Breves considerações sobre a garantia da fundamentação judicial: O mito da neutralidade. Requisitos e Vícios da Decisão

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Resumo: O objeto de estudo é o dever de fundamentação das decisões judiciais, calcando-se tal dever em verdadeira garantia expressa na Constituição Federal (art. 93, IX). Demonstrou-se que é por meio da motivação que se torna viável a análise de várias outras garantias fundamentais atreladas ao devido processo legal. Mostrou-se, também, que a motivação do magistrado não é somente um discurso pautado pela racionalidade, como se houvesse uma fórmula matemática para tanto. É dotada de racionalidade e de certa subjetividade, pois a emoção também integra “decisium” judicial, devendo reconhecer-se que, consciente ou inconscientemente, aspectos psicológicos do julgador compõem a motivação. Por derradeiro, demonstrou-se que, se não observados os requisitos da motivação, se estará diante de uma nulidade absoluta que macula indelevelmente o devido processo legal.


Palavras-chave: Fundamentação judicial. Racionalidade. Subjetividade. Emoção. Requisitos da fundamentação. Nulidade absoluta.


Sumário: 1. A fundamentação enquanto garantia: o controle da racionalidade e da subjetividade das decisões. 2. Requisitos da motivação: dos aspectos objetivos à emoção. 2.1. A racionalidade e a emoção na motivação judicial. 3 os vícios da motivação e a sanção de nulidade


1. A FUNDAMENTAÇÃO ENQUANTO GARANTIA: O CONTROLE DA RACIONALIDADE E DA SUBJETIVIDADE DAS DECISÕES


O dever de fundamentação das decisões judiciais transcende a uma garantia técnica, representando, antes e acima disso, o resultado de determinada concepção sobre o exercício do poder estatal. Isso porque é através da motivação que é possível avaliar a atividade jurisdicional, verificando-se as escolhas e seleções feitas pelo julgador, a observância de regras do contraditório e as circunstâncias factuais que formaram a “verdade” do juiz.[1]


Nesse contexto, a fundamentação não interessa apenas às partes, que podem verificar se suas razões foram objeto de análise pelo julgador, mas também ao magistrado, que demonstra a sua atuação, e à sociedade, a qual verifica como está sendo distribuída a justiça.[2] Assim, com a motivação, asseguram-se objetivos políticos, como a participação popular, a legalidade, a previsibilidade do conteúdo das decisões jurídicas, a separação dos poderes e a proteção dos direitos fundamentais.[3]


Enfim, “a fundamentação é de rigor”.[4] E, nas palavras de Tourinho Filho, a sentença sem motivação é uma não-sentença.[5]


Nessa senda, parece acertada a posição Luigi Ferrajoli no sentido de que a motivação tem valor “endoprocessual” e “extraprocessual”. Mais, não é exagerada sua afirmação de que a motivação pode ser considerada como o principal parâmetro de legitimação interna, ou jurídica, e externa, ou democrática, da função judiciária.[6]


Ao abordar que a fundamentação é uma garantia extraprocessual, Ferrajoli refere-se à publicidade. E é inegável que ambas – fundamentação e publicidade – estão umbilicalmente ligadas. Há, nas palavras de Gomes Filho, uma “[…] relação de instrumentalidade recíproca, que decorre do objetivo comum de possibilitar a comunicação entre a atividade processual e o ambiente social.”[7]


A fundamentação e a publicidade estão expressamente consagradas na Constituição e reafirmadas na legislação infraconstitucional.  No que tange à publicidade, está prevista, com expressa ressalva para situações de interesse público, entre os direitos e garantias fundamentais nos arts. 5°, LX, c/c 37, “caput”, c/c art, 93, IX da Constituição Federal e no art. 792 do Código de Processo Penal.


