Banco Mundial, mercado e a reforma do Judiciário brasileiro: uma visão política do banco na aprovação das reformas

Resumo: Busca-se, através do presente artigo, demonstrar a intervenção do mercado e de organizações internacionais, especialmente o Banco Mundial, na reforma do Poder Judiciário brasileiro objetivando desestruturar o Estado Social Democrático de Direito erigido pelo Constituinte de 1988 visando à adoção de um Estado Liberal Mínimo, no qual o mercado seria o responsável por regular o fato social e, por conseguinte, as questões sociais seriam solucionadas através do desenvolvimento econômico. Demonstra-se que a independência dos magistrados dificulta os grandes lucros e comprova que estas reformas não modificam os pontos mais sensíveis que beneficiariam toda sociedade. Por fim, afirma-se a necessidade de um plano de desenvolvimento para o Brasil como forma de alcançar um desenvolvimento sustentável para todos independente dos jogos políticos.


Palavras-chave: Judiciário – Reforma – Mercado


Abstract: This article tries to demonstrate the market and international organizations’s intervention, specially from World Bank, concerning the Brazilian Judiciary Power’s reform aiming to desmantelate the Democratic Social Estate of Law created by the 1988’s constituint seeking a Minimum Liberal Estate’s adoption, in which the market would be the responsable for regulating social fact and, as consequence, social questions would be solved through the economic development. It is demonstrated that the magisters’ independence difficult the huge profits and comprovate that these reforms have not modified the most sensible points which would beneficiate the whole society. Thus, it is affirmed the necessity of a development plan for Brazil as way to reach a sustentable development for everyone independent of the politik’s games.


Key words: Judiciary – Reform – Market


Introdução


Para a existência efetiva de um Estado Democrático de Direito, é adotado o modelo tripartite, no qual o sistema de freios e contrapesos, proposto por Locke e aperfeiçoado por Montesquieu, delimita deveres e obrigações. Para o alcance material dessa separação, faz-se necessário (a) a independência e autonomia de cada Poder, cumprindo todos com suas obrigações e observando as leis. É essa a missão do Poder Judiciário, aplicar a lei e coibir os excessos dos demais poderes, pois a ordem não pode ficar dependente das conveniências políticas. Os regimes autoritários dificilmente possuem tais características.


A Constituição Federal de 1988, marco jurídico-político da redemocratização, elaborada durante o Período da Guerra Fria, incorporou em sua essência questões sociais, valorizando o trabalho humano e buscando possibilitar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, através da igualdade material, como disposto em seu preâmbulo, mas simultaneamente, reforçou os direitos de propriedade e a liberdade individual, cabendo ao Estado atuar como regulador da liberdade individual e da igualdade social: um Leviatã, que age de forma contraditória, evitando a reinstalação do Estado de Natureza, de “guerra de todos contra todos” (HOBBES, 2001).


As conquistas sociais concedidas pelo constituinte de 88 resultados do clamor social reforçaram a existência de um Estado de bem-estar social, tornando improvável qualquer projeto socialista. Entretanto, não eram previstas tantas e velozes modificações no sistema internacional que tornou o capitalismo o sistema econômico hegemônico. A queda do muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS e do socialismo real em 1991 foram vistos, como “o fim da história” (FUKUYAMA, 1992).


Como resultado, o processo de globalização se acelera, o capitalismo se torna neoliberal e o ideal de livre mercado percorre a aldeia global (MCLUHAN, 1969), homogeneizando os Estados na missão de reduzir o aparato estatal em favor da iniciativa privada. No Brasil, os direitos alcançados, que minoravam as distorções ocasionadas pelo sistema capitalista e continha o avanço socialista, passaram a significar entraves para o mercado por reduzir os lucros e diante de tal situação dá-se início as reformas do Estado.Atualmente, a maioria dos países em desenvolvimento apresentam uma hipertrofia do Executivo, que freqüentemente excede suas competências. No caso brasileiro, ele tem legislado praticamente sobre todas as matérias, por meio de medidas provisórias, permanentemente reeditadas com a conivência do Legislativo, violando muitas vezes os valores constitucionais, submetendo-os à execução de determinados planos de governo. Esta hipertrofia desequilibra a balança de poder, reduzindo as atividades dos demais poderes, o que é bem visto e incentivado pelos investidores internacionais que visam tolher a prerrogativas do Judiciário por ser considerado um obstáculo para a expansão do mercado especulativo e da livre mobilidade do capital.


