Autor: Hugo Emanuel Alves Torres – Bel. em Direito pela UNEB. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo CERS. Assistente de Juiz no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Professor de Direito do Trabalho na FACAPE. hugo.torres@trtsp.jus.br
Resumo: O presente artigo busca analisar o procedimento de homologação de acordo extrajudicial introduzido pela Lei n. 13.467/2017, lei da reforma trabalhista, iniciando por um enquadramento do procedimento dentro das normas relativas à competência da Justiça do Trabalho, bem como pela natureza jurídica do procedimento em questão. Há, ainda, uma discussão acerca do procedimento propriamente dito, analisando, ponto a ponto, as inovações trazidas pelos novos dispositivos, bem como apontando a necessidade de integração com as normas gerais de processo. Por fim, há uma análise em particular acerca da nova causa de interrupção da prescrição inserida na CLT. O artigo se desenvolveu com base em pesquisa doutrinária sobre o assunto, em atenção às particularidades práticas que o procedimento deve enfrentar no dia a dia forense.
Palavras chave: homologação; acordo extrajudicial; direito do trabalho; jurisdição; competência.
Abstract: The present article seeks to analyze the procedure of homologation of an extrajudicial agreement introduced by Law n# 13.467/2017, kwown as the labor reform law, beginning with a framework of the procedure inside the rules relating to the jurisdiction of the Labor Court, as well as the legal nature of the procedure in question. There is also a discussion about the procedure itself, analyzing, point by point, the innovations brought by the new devices, as well as pointing out the need for integration with the general process standards. Finally, there is a particular analysis of the new interruption cause of prescription inserted in the brazilian Consolidation of Labor Law (CLT). The article was developed based on doctrinal research on the subject, considering the practical particularities that the procedure must face in forensic pratice.
Keywords: homologation; out-of-court settlement; labor law; jurisdiction; competence;
Sumário: Introdução. 1. Competência. 2. Natureza jurisdicional do procedimento. 3. Das normas procedimentais. 4. Homologação de acordo extrajudicial e prescrição. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Lei n. 13.467/2017 assustou a comunidade jurídica – especialmente a parcela que lida diariamente com o Direito do Trabalho – por impor, repentinamente, alterações sensíveis na dinâmica das relações laborais. A questão não é, ao menos no que tange ao objeto deste artigo a análise dos erros e acertos da reforma trabalhista, mas, unicamente, apresentar um olhar sobre o procedimento de homologação de acordo extrajudicial incluído pela Lei n. 13.467/2017 nos artigos 855-B/855-E da CLT.
Em meio a um sem-número de críticas à alteração, destaquem-se dois elogios: o legislador acabou por resguardar o acesso à justiça do jurisdicionado, conforme mandamento do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal; bem como introduziu procedimento na Justiça do Trabalho que efetiva o princípio da razoável duração do processo (artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal). De início, portanto, já há de se ressaltar que o procedimento ora comentado se encontra em consonância com o caminho estabelecido pelo Constituinte.
A maior preocupação que emanou do surgimento do procedimento de homologação de acordo extrajudicial perante à Justiça do Trabalho é a possibilidade de estar o legislador legalizando espécie de lide simulada, muito conhecida no âmbito trabalhista como “casadinha”. Sustenta-se, em síntese, que o trabalhador, por se encontrar em posição de hipossuficiência, firmará acordos que lhe são sabidamente danosos por imposição do empregador. Entretanto, não parece razoável partir de uma pressuposição de ilegalidade, especialmente quando há meios de coibi-las.
Primeiro, é necessário ressaltar que o acordo extrajudicial em nada afeta o alcance do artigo 9º da CLT, pelo qual “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos” na legislação trabalhista. Segundo, é aplicável em qualquer processo – inclusive na jurisdição voluntária homologatória de acordo extrajudicial – o artigo 142 do Código de Processo Civil, assim disciplina: “convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes…” Por fim, ainda que visto sob o prisma exclusivamente extrajudicial, os atos jurídicos simulados são nulos, consoante previsão expressa do artigo 167 do Código Civil.
