de forma aberta, participativa e democrática.

Todavia, diante da atuação por demais proativa do Poder Judiciário, no nosso País, em casos concretos sobre variados temas, o que, para alguns, se traduz como afronta a separação de poderes, tende a exteriorizar o que se convencionou chamar de crise constitucional do Estado Democrático de Direito, em que é importante destacar o crescimento da litigância judicial em sociedades marcadas por um Estado social que não cumpriu suas promessas por meio da implementação de políticas públicas universais, estimulando, assim, o acesso aos tribunais como última garantia para a obtenção das prestações positivas previstas pela Constituição. Ademais, nos moldes em que atualmente encarados tem-se mais uma relação entre o ocaso das pretensões transformadoras do Estado social e o aumento da judicialização das relações sociais, transformando cidadãos em clientes de prestações estatais individualizadas.

Neste cenário, o fortalecimento do Poder Judiciário com a politização do mesmo contradiz a ideia de Montesquieu sobre a “nulidade” de um poder que deveria ser politicamente neutro. Afirmar a neutralidade do Poder Judiciário não significa que os juízes devam estar distanciados da realidade pelo fato de que sua função de fazer cumprir a lei exige que se atenham ao que está no mundo do processo. A neutralidade política do judiciário, além da exigência de imparcialidade, decorre do princípio da separação de poderes, e isso não significa que o juiz, na democracia, deva estar imune à realidade, mas que esteja livre da pressão política e que em seus julgamentos estejam imunes ao clamor popular, fortemente influenciado pela mídia.

A politização do Poder Judiciário coloca em questão, em determinados momento, a função do Poder Legislativo, cujos membros são eleitos pelo povo.

Ademais, o Estado Democrático de Direito proclama e defende a liberdade dos cidadãos e os limites dos detentores do Poder. Os atos do Poder Judiciário brasileiro, na esfera do ativismo judicial tal qual realizado atualmente, provocam alarme e espanto e deixam a Constituição e a harmonia dos Poderes um tanto quanto abalados, fragilizando tanto a segurança jurídica quanto os direitos fundamentais. A Constituição Federal de 1988, no título I, dos princípios fundamentais, em seu artigo 2º, diz que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Entretanto, o que adiante será demonstrado, não é raro as vezes que os Poderes (em especial o Poder Judiciário) atuam com muita mais independência do que aquela dada pela Constituição Federal, o que resulta em uma verdadeira crise do Estado Democrático de Direito.

Neste ponto, toda vez que se atropela o que está previsto em uma norma constitucional, eis que se colocam em segundo plano as liberdades constitucionais e até mesmo o próprio Estado Democrático de Direito. Ninguém está acima da lei ou deve atuar à margem da lei, pois fora da lei não há salvação e muito menos há salvação na “bondade” do julgador. A correção de rumos deve ser pelas Instituições constituídas e de acordo com a Constituição. Jamais ao sabor das paixões, pois somente assim haverá uma aproximação dos fins constitucionais aos resultados fáticos e jurídicos, de modo que o direito constitucional e a justiça social não fiquem esquecidos ou previstos tão somente em uma folha de papel ou menos que isto, mas sim que haja um cumprimento da normatização dirigente da Constituição Brasileira dentro da referida problemática, tendo em vista que há uma real ameaça de ruptura constitucional ou de ruptura social.

Aqui vale lembrar que o exercício da função de controle da atuação dos demais Poderes, a proteção de grupos vulneráveis e dos direitos fundamentais, dentro dos limites constitucionais, eis que não é uma mera faculdade apresentada ao Judiciário, mas sua razão de “ser” e, enquanto detentor do poder de controlar outros Poderes ou dar a última palavra na maioria dos casos, eis que também deve ser controlado no sistema de freios e contrapesos de si mesmo, pelo que não há poderes soberanos.