Diversos economistas e organizações internacionais sustentam que a falta de independência do Judiciário nos países “em desenvolvimento” pode ser necessária para o desenvolvimento econômico, ao afirmarem que alguns têm se beneficiado com um Executivo forte, capaz de aplicar suas políticas de maneira eficiente. Constata-se a tentativa de ampliação do Executivo sem esbarrar na ilegalidade, já que o crescimento facilita a execução das políticas econômicas em prol do livre mercado.


As Instituições Financeiras Multilaterais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial têm proposto reformas visando “acertar” a economia dos países periféricos, dependentes dos empréstimos emergenciais, resultado da dependência ao capital externo desde 1970, resultado do euromercado e dos petrodólares, agravada com a elevação dos juros estadunidenses (1979) e as Crises do Petróleo. Esses empréstimos apenas são concedidos com a promessa da execução de reformas, nos moldes propostos, que não atinjam apenas o Executivo, mas também os demais poderes, principalmente o Poder Judiciário, reduzindo sua expressão político-institucional. Estas Organizações perderam o enfoque econômico e adquiriram uma atuação política, paranormativa, buscando a harmonizar os atores sociais (DUPUY, 1995). O comprometimento da independência do Judiciário para a sobreposição dos interesses próprios em detrimento de toda a sociedade significa a inexistência da democracia, mas de uma forma degenerada de governo, nos moldes aristotélicos.


Desde 1997, setores da sociedade brasileira denunciam essa expansão do Poder Executivo. Os Subprocuradores-gerais da República assim se manifestaram:


“Constitui invasão à independência e harmonia dos Poderes (CF, art. 2º) assenhorear-se o Executivo da função legislativa, reeditando indefinidamente medidas provisórias que já haviam perdido a eficácia pela sua não-conversão em lei (…) resultando num caos legislativo que atropela o Poder Judiciário, alvo ainda de desapreço pelas críticas a seus julgamentos e de medidas restritivas a seu livre exercício; (…) A receita de um regime econômico que organismos internacionais intentam implantar nos países do terceiro mundo tem transformado a Constituição-cidadã num subproduto da economia, desmantelando o próprio arcabouço do Estado; (…) constituem crimes de responsabilidade os atos que atentem contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e do Ministério Público (CF, art. 85, II). Por isso são absolutamente inaceitáveis os projetos de lei que amesquinham este último e transformam o livre exercício de suas funções institucionais (CF, art. 129), tipificando-se em crimes de abuso de autoridade: pois é através de suas garantias (CF, art. 128, § 5º, I) (…) que são protegidos os direitos do cidadão”.(apud PRUDENTE, 2000).


Como bem dito por Prudente (2000):


Uma República conduzida por “Medidas Provisórias” é uma República apenas provisória, tendente a falir e onde não se constrói jamais uma ordem jurídica justa, mas um complexo normativo, propício à ditadura e ao arbítrio dos que gerenciam interesses econômicos do colonialismo de grupos financeiros alienígenas.


A elite pensante brasileira tem se voltado contra tais abusos, contudo, sem êxito. Essa política de desenvolvimento a partir do mercado repete a infrutífera receita dos anos 70, modelo de desenvolvimento baseado no financiamento do capital externo, volátil e descompromissado com o país que estaciona na busca de maiores lucros, única razão de sua ocasional inversão. Através do reforço da privatização do patrimônio público, da desregulamentação, terceirização, redução das competências do Estado, flexibilização trabalhista, dentre outros, visam à diminuição do Estado na medida do aumento do mercado, reverberando a ideologia de que ele será suficiente para gerir e disciplinar, com Justiça, a vida em sociedade, inclusive nos países subdesenvolvidos.


A livre movimentação do capital tornou necessária a redução institucional da atuação do Judiciário como defensor dos direitos, liberdades e interesses individuais e coletivos, haja vista que esta atuação efetiva e autônoma torna-se empecilhos para os lucros sob a égide da Lex mercatoria. O processo de globalização não visa distribuir mais dignidade, direitos ou justiça por se tratar de um fenômeno meramente econômico.


Para o alcance da vultosa rentabilidade, o capital especulativo carece de um ambiente favorável, um sistema legal previsível, não da norma, mas das decisões judiciais, não necessariamente eficientes. A capacidade dos magistrados de dirimirem os litígios com imparcialidade e amparo unicamente nas fontes do Direito, no caso concreto e na sua consciência, são sérios entraves para os interesses dos detentores de capital. O ressurgimento do liberalismo como pensamento hegemônico impõe aos países periféricos que seus magistrados sejam responsáveis pelo ajustamento da lei ao fato social, mantendo o status quo e assim garantir a expansão do mercado.


