Resumo: Este trabalho tem o escopo de analisar controvérsias sobre a inovação trazida pelo advento na Lei Federal n° 12.873, de 24 de outubro de 2013, que instituiu a autorização de uso de agrotóxicos em emergências fitossanitárias, a sua compatibilidade com a Lei Federal n° 7.802, de 11 de julho de 1989, e o entendimento atual do Poder Judiciário sobre o tema.
Palavras-chave: Agrotóxicos. Legislação. Emergência fitossanitária. Autorização.
Abstract: This work has the scope to analyze controversies about the innovation brought by the advent of the Federal Law No. 12,873/2013, of October 24, 2013, establishing the authorization of use of pesticides in phitosanitary emergencies, their compatibility with the Federal Law No. 7,802/1989 of July 11, 1989, and the current understanding of the Judiciary on the subject.
Keywords: Pesticides; legislation; phytosanitary emergency; authorization; import; use.
Sumário: Introdução, 1- Competências legislativas, 2 – Da legislação aplicável, 3- Dos Atos de Registro e de Autorização de uso emergencial de Agrotóxicos, 4- Conflito aparente de normas e Incidência da lei superveniente, 5- Controle Estadual, 6- Considerações finais, Referências.
Introdução:
A produção agrícola está sujeita à incidência de pragas e doenças. Para evitar prejuízos, o Poder Público adota diversas medidas de proteção sanitária vegetal. Dentre as medidas disponíveis, o combate à infestação de pragas pode ser realizado pelo uso de agrotóxicos previamente aprovados pelo Governo Federal e cadastrados nos Órgãos Estaduais.
O controle das atividades relacionadas com a importação, o comércio e uso dos agrotóxicos na agricultura estão previstas na Lei n° 7.802/1989 e também, a partir de 2013, pela Lei n° 12.873, que trouxe novo instrumento – a autorização emergencial de agrotóxicos – como medida para possibilitar o efetivo controle de pragas ou doenças em situações que demandam ações ainda não suficientes ou não disponíveis para o seu controle ou erradicação.
Essa Lei de 2013 concedeu ao Poder Executivo Federal a possibilidade de declarar estado de emergência fitossanitária e de expedir o ato de autorização de uso de agrotóxicos, quando for constatada situação epidemiológica que indique risco iminente de introdução ou de surto de epidemia de doença ou de praga quarentenária.
Entretanto, a implementação junto aos Estados dessa nova medida tem encontrado resistência. Acalorados debates têm sido observados. Membros dos Ministérios Públicos têm recomendado aos Estados que não autorizem o uso emergencial de agrotóxico, mesmo que já aprovado pela União. Por sua vez, o Poder Judiciário tem decidido favorável à autorização emergencial.
O presente artigo visa, assim, examinar as controvérsias envolvendo a aplicação da nova legislação. Para tanto, abordou-se, inicialmente, a questão das competências dos entes da Federação para tratar do tema, bem como do resumo da legislação aplicável e da doutrina firmada até então. Assentadas tais premissas, passou-se à análise dos fundamentos das recomendações que visam evitar a efetividade da Lei nº 12.873.
1. Das competências legislativas:
A teor do art. 24 da Constituição Federal compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (IV), responsabilidade por dano ao meio ambiente (VIII) e proteção à saúde (XII).
No âmbito dessa competência concorrente, os parágrafos do art. 24 da CF/88 disciplinam que a União estabelece normas gerais e os Estados suplementar. Confiram-se:
“§ 1º – No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º – A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3º – Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º – A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”
Assim, cabe à União expedir normas gerais sobre agrotóxicos, detendo competência para estabelecer os critérios de vedação de uso dessas substâncias químicas (como foi estipulado na Lei nº 7.802/89 e na Lei n° 12.873/13).
Já quanto a competência suplementar dos Estados, estes devem seguir a disciplina federal, conforme MACHADO (1996) esclarece “a competência dos Estados para legislar, quando a União já editou uma norma geral, pressupõe obediência à norma federal, se editada de acordo com a Constituição Federal. Situa-se no campo da hierarquia das normas e faz parte de um sistema chamado fidelidade federal”.
