Resumo: O presente artigo visa apresentar breves comentários ao preâmbulo da Constituição Federal, em especial quanto a sua natureza jurídica e principalmente no que diz respeito a utilização da palavra Deus e a questão atinente a ser o Brasil um Estado Laico.
Palavras-chave: preâmbulo – força normativa – deus – estado laico.
Abstract: This article aims to present brief comments to the preamble of the Constitution, especially regarding the legal nature and especially regarding the use of the word God and the question referring to a Secular State, Brazil.
Keywords: preamble – normative effect – God – Secular State
O presente artigo visa apresentar rápidas noções acerca do preâmbulo constitucional, bem como eventuais polêmicas que poderiam surgir a seu respeito, objetivando um mínimo conhecimento sobre a questão.
Destarte, vale de imediato reforçar a informação de que o preâmbulo, sem dúvida alguma faz parte da Constituição Federal, de modo que, embora não seja articulado, este foi objeto de debates e ulterior votação em assembléia constituinte, a exemplo de toda a integralidade do texto constitucional. Esta, então, será a premissa básica a se ter em conta para o perfeito entendimento de todo o restante deste trabalho.
Pois bem, estabelecida a premissa inicial acima citada, verifica-se ainda que, por consequência lógica, o preâmbulo guardará as mesmas características da constituição, com exceção de uma, a qual será oportunamente ressaltada. Assim sendo, o preâmbulo haverá de ser visto com caracteres de supralegalidade e rigidez, de modo que, existindo interesse legislativo em sua alteração, esta referida alteração haverá de resguardar todos os limites inerentes ao Poder Constituinte Derivado, quais sejam, limites materiais, procedimentais, circunstanciais e implícitos.
Todavia, ainda que o preâmbulo possua as qualidades acima, essenciais serão duas indagações, sendo a primeira: o preâmbulo é norma, possuindo, com isso, força normativa…E a segunda: o fato do preâmbulo mencionar a palavra Deus não seria um contrasenso lógico à idéia do Brasil ser um país laico?
Quanto a tais questionamentos, preferir-se-á uma resposta conjunta, iniciando-se pela afirmação de que, quanto à natureza jurídica do preâmbulo, a doutrina, quase que de forma uníssona, vem entendendo ser um elemento-formal de aplicabilidade, nos termos do que leciona José Afonso da Silva. Com efeito, se o preâmbulo é um elemento formal de aplicabilidade, naturalmente pode ser visto como uma regra materialmente constitucional voltada à interpretação sistemática de toda a Constituição Federal.
Mas, pelo fato do preâmbulo emanar efeitos de ordem interpretativa ao sistema constitucional, este mesmo preâmbulo ainda teria eficácia jurídica mais relevante, no sentido de servir como parâmetro de compatibilidade vertical em relação a leis infraconstitucionais? E, se a resposta for positiva, com isso, o preâmbulo não implicaria na negação do Estado leigo?
A questão inerente a ser o Brasil um Estado leigo encontra-se estampada no art. 19, inciso I, da Constituição Federal; aliás, desde 15 de novembro de 1.889, com a Proclamação da República, o país deixou de adotar qualquer religião oficial, de modo que de lá para cá, todas as Constituições que se seguiram nunca ousaram novamente a impor mitigações à liberdade de crença religiosa, sendo certo que apenas duas Constituições não mencionaram a palavra deus em seu preâmbulo, a Constituição da República de 1.891 e a Constituição Polaca de 1.937.
Que fique claro ainda que, de forma alguma a opção de um Estado Soberano em ter religião oficial haverá de ensejar necessariamente o seu subdesenvolvimento, a conclusão, nestes termos, é errônea e, sobretudo, preconceituosa, haja vista que existem países altamente desenvolvidos, sob o ponto de vista social e econômico, que possuem religião oficial, como é o caso da Inglaterra, com o Anglicanismo, e da Suécia, com o Luteranismo.