Nesse contexto, no processo penal brasileiro, a regra é a publicidade absoluta. E nem poderia ser diferente, pois, em um Estado que se diz Democrático de Direito, não há espaço para o mistério. Nas palavras de Paulo Rangel, deve-se rejeitar o poder que oculta e não se tolerar o poder que se oculta, consagrando-se a publicidade dos atos e das atividades estatais.[8],[9]


No que concerne à fundamentação, está prevista no art. 93, IX, da Constituição e no art. 382, III, do Código de Processo Penal. Só a fundamentação permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder e, principalmente, se houve a observância das regras do devido processo legal.[10]


O processo, como se sabe, destina-se a comprovar se um determinado ato humano realmente ocorreu. Trata-se de uma atividade recognitiva: “A um juiz com jurisdição que não sabe, mas que precisa saber, dá-se a missão (mais preciso seria dizer Poder, com o peso que o substantivo tem) de dizer o direito no caso concreto, com o escopo (da sua parte) pacificador […].”[11] Mais:[12]


“[…] intermedeia, do seu conhecimento do caso concreto (notio; cognitio) à sentença (não esquecer, jamais, que, do latim, a palavra decorre de sentire, gerúndio sentiendo, só para que se não pense em ‘máquinas judicantes’), um conjunto de atos preordenados a um fim. Ora, tais atos (e o radical continua latino e em actio), tomando em conta aquele escopo, têm, por evidente, o fim de sanar a ignorância, razão pela qual se vai falar em instrução (do latim instructione) […]”


Em outras palavras, o “saber”- enquanto obtenção de um conhecimento – sobre o fato é o fim a que se destina o processo, o qual deve ser um instrumento eficaz para a sua obtenção. Daí a imprescindibilidade da motivação judicial, ressaltada por Lopes Júnior:[13]


“[…] a motivação serve para o controle da racionalidade da decisão judicial. Não se trata de gastar folhas e folhas para demonstrar erudição jurídica (e jurisprudencial) ou discutir obviedades. O mais importe é explicar o porquê da decisão, o que levou a tal conclusão sobre a autoria e a materialidade. A motivação sobre a matéria fática demonstra o ‘saber’ que legitima o ‘poder’, pois a pena somente pode ser imposta a quem – racionalmente – pode ser considerado autor do fato criminoso imputado”.


Juntamente ao controle da racionalidade das decisões judiciais, é necessário observar o controle da subjetividade. Durante período da história do pensamento moderno – mais precisamente durante o Estado Liberal – buscou-se um tipo de saber isento de qualquer imperfeição humana. Defendeu-se a idéia de que o homem, enquanto sujeito cognoscente, poderia anular-se completamente nas relações de conhecimento: o sujeito limitar-se-ia a captar o objeto.[14],[15]


Buscava-se uma verdade absoluta, que só poderia ser alcançada através de um juiz mito (Deus), capaz de ser neutro. Enfim, nesta concepção, tinha-se o juiz enquanto um órgão neutro e imparcial que, por não ter interesse direto no caso, tutelaria a igualdade das partes no processo, atingindo a pacificação de conflitos de interesses e a justiça.[16]


A partir do século XX, quando a Física Clássica – baseada na idéia de continuidade – cede lugar à Física Quântica -calcada na descontinuidade-, surge uma nova visão de mundo que rompeu o conhecimento até então existente. Nesta nova concepção, não se fala em objetividade pura e nem em verdades absolutas: passa-se a admitir a existência de espaços entre o parcial e o imparcial e certeza e incerteza.[17]   


Sobre esta nova visão de mundo, Pozzebon ressalta:    


 “Este novo conhecimento, com tal dimensão, que  alterou toda uma visão de mundo, não pode mais ficar afastado do Direito e da forma de encarar as decisões judiciais. Assim, a decisão não é fruto de razão ou o da subjetividade, mas de razão e subjetividade, simultaneamente. O juiz não é parcial ou imparcial, mas parcial e imparcial. A decisão não é ‘verdadeira’ ou falsa, mas ‘verdadeira’ e falsa. È tudo isso. É humana”.[18]