Desse modo, a mera possibilidade, em tese, de lide simulada não se caracteriza como vício na elaboração da norma em comento, diante da possibilidade concreta de afastamento do negócio jurídico nulo.
Superadas essas questões introdutórias, resta uma análise com mais afinco do procedimento específico.
A competência da Justiça do Trabalho é tratada no artigo 114 da Constituição Federal, ao longo dos seus nove incisos. A princípio, a enumeração contida nos incisos de I a VIII não abrange a homologação de acordo extrajudicial em matéria trabalhista. Entretanto, o inciso IX não deixa dúvidas quanto à possibilidade de ampliação da competência da Justiça do Trabalho por lei ordinária, ao prever que é competência da Justiça Especializada “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”.
Dessa forma, razoável a previsão do artigo 652, alínea f, da CLT que estabeleceu que é de competência das Varas do Trabalho “decidir quanto à homologação de acordo extrajudicial em matéria de competência da Justiça do Trabalho”
Entretanto, há certo descuido com a técnica legislativa no dispositivo. As Varas do Trabalho não se constituem órgãos da Justiça do Trabalho. A redação, portanto, deveria observar o artigo 111, inciso III, da Constituição Federal, que atribui a competência aos Juízes do Trabalho. Trata-se, porém, de atecnicidade sem qualquer repercussão prática.
Merece destaque na redação do artigo 562, alínea f, o fato de que a competência da Justiça do Trabalho se restringe à “matéria de competência da Justiça do Trabalho”. O legislador, notoriamente, fez-se redundante. Entretanto, parece razoável compreender que o intuito do dispositivo era restringir o acordo extrajudicial a matérias decorrentes da relação de trabalho, o que, aliás, também não necessitaria ser dito, em virtude da redação do artigo 114, inciso IX, da Constituição.
Vale notar, ainda, que alguns Tribunais têm criado divisões administrativas especializadas na análise de acordos extrajudiciais, como é o caso do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (Recomendação GP/CR n. 01/2017[1]), que direcionou o procedimento de Homologação de Acordos Extrajudiciais para órgão já criado, especializado em resolução consensual de conflitos. Ademais, o Tribunal acima citado expediu diretrizes públicas quanto ao procedimento[2].
2. NATUREZA JURISDICIONAL DO PROCEDIMENTO
O capítulo III-A da CLT, incluído pela Lei n. 13.467/2017, trata o procedimento de homologação de acordo extrajudicial como “processo de jurisdição voluntária”.
Nas palavras de Schiavi[3] (2017, p. 64),
a jurisdição se subdivide em contenciosa e voluntária.
Contenciosa: pressupõe a existência de lide, atuando a jurisdição de forma imperativa, dirimindo o conflito e impondo coercitivamente o cumprimento da decisão. A jurisdição contenciosa atua por meio do processo.
Voluntária: caracteriza-se como Administração Pública de interesses privados. Não há partes, e sim interessados, pois não há lide, uma vez que entre as partes há consenso e não conflito.
Utilizando-se da classificação formulada por Greco e Didier Jr[4].(2015, p. 189) afirma-se que os procedimentos de jurisdição voluntária podem ser de natureza constitutiva, quando criar, modificar ou extinguir direito, condicionada a efetivação da modificação na situação jurídica à manifestação judicial – é o caso típico da homologação.
Assim, parece razoável concluir que a sentença homologatória possui natureza constitutiva, daí decorrendo que da sentença incidem os preceitos legais correspondentes àquele arquétipo de decisão, independente de anuência das partes. É evidente, portanto, a força executiva da sentença homologatória, quando o acordo extrajudicial não for devidamente cumprido pela parte.
Por essa razão, justifica-se a possibilidade – trata-se de dever, na verdade – de fiscalização do conteúdo do acordo homologado. Nesse sentido, destaca Schiavi[5] (2017, p. 65) que “doravante, os Juízes do Trabalho deverão ter grande sensibilidade em analisar acordos extrajudiciais, e avaliar, no caso concreto, a extensão da quitação, bem como a pertinência ou não da homologação”.
