Resumo: O estabelecimento de formas alternativas para a solução de litígios comerciais dentro do Mercosul apresenta-se como fator positivo. Todavia, torna-se necessária a criação de um órgão judicial supranacional no bloco para julgamento das questões conflituosas no âmbito das cortes arbitrais, de modo que as decisões possam trazer segurança jurídica às relações existentes. O presente estudo tem como objetivo apresentar algumas considerações sobre o Tribunal Arbitral do Mercosul e discutir a necessidade de criação de uma Corte Judicial supranacional no Bloco.
Palavras-chave: Direito Internacional. Mercosul. Tribunal Arbitral e Judicial.
Sumário: Introdução. 1. O surgimento do Mercado Comum do Sul MERCOSUL. 2. Sistema de solução de controvérsias no MERCOSUL: Tribunal Arbitral. 3. Necessidade de criação de uma corte judicial supranacional no bloco. Conclusões. Referências.
Introdução
Nas últimas décadas, as fronteiras físicas entre os países componentes de blocos econômicos deixaram de serem barreiras impeditivas dos efeitos de atos jurídicos praticados nas relações bilaterais internacionais entre os Estados e seus particulares.
Neste cenário, existe a necessidade da existência de órgãos responsáveis pela solução de eventuais litígios entre as partes internacionais. Especificamente no Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), optou-se por uma solução arbitral e não por uma alternativa imediatamente judicial.
Dentre os aparelhos que dão suporte ao fomento comercial do bloco, encontramos o Tribunal Arbitral do Mercosul (Intergovernamental) e os Tribunais Arbitrais Privados.
A instituição das formas alternativas para a solução de litígios comerciais dentro do Mercosul apresenta-se como ponto positivo. Contudo, faz-se necessária a criação de um órgão judicial supranacional no bloco para julgamento das lides resultantes de questões conflituosas no âmbito das cortes arbitrais, de modo a garantir segurança jurídica às relações existentes.
1. O SURGIMENTO DO MERCADO COMUM DO SUL – MERCOSUL
Na segunda metade do século XX, o processo de globalização trouxe a tendência de integração regional como estratégia para fortalecer os países frente ao novo cenário econômico, social e cultural. Com isso, surgiram os chamados blocos regionais, formados pela integração dos países com a finalidade de estreitar de laços políticos e econômicos entre os povos.
O primeiro bloco, criado pelos europeus, foi a OECE – Organização Europeia de Cooperação Econômica, conhecida hoje como OCDE – Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, da qual fazem parte, atualmente, outros países além dos europeus. Graças ao trabalho da OECE na recuperação dos seus países-membros, os europeus, em 1951, criaram a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e, em 1957, a Comunidade Europeia (CE) e a Comunidade Europeia da Energia Atômica (CEEA), hoje fundidas na expressão “União Europeia”, após o Tratado de Maastricht de 1992.
Acompanhadas pela Europa, outras partes do mundo também criaram blocos, a exemplo da Organização Para a Unidade Africana (OUA) e o Conselho de Ajuda Mútua Econômica (CAME ou COMECON), dos países do Leste europeu. Com esse espírito, em 1960, foi criada a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), substituída, em 1980, pela Associação Latino-Americana de Integração (ALADI). No continente americano, em 1993, surgiu o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), formado por Estados Unidos, Canadá e México, para garantir aos países participantes uma situação de livre comércio, derrubando as barreiras alfandegárias, facilitando o comércio de mercadorias entre os países membros.
Neste contexto, em 26 de março de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com o objetivo de criarem um mercado comum entre si, assinaram o Tratado de Assunção, criando um Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), com a finalidade de reduzir as barreiras para a circulação de bens, capitais e pessoas. Em 2006, a Venezuela foi incluída como membro do bloco. Além disso, participam do Mercosul, como países associados, Chile, Equador, Colômbia, Peru e Bolívia.
O Mercosul vem passando por um processo evolutivo de integração, que começou apenas como uma Zona de Preferência Tarifária[1], posteriormente tornou-se uma Zona de Livre Comércio[2], e por fim, uma União Aduaneira[3], sendo uma área de livre comércio e com tarifas únicas para exportação comum.
A estrutura institucional do Mercosul foi disciplinada através da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, firmado em 17 de dezembro de 1994, ficando estabelecido que o Mercosul fosse composto por: Conselho do Mercado Comum (CMC); Grupo Mercado Comum (GMC); Comissão de Comércio do Mercosul (CCM); Comissão Parlamentar Conjunta (CPC); Foro Consultivo Econômico Social; e a Secretaria Administrativa (SAM). Além disso, com o Protocolo de Ouro Preto, foi dada personalidade jurídica de direito internacional, permitindo que este grupo possa manter relações e firmar acordo com outros países e blocos.
2. SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL: TRIBUNAL ARBITRAL
Os países membros do Mercosul têm relações jurídicas e, por consequência, criam normas e celebram tratados e acordos. Contudo, também existem divergências de interesses e de interpretações das normas editadas e dos acordos celebrados. Por isso, torna-se necessário a existência de um sistema de solução dos diversos conflitos que possam ocorrer. Além disso, quanto mais aperfeiçoado este sistema maiores serão os graus de integração de confiança repassados para a comunidade internacional.
A existência de instituições permanentes e de um próprio tribunal consolidado pode garantir o sucesso de um bloco econômico, notadamente devido à diminuição da interferência política nas decisões, as quais passam a ser mais institucionalizadas, gerando maior juridicidade e, consequentemente maior segurança na construção do processo de integração.
No Mercosul foi descartada a criação de órgãos supranacionais, isto é, de um poder comum, acima dos Estados que poderia aplicar diretamente algumas decisões dispensando sua transposição para o direito nacional. O modelo adotado pode ser atribuído ao desejo, sobretudo do Brasil, de relativizar o compromisso assumido, guardando uma imensa margem de discricionariedade. A obediência às decisões comunitárias é domínio de cada Estado membro; depende de cada governo e de sua capacidade de negociação interna. O processo decisório comporta uma longa e incerta trajetória até que se chegue à eficácia das decisões (VENTURA, 1996).
Em dezembro de 1991, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai celebraram o Protocolo de Brasília, que estabeleceu as diretrizes para criação de um órgão de caráter temporário para solução dos litígios no bloco.
O Protocolo de Brasília adotou dois sistemas, o primeiro relacionado à autocomposição, ou seja, a negociação direta entre os Estados, que, utilizando-se se relações diplomáticas, poderiam resolver os seus problemas. E, caso fracassado as negociações diretas, os Estados podiam levar as questões até o um órgão conciliador chamado Grupo de Mercado Comum, que devia solucionar o caso em até trinta dias.
O segundo sistema consistia na instauração de um procedimento arbitral perante a Secretaria Administrativa do Mercosul. Neste caso, o conselho era formado por três árbitros, sendo que cada Estado escolhia um arbitro e um terceiro era nomeado através de acordo ou sorteio, instituindo-se, dessa forma, um Tribunal Arbitral, que resolvia o caso específico de acordo com os princípios do Direito Internacional Público e Comunitário e também com a equidade. Ressalte-se que a solução do caso era definitiva, não cabendo recurso para nenhum outro órgão.
Em 18 de fevereiro de 2002, os países do Mercosul se reuniram na Argentina e firmaram o Protocolo de Olivos, que revogou o Protocolo de Brasília, alterando parcialmente o procedimento para a solução de controvérsias no cone sul.
O Protocolo de Olivos trouxe as seguintes inovações:
a) Criação de um Tribunal Permanente de Revisão (TPR);
b) Implementação de mecanismos de regulamentação das medidas compensatórias;
c) Criação de normas procedimentais inspiradas no modelo da OMC, como as que determinam que o objeto da controvérsia seja limitado na reclamação e resposta apresentadas ao Tribunal Ad hoc;
d) Intervenção opcional do GMC;
e) Possibilidade de eleição de foro; e
f ) Possibilidade de reclamação de particulares.
A instituição de um Tribunal Permanente de Revisão representou uma grande evolução no sistema de solução de controvérsias do Mercosul, pois no lugar de um mecanismo “ad hoc” de solução de divergências – em que era utilizada a via arbitral – passou-se a ser aplicado um procedimento permanente institucionalizado e com regras processuais mais definidas, fato que viabilizará a construção de um modelo jurisprudencial (GOMES, 2006).
O Tribunal Permanente de Revisão é sediado em Assunção, no Paraguai, sendo composto por cinco julgadores, um representante de cada nação do bloco, com mandato de dois anos, e o quinto membro é escolhido por votação, tendo mandato de três anos e o encargo de presidir o órgão judicante.
O Tribunal Permanente de Revisão não retirou por definitivo as cortes arbitrais “ad hoc”, servindo principalmente como órgão revisor das soluções arbitrais. No entanto, casos os litigantes não desejem a forma convencional de solução, poderão abrir mão da primeira fase conciliatória ou arbitral e ir diretamente ao Tribunal Permanente de Revisão que atuará como instância única. As decisões serão definitivas e irrecorríveis.
3. NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE UMA CORTE JUDICIAL SUPRANACIONAL NO BLOCO.
A criação da Corte de Justiça da Comunidade Europeia, que tinha como função precípua garantir a integridade do direito europeu através da interpretação e aplicação das normas comunitárias, foi um dos fatores fundamentais que contribuíram para o êxito do Bloco Europeu.
Nas lições de Molina del Pozo,
“Los resultados obtenidos en el proceso integrativo de la Unión Europea, permiten afirmar que el Tribunal de Justicia ha obrado como verdadero motor de la Comunidad, participando activamente en la consolidación del modelo, destacándose su rol absolutamente trascendente e insustituible, dentro del marco de la construcción europea, favoreciendo progresivamente el logro de una más amplia integración entre los Estados Miembros” (1990).
