O Prof. Cândido Rangel Dinamarco[1], seguindo as linhas do pensamento de Liebman, adota a tese da deformalização do processo, por entender que, apesar da norma inserida no art. 154 do CPC (que consagra o princípio da instrumentalidade das formas), admite que nosso processo seja extremamente formal.
Ao discorrer sobre a simplificação do processo, o Prof. Dinamarco apresenta a evolução trazida com asReformas ao Código de Processo Civil, enumerando diversos dispositivos que colaboram para uma prestação jurisdicional mais ágil e eficiente, destacando a possibilidade dos auxiliares da justiça praticarem atos meramente ordinatórios (art. 162, § 4º).
A teoria do Prof. Dinamarco encontra resistência em José Carlos Barbosa Moreira,[2] quando afirma que a técnica processual é imprescindível. Ao escrevermos sobre o pedido no sistema do common law e o princípio da adstrição,[3] inserimos o pensamento do Prof. Barbosa Moreira, desta forma:
“Ainda que a doutrina moderna venha defendendo o princípio da instrumentalidade das formas, com o fim de se aproveitar ao máximo os atos processuais, desformalizando-o. Contudo, esta desformalização encontra grande oposição em alguns processualistas, dentre eles no Prof. José Carlos Barbosa Moreira, cf. A Justiça no Limiar do Novo Século, recebida por meio eletrônico, que afirma: “e, por maior relevância que possam assumir outros meios de solução de conflitos (1), seria perigoso apostar muito na perspectiva de um desvio de fluxo suficiente para aliviar de modo considerável a pressão sobre os congestionados canais judiciários. Somem-se a isso fatores como a crescente complexidade da vida econômica e social, o incremento dos contactos e das relações internacionais, a multiplicação de litígios com feição nova e desafiadora, a fazer aguda a exigência de especialização e de emprego de instrumentos diversos dos que nos são familiares, e ficará evidente que não há como fugir à necessidade de mudanças sem correr o risco de empurrar para níveis explosivos a crise atual, em certos ângulos já tão assustadora.
(1) Vem merecendo grande atenção, nos últimos anos, o tema dos meios “alternativos” de composição de litígios (que não se confunde com o do chamado “direito alternativo”). Dele se cuidou, por exemplo, no Congresso da Associação Internacional de Direito Processual de 1987, em Utrecht (vide o relatório brasileiro, de ADA PELLEGRINI GRINOVER, denominado “Deformalização do processo e deformalização das controvérsias”, in Novas Tendências do Direito Processual, Rio de Janeiro, 1990, p. 1.275 e segs., e o relatório geral de BLANKENBURG e TANIGUCHI, intitulado “Informal Alternatives to and within For-mal Procedures”, no v. Justice and Efficiency, editado por WEDEKIND, Deventer – Antuérpia – Boston, 1989, p. 335 e segs.), e o simpósio realizado em Tóquio, em agosto deste ano, cujo temário, subordinado ao título geral Civil Justice in the Era of Globalization, compreendia um tópico dedicado ao assunto e designado como Dispute Resolutions and Legal Culture.
A admiração e o respeito pelos dois processualistas é inegável. A adoção dos princípios de ambos, também é inegável. Mas é preciso conciliarmos as posições nesta nova fase processual que vivenciamos.
Apesar de manifestarmos nossa posição em favor do princípio da instrumentalidade das formas e da deformalização do processo, admitimos que, em matéria de informatização judicial, devemos ser extremamente técnicos e não transigir com as formas. Por outro lado, podemos admitir que o processo eletrônico já é uma forma de deformalização, se o compararmos com o processo físico, ouconvencional. E é exatamente por esta razão que não admitimos a inserção do princípio da instrumentalidade no mesmo.
Justificamos nossa posição porque a tendência moderna de se aproveitarem ao máximo os atos processuais, em matéria eletrônica, poderá ser muito perigosa. O Superior Tribunal de Justiça, especialmente com decisões do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, um dos pilares das Reformas Processuais, privilegia o instituto da deformalização, através do princípio da instrumentalidade das formas.[4] Trata-se de providência salutar aplicável ao processo, como um todo. Mas não na forma eletrônica! Importante ressaltarmos recente decisão proferida pela Ministra Fátima Nancy, aonde a mesma releva o princípio da instrumentalidade:
Processual Civil. Retificação do polo passivo da relação processual após a contestação. Instrumentalidade das formas. Aplicação. Possibilidade. Existência de prejuízo.– A prevalência do caráter instrumental do processo, deve ser adotada de forma criteriosa, verificando-se, com acuidade, a existência de possíveis prejuízos para a parte em desfavor da qual o princípio é aplicado.