Assim, hoje, reconhece-se que não existe racionalidade independentemente de sentimento, da subjetividade.[19] Não existe racionalidade sem sentimento, emoção, daí a importância da subjetividade e de todo o “sentire” no ato decisório e da necessidade de assumir que a “decisum” é um ato de crença, de fé (abandono da verdade pela impossibilidade).[20],[21]


E este “sentire” implica, essencialmente, a atividade (s)eletiva do juiz, que deverá, na dimensão probatória, eleger entre teses apresentadas (acusatória e defensiva) qual delas irá acolher. Já no plano jurídico, decidirá o “significado válido da norma”.[22] E lhe cumprirá deixar clara que opções foram feitas, possibilitando, reitera-se, às partes e à sociedade o conhecimento de suas decisões.


E, como bem lembra Fabrício Pozzebon, este dever de fundamentar tem três importantes faces no Estado Democrático e Social de Direito. São elas:[23]


“[…] a) uma garantia de defesa contra eventuais abusos do poder estatal, uma vez que o julgador deverá explicitar os motivos que o levaram a decidir daquela forma (é um ponto de partida), além de possibilitar a interposição do recurso cabível; b) a materialização do direito subjetivo à prestação jurisdicional por parte do Estado, após um procedimento marcado por garantias, as quais deverão estar traduzidas na fundamentação; e c) dever do Estado prestá-la, assim como a educação, saúde, segurança, em primeiro e segundo graus de jurisdição, devendo o juiz atuar materialmente no sentido de sua efetivação (juiz ativo do Estado Democrático e Social de Direito), sempre sob pena de configuração de nulidade expressamente prevista no texto constitucional.”


Por derradeiro, insta referir que é adequada a posição do autor, no sentido de que a fundamentação judicial é – mesmo sem estar prevista no rol do art. 5° da Constituição[24] – uma garantia fundamental. Mais, trata-se da “garantia das garantias”, “garantia-mãe”, ponto de partida para análise do respeito a todos os demais direitos constitucionais do acusado[25].


2 REQUISITOS DA MOTIVAÇÃO: DOS ASPECTOS OBJETIVOS À EMOÇÃO


Importante salientar que há determinados requisitos para que uma motivação judicial seja considerada idônea, inclusive para assegurar a função de garantia fundamental que possui o dever de fundamentação de todo o provimento jurisdicional (art. 93, inc. IX, CF/88). Para tanto, é possível identificar como requisitos da motivação alguns aspectos fundamentais como integridade, correlação, dialeticidade e racionalidade.[26]


     A integridade pode ser concebida como um inerente imperativo do próprio mandamento constitucional do art. 93, inc. IX, da CF/88, o qual estabelece que todos “os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade […]”, isto é dizer que todo e qualquer provimento jurisdicional deve ser sempre justificado.[27]


     O requisito da correlação é entendido como a exigência de que os elementos que servem de base para a decisão estejam no processo, não podendo o julgador valer-se de elementos “extra” autos para justificar sua decisão, sob pena de indelével mácula ao princípio do devido processo legal.[28] Assim, os elementos de convicção que levam à motivação devem obrigatoriamente se encontrar no processo judicial.


Por seu turno, o imperativo da dialeticidade deve ser analisado a partir da idéia de contraditório no processo[29], uma vez que tudo aquilo que for contra-argumentado pela parte deverá ser levado em consideração na decisão judicial, ou seja, deverá o julgador observar não só os argumentos, mas também os contra-argumentos da (s) parte (s) para balizar sua decisão. Daí que:


“[…] é evidente que o discurso justificativo dessa mesma decisão não pode ser algo semelhante a um monólogo, em que são apresentados argumentos de autoridade, mas, ao contrário, deve possuir um caráter dialógico capaz de dar conta da real consideração de todos os dados trazidos à discussão da causa pelos interessados no provimento”.[30]


2.1 A RACIONALIDADE E A EMOÇÃO NA MOTIVAÇÃO JUDICIAL


Outro requisito importante e fundamental para a motivação das decisões é a questão da racionalidade, entendida como um discurso coerente, harmônico e não-contraditório. Este aspecto merece especial destaque, pois se tornam essenciais algumas ponderações sobre a árdua tarefa de julgar e prolatar decisões no dia-dia dos julgadores, especialmente para dar atenção a um ponto fundamental da atividade jurisdicional: a razão e a emoção na motivação.