No mesmo sentido é a lição de Koury[6] (2019, p. 27/28):
No exame do acordo extrajudicial assim como ocorre com o acordo judicial, o juiz deve analisar o seu conteúdo à luz das normas de ordem pública presentes no ordenamento juslaborista e integrantes do contrato de trabalho, inclusive recusando-se à sua homologação quando for o caso.
Não se trata de postura diferenciada, mas sim de adequar a atuação jurisdicional a situações em que ela é convocada a aplicar a norma legal, visando à paz social, tendo sempre presente que a existência de normas de ordem pública a serem observadas é o suficiente para justificar uma atuação mais enfática, que ultrapasse o próprio interesse das partes.
Dessa forma, ratifica-se o entendimento de que a homologação do acordo extrajudicial não é ato vinculado do Magistrado, uma vez que a sentença homologatória possui natureza constitutiva de direito, cuja efetivação depende de atuação judicial, no sentido de resguardar as normas de ordem pública e os interesses indisponíveis das partes, especialmente da parte hipossuficiente.
Antes de encerrar, porém, merece transcrição sem reparo a crítica formulada por Leite (2018, p. 337)[7]:
Embora o legislador “Reformador da CLT” tenha utilizado o termo “Processo de Jurisdição Voluntária”, sabe-se que não se trata de processo, e sim de procedimento especial de jurisdição voluntária, porquanto não há lide ou litigante, e sim interessados, cabendo ao juiz, na essência, o papel de gestor de negócio jurídico entabulado extrajudicialmente. Destarte, parece-nos que a terminologia adequada ao novo instituto é “Procedimento de Jurisdição Voluntária para Homologação de Autocomposição Extrajudicial”.
3. DAS NORMAS PROCEDIMENTAIS
Consoante afirmado acima, o procedimento de homologação de acordo extrajudicial está previsto nos artigos 855-B/855-E da CLT, sob o título de “do processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial”.
Trata-se de procedimento simplíssimo, razão pela qual se faz necessária a integração com outros dispositivos de processo trabalhista e, também, com as normas específicas de jurisdição voluntária, previstas nos artigos 719 e seguintes do Código de Processo Civil.
Assim, inicia-se por dizer que o “juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna” (artigo 723, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Igualmente aplicável o artigo 725, inciso VIII, in fine, do Código de Processo Civil, pelo qual a transação extrajudicial poderá ter como bens jurídicos de “qualquer natureza ou valor”.
Por outro lado, ainda que o acordo extrajudicial possa ter qualquer natureza, os limites legalmente impostos permanecem. Desse modo, o acordo extrajudicial não poderá, por exemplo, desconsiderar o prazo legal para homologação das rescisões do contrato (artigo 477, §6º da CLT) ou afastar a multa por descumprimento do prazo citado (artigo 477, §8º da CLT), diante da expressa restrição prevista no artigo 855-C da CLT.
O processo de homologação de acordo extrajudicial se iniciará através de petição conjunta dos interessados, devidamente assistidos por advogados (artigo 855-B da CLT). Cada parte deverá ter seu próprio advogado (artigo 855, §1º da CLT).
Uma breve nota: se ainda é possível o manejo de ação ou defesa sem a participação de advogado no processo do trabalho (jus postulandi), ainda que a prática seja cada vez menos comum, tal faculdade não existe no procedimento de homologação de acordo extrajudicial. Assim, não é aplicável ao procedimento em comento o artigo 791 da CLT.
Parece razoável que se exija que as partes recebam orientação profissional antes de firmarem acordo, especialmente quanto ao trabalhador, uma vez que a composição das partes invariavelmente acarretará a renúncia mútua de direitos. Vale ressaltar, ainda, que o advogado é indispensável à administração da justiça (artigo 133 da Constituição Federal), exercendo seu munus também extrajudicialmente.
Como se disse, cada parte deverá ter seu próprio advogado, que defenderá e orientará os interesses da parte que o contratou. A interpretação do artigo 855-B, §1º da CLT deve ser no sentido de cada parte seja representada por patrono independente do representante da outra parte, razão pela qual não se deve admitir que advogados do mesmo escritório representem partes distintas.
