Biodiversidade e áreas protegidas: um enfoque constitucional

Resumo: As preocupações com o desaparecimento de espécies e a erosão da diversidade biológica no Planeta, provocadas pelas distintas atividades humanas, despertaram a consciência da humanidade a respeito da necessidade de sua preservação, fazendo surgir instrumentos jurídicos com este objetivo. Enquadrada na modalidade de conservação in situ, prevista na Convenção de Diversidade Biológica, a instituição de áreas protegidas se consagra como um dos principais mecanismos de proteção, possuindo assento tanto na Constituição quanto em legislação infra-constitucional. Inserido nesta perspectiva, o presente trabalho pretende apresentar uma breve análise sobre os contornos da proteção à diversidade biológica, destacando alguns aspectos sobre as áreas protegidas e verificando os fundamentos constitucionais que orientam as práticas de conservação da natureza.


Palavras-chave: Biodiversidade. Áreas protegidas. Direito ambiental.


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Sumário: 1. Introdução. 2. Proteção à biodiversidade. 3. Biodiversidade e áreas protegidas. 4. Fundamentos constitucionais da conservação da natureza. 5. Considerações finais. 6. Referências


1. Introdução


Não obstante ser um dos maiores patrimônios naturais da humanidade, a biodiversidade não tem escapado das conseqüências nefastas das atividades expansivas do homem, sofrendo elevados índices de degradação, resultando perdas inestimáveis para toda a sociedade.


Dentre as maiores ameaças à preservação da diversidade biológica provocadas pela intensa alteração ambiental causada pelo homem, a degradação e a fragmentação de habitats se destacam pelo seu alto potencial de provocar a extinção das espécies e ecossistemas que são atingidas pela ausência de continuidade e pela sensível redução ou diminuição dos espaços em que se localizam.


Abordando a problemática da fragmentação de ecossistemas, Bensunsan (2001, p.170) enfatiza que este se trata de “um processo dinâmico constituído basicamente de três componentes: a perda de habitats na paisagem como um todo, a redução do tamanho dos remanescentes e o crescente isolamento do fragmento por novas formas de uso.”


Inserido nesta perspectiva, o presente trabalho pretende apresentar uma breve analise sobre os contornos da proteção à diversidade biológica, destacando seu principal mecanismo de proteção, que são as áreas protegidas e verificando os fundamentos constitucionais que orientam as práticas de conservação da natureza.


2. Proteção à biodiversidade


As preocupações com o desaparecimento de espécies e a erosão da diversidade biológica no Planeta, provocadas pelas distintas atividades humanas, despertaram a consciência da humanidade a respeito da necessidade de sua preservação, influenciando o surgimento e a assinatura da Convenção de Diversidade Biológica – CDB, durante a Conferencia das Nações Unidas para Desenvolvimento e Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro de 1992 e promulgada pelo Decreto nº 2.519/98.


Primeiro instrumento a tratar especificamente da tutela biodiversidade no âmbito internacional, a CDB estabelece normas e princípios que orientam a proteção à diversidade biológica, procurando implementar a sua conservação e uso sustentável com a respectiva repartição justa e eqüitativa de seus benefícios.


Dentre as categorias de mecanismos de conservação da biodiversidade previstos na CDB, visando garantir a existência e o uso sustentável da diversidade biológica para presentes e futuras gerações, destaca-se a modalidade de conservação in situ destinada a conservar a diversidade biológica no local onde ela ocorre naturalmente, definida pelo art. 2º como a “conservação de ecossistemas e habitats naturais e a manutenção e recuperação de populações viáveis de espécies em seus meios naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características”.


No que tange ao significado da expressão diversidade biológica, correspondente a toda a variedade de organismos vivos existentes no globo terrestre, salienta Bensunsan (2002, p.16-17) que a expressão transcendeu o seu significado original, que abrangia, inicialmente, apenas a riqueza de espécies, passando a acolher também a diversidade genética e a diversidade ecológica, acompanhando a concepção retratada no art. 2º da CDB.