Inegavelmente, partindo-se da idéia de que o dever constitucional de fundamentação das decisões é uma garantia fundamental, mister se faz reafirmar – mais uma vez – que a motivação do julgador não é um ato pura e simplesmente racional, mas sim, um ato dotado de certa subjetividade. Em outras palavras, é certo que toda decisão judicial é fruto (ou deveria ser, ao menos) de uma racionalidade. Contudo, há de se reconhecer que, na motivação, há uma carga de sentimentos que se alia à racionalidade.[31]


Assim, o julgador, ao formar seu convencimento daquilo que está nos autos, irá formular mentalmente um juízo de valoração – juízo crítico – acerca de algo sobre o qual irá decidir e buscará na motivação argumentos para justificar sua própria decisão. E, como não poderia ser diferente, na formação desse juízo de valoração, há influência de vários fatores, até mesmo psicológicos.[32]


Dessa forma, a motivação, aquilo que leva o julgador a fundamentar sua decisão, não é fruto apenas de certa dose de racionalidade, mas também influenciada, consciente ou inconscientemente, por aspectos psicológicos, o que, então, permite reconhecer que não há decisão judicial em que não haja racionalidade e emoção na motivação.


E essa afirmação, ressalta-se, não coloca em risco a ciência do Direito, pautada na análise das leis, princípios, normas e regras de forma abstrata. Nesse sentido, colaciona-se trecho de Lídia Almeida Prado:


“[…] a emoção dos juízes na prolação das sentenças não significa propor o drástico abandono da racionalidade no direito, mas a um uso equilibrado dela. […] A sentença, embora baseada no conhecimento jurídico, é uma decisão como outra qualquer. Como ponderei, do mesmo modo que ocorre em outras áreas do saber, muito devagar surgem no Direito os indícios de uma valorização da emoção no ato de julgar, sem ser desconsiderada a racionalidade.”[33]


3 OS VÍCIOS DA MOTIVAÇÃO E A SANÇÃO DE NULIDADE


Uma vez não observados os requisitos anteriores acerca da motivação, é possível que haja a configuração de determinados vícios na decisão judicial que afetem a garantia fundamental elencada no art. 93, inc. IX, da CF/88, bem como o próprio princípio constitucional do “due process of Law”.


Um dos vícios que representa, indubitavelmente, maior violação aos referidos comandos constitucionais é a inexistência de motivação, ou seja, a total ausência de argumentos justificativos adotados pelo julgador quando da tomada de uma decisão.[34] Isso se dá, por exemplo, quando o juiz apenas se utiliza da reprodução de texto legal para justificar sua decisão ou, até mesmo, a consagrada expressão em muitos julgados: “para evitar tautologia”.


Também é possível identificar casos de motivação incompleta, em desacordo com o requisito da integridade, quando não justificados alguns pontos da decisão judicial. Esse vício de motivação ocorrerá, nas palavras de Gomes Filho, “[…] sempre que no seu texto não se apresentem justificadas as variadas escolhas que são necessárias para se chegar à conclusão, segundo as características estruturais do provimento examinado.”[35]


Ademais, a motivação pode ser incompleta por não abranger todos os argumentos e contra-argumentos existentes no processo, ou seja:


“O não-atendimento desse imperativo constitui vício de particular gravidade, pois o silêncio do discurso justificativo quanto às provas e alegações das partes revela não só a falta de uma adequada cognição, mas, sobretudo a violação de um princípio natural do processo. […] Assim, é mais correto e adequado entender que a exigência de dialeticidade da motivação diz respeito às atividades defensivas que objetivam efetivamente provocar a decisão sobre uma questão pertinente à discussão da causa e que resultam, portanto, na ampliação da atividade cognitiva judicial”.[36]


Ainda, para que a decisão judicial seja idônea e devidamente fundamentada, deverá o julgador observar que sua motivação deverá partir sempre dos elementos acostados ao processo, devendo haver correlação, portanto, entre os elementos justificadores da decisão e os existentes nos autos.


É fundamental que a motivação seja fruto de uma racionalidade e consista em um discurso harmônico, coerente e não-contraditório que possa justificar a decisão tomada. Assim, o que se pretende evitar são incompatibilidades, incongruências, no discurso justificativo do julgador, como, por exemplo, casos em que o juiz reconhece a atipicidade da conduta, mas absolve o acusado por insuficiência de provas; juiz que discorre sobre posicionamento tido como correto, mas aplica tese oposta.[37]


Já em relação aos aspectos subjetivos – psicológicos – que afetam a decisão judicial, é possível sim que, em determinados casos, haja vício de motivação. É nesse sentido que o Código de Processo Penal prevê as causas de suspeição e de impedimento (artigos 252 e 254).


Contudo, ainda que de difícil percepção dos aspectos subjetivos (sentimentais / psicológicos) do julgador quando da prolação de sua decisão, tal caso de vício de motivação não é somente decorrente do impedimento ou suspeição do julgador, podendo, de acordo com o caso concreto, verificar-se pelo próprio teor da decisão. Isso acaba se coadunando com a própria definição de sentença, senão vejamos:


“A palavra sentença origina-se do latim ‘sententia’, cuja raiz é ‘sentire’, sentir. Daí a associação com ‘sentimento’. Ou seja, até do ponto de vista etimológico, a sentença está mais relacionada com sentimento e vontade, do que com cognição e razão. Na realidade, ambos os momentos estão presentes, pois a atividade decisional envolve não só a cognição e razão, mas também implica a necessidade de fazer escolhas – e aí o papel do sentimento e da vontade está presente, quer disso se tenha consciência ou não”.[38]


Diante desses requisitos da motivação que, se não observados, constituem verdadeiro vício de motivação e, por conseguinte, afetam a justificação do ato decisório, é inegável que serão violados preceitos constitucionais, especialmente o princípio do devido processo legal. Ademais, o próprio artigo 93, inc. IX, da CF/88 estabelece a “pena” de nulidade para a decisão que não é devidamente fundamentada.


Deve-se, ainda, ter em conta que a nulidade mencionada é absoluta, a qual poderá ser declarada de ofício pelos Tribunais, sem que haja necessidade de argüição pelas partes. Mais, pode ser declarada a qualquer tempo, pois não preclui, e não é necessário (ou, ao menos, não deveria ser) fazer prova do prejuízo, eis que este é evidente.


A mácula ao princípio constitucional do devido processo legal e ao próprio art. 93, inc. IX, da CF/88, por si só, já justifica a configuração de nulidade absoluta quando houver o reconhecimento de algum dos vícios da motivação. É isso que ensina Gomes Filho:


“A nulidade no caso é absoluta, pois o ato processual inconstitucional, quando não juridicamente inexistente, não pode dar lugar à nulidade relativa, uma vez que as garantias processuais-constitucionais, mesmo quando aparentemente postas em benefício da parte, visam em primeiro lugar ao interesse público na condução do processo segundo as regras do devido processo legal.”[39]


Portanto, de acordo com as razões expostas e com fundamento constitucional, tem-se que a sanção prevista para os casos de vícios de motivação deve ser entendida –  sempre e em qualquer hipótese – como nulidade absoluta.  A fundamentação, reitera-se, é “garantia-mãe”, ponto de partida para análise do respeito a todos os demais direitos constitucionais, sendo inadmissível conceder tratamento leniente à sua ausência ou à sua deficiência.