O que se pretende com a norma em questão é impedir que trabalhador seja ludibriado com a oferta de advogado pelo próprio empregador. Haveria, na hipótese, evidente interesse do patrono do trabalhador em firmar acordo benéfico à parte que o contratou, ainda que fosse distinta daquela que representa. O dispositivo é medida de precaução do próprio legislador, a fim de resguardar a lisura do processo, devendo, por isso, ser interpretado de forma ampliativa.
Por outro lado, a necessidade de que o acordo esteja assinado por todos os interessados decorre da premissa anterior de existência de acordo. Se não há acordo, o que se busca em Juízo é o acertamento do direito, cujo procedimento será de jurisdição contenciosa.
O artigo 855-B, §2º traz norma absolutamente redundante, ao prever a possibilidade de o trabalhador ser representado por advogado do sindicato da categoria. O artigo 14 da Lei n. 5.584/1970 determina que o sindicato preste assistência judiciária gratuita aos integrantes da categoria profissional, sendo eles filiados ou não à entidade, independente da previsão no artigo 855-B, §2º da CLT.
Por sua vez, o artigo 855-C da CLT assegura: “o disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no §6º do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no §8º art. 477 desta Consolidação”.
Sobre esse dispositivo, não resta muito a acrescentar além da respectiva literalidade. Interessante, porém, mencionar a lição de Koury (2019, p. 29)[8]:
O disposto nesse artigo deixa claro que, independente de o acordo versar sobre parcelas rescisórias, o certo é que sua homologação não pode dilatar o prazo legalmente previsto para pagamento das parcelas da rescisão contratual.
Em outras palavras, não é razoável a criação de um procedimento legal para prejudicar o trabalhador no recebimento das verbas rescisórias a que ele faz jus, especialmente quando fica desempregado e delas mais necessita.
Vale outra nota: o artigo 855-C da CLT não possui qualquer limitação quanto ao objeto do acordo extrajudicial. Assim, tem-se, por evidente, que o acordo extrajudicial poderá versar – como, aliás, já se deixou consignado – sobre qualquer parcela decorrente da relação de trabalho, inclusive as verbas rescisórias, havendo restrição somente quanto ao prazo para homologação e à multa resultante do respectivo descumprimento.
O artigo 855-D da CLT prevê que “no prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença”. Trata-se, provavelmente, do dispositivo mais complexo do procedimento; não pela dificuldade de interpretação, mas por conter todo o procedimento do processo propriamente dito.
A primeira informação que salta aos olhos é que, na teoria, o procedimento durará quinze dias. Entretanto, a despeito da existência do prazo, não há qualquer consequência processual para o desrespeito do prazo citado. A bem da verdade, o limite temporal constante do artigo 855-D da CLT é mera carta de intenções, uma vez que as Varas do Trabalho estão abarrotadas de processos e, em determinadas situações, é humanamente impossível que o magistrado profira julgamento no tempo previsto pelo dispositivo.
Naquilo que for cabível – uma vez que não poderá ser verbal – a petição inicial deverá preencher os requisitos do artigo 840, §1º da CLT. Por essa razão, deverá conter a designação do Juízo a que se destina, a qualificação das partes e, ainda, uma breve exposição dos fatos, a fim de que possa o magistrado compreender a relação jurídica havia entre as partes e então objeto de acordo, bem como fiscalizar a regularidade da avença.
Parece certo, também, de que a despeito da inexistência de pretensão, as parcelas – que objetivamente corresponderiam aos pedidos em uma ação ordinária – deverão ser certas, determinadas e com a indicação do valor.
Não preenchidos os requisitos ou possuindo outro vício formal sanável, o Juiz poderá determinar que as partes emendem a inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do artigo 321 do Código de Processo Civil c/c Súmula n. 263 do C. TST.
As custas no procedimento de homologação de acordo extrajudicial devem ser adiantadas, no importe de 2% sobre o valor do acordo, e depositadas junto com a inicial. Não havendo previsão em contrário, as custas devem ser rateadas pelos interessados em partes iguais, consoante inteligência do artigo 789 da CLT.