Retomando-se o raciocínio, após o necessário adendo anterior, não resta viável se apontar qualquer contradição lógica entre o preâmbulo constitucional e a verdadeira afirmação, trazida na inteligência do aludido art. 19, inciso I, de que o Brasil é um Estado laico. A República Federativa do Brasil em nenhum momento de seu texto constitucional queda-se parcial, optando-se por uma ou outra religião, por uma ou outra seita, ao contrário disso, a Constituição defende um comportamento Estatal de neutralidade, de isonomia.
Logo, o máximo que a Constituição, em seu preâmbulo, estabelece é o fato de que o Brasil é um Estado Teísta, isto é, que defende a existência de Deus, mas sem pender para qualquer lado, embora já se penda para um deles, qual seja, o de que Deus de fato existe.
Delineadas parcialmente as indagações antes realizadas, vale-nos agora focar na resposta acerca da força normativa do preâmbulo, pelo que desde já afirmamos ser convincente a decisão do STF, no sentido de não garantir força normativa ao preâmbulo, apenas frisando ser este um elemento ideológico que representaria o momento histórico da época e a mens legislatoris, o que sem dúvida já será suficiente a se buscar a melhor interpretação do texto constitucional.
O assunto, com efeito, chegou ao Pretório Excelso por meio de ADI por omissão n. 2076, movida em face do Estado do Acre, por meio do Partido Social Liberal, pelo motivo de não ter este Estado, no preâmbulo de sua Constituição mencionado a palavra Deus. Nesta senda, assim argumentava o ilustre patrono do Partido Social Liberal, Wladimir Sergio Reale, que a menção da palavra Deus é fato costumeiro, não somente observado nas Constituições Pátrias, mas também nas Constituições de outros paises, sendo certo que os cidadãos acreanos seriam os únicos no país privados de ficar “sob a proteção de Deus” pela sua Assembléia Estadual Constituinte, conforme página 6 da ADI por omissão.
Ademais, ainda socorreu-se a ADI por omissão de argumentos não inteiramente jurídicos, mas também de índole social, como aquele esposado pelo sociológico e deputado federal Gilberto Freire, quando da discussão da constituinte de 1.988, ao qual remetia-se à pesquisa encomendada à época, na qual havia a conclusão de que 99% (a esmagadora maioria) dos entrevistados diziam acreditar em Deus.
Não obstante os fundamentos lançados pela inconstitucionalidade por omissão eventualmente realizada pelo Estado do Acre, andou bem o STF ao estabelecer por unanimidade que tal omissão não ofendia em nada o Princípio da Parametricidade, eis que da palavra Deus não se retiraria qualquer princípio central inerente à Constituição Federal, restando completamente respeitados, tanto o art. 25 da Carta Constitucional, quanto o art. 11 dos ADCT.
Destarte, bem salientou o então Ministro Relator Carlos Velloso que, quanto ao preâmbulo, três possíveis correntes doutrinárias seriam identificadas com razoável precisão: a primeira, defendendo a plena eficácia do preâmbulo, colocando-o em pé de igualdade com todos os demais preceitos constitucionais; a segunda, estabelecendo ter o preâmbulo uma relevância jurídica indireta, não se equiparando aos demais preceitos constitucionais, mas servindo como elemento interpretativo; e a terceira como sendo o preâmbulo de índole absolutamente política. Contudo, das três possíveis correntes, entendeu o STF, lembrado os ensinamentos de Jorge Miranda (Estudos sobre a Constituição, pág. 17), por adotar a segunda posição, decerto a mais equilibrada e bem aceita pela doutrina.