Como resultado do processo de globalização e do capitalismo neoliberal, ocorre uma crise na concepção do Estado nacional cujos benefícios não se sabem ao certo, mas restam fartas provas de todos os danos causados pelo encolhimento do Estado e do Judiciário. O processo de globalização é anárquico e cabe aos Estados orientarem, corrigindo distorções, buscando maximizar as vantagens e reduzir os sacrifícios.


“O maior desafio para a governabilidade em escala mundial e nacional é governar a globalização”, sublinha o Relatório sobre “Os princípios democráticos e a governabilidade da Cúpula Regional para o Desenvolvimento Político e os princípios democráticos” (UNESCO, 1997, apud CANDEAS, 2003).


Este documento destaca a ausência do domínio da humanidade sobre questões globais como: o aumento dos intercâmbios mundiais, a abertura aos fluxos de comércio e investimentos, a multipolarização do sistema de produção, meio-ambiente, segurança, pobreza e a exclusão, pode tornar a globalização no principal fator de ingovernabilidade e de desumanização do mundo.


Diante dessa necessidade, constatamos uma paulatina e crescente intervenção das Instituições Multilaterais, que nunca demonstraram, anteriormente, qualquer interesse com as reformas no Poder Judiciário, como o Banco Mundial, que usa do Soft Power, para obter maiores êxitos e menos contestações que através da coação.


O Banco Mundial foi criado em julho de 1944 na Conferência de Bretton Wood, com finalidade de promover a reconstrução dos países europeus, e o desenvolvimento dos países em desenvolvimento. Entretanto, o primeiro objetivo foi realizado através do Plano Marshall, detendo-se a questão do desenvolvimento. Nesta conferência criou-se o Fundo Monetário Internacional, responsável pelos auxílios de curto prazo, contendo quebra de liqüidez oriunda de crises financeiras temporárias, e aquele seria responsável pelas políticas de longo prazo. Estas instituições, esboçadas sob a égide dos ideais keynesianos, promoveram durante a vigência do Acordo de Bretton Woods (1944-1971) o chamado embedded liberalism, um liberalismo institucionalizado, em que o Estado impedia a livre circulação de capital, evitando os transtornos da crise de 1929 e contendo o avanço socialista, entretanto, aquelas, que segundo suas atas de fundação seriam apolíticas (art. 4º, da ata de fundação), configurar-se-iam importantes mecanismos político, pois a intervenção delas em questões domésticas é menos invasiva que a de um Estado.


O Banco Mundial e a Reforma do Judiciário brasileiro


É através do Documento Técnico 319, de título: “O Setor Judiciário na América Latina e no Caribe – Elementos para reforma”, de 1996, que o Banco Mundial amplia sua intervenção no Brasil, passando a ditar, além das políticas micro e macroeconômicas, que as modificações no Setor Jurídico deveriam serem realizadas a favor do mercado. Dentre elas, seugere-se a quebra do monopólico do Judiciário na prestação jurisdicional, reforçar as garantias ao direito de propriedade e propiciar o desenvolvimento econômico do setor privado, tolhendo a capacidade do Judiciário de garantir direitos e liberdades quando confrontarem as necessidades do capital.


Os relatórios de n.º 19, de 1997 – “O Estado num mundo em transformação” – e o de n.º 24, de 2002 – “Instituições para os mercados” e ainda a Conferência do Banco para sobre o Judiciário, realizada em 2000, enfatizam e reforçam o papel do Judiciário diante dos novos acontecimentos e a remodelação do mercado.


MACIEL ressalta que:


“o desenvolvimento econômico é por certo, finalidade a ser obtida pelo governo. Mas não é, decididamente, tarefa do Judiciário. O Judiciário não produz e não deve produzir desenvolvimento econômico. O Judiciário produz e deve produzir justiça.”


A literatura é uníssona quanto ao fato de que as propostas apresentadas pelo Banco não observam as peculiaridades brasileiras, bem como não atingem as verdadeiras causas do mau funcionamento da Justiça, dentre as quais se destacam: as inúmeras modalidades de recursos, a violação reiterada e consciente de normas legais, até mesmo da Constituição pelo Poder Público, a hipertrofia Legislativa e ainda os recursos de ofício interpostos pela administração pública em matérias já pacificadas.


