Biopirataria dos conhecimentos tradicionais associados: Uma ameaça ao desenvolvimento sustentável

Resumo: Dentre os pilares em que se ergue o conceito de desenvolvimento sustentável, encontra-se o respeito às culturas das comunidades tradicionais, cujo reconhecimento e respeito foram amparados pela Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, no Rio de Janeiro em 1992. Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. A falta de uma legislação compatível para a proteção eficaz dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade tem oportunizado a biopirataria, ameaçando a desenvolvimento sustentável no país.


A Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no ano de 1972, em Estocolmo, na Suécia, levou a conscientização global para os problemas ambientais, podendo ser considerada um marco histórico nas negociações internacionais sobre o clima.


As discussões internacionais que permearam a Conferência de Estocolmo contribuíram para a adoção do conceito de desenvolvimento sustentável, embora incipiente.


Dentre os resultados colhidos naquela oportunidade, chegou-se ao entendimento de que os recursos da natureza são esgotáveis e, portanto, sua exploração contínua e de forma desregrada, constitui expressiva ameaça à existência da vida no planeta.


A manutenção da vida no globo terrestre, para continuar se manifestando, depende de um meio ambiente sadio e equilibrado. Por outro lado, a miséria e a desigualdade social, para serem combatidas, dependem do desenvolvimento econômico dos povos, o qual agride o meio ambiente.


É nesse contexto que se apresenta o grande desafio para a governança global: buscar a formatação de um modelo que atenda à necessidade dos países se desenvolverem economicamente e, ao mesmo tempo, conservarem a natureza.


A convenção de Estocolmo oportunizou aos países participantes o entendimento de que é possível conciliar o desenvolvimento econômico de forma sustentável, sem que os recursos da natureza se esgotem, de forma a comprometer a geração atual ou a futura.


A idéia de desenvolvimento sustentável envolve duas grandes preocupações: o esgotamento dos recursos naturais e o compromisso com as necessidades das futuras gerações.


Segundo a doutrina, o desenvolvimento sustentável apresenta-se em pilares. Primeiramente em número de três (eficácia econômica, proteção ao meio ambiente, eqüidade social), contando agora com mais um, o quarto deles, o respeito às culturas. (MONEDIAIRE: 2006)


O respeito às culturas, tema deste ensaio, foi reconhecido pelo princípio 22, da Declaração do Rio, dispondo o seguinte:


 “Os povos indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm um papel vital no gerenciamento ambiental e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e de suas práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar adequadamente sua identidade, sua cultura e seus interesses, e oferecer condições para sua efetiva participação no alcançamento do desenvolvimento sustentável.”


Os conhecimentos dos povos indígenas e comunidades locais associado à biodiversidade, antes ignorados e desprezados pela sociedade, têm despertado o interesse de pesquisadores e das indústrias biotecnológicas, tendo em vista que tais conhecimentos são usados como atalhos para se buscar com mais agilidade o desenvolvimento de produtos lucrativos.


Pesquisas revelam que o uso dos conhecimentos tradicionais aumenta consideravelmente a eficiência no reconhecimento das propriedades medicinais de uma planta, dispensado o emprego de outros recursos e processos mais onerosos, apresentando-se vantajosamente no processo de pesquisa de que se lançam as indústrias biotecnológicas.


A apropriação e monopolização dos conhecimentos das populações tradicionais têm beneficiado muitos países que utilizam, sem a devida permissão, os conhecimentos dos povos indígenas, além de lhes negar a devida compensação pelas informações obtidas para o desenvolvimento de produtos economicamente lucrativos.


Os debates e as discussões sobre a proteção da propriedade intelectual das comunidades tradicionais têm procurado encontrar uma fórmula capaz de harmonizar o sistema de patentes, com o conhecimento tradicional desses povos.


Segundo informações divulgadas pelo site http://www.museu-goeldi.br/institucional/index.htm, ainda não existe legislação específica tutelando os conhecimentos tradicionais. Alguns argumentam que se deve adotar, de forma ampla, o texto da Convenção sobre Diversidade Biológica, assinado no Rio de Janeiro, após a ECO-92. O governo brasileiro, entretanto, vem tentando uma harmonização entre a CDB e o acordo sobre direitos de Propriedade Intelectual, ou “Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights” (TRIPs), legislação vigente para os membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), desde 1996, que se encontra em processo de reforma.


O governo argumenta que o caminho mais interessante seria a inclusão de uma cláusula no Trips, contendo quatro pontos fundamentais:


• Identificação da origem do material genético;


• Prova de ter havido repartição de benefícios;


• Demonstração de ter havido consentimento prévio;


• Identificação do conhecimento tradicional associado à biodiversidade.


Entretanto, as controvérsias sobre o assunto são imensas, havendo quem recomende um mecanismo sui generis de proteção, pois o sistema de patentes atual não se mostra eficaz para a proteção dos conhecimentos tradicionais associados.


A referida lei traz proteção para a produção individual e, mesmo ao se referir à propriedade coletiva, não abarca toda uma comunidade tradicional detentora de conhecimentos coletivos, porquanto considera o termo “coletivo”, como a reunião de vários sujeitos individuais e não uma comunidade.


Conclui-se, portanto, que a adoção de uma legislação diferenciada para proteger os conhecimentos tradicionais produzidos coletivamente é medida que reclama urgência no combate a biopirataria, não podendo ser admitido como sustentável o desenvolvimento de um país que não respeite o espaço das comunidades indígenas e das sociedades tradicionais.


 


Referências bibliográficas:

Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, disponível em: <http://www.vitaecivilis.org.br/anexos/Declaracao_rio92.pdf>

BLANCO TÁRREGA. Maria Cristina Vidotte. ARROYO PÉREZ . Héctor Leandro. a convenção sobre a diversidade biológica: acordo global rumo ao desenvolvimento sustentável. Disponível em: <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/manaus/direito_ambiental_maria_cristina_tarrega_e_hector_perez.pdf>

MONEDIAIRE. Gerard. A hipótese de um direito do desenvolvimento sustentável e as mutações jurídicas contemporâneas. In Antídoto. Goiânia, ano I, número 1, 2006.

SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e Novos Direitos. A proteção jurídica da diversidade biológica e cultural. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis, 2005.


Informações Sobre o Autor

Angela Acosta Giovanini de Moura

Promotora de Justiça no Estado de Goias, professora universitária, especializanda em ciencias penais, direito ambiental e direito internacional. Doutoranda pela Universidad Del Museo Social Argentino em Buenos Aires


logo Âmbito Jurídico