Da forma como atualmente encarada, a administração da justiça pelo Poder Judiciário, submete à democracia brasileira em aceitar um novo império, agora do Poder Judiciário, o qual destoa em uma juristocracia, como uma farsa e embuste da “justiça”, pois o Poder Judiciário não tem o papel constitucional de governar o país, mas sim ser mais um (dentre outros) dos Poderes constituídos.

Antes das reformas processuais civis o legislador construía procedimentos e indicava a técnica processual a ser aplicada à determinada situação de direito material, invariavelmente de cunho patrimonial. Agora, a cúpula do Poder Judiciário (11 ministros do Supremo Tribunal Federal e 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça), através das súmulas ditam as técnicas e a solução abstrata para os casos concretos que julgam relevantes.

Por óbvio que, se o legislador não se posiciona na defesa dos direitos fundamentais, cabe ao magistrado adotar uma postura prospectiva, diante da sua responsabilidade finalística, o que, por evidência, não se confunde com a faculdade de adotar esse padrão dito ‘desneutralizado’.

Vale dizer, assim como as mais variadas técnicas dispostas no sistema processual não podem constituir um ‘fim em si mesmo’, o sistema processual não pode estar comprometido apenas e tão somente com a celeridade, embora o ‘discurso’ seja da segurança jurídica, previsibilidade e igualdade nas decisões.

Tais postulados principiológicos somente seriam materializados se o sistema brasileiro fosse realmente calcado na comunhão entre o precedentalismo, conforme suas raízes históricas, e o procedimentalismo otimizado. A nossa realidade não é essa. Ainda que não se possa negar a existência das súmulas diante da previsão constitucional, o processo de construção, ao que tudo indica, ocorre às avessas: ao invés de o precedente informar a edição da súmula, que deveria ser tida como ‘ponto de partida’ na pesquisa hermenêutica inerente à formatação da decisão fundante; a conveniência na edição de eventual súmula exige a busca de precedentes que aparentemente a justifique, o que explica, não raras vezes, o fato de a súmula não contemplar todos os motivos determinantes do precedente, construídos sob o pálio do contraditório e da ampla defesa, ou, o mais grave, dele se desgarrar por completo.

Ora, com a Constituição de 1988, o poder judiciário foi construído no Brasil como poder de estado. Um poder que tem a função de aplicar a lei, como prestador de serviços na administração da justiça e um poder que tem uma face política, típica do arranjo institucional presidencialista. Conflitos entre os poderes Executivo e Legislativo, por exemplo, nem sempre são resolvidos entre si, mas pelo Judiciário. Mesmo quando há conflitos internos no poder Legislativo o Judiciário é provocado para arbitrar. Quando um poder não exerce sua competência, como é sabido, o Judiciário acaba sendo provocado a decidir. Porém, a questão que se coloca é se juízes representam o povo quando suas decisões têm consequências políticas.

E é nesse contexto de atuar positivo por parte do Poder Judiciário em diversos temas, notadamente, o de consequências políticas, que traz riscos a legitimidade democrática; a politização indevida da justiça e a exasperação dos limites da capacidade institucional do Poder Judiciário, levando, pois, a crise constitucional do Estado Democrático de Direito brasileiro, culminando, para fins de legitimidade da atuação proativa, na investigação sobre as possibilidades (i)legítimas de ativismo judicial e na apresentação de alguns limites sobre esta atuação ativista através da demonstração da posição do Poder Judiciário brasileiro, nessa perspectiva, com base em decisões proferidas em casos concretos, o que se exporá adiante.

3 POSSIBILIDADES; LEGITIMIDADE E LIMITES AO ATIVISMO JUDICIAL – UM OLHAR SOBRE CASOS CONCRETOS

Ricardo Vieira de Carvalho Fernandes (2010, p. 214-256), em dissertação de Mestrado, tendo como título “Neoconstitucionalismo e as possibilidades e os limites do ativismo judicial no Brasil contemporâneo” traz em seu bojo seis hipóteses de possibilidades teóricas e decisórias no atual cenário jurídico brasileiro para fins de enquadrá-las em um perfil ativista ou não-ativista do Judiciário.