A repartição de competência legislativa entre as entidades políticas da Federação segue-se o princípio da predominância do interesse, conforme doutrina, com propriedade, do professor SILVA (2005, pág. 478):
“O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse, segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional…”.
MORAIS (2002, pag. 198) reforça esse entendimento, destacando a competência estadual quanto à apreciação de suas particularidades:
"A Constituição brasileira adotou a competência concorrente não-cumulativa ou vertical, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais, devendo os Estados e o Distrito Federal especificá-las, através de suas respectivas leis. É a chamada competência suplementar dos Estados-membros e Distrito Federal (CF/88, art. 24, § 2º). Essa orientação, derivada da Constituição de Weimar (art. 10), consiste em permitir ao governo federal a fixação de normas gerais, sem descer a pormenores, cabendo aos Estados-membros a adequação da legislação às peculiaridades locais.” (negrito nosso).
Sobre essas particularidades ou do interesse regional e quanto ao tema agrotóxico, VAZ (2006, pág. 25) explica que “os Estados e o DF podem legislar sobre produção, comércio, uso e armazenamento de agrotóxicos, dispondo sobre aspectos de especificidade regional.”.
Distinguem-se os temas gerais e os de especificidade. A competência para estabelecer as condições gerais de restrições a vedações do uso dos agrotóxicos é dada à União, por Lei Federal (Lei n° 7.802/89 e Lei n° 12.873/13), com supremacia às normas estaduais que devem cuidar para acurar a disciplina geral do uso no respectivo Estado em função das condições locais.
Ou seja, ao Estado federado é permitido legislar supletivamente para restringir as condições de uso de agrotóxicos no Estado, porém, essa restrição suplementar pode ser adotada estritamente em função de efetiva constatação de condições ou peculiaridades locais que a justifiquem, pois, do contrário, estar-se-ia indo de encontro com a competência constitucional federal.2.
2. Da legislação aplicável:
A Lei n° 7.802/89 estabeleceu as competências dos entes federados no tema relacionado aos agrotóxicos. Veja-se:
“Art. 9º No exercício de sua competência, a União adotará as seguintes providências:
I – legislar sobre a produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico;
II – controlar e fiscalizar os estabelecimentos de produção, importação e exportação;
III – analisar os produtos agrotóxicos, seus componentes e afins, nacionais e importados;
IV – controlar e fiscalizar a produção, a exportação e a importação.
Art. 10. Compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos arts. 23 e 24 da Constituição Federal, legislar sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento dos agrotóxicos, seus componentes e afins, bem como fiscalizar o uso, o consumo, o comércio, o armazenamento e o transporte interno.”
Esse art. 10 concede competência aos Estados para realizar o controle estadual, o qual MACHADO (1995, pág.367) ilustra que “nada impede os estados de criar um sistema de registro ou cadastro de agrotóxicos e seus componentes, observando as normas gerais existentes na legislação federal.”.
A fabricação, o comércio, o transporte e uso de agrotóxicos, pela sua periculosidade, devem ser controlados pelo Poder Público, conforme ilustra VAZ (2006, pág. 61): “Dispõe a Constituição que incube ao Poder Público controlar a produção, a circulação, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportam riscos para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225,§1º, V).”.
A competência estadual para estabelecer um cadastro de agrotóxicos e a sua abrangência para vedar ou permitir o uso – em consonância com o que já foi decidido pela União – já foi apreciada pelo judiciário, conforme a recente decisão:
“MEIO AMBIENTE. CADASTRO DE PRODUTO AGROTÓXICO. PARAQUAT. REGISTRO ANVISA. FEPAM.
A FEPAM tem competência para exigir o cadastramento de agrotóxicos para sua comercialização no Estado do Rio Grande do Sul. Não pode, contudo, negar o cadastro a produto registrado na ANVISA por considerá-lo nocivo à saúde e ao meio ambiente. (…)
O exame da conveniência do emprego do produto no País por meio da ponderação entre os riscos e benefícios que apresenta é da competência da União, (…)
Trata-se de partilha do poder no âmbito da Federação. Assim, enquanto vigente o registro do produto, na ANVISA, é ilegal a negativa do cadastro para fins de comercialização no Estado do RS.