Os projetos de reforma apresentados e aprovados no Congresso Nacional, tais como a Emenda Constitucional 45, se coadunam com as orientações do Banco e visam prioritariamente: 1- tornar as decisões mais previsíveis através da verticalização das decisões mediante o uso da súmula vinculante, que retira o livre poder de convencimento dos Juízes a quo, concentrando o poder decisório nas cúpulas, proposta contrária à dos magistrados, da criação de uma súmula impeditiva de recursos; 2- possibilidade de controle externo; 3- juizados arbitrais, com intuito de retirar a competência da solução das lides do órgão jurisdicional, fragilizando os Tribunais. Em suma, busca-se um Judiciário vertical, disciplinado e de capacidade reduzida no exercício do controle da legalidade e da constitucionalidade das leis e atos administrativos dos demais Poderes, visando favorecer as políticas macroeconômicas. Trata-se de reformas estruturais de caráter permanente, como disposto no documento supracitado, pois segundo o Banco, a economia de mercado:


“demanda um sistema jurídico eficaz para governos e setor privado, visando solver os conflitos e organizar as relações sociais. Ao passo que os mercados se tornam mais abertos e abrangentes e as transações mais complexas, as instituições jurídicas formais e imparciais são de fundamental importância”.


Deve-se perceber a importância da eficácia e previsibilidade do judiciário na incapacidade de impor limites, ainda que constitucionais, à circulação de capitais em busca do lucro e de um sistema jurídico homogêneo nos países em que estão alocados. Toda a herança do sistema jurídico romano-germânico vem paulatinamente sendo substituída pelos princípios norteadores da Common Law, assemelhando os sistemas jurídicos nacionais ao sistema utilizado pelo país hegemon.


É latente o desinteresse do Banco nas reformas que visam maior efetividade e acesso à Justiça uma vez que suas recomendações almejam apenas atingir e reformar a seara jurídica que interfere na ordem econômica, como deixa bem claro ao informar que “o Banco Mundial não está autorizado a desenvolver trabalhos na área da jurisdição penal, já que a intervenção nessa área não é considerada como forma produtiva em alcançar os seus objetivos, isto é, gerar o desenvolvimento econômico”, deixando de lado áreas que urgem por melhorias, como o setor penitenciário, fora dos interesses da referida Instituição, mas de grande temor para a população brasileira. O Banco afirma que “o crescimento da integração econômica entre países e regiões demanda um Judiciário com padrões internacionais”, entretanto, devemos questionar se a busca deste implica na inobservância das necessidades locais.


O Banco propõe a introdução de mecanismos alternativos para a resolução de disputas, incentivando à competição da atividade jurisdicional, buscando maior eficiência do ente público, sem observar as causas da morosidade no judiciário brasileiro. Segundo o qual:


“Os mediadores e árbitros bem treinados podem assegurar conhecimentos específicos e decisões mais previsíveis do que o sistema formal das Cortes, onde os magistrados talvez não estejam familiarizados com a matéria. (…) A decisão das partes em utilizar os MARC ou Judiciário formal vai depender da rapidez do sistema, capacidade de escolher o árbitro ou mediador ou, ainda, a percepção da possibilidade de uma derrota processual no sistema formal.” (grifei)


O sociólogo português Boaventura de Souza Santos, com antecedência, identificou o crescente interesse das instituições econômicas internacionais pelo sistema legal de diversos países que transmitiam suas “sugestões” através de elevadas quantias destinadas às reformas de tais sistemas e afirmava que tal fenômeno:


“é impulsionado por uma pressão globalizante muito intensa que, embora no melhor dos casos se procure articular com as aspirações populares e exigências políticas nacionais, o faz apenas para atingir os seus objetivos globais. E esses objetivos globais são muito simplesmente a criação de um sistema jurídico e judicial adequado à nova economia mundial de raiz neoliberal, um quadro legal e judicial que favoreça o comércio, o investimento e o sistema financeiro. Não se trata, pois, de fortalecer a democracia, mas sim de fortalecer o mercado”.(SANTOS, apud MACIEL, 2000).


A assertiva do sociólogo se ratifica quando o Banco destaca a importância do uso da mídia como forma de construção de uma base de apoio, gerador de pressão pública pelas reformas. Importa observar também que o uso da mídia se dá para a construção de um suporte e não como instrumento de discussão e participação da sociedade civil, que muitas vezes é manipulada para pressionar por tais reformas sem a oportunidade de discussão e realizar as reformas de fato necessárias. Esses espaços têm sido utilizados como um meio de desprestígio do Judiciário, que teve sua competência e idoneidade diversas vezes questionadas, passando a falsa premissa de que a sociedade estaria melhor com a redução da atividade jurisdicional e a resolução das lides fora dos tribunais públicos, perfeito para a alta lucratividade resultado do menor embaraço legal.


A CPI do Judiciário se deu concomitante à reinstalação da Comissão de Reforma do Judiciário, parada desde 1992, ressuscitada em 1999 e aprovada em 2000, como forma de desgastar o Poder e facilitar as reformas em desconformidade com as sugestões da AMB e da OAB e o interesse público nacional.