Segundo o referido autor, de forma resumida, essas possibilidades são:

I) decisões que aplicam regras a partir de um processo subsuntivo: Nessa hipótese, os juízes nada mais fazem do que diante da normatividade dos princípios e regras, lançar mão deles no processo interpretativo. Deste modo, nessa possibilidade, nas palavras do autor, “o processo de interpretação se dá normalmente na forma subsuntiva”. Assim, a margem de criatividade do juiz é reduzida, o que desfavorece o ativismo judicial.

II) decisões que de alguma forma ponderam princípios em colisão: A aplicação de princípios é mais complexa e demanda uma maior atenção do julgador, estando mais sujeitas a subjetividades. Exemplo disso é a interpretação constitucional que se dá com a ponderação de princípios em que o juiz precisa, nesse cenário, ter coragem e serenidade para enfrentar as novas situações formulando respostas pretensamente justas. Assim como há uma maior liberdade do intérprete nessa interpretação-concreção existe a possibilidade de o Judiciário apresentar duas posturas distintas, uma ativista e outra não-ativista.

III) decisões no controle de constitucionalidade: Nessa hipótese, notadamente, por ser exercido o controle constitucional diante de um Tribunal Constitucional, competente para a concretização última da lei fundamental, não condiz com o ativismo judicial, eis que trata-se de interpretação constitucional, problema central do judicial review.

IV) decisões em causas políticas: Neal Tate (1995, p. 30) assevera que “uma das possibilidades que identificam o fenômeno da judicialização da política refere-se à utilização do Judiciário pelas minorias parlamentares contra as maiorias, mostrando-se assim como um recurso próprio da política ou como armas da oposição no jogo político”. Assim, como alguns interesses de minorias (não políticas, mas sociais) são defendidos pela Justiça e não pelo sistema de representação democrática, o Judiciário passou a ser importante instrumento da democracia.

Portanto, tem-se que a legitimidade da utilização do Judiciário para a proteção das minorias parlamentares é retirada da própria decisão constituinte e é legítima, mas desde que plasmada em parâmetros constitucionais, ganhando contornos de atuação ativistas, mas, repita-se, desde que se guie por parâmetros constitucionais minimamente estabelecidos.

Exemplo disso foram as duas decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal no que tange aos casos da fidelidade partidária e do nepotismo em que a Corte se portou de forma proativa criando uma interpretação de efeitos gerais e futuros. Sendo que em relação a primeira criando mais uma hipótese de inelegibilidade não prevista na Carta Maior, eis que tais hipóteses dispostas no bojo do texto constitucional são taxativas, além de que sabe-se que as normas restritivas de direitos devem ser interpretadas restritivamente. Já em relação à segunda sobreinterpretou a Constituição, mas em relação à moralidade administrativa e a impessoalidade, em situação menos ativista.

v) decisões relacionadas às políticas públicas, aos direitos fundamentais prestacionais e às omissões inconstitucionais: Nessa hipótese estar-se-á diante de um agir por parte do Judiciário uma conduta proativa, tendo em mira o não fazer por parte de quem tem legitimidade para tanto. Não há que se falar nessa hipótese em “reserva do possível”, haja vista a densidade da implementação de tais direitos, uma vez que se referem a direitos destinados a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados, quais sejam as políticas públicas, direitos fundamentais prestacionais que, por sua vez, são afetos à política não ao Judiciário.

No outro lado a omissão legislativa inconstitucional ocorre sempre que o legislador não cumpre ou cumpre insuficientemente o dever de concretizar imposições constitucionais concretas. Ora, existem normas constitucionais que estabelecem direitos prestacionais que impões a realização de políticas públicas, conferindo-lhes, pois, status de normas programáticas voltadas para o futuro, sendo que no caso de omissão não pode o Judiciário negar-lhe a tutela quando requerida por serem direitos de densidade constitucional exorbitante.