Recurso provido.” (AGI, Vigésima Segunda Câmara Cível, nº 70058567801, n° CNJ: 0049343-67.2014.8.21.700, TJRS, 15/5/2014.).
Demonstrado, enquanto vigente a anuência da União (pela existência do registro previsto na Lei nº 7.802/1989) o Estado não pode negar o cadastro estadual sob aspectos ou motivos já apreciados e aprovados pela União, ressalvados motivos e fundamentos “de especificidade regional.”.
Em analogia, em relação às autorizações previstas na nova Lei 12.873/13, esse também é o procedimento que deve ser adotado quanto à decisão dos Estados para autorizar o uso dos agrotóxicos em emergências fitossanitárias.
No caso, a Lei n° 12.873/13 também passou a dispor sobre agrotóxicos especificamente para uso em caráter extraordinário e dispensou o registro (art. 53, caput, inciso II, § 3º, da Lei Federal n.º 12.824/13):
“A importação, produção, comercialização e o uso de agrotóxicos, seus componentes e afins, ao amparo da autorização emergencial temporária, prescindem do registro de que trata o art. 3° da Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989”.
Dessa forma, especialmente, em emergência fitossanitária, ao Estado não lhe é permitido adotar procedimento (para efetuar o controle e dispor sobre a sua especificidade regional) que obrigue ao particular a apresentação de certificado de registro expedido pelo Governo Federal, pois de acordo com a Lei de 2013 este registro não será expedido.
Porém, sem considerar a divisão de competências, geral ou suplementar, e a nova possibilidade de anuência estabelecida pela Lei n° 12.873/13 (que previu apenas uma autorização e dispensou expressamente a necessidade de expedição do específico registro federal concedido nos termos da Lei nº 7.802/89) membros do Parquet efetuaram recomendações a diversos órgãos estaduais e quanto aos Estados da Bahia e do Mato Grosso (que divergiram acerca das recomendações) intentou duas Ações Civis Públicas- ACP em face dos respectivos órgãos estaduais, com as seguintes abordagens que trato nesse artigo:
“Com base no Inquérito Civil nº (…), que segue apenso, a presente demanda visa compelir o Estado da Bahia, bem como sua autarquia ADAB, com base na legislação aplicável, a fiscalizarem e proibirem o uso de produtos agrotóxicos …, uma vez que tal componentes químicos não possuem registro no órgão federal competente…”.
Portanto, à luz da disciplina atual sobre a matéria, a comercialização e o uso de agrotóxicos para aplicação na produção agrícola na Bahia estão condicionados ao prévio registro dos mesmos junto ao Ministério da Agricultura (MAPA), bem como ao cadastro perante a ADAB.
Do quanto aqui expendido acerca da disciplina legal, seja em âmbito federal ou estadual, nota-se como condição imprescindível para a comercialização e uso de agrotóxicos o prévio registro destes junto ao Ministério da Agricultura (MAPA), bem como o cadastro perante a ADAB.”. (ACP 0302121.90.2013.8.05.0022 do MP do Estado da Bahia em face de Órgão Estadual).
“Com base no Inquérito Civil nº (…), que segue apenso, a presente demanda visa compelir o Estado do Mato Grosso, bem como sua autarquia INDEA, com base na legislação aplicável, a fiscalizarem e proibirem o uso de produtos agrotóxicos …, uma vez que tal componentes químicos não possuem registro no órgão federal competente.
Ou seja, mesmo em caso de urgência, a legislação exige que o agrotóxico esteja previamente registrado no órgão federal competente para que seja regularmente comercializado e utilizado”. (ACP 4546-12,2014.4.01.3600 do MPF em face de Órgão do Estado do Mato Grosso).
O que se constata é que nas teses das duas ACP, o trato quanto às competências e a nova legislação federal não foram adotadas, prevalecendo a tese somente da disciplina da Lei Federal de 1989 e das normas estaduais que unicamente previam a possibilidade de permissão de uso no Estado se previamente registrado nos termos da Lei n° 7.802/89.