 


Referências

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TOURINHO FLHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

ZIMERMANN, David. A influência dos fatores psicológicos inconscientes na decisão jurisdicional: a crise do magistrado. In: ZIMERMANN, David; COLTRO, Antonio Carlos Mathias (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas: Millennium, 2007.


Notas:

[1] POZZEBON, Fabrício Dreyer de Ávila. A crise do conhecimento moderno e a motivação das decisões judiciais como garantia fundamental. In: GAUER, RUTH Maria Chittó (Coord.). Sistema penal e violência. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p. 242.

[2] POZZEBON, loc. cit.

[3] GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das decisões penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 82 et seq.

[4] TOURINHO FLHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 20.

[5] TOURINHO FLHO, loc. cit.

[6] Segundo Ferrajoli, “La presencia y, sobre todo, la exposición al control de la motivación gracias a su forma lógica y semántica tienen por consiguiente el valor de una discriminación entre métodos procesales opuestos y, como reflejo, entre modelos opuestos de derecho penal: entre lo que Carrara llamaba ‘convicción autocrática’ porque estaba basada en la ‘mera inspiración del sentimiento’ y la ‘convicción razonada’ por haberse expuesto las ‘razones’ tanto jurídicas como fácticas. y, em consecuencia -según la alternativa enunciada desde el comienzo de este libro-, entre cognoscitivismo y decisionismo penal, entre verdades y valoraciones, entre garantismo y sustanciaiismo penal. Al mismo tiempo,en cuanto asegura el control de la legalidad y del nexo entre convicción y  pruebas, la motivación tiene tambien el valor ‘endo-procesal’ de garantía de defensa y el valor ‘extra-procesal’ de garantia de publicidad. Y puede ser considerada como el principapl parâmetro tanto de la legitimación interna o jurídica como de la externa o democrática de la función judicial.” (FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razón. Madrid: Trotta, 1995. p. 623).

[7] GOMES FILHO, 2001, p. 104.

[8] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005, p. 12 et seq..

[9] Ressalva-se que, excepcionalmente, é admitida a “publicidade especial ou restrita”, desde que seja necessária a restrição para o interesse social ou para a defesa da intimidade das partes (TOURINHO FLHO, 2009, p. 20). E não é demais lembrar a imprescindibilidade da motivação nas decisões que restringem a publicidade. Em outras palavras, mesmo naqueles casos em que a limitação da publicidade é permitida (ar. 5°, LX, e 93, IX), sem uma expressa justificação sobre fatos que caracterizem as exceções constitucionais, não é possível ao juiz determinar o segredo (GOMES FILHO, 2001, p. 105).

[10] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. v. 1, p. 195.

[11] COUTINHO, Jacinto Nelson Miranda de. Glosas ao Verdade, dúvida e certeza, de Francesco Carnelutti, para os operadores do direito. Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre, v. 4, p. 77-94, 2004. p. 80 et seq.

[12] COUTINHO, loc. cit.

[13] LOPES JÚNIOR, 2008, v. 1, p. 195.

[14] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. O Papel do novo Juiz no processo penal. In: Crítica à teoria geral do direito processual penal. São Paulo: Renovar, 2001. p. 42.

[15] Alguns fatores foram determinantes por esta busca pela neutralidade, tais como (a) a crença em uma razão que tivesse validade universal; (b) a necessidade de legitimar o discurso do Estado Moderno nascente (Estado de todos, que falava em nome de toda a nação); (c) a urgência em ocultar que os reais interesses do Estado eram de classes e não do povo. Passa-se, então, a falar de igualdade jurídica – todos são iguais perante a lei – e interesse público na resolução de conflitos.

[16] COUTINHO, 2001, p.44.

[17] POZZEBON, 2006, p. 232.

[18] POZZEBON, loc. cit.