– Constatando-se a existência de evidentes prejuízos para uma das partes, inviável a aplicação do princípio da instrumentalidade das formas.
Recurso provido para extinguir o processo sem julgamento do mérito.
(REsp. 763.004/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25.09.2006, DJ09.10.2006, p. 292)
Na questão específica do tema abordado nesta obra, a fim de evitar análise de cada caso, o princípio da instrumentalidade das formas deve ser expurgado. E justificamos a nossa posição, que, admitimos, será ainda combatida. Mas é importante manifestarmos esta posição.
Se estamos diante de um procedimento eletrônico, com necessidade de adoção de certificados digitais, para a garantia de integridade, autenticidade e segurança, os atos processuais deverão obedecer, estritamente, estes três requisitos, sob pena de abrirmos espaço para os mais diversos problemas de adulteração dos atos já praticados.
A adoção da ICP-Brasil, através da Medida Provisória no 2.200-2/2001, garante esta segurança e impede que haja modificação de documentos. Admitimos, ainda, que o ato processual desprovido de certificação digital corre o risco de ser absolutamente nulo e, por esta razão, não se pode aplicar o princípio da instrumentalidade das formas, porque se trata de matéria prevista em lei e cujos efeitos não se aproveitarão em caso contrário.
Especial atenção devemos ter em relação à comunicação dos atos processuais por meios eletrônicos.
Nas relações oriundas do contrato de trabalho, onde, em tese, o empregado é hipossuficiente e no processo penal, a questão das nulidades deve ser analisada com rigor. Não podemos, simplesmente, adotar os preceitos dos códigos, de forma subsidiária, porque em matéria de Processo Eletrônico a segurança é a palavra chave.
A questão será mais delicada quando analisarmos o ponto de vista do segredo de justiça, porque não raro será possível o vazamento de informações através da Internet e é importante que os Tribunais criem mecanismos de proteção para processos desta natureza. As regras para tal previsão se encontram na Norma ABNT no 27001/2006.
Dentro desta questão, surge uma outra possibilidade: e quando o ato se dirigir a destinatário diverso? Ainda que a parte compareça ao processo para arguir a nulidade de determinado ato de comunicação, entendemos que a querela deva ser atendida, determinando-se nova produção daquele ato declarado nulo.
Vigorará, neste momento incipiente, alguns princípios e normas de convivência social: lealdade processual, ética e, acima de tudo, muito bom senso. Notadamente quando estamos vivenciando o que se pode denominar a segunda grande fase do sistema processual eletrônico: os contornos de novas teorias, especialmente em relação aos atos processuais praticados eletronicamente.
A realidade do processo eletrônico proporcionará, sem dúvida, aceleração do Judiciário, mas, em termos de atos processuais, repetimos, com muita cautela deverão ser analisadas as questões.
A INFORMATIZAÇÃO JUDICIAL NO PLS 166/2010 E OS ATOS PROCESSUAIS
A Lei 11.419, de 2006, inseriu, em nosso sistema, um verdadeiro sistema processual informatizado. Contudo, as conturbadas questões envolvendo os atos processuais por meios eletrônicos continuam sofrendo resistências.
Admitimos, outrossim, que o art. 163 do PLS 166/2010, sane diversas questões que se encontram na pauta do Supremo Tribunal Federal. A Ordem dos Advogados do Brasil, através de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 3869, 3875 e 3880) ataca a prática de atos processuais, especialmente pela adoção da ICP-Brasil. Um dos pontos debatidos pela OAB diz respeito ao art. 18 da Lei 11.419, tendo em vista a redação do texto, que permite ao Poder Judiciário regulamentar a prática dos atos.