3. Dos Atos de Registro de Agrotóxico e de Autorização de uso emergencial:
De fato, a Lei nº 7.802/89 exige que para os agrotóxicos serem utilizados, deve-se obter o registro perante o Governo Federal. Entretanto, o Governo Federal inovou na legislação brasileira de agrotóxicos ao editar a Lei nº 12.873/13 que instituiu uma autorização de agrotóxicos exclusivamente em usos emergenciais ao invés do registro em sentido estrito conforme previsto na lei de 1989.
A anuência prevista na Lei nº 12.873/13 superveniente e excepcional prescinde do registro previsto na Lei n° 7.802/89, mas exige que seja concedida uma autorização para importação e para uso quando declarado, pelo Governo Federal, estado de emergência fitossanitária. Essas normas trazem as seguintes regras:
“Lei 7.802/89, art. 3º “Os agrotóxicos, seus componentes e afins, de acordo com definição do art. 2º desta Lei, só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura.
Lei n° 12.873/2013, Art. 53. “Fica a instância central e superior do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária de que trata o § 4o do art. 28-A da Lei no 8.171, de 17 de janeiro de 1991, autorizada, nos termos do regulamento, em caráter extraordinário, a anuir com a importação e a conceder autorização emergencial temporária de produção, distribuição, comercialização e uso, quando declarado estado de emergência fitossanitária ou zoossanitária de:…
II – agrotóxicos e afins; e”.
Por sua vez, o Decreto n° 4.074/02, que regulamenta a lei de 1989 define registro como:
“XLII-registro de produto – ato privativo de órgão federal competente, que atribui o direito de produzir, comercializar, exportar, importar, manipular ou utilizar um agrotóxico, componente ou afim;”.
Tanto o registro como as autorizações previstas naquelas normas transcritas são espécies de atos administrativos, igualmente como os de admissão, concessão, permissão, aprovação, licença, alvará e homologação (MELLO, 2005, pág. 403). Todos decorrem de anuência do Poder Público para que determinado interessado desempenhe uma atividade. São necessários para legitimar a atividade a ser executada, nos termos do parágrafo único do art. 170 da CF/88 “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”.
A autorização é o tipo de ato administrativo que a Lei n° 12.873/13 adotou para conceder o direito de utilizar determinado produto para controle de praga em emergência fitossanitária e segundo explica MELLO (2005, pág.409) “Autorização é ato administrativo unilateral pela qual a Administração, discricionariamente, faculta o exercício de atividade material, tendo como regra o caráter precário’”. Este caráter precário da autorização corresponde à precariedade prevista na nova lei (art. 28) “autorização emergencial temporária…”.
Dessa forma, perfeitamente cabível a anuência do Poder Público, via ato administrativo de autorização, conforme estabelecido na legislação.
Importante destacar que apesar do rito processual distinto e expedição do ato administrativo precário (com prazo determinado) e centralização das avaliações em um Órgão da União, a nova legislação estabelece as idênticas restrições ou vedações estabelecidas na Lei n° 7.802/89, quanto aos aspectos toxicológicos nocivos ao homem ou ao meio ambiente, e ainda acrescentou outra:
“Lei 12.284/2013, Art. 6º, § 4º A anuência ou a autorização emergencial temporária de que trata o caput somente poderão ser concedidas para produtos cujo emprego seja autorizado para culturas similares em pelo menos três países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE que adotem, nos respectivos âmbitos, o International Code of Conduct on the Distribution and Use of Pesticides da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO.”
4. Conflito aparente de normas e Incidência da lei superveniente:
A circunstância da legislação federal anterior (Lei n° 7.802/89) e bem assim as legislações estaduais preverem a necessidade de efetuar o cadastro do produto no órgão competente do Estado ou do Distrito Federal com a apresentação do prévio registro concedido pela União não têm a força de derrogar os preceitos legais especiais das normas aplicáveis quando se tratar de situação excepcional e de emergência fitossanitária, tal qual a de que se cuida no caso em análise, que versaram expressamente sobre a dispensa do registro no órgão federal, pois nesse aparente conflito de normas, deve-se adotar a disciplina prevista no art. 2º, §1º, do Decreto-Lei nº 4567/1942- Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro:
“Art. 2o § 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”
Essa é a interpretação que nos parece a mais autorizada, até mesmo por força do comando previsto na Constituição Federal, art. 24, § 4º: “a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.”.