[19] Neste sentido, colaciona-se, ainda, trecho de Antônio Damásio: “É esse o erro de Descartes, a separação abissal entre o corpo e a mente, entre a substância corporal, infinitamente divisível, com volume, com dimensões e com um funcionamento mecânico, de um lado, e a substância mental, indivisível, sem volume, sem dimensões e intangível, de outro; a sugestão de que o raciocínio, o juízo moral e o sofrimento adveniente da dor física ou agitação emocional poderiam existir independentemente do corpo. Especificamente: a separação das operações mais refinadas, para um lado, e da estrutura e funcionamento do organismo biológico, para o outro.” (DAMÁSIO, Antônio R. O erro de Descartes: emoção, razão e cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 280).

[20] LOPES JÚNIOR, 2008, v. 1, p. 198.

[21] E, vale ressaltar, a denúncia desta subjetividade não visa a deslegitimar a decisão judicial. Objetiva-se, reitera-se, apenas, revelar a necessidade de que o juiz se dê conta de sua subjetividade – assuma-a – e parta disso para julgar.

[22] LOPES JÚNIOR, op. cit., p. 198 et seq.

[23] POZZEBON, op. cit., p. 247.

[24] Não é demais referir que os constitucionalistas firmaram entendimento de que o rol do art. 5° é meramente exemplificativo. É, portanto, possível a existência de direitos fundamentais em outros dispositivos da Constituição e, até mesmo, fora deste Diploma. Esta é, aliás, a única interpretação que se coaduna com a cláusula de abertura constante no §2° do art. 5° da Carta da República.

[25] POZZEBON, 2006, p. 247.

[26] GOMES FILHO, 2001, p. 174 et seq.

[27] É o que Gomes Filho (Ibid., p. 175) leciona ao afirmar que: “À vista disso, não se pode conceber uma fundamentação em que não estejam justificadas todas as opções adotadas ao longo desse percurso decisório, sob pena de frustrar-se o imperativo constitucional, principalmente se consideradas as funções de garantia que consagra. […] Nesse sentido, é possível dizer que a integridade supõe a adequação do discurso justificativo aos temas que são efetivamente objeto de decisão.”

[28] Para Gomes Filho (2001, p. 178), a correlação seria denominada de “correção” e consistiria na “[…] correspondência entre os elementos considerados como base da decisão e aqueles efetivamente existentes no processo”, bem como seria o “[…] exigir que na articulação do raciocínio decisório apenas sejam considerados elementos que efetivamente correspondam aos existentes no processo.”

[29] “[…] o processo é um procedimento do qual participam (são habilitados) a participar aqueles em cuja esfera jurídica o ato final é destinado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do ato não possa obliterar as suas atividades” e, para tanto, “[…] é necessária alguma coisa a mais e diversa; uma coisa os arquétipos do processo nos permitem observar: a estrutura dialética do procedimento, isto é, justamente, o contraditório.” (FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Trad. Elaine Nassif. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2006. p. 119). Na visão de Cordero, o “[…] debate contradictorio requiere, por lo menos, dos personas que intervengam, ante uno que los modera, y presupone luchadores equivalentes, y triunfa el mejor.” Ainda: “[…] por lo menos dos personas que hablan delante de uno que las escucha y las regula: ambas niegan, afirman, aducen pruebas, elaboran los respectivos materiales, discuten; rigen reglas que tienden a establecer cuál ES La hipótesis mejor.” (CORDERO, Franco. Procedimiento penal. Bogotá: Temis, 2000. t. 2, p. 201 et seq.).

[30] GOMES FILHO, 2001, p. 177.