Desta forma, o PL, de início, já elimina qualquer discussão que envolva a matéria. Em seu art. 163, uma alternativa para a inconstitucionalidade aparente do art. 18 da Lei 11.419, de 2006. O art. 18 da Lei de Informatização Judicial – e, pela pesquisa realizada desde 2001, a partir do PL 5828/2001, por iniciativa popular, em verdade -, pretendia a redação contida no parágrafo primeiro do artigo 163. Ou seja, jamais foi intenção delegar ao Poder Judiciário a regulamentação da norma.
A redação do referido artigo, que não merece reparos – e, desde já, esperamos que não ocorra qualquer emenda em seu texto, quando de sua passagem pela Câmara dos Deputados -, e já nos entusiasma para a produção de uma nova concepção acerca da instrumentalidade das forma.
O art. 163, que traduz o princípio da instrumentalidade das formas, prevê que “os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.” Já em seu parágrafo primeiro, de alguma forma, supera a inconstitucionalidade aparente do art. 18 da Lei 11.419:
“§ 1º Os tribunais, no âmbito de sua competência, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade observada a hierarquia de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei.”
A redação inserida no parágrafo primeiro, sem dúvida, seria a ideal a ser inserida no art. 18 da Lei 11.419, de 2006. E, uma vez que se trata de PL, nada impede que haja, expressamente, revogação do referido art. 18, a fim de contemplar a presente redação. Desta forma, estar-se-ia solucionando grande parte da ADI 3880, e, ainda, impedindo uma regulamentação do texto legal pelos Tribunais.
Em matéria de teoria geral dos atos processuais por meios eletrônicos, a redação do art. 163 parece-nos completa e adequada.
A partir do momento em que o próprio texto legal trata da necessidade de adoção de medidas que garantam autenticidade, integridade e validade jurídica, aliada à interoperabilidade, estamos tratando, sem dúvida alguma, de certificação digital. E, por esta razão, não poderemos conceber a prática de atos eletrônicos sem o correspondente certificado, reprisando o já analisado.
UMA NOVA CONCEPÇÃO ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS PROCESSUAIS
Questionamos-nos acerca da natureza dos atos processuais praticados por, e exclusivamente, meios eletrônicos.
Quais os atos podem ser realizados, exclusivamente, por meio eletrônico? Ou, sob outro ângulo o questionamento: quais os atos não sofrem qualquer tipo de intervenção humana, nos termos da Lei da Informatização do Processo?
Analisando o artigo 10 da Lei 11.419, de 2006, podemos observar que a própria autuação do feito será realizada automaticamente, ainda que o no CPC e no PLS 166/2010, tais atos seja praticados exclusivamente pelos escrivãos:
“Art. 10. A distribuição da petição inicial e a juntada da contestação, dos recursos e das petições em geral, todos em formato digital, nos autos de processo eletrônico, podem ser feitas diretamente pelos advogados públicos e privados, sem necessidade da intervenção do cartório ou secretaria judicial, situação em que a autuação deverá se dar de forma automática, fornecendo-se recibo eletrônico de protocolo.”
Renovamos, aqui, a defesa de que é impossível da distribuição pelos advogados ou pelas partes. A técnica legislativa falhou. Em verdade, o ato é de protocolo e não distribuição. Desta forma, não podemos os advogados e partes distribuir o feito.
Ainda que na prática, até a presente data, o art. 10 não esteja sendo aplicado na íntegra[5] – e, aqui, destacamos um modelo de autuação do feito, para ilustrarmos o que se afirma[6]–[7], já podemos delinear uma nova concepção dos atos que antes eram praticados pelos auxiliares da justiça:
Desimportante o modelo que vem sendo adotado, sem levar em consideração que a maioria dos Tribunais ainda imprime os feitos encaminhados eletronicamente – o que, sob nossa opinião, é uma burocratização informática e um gasto desnecessário de papel, que em nada contribui para o meio ambiente -, precisamos definir a natureza jurídica do ato processual automatizado.