Foi exatamente esta instituição que mais contribuiu para o desenvolvimento do direito comunitário, afirmando sua independência em relação aos direitos nacionais. Sua competência mais importante, no entanto, reside no seu papel de Corte Comunitária, responsável por interpretar e aplicar as disposições dos tratados e velar pela legalidade dos atos das demais instituições. No exercício desta competência, o Tribunal pôde construir uma verdadeira ordem jurídica comunitária, definindo seus princípios e a forma de aplicação do seu direito (REIS, 2001).
Para que o Mercosul avance e consiga a sua plena integração, é imprescindível a criação de uma Corte Judicial Supranacional que possibilite a uniformização de um ordenamento jurídico, haja vista que sem a uniformização da aplicação e interpretação das normas, dificilmente o Mercosul conseguirá criar um ordenamento uniforme.
Um mercado comum implica a criação de um ordenamento jurídico único, pleno, harmônico e apropriado a regular as relações sociais que derivam da livre circulação dos fatores produtivos no mercado integrado e sem barreiras.
A criação de um órgão jurisdicional permanente confere maior segurança jurídica às relações e uma maior respeitabilidade, já que os litigantes poderão saber, de antemão, que suas causas serão julgadas por um tribunal competente e imparcial.
Neste sentido, Mário Quintão Soares leciona que, institucionalmente, o Mercosul necessita estabelecer concretamente mecanismos de implementação do mercado comum norteados pelos princípios basilares do Direito Comunitário e, também, estruturar Tribunal Supranacional, órgão jurisdicional competente para controle de legalidade dos atos e interpretação das normas comunitárias, nos moldes do TJCE. O Tribunal de Justiça do Mercosul será determinante para o desenvolvimento e consecução dos princípios e conceitos essenciais para evolução do processo integracionista do Cone Sul, garantindo o efeito útil das normas comunistas, a plena eficácia das mesmas e o respeito às obrigações assumidas pelos Estados-membros em seus Tratados Constitutivos (SOARES,1999).
Entretanto, para a criação desse órgão jurisdicional é importante o empenho dos países platinos, fato este que está sendo o obstáculo maior para a instituição de um Tribunal, uma vez que o Mercosul está alicerçado nos ideais intergovernamentais, que pauta os interesses individuais dos Estados acima da coletividade.
Sobre o assunto, Deisy Ventura afirma que a exacerbação do nacionalismo e a ênfase à soberania nacional são elementos muito presentes na história dos países platinos (VENTURA, 1996).
Tal questão é o óbice para a criação de uma ordem jurídica única, eis que os Estados não querem criar órgãos independentes imaginando risco de perda da sua soberania.
Todavia, conforme leciona Márcio Monteiro Reis, para participar de uma comunidade de Estados integrados, tais membros não precisam renunciar a soberania, nem a parcela dela. Reunidos, devem negociar quais as áreas em que seria mais proveitoso agir conjuntamente, em vez de fazê-lo de forma isolada. Obtido o consenso, os Estados atribuem as competências necessárias à Comunidade, cujos órgãos passarão a gerir aqueles assuntos. Como a comunidade é um espaço comum entre os Estados, do qual todos participam, pode-se dizer que eles passam a exercer suas soberanias nestes domínios, de forma compartilhada com os outros Estados (REIS, 2001).
Dessa forma, o posicionamento estatal impede a criação de uma Corte Judicial supranacional e prejudica a consolidação do Bloco, tendo em vista que um Mercado Comum pressupõe um ordenamento jurídico uniformemente, que somente se concretiza através daquela Corte.
CONCLUSÕES
No presente estudo, observamos que no Mercosul foi descartada a criação de órgãos supranacionais, ou seja, de um poder comum, acima dos Estados, que poderia solucionar os litígios entre os Estados-Membros e seus particulares. Assim, para a resolução destes conflitos de interesses, optou-se pela sistemática do Tribunal Arbitral.
O Protocolo de Brasília, de 1994, instituiu o sistema arbitral ou conciliador marcado pela negociação direta entre os Estados, julgamento por um órgão conciliador transitório chamado Grupo de Mercado Comum ou instauração de um procedimento arbitral perante a Secretaria Administrativa do Mercosul.
O Protocolo de Olivos, de 2001, criou o Tribunal Permanente de Revisão, servindo principalmente como órgão revisor das soluções arbitrais ou com instância única, caso o interessado tivesse interesse em ingressar diretamente nesta instância.
Todavia, tais órgãos arbitrais não são suficientes para solidificar uma jurisprudência e trazer segurança jurídica às relações, impossibilitando a concretização do processo de integração econômica, cultural e sociopolítica.
Dessa forma, somente uma Corte Judicial Supranacional, decidindo os litígios e fortalecendo as decisões através da coisa julgada, poderá consolidar definitivamente o processo de integração do Mercosul.
Informações Sobre o Autor
Jadir Silva Rocha
Auditor Interno do Banco do Brasil S.A., Advogado e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino – UMSA