Daí que existe no cenário jurídico brasileiro, pelo menos, dois instrumentos capazes de suprir omissões inconstitucionais, sendo o mandado de injunção para sanar situações específicas que digam respeito a nacionalidade, soberania e cidadania e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão com o fim de obter do Judiciário uma recomendação ao legislador para que concretize a imposição constitucional de legislar. Assim, a própria Constituição autoriza expressamente aos juízes suprirem as omissões legislativas. Para exemplificar vejam-se os seguintes julgados do Supremo Tribunal Federal:

“DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO A SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.  1. O direito a saúde é prerrogativa constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao Poder Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido.” (AI 734487 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-06 PP-01220 RT v. 99, n. 902, 2010, p. 158-162)

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ANÁLISE DE NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS. OFENSA REFLEXA. POLÍTICAS PÚBLICAS. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I – A apreciação dos temas constitucionais, no caso, depende do prévio exame de normas infraconstitucionais. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. Incabível, portanto, o recurso extraordinário. II – Admite-se a possibilidade de atuação do Poder Judiciário para proteger direito fundamental não observado pela administração pública. Precedentes.

III – Agravo regimental improvido.” (AI 664053 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 03/03/2009, DJe-059 DIVULG 26-03-2009 PUBLIC 27-03-2009 EMENT VOL-02354-06 PP-01282)

“Ementa: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REFORMA EM ESCOLA. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PELO PODER JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. OMISSÃO ESTATAL. SITUAÇÃO DE RISCO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.” (ARE 1071070 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-285 DIVULG 11-12-2017 PUBLIC 12-12-2017)

Assim, no que tange a atuação do Judiciário em políticas públicas, conforme melhor doutrina de Marcelo Rebello Pinheiro (2008, p. 136 e 148), “somente há legitimidade para tal atuação judicial em casos excepcionais quando se trata de necessidade de sobrevivência ou existência mínima da pessoa humana, além de quando verificada uma omissão inconstitucional flagrante dos Poderes Executivo e Legislativo”.

VI) súmulas vinculantes: Criadas com a reforma do Poder Judiciário, EC 45/04, tratam-se de instrumentos apenas criados pelo STF, e que ostentam um patamar mais elevado de imperatividade tratando-se de uma interpretação pacífica do Tribunal em relação a um tema específico visando regular de forma geral e futura os fatos da vida por força de expressa previsão constitucional. A sua simples utilização, mesmo que efeito vinculante e para todos, não importa em ativismo.

Desta forma, realizadas as digressões atinentes as possibilidades e legitimidades do ativismo judicial, tem-se que a atuação ou não do Judiciário depende das hipóteses e situações que demandem mais atuação de densidade constitucional.

Atualmente, a “ingerência” do Judiciário na tomada de decisões decorre, notadamente, em virtude da crise legislativa, crise esta de funcionalidade e representatividade, criando um vácuo de poder empurrando os Juízes e Tribunais brasileiros, especialmente, o STF a um posicionamento mais ativo.

Carlos Dieder Reverbel (2009, p. 8), em sua visão, informa que “o ativismo judicial resume-se à atividade do juiz na seara política, onde resolve problemas políticos por critérios jurídicos, apontando algumas de suas causas: desprestígio da lei; ineficiência política; dificuldade da própria administração; malversação de recursos públicos”.

Ocorre que mesmo diante da crise legislativa, estas situações de vácuo de poder não podem legitimar, de forma desordenada, a incursão judicial na competência legislativa sob pena de afronta à separação de poderes e a democracia, criando-se o que se convencionou chamar de “ditadura do Judiciário”.

Ora, o princípio da divisão de poderes e da democracia são princípios de procedimento e organização estatal, princípios constitucionais e, portanto, proíbem uma preponderância unilateral do Judiciário. Daí que todas as decisões tomadas de forma jurídica no campo e na seara política deve ser realizada de forma ponderada e razoável sem qualquer intromissão do Judiciário em situações configuradoras de matérias reservadas a competência de cada Poder, haja vista que poder em excesso, normalmente, corrompe.

