Hoje, dezoito de setembro, é manhã fria
que começou bem. Tenho escritório numa casa bonita no meio de um belo jardim,
funcionários que são como filhos e uma cachorra, a “Flor”, criada como se fosse
família, novidade nenhuma pois Clinton tem cachorro de
estimação tirando fotos com a senadora, Bush aparece absorto cofiando as
orelhas de seu cão e Kennedy, o famoso, parecia conversar com o seu durante a
crise de Cuba (Não sei Fernando Henrique tem cão mas, fora o apagão, não parece ter tido crise séria. Se a tiver,
arranja um). Até o catador de papéis tem um vira-lata a lhe proteger a
carrocinha. Na verdade, minha angústia, nesta manhã maravilhosa, é, de um lado,
o restolho da tragédia americana. De outra parte, exibe faceta prosaica.
Pequenos incidentes servem, de vez em quando, para gerar uma irritação só
desfeita a poder de reflexão insistente. Meu desconforto resulta de intimação
publicada no Diário Oficial do Estado divulgando habeas
corpus, sob número 358.214-3/4, felizmente concedido em favor de um paciente
qualquer. A tese jurídica não é importante. O nome dos eminentes
desembargadores do Tribunal de Justiça que concederam o “writ” é, igualmente,
secundário. Indague-se, então, a razão de meu agastamento. Explico: se a manhã é bonita, a vida vai bem, os funcionários são
exemplares, a família é carinhosa, a cadela me olha com aquela expressão bovina
repleta de carinho e bondade, se os passarinhos mal conseguem voar de tão bem
alimentados a poder da ração da “Flor”, a ementa do habeas
corpus concedido bem poderia ser mais elegante, não insistindo em me chamar de “bacharel”.
Sou advogado. Chamam-se bacharéis todos aqueles que terminaram,
colando grau, qualquer curso superior no Brasil. São advogados somente aqueles
que, aprovados no exame de estado, têm inscrição na Ordem. A expressão
“bacharel” materializa, para mim, conotação injuriosa. Não chamo um juiz disso,
não uso o vocábulo para invocar um desembargador e não me dirijo dessa forma a
eminente promotor público. Dir-se-á que é excesso de sensibilidade. Não é não.
Qualquer magistrado assim chamado reagiria agressivamente. Portanto, chamem-me
de “Paulinho”, mas nunca de bacharel. E não escrevam nas ementas, concessivas
ou não, pouco importa, que estive a ajuizar uma “ordem
rogada”. Quem roga suplica, implora, ora, tece uma prece, ajoelha-se por
intercessão. Não supliquei coisa alguma. Expus o meu direito. Dêem-no ou não.
Se não o derem, busco-o em outra sede de Jurisdição, nunca como bacharel e
sempre como advogado. Para finalizar, bem podem os tribunais deixar o termo na
gaveta, respeitando os advogados e sabendo que não se confundem os mesmos com a
bacharelice vicejando no país. Gostaria de remeter
este “e-mail” a todos os juízes. Não lhes tenho os endereços.
Justificavelmente, não os tornam públicos. Mas bom seria que os tivesse, na
hipótese presente. Minha felicidade completa é importante. Cuidaria, como
advogado, das causas, dos amigos, da família e da cachorra “Flor”, tão humana
que está a olhar para mim a dizer que a irritação não vale a pena. Se e quando me
entendesse, eu lhe diria que no próximo Acórdão assinado pelo eminente relator
eu lhe dirigiria ofício chamando-o de bacharel desembargador, a ver se ele
gosta…
Informações Sobre o Autor
Paulo Sérgio Leite Fernandes
Advogado criminalista em São Paulo e presidente, no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas do Advogado.