Tratando-se de ato que gera efeitos na vida de todos aqueles que participam do processo, em especial às partes e seus procuradores, estes atos que no processo convencional – dito físico – são praticados por auxiliares da justiça, passam, agora, a contarem com a total automação do sistema. Imaginemos, então, que ao invés da imagem acima, cuja distribuição se processou por ato humano, houvesse a distribuição por meio eletrônico e não se identificasse conexão ou litispendência! Imaginemos, mais, que haja uma certidão expedida pelo sistema de forma equivocada, atendendo-se ao prazo previsto na própria lei (que, por sinal, é de uma anomalia), de que os atos processuais podem ser praticados até as vinte e quatro horas do dia, nos termos do § 1o[8], do art. 10, no sentido de que a petição não foi protocolada no prazo?
A fim de identificarmos este problema, imaginemos que o prazo vença no dia 05. Se a petição é protocolada à zero hora – dentro das vinte e quatro previstas -, o dia será 06. O sistema, desta forma, que poderia prever, automatizadamente, o prazo do dia cinco como peremptório, certificará que o ato processual da parte se deu extemporaneamente. E, aqui, se aplica a regra do art. 183 do CPC, ou seja, independe de qualquer manifestação para que se consume a preclusão.
Como estamos tratando de ato processual por meio eletrônico, não haverá responsabilidade do serventuário pela certidão aposta. E, como se pode analisar de mais esta imagem que se insere, ainda se certifica, no STJ, a tempestividade do ato e as certidões de juntada e intimação:
Respondendo ao questionamento inicial, todos os atos serão praticados eletronicamente, nos autos do procedimento eletrônico. Contudo, o que nos faz desenvolver uma nova concepção de atos processuais diz respeito àqueles de movimentação e registro sem a intervenção humana. São os atos de documentação, hoje, ainda praticados pelos auxiliares da justiça.
Aliado à prática de ato processual por meio eletrônico, ainda poderemos avançar em teorias como a de formação de agravo de instrumento através de hipertexto. E, quando assim se afirma, não temos dúvidas de que os agravos não serão mais rejeitados pela inexistência de inserção de uma ou outra peça quando de sua formação.
Através do hipertexto, as peças seriam indicadas por links e os autos facilmente analisados pelo órgão julgador. Também, no que tange ao agravo por hipertexto, uma revolução na sistemática processual. E, sem dúvida, estaremos diante da prática de atos processuais por meio eletrônico, sem a necessidade de o advogado certificar a exatidão das peças, porque as mesmas seriam indicadas, apenas, pelo link correspondente. Ou seja, a idéia de hipertexro no procedimento eletrônico.
Retornando à questão que nos intriga! Como caracterizar o ato processual única e exclusivamente praticado por meio eletrônico? Como analisar a certidão lançada equivocadamente, que poderá ocasionar, inclusive, revelia? Sim, porque uma vez juntada a contestação à zero hora, o dia a ser computado é o seguinte, apesar de o sistema legislativo permitir a prática até as vinte e quatro horas.
No que tange à forma, os atos processuais continuarão sendo de distribuição, registro e movimentação. Segundo Leonardo Greco[9], “o escrivão é quem forma os autos do processo, isto é, o volume do processo. Ele ainda é responsável, ao receber a petição inicial, por dar-lhe uma capa e nela lançar todos os dados do processo; carimbar, numerar e rubricar todas as folhas do processo; promover a juntada de todos os atos que forem praticados, através dos termos de juntada, de conclusão, de vista etc.”
Ainda que a Lei 11.419, de 2006, tenha inserido a informatização plena no sistema processual e o PLS 166/2010, preveja a prática de atos por meios eletrônicos, não se alterou, de forma alguma, o art. 141[10] do CPC, replicado pelo art. 131 do PLS 166/2010[11].
Mas não é esta a redação imposta pelo art. 10 da Lei 11.419, de 2006, e parece-nos haver acriação de um escrivão virtual. Também não podemos conceber desta forma, sob pena de inexistência de reponsabilidade pela prática dos atos de documentação. Ao analisarmos, por sua vez, o art. 14 do CPC, percebemos que todos os sujeitos do processo são passíveis de sanções.
Ainda que os atos processuais relativos ao tempo da prática dos atos pelos magistrados e dos auxiliares sejam considerados impróprios, por não acarretarem qualquer sanção processual, como admitir a prática realizada pelo sistema computacional? Percebam que são muitos questionamentos a serem respondidos, e, neste primeiro momento, analisaremos a arquitetura de uma sistemática a ser imposta.
