A anencefalia, tem, ainda, gerado inúmeras discussões, como judiciosamente aponta o eminente Advogado, Jornalista, Psicólogo e Conferencista, Doutor Antonio Telmo De Toni.
Segundo o estudioso, Doutor De Toni, a anencefalia é a malformação fetal mais freqüente a se constituir em anomalia congênita caracterizada que é pela ausência total ou parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural durante a formação embrionária, entre os dias 23 e 28 da gestação Ocorre com maior freqüência em fetos femininos, porque, está ligado, hipoteticamente, ao cromossomo X.
O seu diagnóstico pode ser realizado a partir de 12 semanas, através de ultra-sonografia. A evolução ou não da gestação tem sido foco de discussões, tanto em nível científico como na esfera do direito.
As estimativas apontam para incidência de, aproximadamente, 1 caso a cada 1.600 nascidos vivos. Anualmente o número de registros de crianças nascidas vivas no Brasil oscila entre 2,7 e 3,0 milhões/ano.
O número de casos comprovados de anencefalia tem aumentado significativamente, exigindo práticas adequadas ao seu manuseio. O risco de incidência de anencefalia aumenta 5% nos casos de gravidez subseqüente. As mães diabéticas, inclusive, têm 6 vezes maior probabilidade de gerar filhos com este problema. Há, da mesma forma, maior acometimento de casos de anencefalia em mães muito jovens ou nas de idade avançada.
O motivo mais evidenciado nos debates em torno da Anencefalia refere-se, inicialmente, a capacidade potencial que os casais teriam que decidir sobre o futuro de sua gestação, tão logo recebam o diagnóstico.
ASPECTOS LEGAIS
Entretanto, a possibilidade de definição sobre a continuidade da gestação não está contida no Código Penal do Brasil.
Discute-se, primeiramente, entre os profissionais da saúde, se a interrupção da gestação é ou não um ato benéfico para a gestante.
Por outro lado, a mesma abordagem é no Poder Judiciário lastreada na seguinte indagação: é possível ou não realizar a antecipação do parto ou o abortamento, inobstante a ilegalidade deste procedimento.
Embora o aborto e/ou a interrupção da gestação ou antecipação do parto sejam proibidos pela legislação, já foram expedidos, no entanto, no Brasil cerca de 3000 autorizações judiciais para a interrupção da gestação, considerando-se os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Especificamente, dentre estes, nas conotações jurídicas estão: liberdade de escolha, direito à saúde e a dignidade da pessoa humana.
O direito à saúde, como sabido, está previsto na Constituição da República, como um dever do Estado de promovê-lo de forma ampla: física e psíquica e farmacológica.
A dignidade da pessoa humana é outro princípio impositivo, que as ações do Estado e ações coletivas não devem intervir, sob hipótese alguma, na dignidade – garantia constitucional – da pessoa.
CONCLUSÃO
Verificada a anencefalia e resolvida a interrupção do estado gravídico, o pedido deverá ser jurisdicionalizado com os seguintes documentos: relatório médico com o objetivo de obter o suprimento judicial, comprovando que a patologia é letal; exames de ultra-som morfológico, com a avaliação da idade gestacional e a descrição da patologia; avaliação psicológica e assinatura do (s) interessados (as).
Concedida a autorização judicial, a mulher deverá retornar ao hospital para ser internada, induzindo-se o parto com medicamentos.
Aponte-se que os fetos com mais de 500 g de peso deverão ser registrados e sepultados, como determina a lei, mediante o atestado de óbito fornecido pelo médico obstetra.
Para arrematar, no caso em debate da anencefalia, é possível a concessão do parto ou abortamento, sendo unânime, nestas decisões dos Pretórios.
Registre-se, inclusive, a feliz e oportuna iniciativa dos Deputados Luciana Genro e Doutor Pinotti, na apresentação do Projeto de Lei, abaixo reproduzido, em andamento, verbis:
Por fim, em final sinopse, tem-se que:
1º O aborto, como o infanticídio (antes do início do parto, existe aborto; a partir de seu início, infanticídio), constituem-se atos criminosos, como regram os artigos 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal.
2º Porém, consoante dispõe o artigo 128 do Estatuto Penal, o aborto não é punível se não há outro meio de salvar a vida da gestante, nos casos de gravidez resultante de estupro;
3º Agora, por formação jurisprudencial, o aborto (a antecipação do parto ou interrupção da gestação), embora não contemplados pela legislação, podem ser autorizados nos casos de anencefalia.
PROJETO DE LEI No, DE 2004
(Da Sra. Luciana Genro e do Sr. Dr. Pinotti)
Acrescenta inciso ao artigo 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º O art. 128 do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:
“Art. 128…………………………………………………………………
I -………………………………………………………………………….
II -…………………………………………………………………………
III – se o feto é portador de anencefalia, comprovada por laudos independentes de dois médicos (NR).”