No procedimento de homologação de acordo extrajudicial a realização de audiência é faculdade do Magistrado. Isso decorre do fato de que, ordinariamente, não existem provas a produzir. Entretanto, poderá o Juiz, caso entenda ser o caso, determinar a realização de audiência. Trata-se de espécie de audiência de justificação, na qual o Magistrado verificará o efetivo conhecimento das partes quanto aos termos do acordo. Nesse sentido, destaque-se a lição de Koury (2019, p. 30):[9]
Quando se tem um procedimento como o trabalhista, com a presumida vulnerabilidade de uma das partes, e se discute matéria que se relaciona com a sobrevivência do trabalhador, direito elevado à condição de fundamental, é muito importante o contato do juiz com as partes para que o ato a ser praticado seja cercado de todas as garantias.
Embora possa representar aumento do trabalho e comprometimento da pauta, é importante que a audiência seja realizada em qualquer circunstância, como uma obrigação que o magistrado deve se impor e não faculdade, a fim de colher a livre manifestação de vontade das partes e verificar se se encontram devidamente esclarecidas quanto ao ato a ser praticado.
Ainda mais enfático é Leite (2018, p. 338)[10]:
Vale dizer, nesse novel procedimento de jurisdição voluntária na Justiça do Trabalho é imprescindível, a nosso sentir, a oitiva das partes em audiência, para que elas ratifiquem perante o Juiz os termos do acordo extrajudicial entabulado, evitando-se, assim, eventuais fraudes à lei ou contra terceiros ou, ainda, as conhecidas lides simuladas.
Do contrário, isto é, sem a realização da audiência de ratificação da proposta de acordo firmado extrajudicialmente pelas partes, a Justiça do Trabalho poderá se transformar em mero órgão cartorário homologador de rescisões de contratos de trabalho, em substituição ao histórico papel que era atribuído aos sindicatos e aos órgãos do Ministério do Trabalho, Ministério Público, Defensoria Pública ou Juiz de Paz, como previam o §§ 1º e 3º do art. 477 da CLT, revogados expressamente pelo art. 5º, I, j, da Lei n. 13.467/2017.
Entretanto, designada a audiência, a ausência de qualquer das partes deve acarretar o arquivamento do procedimento, por aplicação analógica do artigo 844 da CLT. No caso, todos os interessados possuem status de reclamante, para fins do citado dispositivo, uma vez que buscam a tutela jurisdicional.
Realizada audiência ou não, o Juiz proferirá sentença homologatória, acatando ou não o ajuste entabulado entre as partes. Ressalte-se que o Magistrado poderá homologar parcialmente o acordo. Nesse sentido, transcreva-se a lição de Delgado (2017, p. 353)[11]:
O Magistrado não está vinculado ao estabelecido no acordo extrajudicial, podendo, inclusive, recusar a homologação pretendida. Dispõe o art. 855-E que o Juiz, no prazo de 15 dias da distribuição da petição, analisará o acordo, designando audiência se entender necessário e proferirá sentença. Evidentemente que a recusa, pelo Magistrado, pode ser total ou apenas parcial. Ilustrativamente, recusa quanto à descaracterização de verbas salariais em indenizatórias, para fins de burla aos recolhimentos imperativos legais (no caso, para determinar o correto recolhimento, por exemplo); ou recusa quanto à amplitude da quitação lançada na petição de acordo (no caso, para fixar os corretos limites da quitação, por exemplo).
Ressalte-se, então, que a Súmula 418 do TST continua atual. A bem da verdade, mais atual que nunca. Assim, “a homologação de acordo constitui faculdade do Juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável via mandado de segurança”.
Evidentemente, questões contenciosas fogem ao conteúdo da sentença homologatória. Assim, não parece haver espaço no procedimento para expedição de alvará para levantamento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço ou para recebimento de seguro-desemprego. Igualmente, não parece passível de discussão acerca de existência de vínculo empregatício entre os interessados. No procedimento em questão, o Magistrado poderá, apenas, analisar a regularidade do acordo, sem qualquer análise do mérito da relação jurídica.
Da sentença homologatória não caberá recurso. Trata-se de preclusão lógica antecedente. As partes concordam com os termos do acordo (se não há concordância, sequer haveria acordo) e por essa razão não podem se insurgir contra a decisão homologatória. Por outro lado, havendo homologação parcial, os interessados poderão recorrer contra a parte que não se homologou.