Adotando-se o GED, estes atos poderiam ser, de alguma forma, considerados como deinteligência artificial. Mas, sem qualquer dúvida, gerando efeitos para todos os sujeitos do processo, em especial para as partes que são punidas pelos prazos próprios, ou, em outras palavras, perdendo a oportunidade de praticarem o ato pela ocorrência da preclusão.
E quando se está diante de preclusão, o sistema não será capaz de identificar se a preclusão foi consumativa, lógica ou temporal, ou seja, não identificará a impossibilidade da parte praticar um ato processual pela sua consumação.
Passamos, então, a identificar a prática de atos processuais pela forma de sua produção. Contudo, não se tem um sujeito nesta relação – e nos parece imprescindível um sujeito processual para a prática do ato. Não podemos considerar como sujeito do processo o computador, o sistema do Tribunal ou qualquer outra modalidade de informatização como sujeito do processo. Até mesmo porque quando se está diante de sujeito, pressupõe-se pessoa.
Quanto à natureza jurídica, o ato processual continuará sendo de documentação. Mas quanto à forma de exposição deste ato processual, será por meio eletrônico e sem intervenção de qualquer sujeito do processo.
Temos, então, como gênero o ato processual; como espécie, o ato processual eletrônico. Mas quanto ao sujeito do processo não o identificamos. Melhor dizendo: na prática do ato processual praticado pelo sistema imposto pelo art. 10 da Lei 11.419, de 2006, não temos a intervenção de qualquer sujeito do processo.
E se não temos sujeito do processo, não se tem como imputar qualquer sanção pela prática errônea. A regra do art. 144 do CPC[12], por exemplo, jamais poderia ser aplicada. E parece-nos óbvia a assertiva, porque não se pune o sistema ou a máquina que gerou o ato.
A fim de provocarmos muito mais um debate do que pretendermos, neste momento, delinearmos uma teoria acerca desta nova concepção de prática de ato processual, concluímos haver uma nova modalidade de prática de ato processual de documentação, sem possibilidade, contudo, de responsabilização.
Em suma, são atos processuais, praticados eletronicamente, sem intervenção humana. Por outro lado, enquanto atos processuais, são passíveis de serem revistos pelos sujeitos do processo.
E, dentro desta nova concepção de um inexistente sujeito do processo a praticar atos de documentação, competirá à parte, na primeira oportunidade de manifestação nos autos, argüir a inexistência ou nulidade daquele ato, sob pena de preclusão. Uma vez viciado o ato, aqueles que forem dependentes também serão viciados, e, por esta razão, considerados nulos. Como afirmamos, a instrumentalidade das formas não pode ser aplicada sem ressalvas na informatização judicial.
Em matéria de direito comparado, ainda que o Brasil seja um dos primazes na informatização judicial do processo, a sistemática portuguesa é de implantação paulatina dos atos processuais por meios eletrônicos. O sistema, hoje, adotado em Portugal, é o CITIUS[13], cuja apresentação, pelo Ministério da Justiça de Portugal, se apresenta desta forma:
“CITIUS (do latim mais rápido, mais célere) é o projecto de desmaterialização dos processos nos tribunais judiciais desenvolvido pelo Ministério da Justiça.
Englobando aplicações informáticas para os diversos operadores judiciais (como o “CITIUS – Magistrados Judiciais” para os magistrados judiciais ou o “Habilus” para os funcionários judiciais), é disponibilizada agora a aplicação destinada aos mandatários judiciais. Através desta nova aplicação é possível ao mandatário, a partir do seu escritório:
– Proceder à apresentação de peças processuais e respectivos documentos;
– Conhecer o resultado da distribuição;
– Consultar processos judiciais e as diligências que lhes respeitam; e
– Acompanhar o estado das suas notas de honorários no âmbito do apoio judiciário”
Como se pode analisar, e sempre destacamos a importância do direito comparado como fonte de direito a ampliar os conceitos – ou, no caso, a implementação de um sistema judicial totalmente informatizado – e aprimorar a informatização brasileira, o sistema português não prevê a prática de ato processual diretamente pela parte (leia-se, aqui, atos de registro, distribuição e movimentação). Ao contrário, o sistema é dividido como no processo convencional, ou seja, com sistemas que permitem a prática dos atos processuais dos juízes e dos serventuários.