A interpretação desse dispositivo constitucional já foi motivo de diversas manifestações do Judiciário, das quais selecionamos:
“(…) A superveniência de lei federal dispondo normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. No caso, o citado texto normativo estadual (Lei 6.915/1995), por disciplinar de forma diversa e ser posterior à lei federal, nem chegou a ter eficácia, prevalecendo, pois, o art. 76, da Lei 8.213/1991, que estabelece a data da inscrição ou habilitação como termo inicial da concessão do benefício em favor de dependentes posteriormente incluídos.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RE 595.586, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 9-2-2010, Segunda Turma, DJE de 12-3-2010.)
“Produção e consumo de produtos que utilizam amianto crisotila. Competência concorrente dos entes federados. Existência de norma federal em vigor a regulamentar o tema (Lei 9.055/1995). Consequência. Vício formal da lei paulista, por ser apenas de natureza supletiva (CF, art. 24, § 1º e § 4º) a competência estadual para editar normas gerais sobre a matéria.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, ADI 2.656, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 8-5-2003, Plenário, DJ de 1º-8-2003.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – AVERBAÇÃO DA ÁREA DE RESERVA LEGAL – INEXIGIBILIDADE – SUPERVENIÊNCIA DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL – DECISÃO MANTIDA.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela para fins de compelir o proprietário a realizar a averbação de área de reserva legal em Cartório de Registro de Imóveis deve ser indeferido, diante da superveniência do Novo Código Florestal – Lei nº. 12.651/2012 – que afasta esta exigência.” (TJ-MG – AI: 10155120019288001 MG, Relator: Afrânio Vilela, Data de Julgamento: 26/03/2013, Câmaras Cíveis/2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 08/04/2013).
Portanto, em que pese a possibilidade de o Estado realizar cadastro estadual de produto agrotóxico com a apresentação do correspondente prévio registro expedido por Órgão Federal, nos ditames da Lei n° 7.802/89, não se vislumbra ser pertinente a interpretação de norma estadual ou a adoção de teses que insistem na necessidade de cadastro do registro federal de agrotóxico para uso em emergência fitossanitária.
Não é permitido desconsiderar a vigência da regra da nova legislação que trouxe regime diferenciado. Esse foi o sentido do entendimento adotado pelo Ilustre Desembargador Federal Jirair Meguerian, que apreciou pedido de reconsideração elaborado pelo Ministério Público Federal em face de decisão desse magistrado que já havia atribuído efeito suspensivo contra decisão proferida por Juiz Federal que, por sua vez, havia concedido liminar para suspender a autorização estadual de uso de agrotóxico em emergência fitossanitária:
“Assim, tem-se que a importação emergencial e extraordinária do agrotóxico não está registrada pelas normas citadas pelo agravado, mas sim pela Lei 12.873/2013, que trata do regime diferenciado de importação, comércio e utilização de agrotóxico, quando declarado estado de emergência fitossanitária e zoossanitária.” (TRF 1ª Região, AGI 0027841-14.2014.4.01.0000/MT, 11/07/2014).
5. Do controle Estadual previsto na Lei nº 12.873/2013:
A fabricação, o comércio, o transporte e uso de agrotóxicos, pela sua periculosidade, devem ser controlados pelo Poder Público, conforme ilustra VAZ (2006, pág. 61): “Dispõe a Constituição que incube ao Poder Público controlar a produção, a circulação, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportam riscos para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225,§1º, V).”.
