Breves considerações ao princípio da livre concorrência no contexto da interrelação entre o poder político e econômico

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Resumo: O presente trabalho analisa o princípio da livre concorrência, seu conceito, conteúdo e limitações à luz do poder político e econômico.

Palavras chave: princípio da livre concorrência, poder político, poder econômico.

Sumário: Introdução; A livre concorrência: conceito, conteúdo e limitações; Conclusões; Referências.

Introdução

O surgimento e a consolidação do Estado como ente organizado no plano jurídico e social apontam para a existência do poder político e econômico. Enquanto o primeiro se apresenta como instrumento colocado à disposição da autoridade estatal para consecução do bem-estar coletivo, o segundo corresponde em linhas gerais ao expediente tendente a dominação da atividade produtiva.

Com efeito, o objetivo precípuo da política econômica está na realização do bem-estar e para que isso aconteça, a atividade produtiva é vista não como um fim em si mesma, mas como um mecanismo de melhora do bem-estar que passa naturalmente pelo aumento do consumo e realização das necessidades humanas. Esse fato é alcançável através da livre concorrência[1].

A ordem constitucional econômica vigente, ao dispor sobre uma série de comandos normativos que fixam as bases ideológicas da política econômica, elencou a livre concorrência ao status de princípio, que será objeto do presente trabalho.

2. A livre concorrência: conceito, conteúdo e limitações

A livre concorrência corresponde ao processo de abertura jurídica colocado à disposição dos agentes econômicos privados para competirem entre si em um ambiente legítimo, visando alcançar o êxito econômico pelas leis de mercado[2].

“O princípio da livre concorrência está previsto no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal e baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado.

Em um mercado em que há concorrência entre os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados tendem a manter-se nos menores níveis possíveis e as empresas precisam buscar constantemente formas de se tornarem mais eficientes para que possam aumentar os seus lucros.

À medida que tais ganhos de eficiência são conquistados e difundidos entre os produtores, ocorre uma readequação dos preços, que beneficia o consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um lado, os menores preços para os consumidores e, de outro, o estímulo à criatividade e à inovação das empresas[3].”

O princípio da livre concorrência compõe a base do sistema econômico capitalista, tem como escopo propiciar o regime de economia de mercado e está atrelado ao princípio da livre iniciativa[4].

 A livre concorrência apresenta duas vertentes: a primeira disciplina o uso do poder econômico com vistas à tutela do consumidor e a segunda visa garantir uma equilibrada e eficiente economia de mercado.

Em relação ao primeiro aspecto, descreve Tércio Sampaio Ferraz que a livre concorrência é forma de tutela do consumidor na medida em que a competição entre os agentes econômicos induz a uma distribuição de recursos a preços menores; do ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais para todos os agentes e do ponto de vista social, a competitividade gera extratos intermediários entre os grandes e pequenos agentes econômicos como garantia de uma sociedade mais equilibrada[5].

No que diz respeito à segunda vertente, como forma de garantir a livre concorrência, a própria Constituição Federal dispôs acerca da repreensão ao abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Nesse sentido, a livre concorrência e a repressão ao abuso de poder econômico se complementam com vistas à proteção do mercado.

Essa norma encontra disciplina no plano infraconstitucional na Lei nº 12.529/2011 que reestruturou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispôs sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e segundo Delano Aragão Vaz:

“… a referida lei é uma extensão da Constituição da República, fazendo parte, efetivamente, da Constituição econômica material deste país, encontrando fundamento não somente no § 4º do artigo 173 do Texto Maior, mas nas diversas disposições que regem o mercado de capital e a ordem financeira como um todo. Essa lei, a par de combater as infrações contra a ordem econômica, tipificadas em seu Título V, e estruturar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, possui a visível intenção de preservar, de maneira socialmente salutar, o modo de produção capitalista, surgindo como instrumento – nas palavras de Habermas – de intervenção econômica do Estado, a fim de cumprir-se a função de constituição e preservação do mercado, afastando de seu desenrolar comportamentos que, regidos apenas ao som das leis mercadológicas, inelutavelmente conduzem a economia a crises periódicas[6].”

Fixadas essas premissas, nota-se que a Constituição Federal não ignora tampouco condena o poder econômico. Entretanto, quando um agente econômico usa desse expediente mediante condutas que ferem a livre concorrência, a prática configura abuso de poder econômico legitimando a atuação do Estado.

A concorrência não pode ser eliminada nem restringida por agentes detentores de poder de mercado, sendo dever do Estado zelar para que os entes com poder econômico não abusem dele, preservando a livre concorrência. Essa tarefa de coibir abusos, contudo, não é simples, sobretudo em uma economia cada vez mais aberta e dinâmica.

Por outro lado, no que cuida da imposição de limites, constata-se que a livre concorrência é estado complexo de ser atingido em sua plenitude, pois implica homogeneidade de produtos, atomicidade do mercado, mobilidade dos fatores de produção e transparência de preços, circunstâncias nem sempre passíveis de serem conciliadas[7].