Excepciona-se, entretanto, a faculdade de recurso da União quanto às parcelas fiscais e previdenciárias (artigo 831 da CLT). Justamente pela possibilidade de recurso da União é que a petição inicial deverá formular um breve relato da relação jurídica base, bem como discriminar as verbas objeto de acordo – inclusive quanto à natureza jurídica.
A decisão que deixar de homologar o acordo extrajudicial possui natureza terminativa do processo e dela caberá recurso ordinário, no prazo de 8 (oito) dias, consoante disposição do artigo 895, inciso I, da CLT. Aqui, uma nota: o recurso poderá ser manejado por um ou por ambos os interessados. Não há necessidade de que o recurso também seja subscrito por todos os interessados.
Sobre o tema, vale ressaltar as observações de Pombo (2018, p. 334)[12]:
Uma vez interposto o recurso ordinário, não haverá abertura de prazo para contrarrazões, pois, como já dissemos alhures não há lide, não há direito resistido e há o litisconsórcio necessário. Empregado e empregador convergem sobre todos os pontos levados para a homologação judicial, em razão disso não nos parece razoável qualquer argumento que se possa usar nas contrarrazões do recurso ordinário.
Por outro lado, faz-se necessária a intimação dos demais interessados para, querendo, aderir ao recurso, como litisconsorte unitário.
Um adendo importante que se relaciona com o momento processual: antes de homologado o acordo – inclusive quando pendente recurso de uma das partes – qualquer das partes pode desistir unilateralmente do acordo, fazendo cessar o acordado. Nesse sentido, leciona Bebber (2018, p. 351)[13]:
No direito do trabalho, entretanto, porque os efeitos da transação extrajudicial permanecem latentes e somente são liberados com a homologação judicial, enquanto não for proferida a referida decisão, qualquer uma das partes poderá se retratar, livremente, desistindo do pedido de homologação do acordo. A desistência, no caso, é unilateral (independentemente de consentimento da outra) e produz efeitos imediatamente.
Transitada em julgada a sentença homologatória, apenas por Ação Rescisória poderá ser desconstituído o título executivo, consoante interpretação já consolidada pelo TST na Súmula n. 293.
Por fim, homologado e cumprido o acordo, extingue-se o processo. Descumprido o acordo, a parte interessada poderá manejar a execução do título, nos termos do artigo 876 da CLT, podendo, inclusive, correr a execução de ofício quanto às contribuições sociais.
Uma última nota: a sentença homologatória fixará – não dispondo o acordo em contrário – honorários advocatícios, sendo os custos rateados pelas partes, nos termos do artigo 88 e 90, §2º do Código de Processo Civil.
4. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL E PRESCRIÇÃO
O artigo 855-E da CLT estabelece que a prescrição será suspensa com a distribuição do processo de homologação de acordo extrajudicial. Ressalte-se que, conforme a literalidade do texto, a suspensão da prescrição atinge apenas os direitos especificados na inicial. Reforça-se, ainda mais, a necessidade de discriminação das parcelas e valores, conforme supra debatido.
Por outro lado, o parágrafo único do artigo 855-E da CLT estabelece que o prazo voltará a correr no dia seguinte ao trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo.
Trata-se de medida protetiva ao trabalhador, uma vez que o acordo extrajudicial poderia acarretar a prescrição da sua pretensão quando não homologado o acordo, a depender da duração do procedimento de jurisdição voluntária. Assim, a fim de evitar tais percalços, que acabariam por esvaziar o procedimento, criou-se a causa de suspensão do prazo prescricional supra.
Por outro lado, homologado o acordo extrajudicial, o mérito da questão encontra-se encoberto pela coisa julgada, não havendo mais qualquer pretensão e, portanto, inexistindo também prescrição, ressalvada a prescrição intercorrente, que possui regulamento próprio no artigo 11-A.