Tanto os agrotóxicos registrados como aqueles autorizados são objeto de controle dos Órgãos Estaduais. No caso da autorização que foi motivo das duas ACP, a legislação prevê controle estadual mais rigoroso. Jirair Meguerian, em apreciação do tema, constatou que:
“E esse é exatamente o caso em comento, em que se constata um surto de largata helicoverpa armigera nas lavouras de soja e algodão, motivo pelo qual o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA declarou o estado de emergência fitossanitária e autorizou a importação e utilização emergencial do produto, utilização essa, inclusive, que não fica ao livre arbítrio dos produtores, mas que deve obedecer a regulamentação da Secretaria de Defesa Agropecuária. A partir dessa autorização é que os órgãos estaduais responsáveis, como o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de Mato Grosso – INDEA, devem atestar a necessidade de utilização do produto nos respectivos estados”. (TRF 1ª Região, AGI 0027841-14.2014.4.01.0000/MT, 11/07/2014).
Essa Constatação de Meguerian há de ser destacada, pois, nos termos da Portaria n° 1.109/2013 do Ministério da Agricultura e Pecuária, que estabeleceu os procedimentos para autorizar a importação e uso de agrotóxico em emergência fitossanitária, o interessado deve obter previamente uma manifestação do órgão Estadual sobre um plano de segurança e controle do produto, bem como há a necessidade identificar previamente os usuários que poderão fazer o uso do produto:
“Art. 6º O interessado deverá requerer, junto ao setor competente da Secretaria de Defesa Agropecuária – SDA do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, a solicitação emergencial temporária para importação do produto Benzoato de Emamectina, instruída com os seguintes documentos:
III – plano de segurança e controle no transporte, armazenamento, aplicação e eliminação de resíduos e sobras ao final da vigência do estado de emergência fitossanitária, e destinação final das embalagens vazias, devidamente aprovado pelo Órgão Estadual ou Distrital de Defesa Agropecuária;”.
Ademais, autorização para venda e uso não se dá para agricultores em geral, conforme a regulamentação da Lei n° 12.873/13, pelo Decreto n° 8.133/2013:
“Art. 6º
§ 2º A anuência com a importação e a autorização emergencial temporária de produção, distribuição, comercialização e uso deverão ser requeridas pelos interessados, individualmente ou em conjunto, desde que identificadas as pessoas físicas ou jurídicas abrangidas.”.
A autorização de uso estadual é dada para agricultor específico, com a sua identificação, localização, quantidade autorizada e entre outras informações previamente exigidas e atestadas pelo Estado.
Portanto, a forma simples do ato administrativo expedido pelo Governo Federal (a autorização para uso emergencial) além de não eximir a necessidade de verificação, por parte de Órgão da União, das hipóteses de vedação de aprovação pela eventual nocividade à saúde ao homem ou ao meio ambiente (mesmas da Lei nº 7.802/89) e ainda demonstrar que se encontra registrado em países membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico/OCDE – não subtrai qualquer competência estadual de aprovação e do controle do uso dos agrotóxicos.
Pelo contrário, a norma geral expedida pelo Governo Federal obriga instrumentalização de cuidados no controle estadual (plano de segurança e controle sobre os usuários), que inexistem semelhanças em relação àqueles produtos registrados perante a Lei nº 7.802/89.
6. Considerações finais:
Assim, temos que os argumentos que buscam recomendar aos Estados a não autorização de uso ou de aplicação de agrotóxicos já aprovados pela União – pela ausência de registro expedido pelo Ministério da Agricultura, conforme estabelecido pela Lei n° 7.802/89 e sem motivos acerca de eventuais condições locais desfavoráveis – padecem de equívoco, pois a Lei n° 12.873/2013 superveniente e especial (que deve prevalecer) informa que prescinde o registro que trata aquela lei de 1989 e prevê que a anuência do Poder Público para utilizar o agrotóxico em emergência se dá por expedição de ato administrativo de autorização temporária, nos termos da lei nova, a qual não somente manteve as competências constitucionais estaduais, para exercer a aprovação e o controle sobre o uso local, como ainda previu procedimento específico e rigoroso de controle estadual.
Informações Sobre o Autor
Paulo César de Campos Amaral
Advogado militante na área de Direito Administrativo Ambiental e Regulatório. Engenheiro Agrônomo com especialização em gestão ambiental. Atuou como Consultor junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e na Assessoria Jurídica do Serviço Florestal Brasileiro/Ministério do Meio Ambiente