Diante de uma prática processual eletrônica por sistemas que permitam a permanência dos atos aos seus sujeitos, em nada implicaria uma nova concepção de atos processuais por meios eletrônicos.
Contudo, a Lei 11.419 de 2006, modifica os atos dos sujeitos do processo. A natureza jurídica do ato processual é eletrônica, independente da intervenção humana, mas não se pode aplicar, por exemplo, a distribuição como ato da parte ou do advogado. Foge-se ao conceito de ato da parte o de distribuição, sob pena, inclusive, de violação ao princípio do juiz natural. Preferimos admitir tratar-se letra morta o texto do art. 10 da Lei 11.419, de 2006.
E assim afirmamos porque, mesmo em se tratando de uma nova forma de se pensar o processo, e, mais, a própria teoria geral do processo, os atos dos auxiliares da justiça não poderão ser alterados por uma norma que permita a distribuição a ser efetivada pelo advogado ou pela parte.
A redação do art. 256 do CPC, ao tratar da fiscalização da parte no que tange a distribuição, elimina, de toda e qualquer maneira, o ato distribuição pela própria parte.
Em suma, o que passamos a ter é a modalidade de registro, distribuição e juntada de forma eletrônica, mas sem que seja possível à parte ou seu advogado procederem a tais atos. O que a norma prevê é o protocolo, que independe, este sim, de um ato humano, ou, em outras palavras, da entrega física da petição. Mas não se pode excluir o auxiliar da justiça na prática de tal ato.
Por esta razão, afirmamos que o procedimento adotado pela legislação portuguesa é mais seguro e poderia haver, como insistimos em diversas oportunidades, uma modificação da Lei 11.419, de 2006.
Como proposta de redação do art. 10, da Lei 11.419, de 2006 – e, diante de um novo CPC que se delinea, admitimos um desperdício legislativo que as práticas processuais por meios eletrônicos não se façam presente de forma mais contundente -, sugerimos uma comparação com o sistema português. A Portaria 114/2008, do Ministério da Justiça Português, ao tratar, logo em seu art. 1º, da prática dos atos processuais, dispõe:
“Artigo 1.º
Objecto
A presente portaria regula os seguintes aspectos da tramitação electrónica dos processos judiciais:
a) Apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados, nos termos dos n.os 1, 3 e 4 do artigo 150.º do Código de Processo Civil
b) Comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário, de acordo com o n.º 3 do artigo 150.º -A e o n.º 4 do artigo 467.º do Código de Processo Civil;
c) Designação de solicitador de execução que efectua a citação, de acordo com a alínea g) do n.º 1 e os n.os 7 e 8 do artigo 467.º do Código de Processo Civil;
d) Distribuição por meios electrónicos, prevista nos artigos 209.º -A, 211.º, 213.º, 214.º e 219.º do Código de Processo Civil;
e) Prática de actos processuais por meios electrónicos por magistrados e funcionários judiciais;
f) Consulta dos processos, nos termos dos n.os 1 e 3 do artigo 167.º do Código de Processo Civil.”
Verificamos, desta forma, que os atos dos magistrados e dos auxiliares da justiça não são alterados pela informatização judicial. Continuam sendo atos privativos. A redação do art. 10, portanto, expurga um ato privativo dos auxiliares da justiça e os transfere às partes e seus advogados. Mas não se adotará, como não se adotou até a presente data, na prática. Insistimos: trata-se de propiciar o protocolo eletronicamente, mas, jamais, registro, distribuição e juntada.
Diante da tentativa de se admitir uma natureza jurídica para tal prática, preferimos insistir na assertiva uma redação errônea do art. 10, da Lei 11.419/2006 e entender como atos que podem ser de protocolo, mas jamais de registro e distribuição, vigorando, assim, os atos processuais próprios dos auxiliares da justiça, porém com a fiscalização das partes e na modalidade eletrônica.
[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. Vol. I, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2000.
Informações Sobre o Autor
José Carlos de Araújo Almeida Filho
Professor lotado no Departamento de Direito Processual na Universidade Federal Fluminense, aprovado em 1o lugar em concurso público de provas e títulos. Professor convidado na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico. Advogado. Mestre em Direito.