CONCLUSÃO
A Lei n. 13.467/2017 introduziu procedimento de jurisdição voluntária inovador no processo trabalhista, que proporciona verdadeira evolução no processo laboral. São necessários cuidados com o procedimento, a fim de evitar a legitimação dos negócios jurídicos simulados. Entretanto, a necessidade de tais cuidados não inviabiliza ou enfraquece o procedimento de homologação de acordos extrajudiciais, diante dos inúmeros mecanismos de controle.
O próprio artigo 855-D da CLT prevê a possibilidade de designação de audiência para ratificação do acordo pelas partes perante o Magistrado, o que acaba por ser mecanismo de controle eficaz contra a simulação.
Há de se ressaltar, ainda, a natureza jurídica de procedimento de jurisdição voluntária da inovação.
Por fim, os artigos 855-B/855-D da CLT traçam procedimento simplíssimo, sendo necessário tempero com as regras de processo comum e as regras específicas de procedimento de jurisdição voluntária previstas no Código de Processo Civil. De todo modo, o procedimento é delineado de maneira satisfatória, desde a petição inicial até a possibilidade de recurso e/ou execução, a partir da integração de normas supramencionadas.
Por fim, o próprio texto celetista traçou regra específica de proteção do trabalhador hipossuficiente, ao determinar que a distribuição de acordo extrajudicial para homologação suspende a prescrição, evitando, assim, prejuízos indevidos.
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[1] Disponível em <<http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/Normas_Presid/Recomendacoes/GPCR_01_17.html>> acessado em 25 de junho de 2019.
[2] Disponível em << http://www.trtsp.jus.br/institucional/conciliacao/conciliacao-2>> acessado em 01 de julho de 2019.
[3] SCHIAVI. Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: aspectos processuais da Lei n. 13.467/17 – 1ª ed. São Paulo: LTr Editora. 2017. pag. 64.
[4] DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil. Parte Geral e Processo de Conhecimento. 17ª ed. Salvador. Juspodivm, 2015. pag. 189.
[5] Op. Cit. pag. 65.
[6] KOURY. Luiz Ronan Neves. Homologação de acordo extrajudicial na justiça do trabalho. Competência. Jurisdição voluntária. Procedimento. In. Revista LTr. Ano 83. n. 02 – Fevereiro de 2019, São Paulo: LTr. pag. 27/28.
[7] LEITE. Carlos Henrique Bezerra. A nova jurisdição voluntária para homologação de autocomposição extrajudicial na justiça do trabalho. In Reforma trabalhista ponto a ponto: estudos em homenagem ao professor Luiz Eduardo Gunther, coord. José Affonso Dellegrave Neto; e Enani Kajota São Paulo: LTr, 2018 pag. 337.
[8] KOURY. Luiz Ronan Neves. Homologação de acordo extrajudicial na justiça do trabalho. Competência. Jurisdição voluntária. Procedimento. In. Revista LTr. Ano 83. n. 02 – Fevereiro de 2019, São Paulo: LTr. pag. 29.
[9] KOURY. Luiz Ronan Neves. Homologação de acordo extrajudicial na justiça do trabalho. Competência. Jurisdição voluntária. Procedimento. In. Revista LTr. Ano 83. n. 02 – Fevereiro de 2019, São Paulo: LTr. pag. 30.
[10] LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Reforma trabalhista ponto a ponto: estudos em homenagem ao professor Luiz Eduardo Gunther, coord. José Affonso Dellegrave Neto; e Enani Kajota São Paulo: LTr, 2018 pag. 338.
[11] DELGADO. Maurício Godinho. DELGADO. Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017. pag. 353.
[12] POMBO. Sérgio Luiz Rocha. A homologação de acordo extrajudicial e suas repercussões no processo do trabalho. In. Reforma trabalhista ponto a ponto: estudos em homenagem ao professor Luiz Eduardo Gunther, coord. José Affonso Dellegrave Neto; e Enani Kajota São Paulo: LTr, 2018, pag. 334.
[13] BEBBER. Júlio Cesar. Reforma trabalhista: homologação de acordo extrajudicial. In Reforma trabalhista ponto a ponto: estudos em homenagem ao professor Luiz Eduardo Gunther, coord. José Affonso Dellegrave Neto; e Enani Kajota São Paulo: LTr, 2018. pag. 351.
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