Art.2º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
Tradicionalmente tratadas como cidadãs de segunda classe, as mulheres enfrentam situação de injustiça e de discriminação em nossa sociedade, comprovada em fatos como: preconceitos, salários menores, jornadas sucessivas de trabalho, menores índices de escolaridade, agressões e violências, discriminação profissional, assédio direto e indireto, responsabilidade pelo sustento de famílias, altas taxas de mortalidade materna, abuso sexual na infância/adolescência e grande carga de trabalho doméstico não reconhecido pelo sistema previdenciário. Delas se espera, ainda, que estejam sempre sexualmente disponíveis, não transmitam doenças, não engravidem com muita freqüência, que alimentem, eduquem e limpem as crianças, as roupas e a casa.
Para um grande número de mulheres, a gestação, o parto e o puerpério ainda estão cercados por muitos riscos. Esta realidade ainda inclui o grande estresse e o drama pessoal da gravidez indesejada, o risco físico dos abortos clandestinos, das suas complicações, mutilação e morte. A taxa de mortalidade materna, no Brasil, por exemplo, ultrapassa muito o que poderia ser considerado razoável.
Estas são apenas ilustrações de como o processo de discriminação contra a mulher ainda continua com muita força, sem que a sociedade, muitas vezes, se dê conta de sua extensão e gravidade.
Hoje, entretanto, estamos agravando ainda mais a carga já insuportável da grande maioria das mulheres brasileiras ao impedir a interrupção da gravidez quando o feto, comprovadamente, padece de anencefalia, ou seja, não possui o cérebro desenvolvido.
A anencefalia é uma anomalia congênita do sistema nervoso central resultante da falha de fechamento do tubo neural entre o 23º e o 26º dia de gestação, incapacitando o concepto para a vida extra-uterina. Pela anomalia do cerebelo, não há controle de temperatura corpórea e da freqüência respiratória, o que torna impossível a sobrevida dessas crianças (Hunter, 1983).
Nos EUA a incidência de anencefalia é 1:1000 nascimentos. Na Irlanda e Países de Gales, 5 a 7:1000 nascimentos. Na França e no Japão, 0,1 a 0,6:1000 nascimentos. No Brasil, 1:1.600 (Gorlin et al., 2001; Ogata et al., 1992; Rotta et al., 1989).
Na maioria dos casos a anencefalia é do sexo feminino e de etiologia multifatorial decorrente da interação entre fatores genéticos e ambientais. Os fatores ambientais envolvidos estão relacionados à exposição materna no primeiro trimestre de gestação a produtos químicos (solventes orgânicos, etc), irradiações, ruptura da membrana amniótica (brida amniótica), hipertemia materna, diabetes materno, deficiência materna de ácido fólico, alcoolismo, tabagismo, fármacos como antidepressivos tricíclicos, antiácidos, antidiarréicos, corticoesteróides, analgésicos, antieméticos, antibióticos, antiparasitários e antigripais (Ogata et al., 1992; Mutchinick et al., 1990; Sanford et al., 1992). A incidência de malformações do concepto em mães diabéticas é de 6 a 16 vezes maior do que na população geral.
Hoje em dia o diagnóstico pré-natal dos casos de anencefalia tornou-se simples. Não é necessária a realização de exames invasivos, apesar dos níveis de alfa-fetoproteína aumentados no líquido amniótico obtido por amniocentese ser método de diagnóstico mais citado (Cohen & Zapata, 1985).
O reconhecimento de concepto com anencefalia é imediato. O crânio está ausente ou bastante hipoplásico. Não há ossos frontal, pariental e occipital. A face é delimitada pela borda superior das órbitas que contém globos oculares salientes. A abóboda craniana é substituída por massa mole de coloração violácea e aspecto angiomatoso. O cérebro encontra-se exposto e o tronco cerebral é deformado. Os nervos cranianos são hipoplásicos. A hipófise está ausente ou vestigial, com neuro-hipófise hipoplásica. O hipotálamo está ausente na maioria dos casos, assim como as conexões entre adeno-hipófise e o sistema nervoso central (Ogata et al., 1992).
A confirmação diagnóstica é realizada pelo ultra-som, no qual não é visualizado o contorno ósseo da calota craniana do concepto. Esse diagnóstico pode ser realizado hoje a partir de 12 semanas de gestação (Brimdage, 2002; Ross & Elias, 1997).
No que diz respeito a prática da interrupção de gestação com fetos anencéfalos a Organização Mundial da Saúde publicou tabela que mostra os percentuais em que ocorrem em diferentes regiões e países do mundo. Nela, pode-se verificar a alta incidência do aborto induzido na prática de atendimentos desses casos.
Em países como a França, Suíça, Bélgica, Áustria, Israel e Rússia, a interrupção da gravidez ocorre quase sempre em 100% dos casos. Mesmo em países com extensa tradição católica, como Itália e Espanha, a interrupção da gravidez com fetos anencéfalos é realizada na imensa maioria dos casos: de 80% a 85%. No Reino Unido, Alemanha e Finlândia, as taxas aproximam-se a 90%.