Desta feita, bem salientou o STF ainda que o preâmbulo constitucional, como já dito, não teria força normativa, ocasião em que não poderia servir de parâmetro ao controle de constitucionalidade, seja este por via de ação, ou por via de exceção. Tal decisão, repita-se, mereceu e ainda merece aplausos por uma questão simples, porém não por isso desprezível, a de que no Brasil; além dos cristãos, que são a imensa maioria no país (como bem lembrado pelo autor da ADI por omissão), a qual se enquadra até mesmo este que vos escreve; ainda existem minorias que não acreditam em Deus, e que nem por isso deverão ser desrespeitadas ou excluídas do ordenamento jurídico, devendo-se manter o seu direito constitucional à liberdade de crença, culto e expressão.
Assim, STF nada mais fez do que agir da forma mais isonômica possível, ao respeitar aqueles que acreditam em um, outro, ou vários deuses; assim como aqueles que em nada acreditam. A decisão foi de completo cunho democrático, pois tutelou as minorias, sem de modo algum prejudicar as maiorias; até porque, ainda bem relembra o Pretório Excelso, o preâmbulo constitucional é perfeitamente dispensável, o que bem se verifica em paises como França, Itália, Portugal.
Além do mais, quando optou o guardião da Constituição em retirar do preâmbulo constitucional a sua força normativa, realizando notória diferenciação entre texto de lei e norma, conforme ensina o ilustre mestre Humberto Ávila, em nada prejudicou os Direitos e Garantias Fundamentais, que já se encontram de forma pródiga no restante da Constituição. É bem verdade que certo segmento doutrinário ainda continua defendendo a posição de que o preâmbulo constitucional deveria ter força normativa; sob o argumento de que, se assim não fosse, o Decreto editado pelo Ex-presidente da República José Sarney, logo após a promulgação da atual Constituição Federal, que instituía, a exemplo da famosa expressão americana in god we trust, a expressão deus seja louvado em todas as notas de dinheiro; deveria ser considerada inconstitucional, o que até hoje não o foi.
Data maxima venia, o argumento não convence, até porque, quem efetivamente disse que o aludido Decreto não seria inconstitucional? Vislumbramos que, em tese, o referido Decreto seria sim inconstitucional, não obstante, tal discussão, nunca foi e acreditamos e esperamos que nunca seja debatida no STF, que certamente possui questões um tanto quanto mais delicadas e de maior repercussão prática a serem decididas.
E que ainda se diga que o contrário também deveria ser recíproco, isto é, se o Decreto assim determinasse Deus não seja louvado, da mesma forma, em tese, haveria de ser declarado inconstitucional; assim como se o preâmbulo defendesse a inexistência de Deus, como o fez a Constituição Cubana do período revolucionário, em idêntica maneira haveria de quedar-se tal preâmbulo sem força normativa.
Todavia, se o contrário acima estabelecido ocorresse, dificilmente a questão acerca da constitucionalidade levantada alhures ficaria somente em tese, pois o que em verdade e tristemente haverá de ser observado é que, por vezes, as maiorias não se satisfazem ao ter seus direitos respeitados e ao ter suas próprias crenças e liberdades de culto, desejam ainda impor os seus pensamentos e amoldar de forma gratuita e abusiva as minorias. A tal situação, com isso, somente caberá às referidas minorias encontrar a tutela necessária e adequada no Poder Judiciário, para que não sejam inconsequente e injustificadamente discriminadas, como no exemplo de alguém por ventura expressar-se no sentido de defender a inexistência de Deus. Com efeito, neste papel de bem defender as minorias prejudicadas gratuitamente, bem andou e anda o STF, que recentemente, calcado em semelhantes razões, permitiu a união estável entre homossexuais.
Em suma, buscou o aludido estudo apresentar os pontos básicos acerca de uma parte da Constituição Federal que, embora tenha sua evidente importância, é pouco lida, o que decerto enseja baixa ou nenhuma reflexão dos operadores do Direito acerca de suas consequências, não obstante enseje pontuais polêmicas, como as apresentadas, e indubitável importância interpretativa.
Advogado formado pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, militante nas áreas de Direito Civil, Direito Empresarial e Direito do Consumidor, pós graduando pela Escola Paulista da Magistratura em Direito Empresarial e professor em Direito Comercial.
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