Desta maneira, o conceito de biodiversidade passa a acompanhar e retratar toda a diversidade existente na natureza, podendo ser caracterizada sob três diferentes níveis: a) a diversidade genética, ou seja, a variabilidade (intra-específica) de genes dos indivíduos de uma mesma espécie; b) a diversidade de espécies, correspondendo à variabilidade (inter-especifica) de espécies encontradas na natureza e; c) a diversidade de ecossistemas ou diversidade ecológica, relacionada ao conjunto de diferentes ambientes, habitats, paisagens e suas diversas formas de interação.


No entanto, conforme retrata Ianni (2002, p.4), além de envolver os seres vivos, seu material genético e os complexos ecológicos, a biodiversidade abrange também os fluxos, nexos e articulações por meio dos quais esses seres se mantêm relacionados, de modo que a diversidade biológica expressa não só a variedade de vida, mas também a importância desta variedade e as bases sobre as quais as diferentes formas de vida dependem.


3. Biodiversidade e áreas protegidas


Indispensáveis para a manutenção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a conservação da natureza e a preservação da diversidade biológica possuem, como instrumento central de proteção, o desenvolvimento de sistemas de áreas protegidas que destinam determinadas porções do território a um regime jurídico específico, cuja finalidade é proporcionar a satisfação do direito fundamental ao meio ambiente sadio erigido pelo art. 225 da Constituição Federal de 1988.


Enquadrada na modalidade de conservação in situ, prevista na Convenção de Diversidade Biológica, a instituição de áreas protegidas carrega consigo a vantagem de não apenas conservar os elementos da diversidade biológica e os atributos naturais da região, mas também, permitir a manutenção dos serviços ambientais prestados por estes elementos contribuindo de uma forma mais efetiva à qualidade do meio ambiente.


A delimitação e proteção de determinadas áreas naturais refere-se a uma prática exercida desde tempos remotos onde sua instituição era efetuada com o intuito de preservar espécies da fauna e seus habitats, visando possibilitar seu uso econômico ou destinadas a garantir uma reserva de caça para os nobres (GASTAL, 2002, p.29).


A partir da Idade Média, as áreas protegidas foram sofrendo transformações em relação às finalidades de sua criação, adotando o objetivo de conservar algumas espécies mesmo que desprovidas de alguma utilidade direta para o homem. Razões de ordem estética e afetiva passaram a influenciar, então, a conservação de determinadas áreas (GASTAL, 2002, p.29).


No entanto, a concepção moderna de áreas protegidas, baseada, conforme Brito (2000, p.20) no pressuposto de socialização da fruição das belezas cênicas encontradas em determinado território, somente passou a ser realmente implementada a partir da criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, no ano de 1872, visando preservar a paisagem e o caráter cênico daquela região contra o processo de colonização que avançava sobre a área.


Com o passar dos tempos e devido à relevância que a conservação da natureza foi tomando para a sociedade, o objetivo da instituição de áreas protegidas foi mais uma vez significativamente ampliado, abrangendo finalidades de cunho ecológico como o resguardo dos recursos hídricos, a manutenção de espécies ameaçadas, a preservação do equilíbrio climático e, especialmente, a conservação da diversidade biológica (GASTAL, 2002, p.35).


Em decorrência desta transformação de objetivos, as áreas protegidas tiveram que adequar-se a esta nova realidade, pois a conservação da biodiversidade exige novas necessidades, provocando, inclusive, conforme salienta Brito (2000, p.22) a ampliação dos limites territoriais destas áreas para que todo o ecossistema, processos biológicos e espécies pudessem ser preservados.


Isto porque a conservação da biodiversidade obriga com que se considere na instituição da área protegida, toda a rede de influências e interações existentes no ecossistema, assim como, todos os processos ecológicos, como a fotossíntese e ciclo da água por exemplo, para que possa ser preservada em sua total integridade.


Destaca-se que a inclusão da diversidade biológica como objetivo da instituição de áreas protegidas levou os conservacionistas a desenvolverem o conceito de “biodiversidade como usuária” buscando identificar a forma como se estabelecem as relações biológicas na área protegida e quais os processos ecológicos importantes para a sua manutenção, gerando informações que permitem conhecer a base de sustentação do ecossistema preservado e determinar o ponto de limite das atuações humanas nas unidades de conservação (PIRES, 2001, p.76).