Por esta razão se faz necessária e legítima a atuação estatal para o fim de assegurar o princípio da livre concorrência, não em termos absolutos, mas em qualidade a permitir ao mercado um desenvolvimento equilibrado e sustentável. Nesse sentido adverte Carmina Ordoñez de Haro:

“La intervención estatal en la economía tiene fundamentalmente su origen en dos motivos: la imperfección del mercado y la redistribución del ingreso y la riqueza. El hecho de que el mercado sea incapaz de resolver, en algunas situaciones, problemas como los de: alcanzar una asignación eficiente de los recursos, producir bienes y servicios públicos, externalidades, mercados imperfectos, así como razones de inequidad e injusticia en la participación y distribución de la riqueza, justifican entre otras razones la injerencia del Estado en la actividad económica .[8]

Em face da relevância do tema, a Constituição Federal reservou espaço para impor limites ao princípio da livre concorrência quando a atuação dos agentes econômicos caminha em direção ao uso abusivo do poder através de práticas nefastas como a dominação de mercado, a eliminação da concorrência ou aumento arbitrário dos lucros. Isso se realiza com vistas a consecução do desenvolvimento social e mediante a consagração da ideia de que nenhum princípio é absoluto.

Conclusões

A competitividade fomenta a inovação, o aumento de eficiência e de produtividade, além de gerar oportunidade para que os agentes econômicos privados ingressem no mercado e desenvolvam suas atividades. Esses elementos contribuem para um ambiente econômico saudável no plano competitivo, gerando crescimento para o país e bem-estar para a sociedade[9].

Assim, a defesa da concorrência e da ordem econômica equilibrada deve ser levada a efeito no escopo de que a estrutura econômica do mercado realize uma maior e melhor produção, circulação e consumo de bens e serviços com o menor custo possível, conciliando interesses os mais variados que vão desde os consumidores, possibilitando uma ampla liberdade de escolha, passando pelo Estado na medida em que quanto mais desenvolvida a atividade econômica, maior a arrecadação de recursos, até chegar aos demais agentes encarregados da atividade produtiva – as empresas, considerando-se o acesso e permanência no mercado como fator de desenvolvimento da estrutura econômica, inatingíveis em um mercado concentrado, monopolista ou desequilibrado.

Nesse contexto, o princípio da livre concorrência tem por fim preservar o processo de competição e não os competidores, razão pela qual o poder político configura instrumento legítimo a proceder à regulação pública da atividade produtiva com vistas ao desenvolvimento social.

 

Referências
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econômico. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2004.
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990. 7º v.
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Defesa da concorrência no Brasil 50 anos. Disponível em http://www.cade.gov.br/publicacoes/livro/CADE_-  DEFESA_DA_CONCORRENCIA_NO_BRASIL_50_ANOS.pdf. Acesso em 09.03.2014.
FERRAZ, Tércio Sampaio. A economia e o controle do estado. O Estado de S. Paulo. São Paulo. 4 jun.1989. Apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
GASPARINI, Melissa Ferreira. A ordem econômica constitucional e a efetivação do princípio da livre concorrência. Revista jurídica da universidade de Franca, Franca, v. 5, n. 8, 2002.
TAVARES, André Ramos. A intervenção do estado no domínio econômico. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes e SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos (Orgs.). Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006.
VAZ, Delano Aragão. A Lei nº 12.529/11 como parte da Constituição Econômica da República. Revista CEJ, Brasília, Ano XVII, n. 59, p. 119-124, jan./abr. 2013. Disponível em http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1682/1710. Acesso em 09.03.2014.
 
Notas:
[1]GASPARINI, Melissa Ferreira. A ordem econômica constitucional e a efetivação do princípio da livre concorrência. Revista jurídica da universidade de Franca, Franca, v. 5, n. 8, p. 138-157, 2002.

[2]TAVARES, André Ramos. A intervenção do estado no domínio econômico. In: CARDOZO, José Eduardo Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes e SANTOS, Márcia Walquíria Batista dos (Orgs.). Curso de direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, p. 255, 2006.

[3]CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Disponível em http://www.cade.gov.br/Default.aspx?9d9061a878ad42c154e172c599bf. Acesso em 09.03.2014.

[4] BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econômico. São Paulo: Celso Bastos Editor, p. 144, 2004.

[5]FERRAZ, Tércio Sampaio. A economia e o controle do estado. O Estado de S. Paulo. São Paulo. 4 jun.1989. Apud GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 190, 2003.

[6] VAZ, Delano Aragão. A Lei nº 12.529/11 como parte da Constituição Econômica da República. Revista CEJ, Brasília, Ano XVII, n. 59, p. 119-124, jan./abr. 2013. Disponível em http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewFile/1682/1710. Acesso em 09.03.2014.

[7]BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990. 7º  v. p. 28-29.

[9]CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Defesa da concorrência no Brasil 50 anos. Disponível em http://www.cade.gov.br/publicacoes/livro/CADE_-  DEFESA_DA_CONCORRENCIA_NO_BRASIL_50_ANOS.pdf. Acesso em 09.03.2014.


Informações Sobre o Autor

Fernando Antonio Sacchetim Cervo

Procurador Federal Mestre em Direito das Relações Econômico-empresariais Especialista em Direito Empresarial e Processual Civil