[31] Isto é dizer que: “Com efeito, o ensino convencional não mais atende às pressões exercidas pelas alterações sociais dos últimos cinqüenta anos (entre as quais destacam-se as mudanças no comportamento feminino e na definição dos papéis sexuais) que parecem estar, de modo gradativo, apontando para um novo padrão de homem e, portanto, para um novo padrão de juiz. Esse novo magistrado – vou chamá-lo de juiz racional-emocional -, poderá ser um parâmetro na formação dos julgadores do século XXI.” (PRADO, Lídia Reis de Almeida. Racionalidade e emoção na prestação jurisdicional. In: ZIMERMANN, David; COLTRO, Antonio Carlos Mathias (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas: Millennium, 2007. p. 43-44.

[32] É o que leciona Zimermann ao aduzir que “A formação do juízo crítico depende de uma série de fatores – conscientes e inconscientes – dos quais, aqui, vamos considerar, separadamente, os seguintes: os valores impostos pelo Superego; as funções do Ego, como as de Percepção, Pensamento e Discriminação; o processo de identificação; os tipos básicos de Personalidade e a Ideologia pessoal do juiz.” (ZIMERMANN, David. A influência dos fatores psicológicos inconscientes na decisão jurisdicional: a crise do magistrado. In: ZIMERMANN, David; COLTRO, Antonio Carlos Mathias (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas: Millennium, 2007. p. 135).

[33] PRADO, op. cit,, p. 47.

[34] “O primeiro e mais grave deles é, sem dúvida, a inexistência de um discurso – mínimo que seja – em que o juiz enuncie as razões do provimento: a própria omissão gráfica de qualquer documento sobre o ‘iter’ do raciocínio decisório constitui a forma mais evidente de violação do dever constitucional, pois revela que a decisão não foi fruto de uma ponderada reflexão sobre os elementos de fato e de direito disponíveis nos autos, mas representa ato de pura vontade pessoal do seu autor.” (GOMES FILHO, 2001, p. 185).

[35] Ibid., p. 187.

[36] Ibid., p. 188. Vale referir que o autor considera esse vício de motivação como sendo “não-dialético”.

[37] “De qualquer modo, trata-se de vício gravíssimo, que, além de revelar a falta de correção no desenvolvimento do raciocínio decisório, torna inviável o próprio controle deste, pois uma argumentação que contenha asserções inconciliáveis impede aos destinatários da motivação conhecer claramente a ‘ratio decidendi’, frustrando a sua função de garantia.” (GOMES FILHO, 2001, p. 193).

[38] FACCHINI NETO, Eugênio. E o juiz não é só de direito… (ou A função jurisdicional e a subjetividade). In: ZIMERMANN, David; COLTRO, Antonio Carlos Mathias (Org.). Aspectos psicológicos na prática jurídica. Campinas: Millennium, 2007. p. 413.

[39] GOMES FILHO, 2001, p. 202. Já Fazzalari (2006, p. 519 et seq) trataria essa situação a partir do entendimento de que o ato seria “anulável”, embora existente: “[…] o provimento jurisdicional emitido pelo juiz incompetente, ou o de conteúdo disforme daquele que deveria ter sido dado em vista da ocorrência de uma certa situação substancial pressuposta (e cujo vício é, em certos casos, colocado sob nome impróprio, mas sugestivo, de ´injustiça´ da sentença), ou o provimento carente de motivação, ou o precedido de um processo viciado (no qual tenham sido colocados atos processuais viciados); existem como provimentos, mas são ´anuláveis´.”

Informações Sobre os Autores

Guilherme Rodrigues Abrão

Advogado criminalista, Mestrando em Ciências Criminais (PUC/RS), especialista em Direito Penal Empresarial (PUC/RS) e em Ciências Criminais (Rede LFG), Professor de Direito Penal da Ulbra.

Rafael Klarmann

Advogado criminalista, Mestrando em Ciências Criminais (PUC/RS), especialista em Direito Penal e Processual Penal (Faculdade IDC)

Renata Jardim da Cunha Rieger

Advogada criminalista, Mestranda em Ciências Criminais (PUC/RS), especialista em Direito Penal e Processual Penal (Faculdade IDC).


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Equipe Âmbito Jurídico

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