Assim, inegável que o ativismo judicial pode e deve ter limites para sua atuação necessários a contenção do poder e para evitar situações ilegítimas e resguardar a sociedade do arbítrio judicial.

Um bom exemplo que ainda está vigente e sem qualquer decisão definitiva neste sentido, tendo ganhado manchetes nos noticiários brasileiros todos os dias de tensão institucional entre os Poderes constituídos do Estado (Executivo e Judiciário) em virtude de atuação judicial proativa é a celeuma envolvendo a nomeação da Deputada Federal Cristiane Brasil ao cargo de Ministra do Trabalho, incursionando na possibilidade de afronta ao princípio da moralidade administrativa pelo fato de ter tido em face de si o ajuizamento de duas ações trabalhistas por violar, em tese, direitos trabalhistas.

Tal deputada federal fora nomeada pelo Presidente Michel Temer, porém, teve a sua posse barrada por decisão da justiça de primeiro grau de Niterói/RJ, confirmada pelo TRF2, revertida pelo STJ e, novamente, barrada por decisão da Ministra Carmem Lúcia do STF, de forma monocrática, sem qualquer decisão definitiva sobre o assunto.

Nesse cenário se discute se a nomeação de uma ministra é questão jurídica e se tal intromissão por parte do Judiciário não se estaria a afrontar a separação de poderes, dentro do poder discricionário da Administração Pública, e até a própria Constituição, eis que conforme artigo intitulado “Suspensão de posse de Ministra não deveria ser questão jurídica” e escrito por Eloísa Machado de Almeida:

“Não há nenhuma vedação constitucional a que condenados no âmbito civil ou trabalhista ocupem cargos ministeriais, assim como não há nenhuma vedação para que um réu ou investigado o faça.

A questão aqui, portanto, não deveria ser jurídica. É uma questão política e, politicamente, poder-se-ia cogitar que apenas um presidente sem nenhuma popularidade – e que por isso não se importa com a opinião pública – teria a pachorra de indicar tal figura para compor um ministério que, cá entre nós, já não guarda grande reputação.

Mas o tema se tornou jurídico a partir do momento em que um juiz decidiu criar novos parâmetros sobre a moralidade administrativa. Mas esse não é um caso isolado. Na verdade, pode-se afirmar que o Judiciário vem impondo uma agenda de moralização judicial da política, muitas vezes à revelia do que diz a lei.

Um conjunto de decisões nos últimos anos revela uma visão bastante particular de como os juízes enxergam a política: algo eminentemente ruim, imoral e viciado. Foi assim quando o STF julgou o financiamento privado de campanhas; quando aprovou a restrição à fusão de partidos na minirreforma eleitoral de 2015; quando implantou a execução da pena sem trânsito em julgado da condenação; quando afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados ou quando acenou que os réus não poderiam ocupar cargos na linha sucessória da Presidência da República, sem esquecer o veto à posse de Lula.

O combustível dessa agenda é a Operação Lava Jato que, se por um lado tem o enorme mérito de revelar a corrupção de empresários e políticos, por outro tem servido de pretexto para blindar os abusos do Judiciário. Basta carimbar uma medida como “contra a Lava Jato” para decretar seu fim: veja o debate sobre os supersalários dos juízes ou o indulto do Natal.

Ninguém ignora o altíssimo nível do mar de lama que banha nossa classe política; há muitas razões para críticas contundentes, propostas de reformas e ansiedade por novas eleições. Mas nada autoriza que o Judiciário atue fora das regras por aí, cassando mandatos e ou nomeações.

Não há saída fora da Constituição”. (ALMEIDA, 2018, p. 1)

Do mesmo modo, em virtude das firmezas das palavras e da argumentação usada, há de se transcrever para fins de entendimento da atual problemática do ativismo judicial quando utilizado de forma desordenada, artigo escrito pelo genial Lênio Luiz Streck intitulado “Judiciário quer nomear ministros: sugiro para a Saúde um não fumante!”, publicado no Consultor Jurídico em 11 de janeiro de 2018, assim discorrendo:

“A coluna também poderia ter o seguinte título: Alguém que trai a esposa(o) pode ser ministro(a)?