Entendemos que, ao se diagnosticar um feto anencéfalo, deverá ser permitido ao casal decidir, de uma maneira totalmente informada e livre, sobre a interrupção ou o seguimento da gravidez. Essa opinião baseia-se nos seguintes fatos:
a) não há nenhuma possibilidade de sobrevivência prolongada para esse tipo de patologia;
b) a gravidez com anencéfalo traz à mãe maior probabilidade de doença hipertensiva específica da gravidez e polidramnio, além de causar, com grande freqüência, um parto distócico pela própria condição de anencefalia;
c) com a metodologia propedêutica mais moderna, o diagnóstico da anencefalia pode ser realizado com total segurança, devendo ser obrigatória, antes da interrupção, uma segunda opinião de um obstetra experimentado.
Este projeto de lei tem o propósito de incluir, entre as causas que não incriminam a realização do aborto, no Código Penal, a situação da gravidez com feto anencéfalo.
Não queremos obrigar o casal à interromper a gravidez, mas apenas permitir que a decisão seja tomada por eles livremente, após todas as informações específicas do seu caso, com o cuidado de se exigir dois laudos independentes para que não paire nenhuma dúvida sobre o diagnóstico.
Evidente que, uma vez tornada lei essa possibilidade de interrupção, os serviços públicos deverão oferecê-la àqueles casais que a desejarem, cabendo aos médicos a possibilidade de alegarem objeção de consciência, mas cabendo ao serviço a obrigatoriedade do atendimento de acordo com desejo dos pais e o relatório feito pelos médicos especialistas. Tais detalhamentos, no entanto, podem ser feitos na regulamentação da lei, pelo órgão competente do Poder Executivo.
Sabemos que a questão envolve grande polêmica, por interferir com problemas sociais, religiosos, médicos e éticos. O aborto provocado, que não pode ser desvinculado do contexto da situação da mulher em nossa sociedade, é sem dúvida um dois mais complexos e controversos fenômenos sociais que a humanidade enfrenta.
Independentemente de qualquer conceito religioso, é indiscutível que o aborto provocado é uma agressão, é uma situação de violência que se faz sentir em diferentes níveis. Ninguém em sã consciência é a favor do aborto. Os médicos, formados em defesa da vida, e particularmente os ginecologistas, não podem senão abominar a própria idéia da interrupção da gravidez. Como então conciliar esta postura frente ao sofrimento e angústias de uma paciente gestante portadora de um feto anencéfalo cuja probabilidade de sobrevivência é nenhuma?
Afirmamos que equivale à pratica da tortura a exigência de que a mulher gestante suporte a situação de manter o feto anencéfalo até o fim do período gravídico. Além do mais, esta gestante estará submetida a um parto complicado, de alto risco, que envolve sofrimento e um esforço desgastante e infrutífero, sem contar as despesas ao casal e/ou ao sistema de saúde.
Todos esses motivos nos levam a apresentar este Projeto de Lei para o qual solicitamos a aprovação dos colegas, Deputados desta Casa, pois temos a firme convicção de que facultar ao casal a decisão de interromper a gravidez com feto anencéfalo é a melhor alternativa.
Sala das Sessões, em de de 2004.
Deputada Luciana Genro Deputado Dr.Pinotti
2004 12386 Dr Pinotti 173
Bibliografia referida
Brimdage, S.C. Preconception. Health care. Am. Fam. Physician, 65:2507-2514, 2002.
Cohen, T.R., Zapara, L. Diagnóstico prenatal de las malformaciones del sistema nervioso central por ultrasonido. Rev. Obstet. Ginecol. Venezuela, 45:131-141, 1985.
Gorlin, R.J., Cohen Jr. M.M., Hennekam, R.C.M. Anencephaly. In Síndromes of the Head and Neck, 4th ed. Oxford: Oxford University Press, p. 704-707, 2001.
Hunter, A.G.W., Brain and spinal cord. In: Stevenson, R.E., Hall, J.G., Goodman, R.M. editors.Human Malformations and Related Anomalies. New York: Oxford University Press: p. 109-137, 1983.
Lausterslager, P.F.H., anencefalia: consideraciones bioéticas y juridicas. Acta Biothica, 6:265-282, 2000.
Mutchinick, O., Orozco, E., Lisker, R., Babinsky, V. Núnez, C. Fatores de riesgo asociados a los defectos de cierre del tubo neural: exposición durante el primer trimestre de la gestación. Gac. Med. Mex., 126:227-234, 1990.
Ogata, A.J.N., Camano, L., Brunoni, D. Perinatal factors associated with neural tube defects (anencephaly, spina bífida and encephalocele). Rec. Paul. Med., 110:147-151, 1992.
Ross, H.L., Elias, L. Maternal serum screening for fetal genetic disorders. Obstet. Gynecol. Clin. North. Am., 24:33-47, 1997.
Rotta, N.T., Vecino, M.C.A., Mello, L.L., Kersten, R.N., Silva, J.V.B., Malformações congênitas do sistema nervoso central: incidência de cinco anos no Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Ver. HCPA, 9:10-14, 1989.
Sanford , M.K., Kissling, G.E., houbert, P.E. Nueral tube defect etiology: new evidence concerning maternal hyperthermia, health and diet. Dev.Med, Child. Neurol., 34:661-675, 1992.
Advogado militante desde 1970, atendendo nos municípios da Encosta Superior do Nordeste
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