É defendido a inexistência de alternativa, de esta ser a única realidade possível, como dito por Weber, devendo o Estado se submeter às exigências do mercado internacional e por isso é devido à flexibilização das normas constitucionais, já que a globalização (da economia) atribuiu à política nacional o mercado como responsável pela regulação social. O governo nacional se submeteu ao projeto de Estado liberal apenas formalmente democrático alegando a necessidade de adesão à globalização para a sobrevivência brasileira, realizando de imediato, procedimentos que a Inglaterra, vem realizando desde o século XVIII. Sem sombra de dúvidas o mercado incentiva a competitividade e a produção, mas traz graves danos sociais sem a participação do Estado. O capitalismo é um sistema ideal dependendo de quem se é e quanto capital se tem disponível para participar do mercado, podendo este se auto-regular apenas quando os indivíduos possuírem a igualdade material, até lá o Estado é o único que pode garantir direitos sociais e fundamentais para as camadas menos favorecidas, haja vista que o Estado Democrático defende os naturalmente expurgados pelo mercado.


Conforme o entendimento de ARRUDA:


“desenvolvimento a qualquer preço, mesmo que seja preciso corromper o sentido e significado histórico das cláusulas pétreas da Constituição, é uma atitude covarde porque desmonta o Estado social, reconduzindo ao assalariado, desta vez, o funcionário público, para o lugar de mero sujeito de deveres frente ao Estado, como assim era tratado antes de 1988”.


O Brasil com estas medidas deixa de ser um Estado Social Democrático de Direito e se torna um Estado Liberal Mínimo, a invisible hand (SMITH, 1981) é adotada e degenerada por Thatcher. É preciso controlar ao máximo o Judiciário como forma de otimizar o Estado Liberal Mínimo. Esse “colonialismo de mercado” subordina o povo e seus governos às forças aparentemente neutras do mercado, que se fortalece com a dependência tecnológica e informacional e da distância entre as partes.


Desde o começo dos anos 80, os programas de “estabilização macroeconômica” e de “ajuste estrutural” impostos aos países em desenvolvimento têm contribuído para desestabilizar e arruinar as moedas e economias destes. O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatização é aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores que perdem a soberania econômica e o controle sobre a política monetária e fiscal, têm seus Bancos Centrais reorganizados, instalando assim uma “tutela econômica”, um “governo paralelo” estabelecido pelas OIs, que desconsideram a sociedade civil e punem os países que se recusam a aderirem as “metas de desempenho”. No caso brasileiro verificamos ainda uma forte tentativa de desvinculamento da receita da União, como forma de rolagem e do pagamento da interminável dívida externa, cortando cada vez mais as verbas que poderiam ser destinadas a investimentos.


Considerações finais


É falacioso que o lucro privado, entendido como desenvolvimento econômico, enriquece o Estado, gera emprego e promove o bem estar social, este entendimento utilizado já na Inglaterra do Século XVII por Smith, Mill e Ricardo, resultou numa das maiores misérias vistas no solo inglês durante o Século XVIII, o que se assemelha aos dias de hoje uma vez que o Brasil apresenta um bom PIB, mas depois de debitado as remessas ao exterior, nos deixa um frustrante PNB e a certeza de que o salário mínimo hoje se encontra num patamar inferior ao dos anos 20, resultado da adoção desmedida de reformas durante os anos 80, que permanecem ainda nos dias de hoje.


Podemos concluir a necessidade de um “Consenso de Brasília” que trace os destinos de curto e longo prazo para o Brasil, que seja cumprido sob pena da diminuição do Estado em favor do capital privado, o aumento da sua fragilidade perante os rumos do mercado internacional e o crescimento da oposição por parte da população ocasionada pela crescente queda na qualidade de vida, dando oportunidades para medidas populistas, muitas vezes infelizes. Os alertas cada vez mais freqüentes de crise econômica e intervenções dos Bancos Central Inglês e norte-americano nos levam a refletir se a elevação do mercado em detrimento dos valores sociais é a melhor forma de ser alcançar ganhos econômicos e sociais sustentáveis.


A Reforma do Judiciário tão desejado e necessário em diversos pontos deve obedecer à realidade brasileira, buscando solucionar os problemas que o entravam não apenas para certos seguimentos, mas para toda a sociedade prestando com rapidez e eficiência a atividade jurisdicional.


 


Referências

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Informações Sobre o Autor

Ênio Saraiva Leão

Acadêmico de Direito do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê. Estudante de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Bolsista de iniciação científica PIBIC/UEPB.


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