Esta coluna não está preocupada com o destino nem do Ministério do Trabalho e nem da quase-ministra deputada Cristiane Brasil. O que quero discutir é o aspecto simbólico da interferência do Judiciário em assuntos que não são de sua alçada. Uma das grandes vantagens (talvez a única) de criticar o ativismo judicial e as arbitrariedades do Poder Judiciário no Brasil, como venho fazendo desde o século passado, é que nunca tive problema de “falta de material”. Todo santo dia aparece alguma decisão arbitrária e, mesmo que já tenha visto quase de tudo nessa vida, não paro de ser surpreendido. No meu ofício acadêmico, penso que jamais sofrerei de tédio.

Dessa vez, o juiz da 4ª Vara Federal de Niterói (RJ) resolveu suspender a nomeação da deputada Cristiane Brasil ao cargo de ministra de Estado do Trabalho, pelo fato de que essa nomeação afrontaria a moralidade pública, já que a deputada teria sido condenada em duas reclamatórias trabalhistas.

Pois bem. Dentre as 27 atribuições do presidente da República previstas na Constituição do Brasil, a primeira delas deixa claro que é de sua competência privativa nomear e exonerar ministro de Estado (artigo 84, I da CF/88). O argumento de que a deputada seria imoral para ocupar o cargo, pelo fato de que já foi condenada por duas reclamatórias trabalhistas, é redondamente frágil.

“Mas professor, o senhor quer dizer que a (Não-quase-ou-de-novo) ministra tem moral para o cargo? O senhor gosta dela?”. Não, não quero dizer isso. Nem quero dizer o contrário. Isto porque sou jurista, não sou comentarista político, e é por isso que não interessa o que eu acho, o que eu penso nesse sentido, assim como não interessa o que pensa o juiz. Juiz tem responsabilidade política e é subjacente a essa responsabilidade a tarefa de decidir, não de escolher.

É por isso, pois, que a decisão é frágil. Nem estou dizendo que a argumentação moral, a argumentação política e a retórica são frágeis. Não importa. A argumentação jurídica — essa, sim, a que importa de verdade — é frágil justamente porque se afasta da racionalidade própria do Direito. Quando a nomeação de Lula foi barrada, protestei; quando a nomeação de Moreira Franco foi barrada, protestei do mesmo modo. Por isso, protesto, aqui, mais uma vez contra o ativismo.

Legitimar uma decisão ativista porque concordamos com a racionalidade moral ali pressuposta nada mais é do que legitimar que o Direito possa ser filtrado pela moral. E se aceitarmos que o Direito seja filtrado pela moral, e peço desculpas por fazer as perguntas difíceis, indago: quem vai filtrar a moral? É esse o ponto. Alguém tem de ser o chato da história. Não podemos aceitar o ativismo que agrada. Isso é consequencialismo puro, e devemos rejeitá-lo por uma questão de princípio. Do mesmo modo um réu não pode ser condenado porque o juiz não gosta dele. E nem o réu deve ficar preso porque o juiz fundamenta no clamor social, como se houve um aparelho chamado clamorômetro. Ou como as pessoas que queriam fazer interpretação extensiva ou analogia in malam partem no caso do ejaculador (ver aqui).

Agora dito isso, tomemos emprestado o pessimismo de Kelsen por um momento e aceitemos, para fins de argumentação, que o Direito é assim mesmo e que juiz faz ato de vontade. Se a decisão for mantida (no segundo grau já foi), e o precedente tornar-se obrigatório (quanta gente adora esse stare-decisis-que-não-é-stare-decisis no Brasil, né?), gostaria de sugerir ao presidente, doravante, algumas observações na nomeação dos seus ministros. Dizem que conselho, se fosse bom, não seria de graça. De qualquer forma, lá vão eles:

Penso que se o ministro da saúde fumar, deve ser descartado. Um bom ministro da Saúde deve praticar jogging diariamente. Deve comer salada e assistir o programa Bem Estar na Globo todo dia. O ministro da saúde também não deve ter halitose. E não pode ser gordo. Heráclito Fortes seria vetado.