A concretização pelos Estados das práticas de conservação in situ obriga, assim, à implementação de políticas orientadas à criação e manutenção de áreas especialmente protegidas, representativas de toda a diversidade existente em seu território, destinadas a proteger os atributos que fundamentaram a sua instituição.


É nesta perspectiva que se insere a Lei nº 9.985/2000, instituidora do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) no Brasil, que organiza e integra, dentro de uma sistemática única, diferentes formas e modalidades de áreas protegidas existentes, qualificadas agora sobre o gênero das Unidades de Conservação, compreendidas (art 2º, I) como “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequada de proteção.”


4. Fundamentos constitucionais da conservação da natureza


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Sendo um importante mecanismo do Poder Público no alcance dos objetivos nacionais de conservação da natureza, observa-se que a instituição de áreas protegidas representa um indispensável instrumento para a garantia do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado consagrado no art. 225 da Constituição Federal conforme menção expressa de seu parágrafo 1º, inciso III.


Através da instituição de unidades de conservação, permite-se ainda preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, bem como preservar a diversidade e a integridades do patrimônio genéticos do País, atendendo também aos incisos I e II do mesmo dispositivo constitucional.


Constatando representarem a base da proteção à biodiversidade em nosso país, Silva (2000, p.53) aponta que tais dispositivos asseguram as condições necessárias para a interação biológica (processos ecológicos), conservam o equilíbrio das relações entre as comunidades bióticas e seus habitats (manejo ecológico), além de preservar a existência de todos organismos vivos a partir de seu fator caracterizante (patrimônio genético).


A definição prescrita pelo art. 225 da Carta Magna, no sentido de qualificar o meio ambiente que se quer proteger como ecologicamente equilibrado implica no conseqüente dever de proteção à diversidade biológica, haja vista ser a variabilidade genética, de espécies e de ecossistemas responsável por toda a rede de influências e interações que garantem a manutenção das condições ambientais que permitem o desenvolvimento de uma sadia qualidade de vida.


Uma eventual quebra na cadeia das relações biológicas carrega consigo a potencialidade de interferir drasticamente no estado de harmonia do meio ambiente.


Quanto mais elevada a quantidade de espécies e das respectivas redes de interação existentes, maior será a tendência à manutenção do equilíbrio ecológico pois a erosão da diversidade biológica conduz à instabilidade do ecossistema que, diante da vulnerabilidade gerada, passa a ser facilmente prejudicado (MIRRA, 2002, p.26).


Tendo com característica um objeto qualificado, refere-se o meio ambiente ecologicamente equilibrado a um direito de resultado, cuja satisfação requer a manutenção de uma situação específica que reverte seus serviços e benefícios em favor o homem.


Neste sentido, Canotilho (2004, p.3) enfatiza que o Estado Constitucional, com a incorporação da proteção ao meio ambiente, “além de ser e dever ser um Estado de direito democrático e social, deve ser também em Estado regido por princípios ecológicos”. Sob este perfil, o Estado Constitucional Ecológico deve pautar-se por uma concepção integrada da meio ambiente, estando atento às características peculiares e às necessidades especiais que marcam o objeto protegido.


Por este motivo, ao lado do direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado, impõe a Constituição Federal, de modo a oferecer garantias para o exercício deste direito, um dever, também fundamental, compartilhado entre Estado e sociedade civil, no sentido de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações.


Desta forma, deriva do art. 225 da constituição, um princípio conservacionista que implica, necessariamente, na adoção de técnicas e instrumentos que possibilitem a proteção, manutenção e a restauração da qualidade ambiental.


Assim, diante do direito e do dever ambiental se projetarem sobre os recursos naturais, o referido princípio pode ser efetivado não apenas através de limitações parciais de uso dos recursos ambientais, mas também, com a imposição de restrições ao exercício de desfrutá-los de forma direta e imediata, como no caso das áreas protegidas. Nesta perspectiva, o bem ambiental é retirado do mercado sendo sua utilização destinada de forma exclusiva à satisfação do direito de fruição de um meio ambiente sadio e equilibrado (USERA, 2000, p.178).


A representatividade e os atributos ecológicos ou cênicos, inerentes a algumas áreas naturais, fundamentam, assim, uma ação positiva do Estado no sentido de delimitar seus limites e instituir um “regime jurídico de interesse público que implique sua relativa imodificabilidade”(SILVA, 2000, p.230), permitindo a manutenção de sua integralidade e impondo sua utilização sustentável de forma a garantir a concretização do texto constitucional.


5. Considerações finais


Mostrando-se comprometido com a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, conforme prescrição do art 225 da Constituição, surge para o Estado Constitucional Ecológico o imperativo de estabelecer medidas efetivas a este desiderato, desenvolvendo meios e instrumentos de proteção que acompanhem a compreensão do funcionamento dos ecossistemas e dos processos ecológicos.


Dadas as características do objeto tutelado, marcado pela indivisibilidade e interdependência de seus elementos, cabe aos dispositivos legais velar pela mínima intervenção humana nos fenômenos ecológicos, cuja materialização independe da manifestação de vontade do homem, lançando mão de uma abordagem ampla e sistêmica da natureza, para que, acompanhando suas características e especificidades, possa-se preservá-la concretamente.


Dentro desta ótica, as áreas protegidas se consagram como importante instrumento de proteção à diversidade biológica na medida em que permitem a conservação dos elementos da natureza no local onde eles ocorrem naturalmente, bem como possibilitando a manutenção da qualidade ambiental gerada por estes elementos.


 


Referências

BENSUNSAN, Nurit. A impossibilidade de ganhar a aposta e a destruição da natureza. In: BENSUNSAN, Nurit (org.). Seria melhor ladrilhar? Biodiversidade – como, para que, por quê. Brasília: Editora UnB/ ISA, 2002, p.13-28.

BENSUSAN, Nurit. Os Pressupostos Biológicos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. In: Benjamin, A. H. (coord.). Direito Ambiental das áreas protegidas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 164-189.

BRITO, Maria C. Wey de. Unidades de Conservação – intenções e resultados. São Paulo: Annablume, 2000.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Estado Constitucional Ecológico e Democracia Sustentada. In: FERREIRA, H. Sivini; LEITE, Jose R. Morato. (org.) Estado de direito ambiental: tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p.3-16.

GASTAL, Maria Luiza. Os instrumentos para a conservação da biodiversidade. In: BENSUNSAN, Nurit (org.). Seria melhor ladrilhar? Biodiversidade – como, para que, por quê. Brasília: Editora UnB/ ISA, 2002, p.29-41.

MIRRA, Álvaro L. Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

PIRES, José Salatiel R. Planos de manejo de unidades de conservação de proteção integral: alguns aspectos conceituais e metodológicos. In: Simpósio de Áreas Protegidas – Pesquisa e Desenvolvimento Sócio-Econômico 1, 2001, Pelotas. Anais. Pelotas: UFPEL, 2001. p.75-85.

SILVA, J. Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000, 306p.

USERA, Raúl Canosa. Constitución y medio ambiente. Madrid: Editorial Dykinson, 2000.

IANNI, Aurea Maria Zollner. Biodiversidade e saúde pública: fronteiras do biológico e do social. 2002. <http://anppas.org.br/encontro_anual/encontro1/gt/teoria_meio_ ambiente/Aurea%20Maria%20Z%F6llner%20Ianni.pdf> Acesso em 18 de janeiro de 2010.


Informações Sobre os Autores

Gabriel Luis Bonora Vidrih Ferreira

Mestre em Direito Ambiental pela UEA. Doutorando em Direito PUCSP. Professor do Curso de Direito da UEMS

Natália Bonora Vidrih Ferreira

Advogada e professora universitária. Mestre em Propriedade Intelectual pelo INPI. Especialista em Propriedade Intelectual pela UCLM – Universidad Castilla La Mancha.

Adriano dos Santos Iurconvite

Advogado e professor universitário. Mestre em Direito e Especialista em Direito Público.


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