O ministro da Defesa precisa saber lutar judô. Ou boxe. Se for algum lutador de MMA, melhor ainda. Deve ser feita, ainda, uma pesquisa da vida do ministro, para apurar se foi alvo de bullying na escola. Se sim, deve ser descartado, afinal, que ministro da defesa é esse que sequer conseguiu se defender? É preferível nomear o valentão que fez o bullying.

O ministro das Cidades não pode ser alguém que morou no interior; e o ministro da Agricultura não pode ser alguém que morou na cidade. O ministro da Educação deve sempre dizer “bom dia”, “por favor” e “obrigado”. Se houver qualquer registro de que ele não o fez, é imoral para o cargo. O Ministério da Cultura…. bem, esse eu acho que vai ter que acabar mesmo. Sem chance de resolver esse problema. É que ele deveria saber tudo sobre Machado de Assis, Shakespeare, mas parece crime impossível.

Falando sério agora. Seríssimo: desculpem a ironia, desculpem as perguntas chatas, desculpem a insistência em coisas que, para alguns, já estão ultrapassadas, como força normativa da Constituição, legislação, enfim. Mas isso precisa ser dito. Afinal, se o juiz escolhe como quer, não há critérios, e não mais poderemos exigir o cumprimento da lei. E aí não adianta reclamar do ativismo só quando ele incomoda. (Talvez não tenha ficado claro, mas eu não subscrevo a essas teses que alguns têm levantado, inclusive em livros, de que o ativismo é bom.)

Numa palavra final: se a racionalidade jurídica for substituída pela racionalidade moral, não servimos para nada. Fechemos as faculdades de Direito e matriculemo-nos todos em faculdades de filosofia moral.

Ainda: se a decisão for mantida, teremos que, por coerência e integridade (artigo 926 do CPC) perscrutar/sindicar todos os cargos de livre nomeação. Por exemplo, o presidente do TCU quer nomear João Antônio das Neves para seu chefe de gabinete… só que ele foi multado em duas blitzes ou não pagou o carnê das lojas Renner. Pode ser nomeado? Isso é pior ou menos ruim do que ter duas reclamatórias trabalhistas? O prefeito de Pedregulho das Almas quer nomear Sofrício Ataualpa para uma secretaria…, mas ele não pagou o caderninho da venda ou foi visto saindo de um lugar suspeito de mulheres de vida difícil na periferia. Cabe ação popular? Vai liminar aí?

Eis aí, de novo, a diferença entre Direito e moral. Entre a racionalidade jurídica e os argumentos morais. Ou a moralização do Direito. Não se pode olhar a política como ruim a priori. Se o presidente erra na nomeação de um ministro, o ônus é dele. É o ônus da política. Se não fosse “por nada”, não há previsão constitucional que autoriza o judiciário barrar esse tipo de ato administrativo sob argumentos subjetivos.”

Nos dizeres do Ministro do STF Luís Roberto Barroso (2008, p. 19):

“O ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes”.

Assim, o ativismo judicial pode ser estimado como um artifício ativo no combate às desigualdades sociais, porquanto, tende a solucionar diversos problemas sociais relacionados à problemática de aplicação dos direitos fundamentais, mediante interpretação da Constituição Federal, em situações omissas pelos demais Poderes, cumprindo, desse modo, a intenção da própria Constituição.

Até o momento, o ativismo judicial mais atuou como uma solução do que um problema propriamente dito, todavia, certamente deve ser empregado de forma excepcionalíssima, sob pena de ferir a repartição dos Poderes, consagrada como cláusula pétrea em nosso ordenamento, bem como para que o ato de legislar seja exercido de forma eficaz e plena por quem de direito: o poder legislativo, o qual sucede a representação popular.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve início com a origem do Poder Estatal em suas várias concepções ao longo da história da humanidade, demonstrando que o poder não é totalmente limitado pelo direito coexistindo com forças políticas extraestatais (forças sociais, grupos de pressão).

O princípio da separação de poderes tornou-se clássico com a moldura que lhe empregou Montesquieu, chegando a alcançar o patamar de dogma constitucional.

No Brasil, ao longo da história, não houve uma divisão equilibrada do Poder, sendo que o Judiciário veio, ao longo do tempo, em um crescente ganho de independência e poder político em face dos demais, culminando com a Constituição de 1988, tida por Constituição Cidadã, na época de maior valorização política deste Poder.

A partir daí, na efetivação de direitos fundamentais, tem-se atuação mais ativa do Poder Judiciário com a ocorrência dos fenômenos da judicialização da política e do ativismo judicial. O primeiro emana do próprio constituinte, pois decorre do modelo de Constituição analítica, como é o caso da Constituição de 1988, e do sistema de controle de constitucionalidade, que confere ao Poder Judiciário a competência para revisão das normas elaboradas pelo Poder Legislativo, quando eivadas de vícios constitucionais, ou seja, quando em confronto com a Constituição. Por sua vez o segundo expressa uma atitude do intérprete constitucional, o qual adota uma postura não intransigente de aplicação do direito positivo, baseando-se sobretudo na força normativa dos princípios constitucionais, potencializando o sentido e o alcance das normas constitucionais, como alternativa para dirimir a falha legislativa atinente a legislação infraconstitucional, para tanto criam-se normas programáticas e políticas públicas para implementação dos direitos fundamentais.

Entretanto, com a utilização exarcebada de tais fenômenos, notadamente, do ativismo judicial, que se encontram distúrbios decorrentes que trazem à tona uma crise constitucional do Estado Democrático de Direito colocando em xeque a democracia, separação de poderes e a própria Constituição.

Daí que com o escopo de verticalizar a abordagem sobre o ativismo judicial foram expostas seis possibilidades, legitimidade para a sua atuação, com a conclusão de que nem todas as possibilidades se apresentam como legítimas para utilização do ativismo judicial e, sobretudo, os limites de tal utilização quando legítima, tendo por base decisões tomadas pelos juízes, tribunais e, sobretudo, o Supremo Tribunal Federal ao enfrentar questões referentes a políticas públicas, direitos fundamentais prestacionais e omissão legislativa inconstitucional.

Todavia, o que demonstram ser tais atuações legítimas ou não são as situações teóricas ou fáticas que as geraram, propondo-se, pois, uma perspectiva moderada, eclética entre o ativismo exarcebado e o textualismo que analisa a legitimidade da atuação judicial.

Assim, pode-se responder a indagação formulada na introdução desta pesquisa de que é legítima a atuação do ativismo judicial, mas desde que aplicada a casos específicos, dentro de limites estabelecidos diante de vácuo legislativo, sendo a sua utilização estritamente necessária em hipóteses restritas ao âmbito legislativo, onde pode ser estimado como um artifício ativo no combate às desigualdades sociais, porquanto, tende a solucionar diversos problemas sociais relacionados à problemática de aplicação dos direitos fundamentais, mediante interpretação da Constituição Federal, sob pena de vulnerabilidade do princípio da separação de poderes erigido de magnitude e densidade constitucional.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Miqueias Jose Teles Figueiredo

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande/PB – UFCG. Advogado. Procurador Concursado do Município de Nova Mamoré/RO. Chefe do Setor Jurídico do IPRENOM – Instituto de Previdência dos Servidores Públicos Municipais do Município de Nova Mamoré/RO. Defensor Dativo da Justiça Federal, Subseção Judiciária de Guajará Mirim/RO desde julho de 2012. Pós-graduado latu sensu no curso de Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pela Universidade Estácio. Pós-graduando latu sensu no curso de Direito Eleitoral e Processo Eleitoral pelo Centro Universitário Claretiano


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