Breves reflexões sobre os limites do direito de privacidade do empregado no âmbito das relações de trabalho

Resumo: o presente artigo tenta propor algumas reflexões em torno da suposta possibilidade de o empregador invocar o seu poder diretivo para monitorar os dados profissionais levados a efeito por seus empregados, e até mesmo os seus dados particulares, na eventualidade de terem sido acessados/produzidos por intermédio de instrumentos ou de ferramentas corporativas.


Palavras-chave: privacidade – empregado – relações – trabalho – poder – diretivo – e-mails – instrumentos – corporativos – dignidade – harmonização – proporcionalidade – razoabilidade – regulamentação.


Sumário: Introdução; A posição da doutrina majoritária; Possibilidade de monitoramento do empregado como decorrência do poder diretivo do empregador; O poder diretivo nos e-mails corporativos; O poder diretivo sobre os instrumentos corporativos; O poder diretivo como indispensável à precaução de riscos pelo empregador; Da necessidade de regulamentação da matéria; Conclusões finais.


I – Introdução


É indubitável que a problemática da privacidade na denominada “era digital” passou a constituir uma das questões mais complexas e delicadas do mundo contemporâneo, sobretudo pela multiplicidade de valores e de fatores que nelas usualmente se envolvem, não raro em permanente e insolúvel tensão.


E isso não é de causar surpresa alguma. É reflexo natural e de resto esperado do atual e crescente processo de “globalização”, que assumiu uma dimensão tal que acabou “massificando” não só as relações econômicas, mas também as próprias relações sociais, de modo a fazer com que aquela outrora intocável esfera de “autonomia de vontade” da pessoa humana – tradicionalmente visualizada como uma esfera de individualidade inerente à própria liberdade de um indivíduo – fosse ficando cada vez mais dependente do reconhecimento e da garantia da autonomia de determinadas esferas de interesses transindividuais.


Nesse contexto, ganha notoriedade e importância a discussão sobre os limites do direito de privacidade do empregado no âmbito das relações de trabalho.


Ressalvadas algumas pequenas dissidências marginais, a doutrina parece ter chegado a um consenso geral de que o empregador pode monitorar os dados profissionais levados a efeito por seus empregados, e até mesmo os seus dados particulares, na eventualidade de terem sido acessados/produzidos por intermédio de instrumentos ou de ferramentas corporativas.


Vários são os fundamentos invocados para subsidiar a aludida conclusão, dentre os quais destaco pontualmente:


(i) direito do empregador de se precaver dos riscos inerentes à sua responsabilização objetiva pelos atos de seus prepostos (art. 932, III, do CCB);


(ii) inexistência de direito de privacidade oponível pelo empregado ao empregador no âmbito da relação de trabalho, com relação aos dados e aos instrumentos profissionais;


(iii) renúncia, por parte do empregado, ao exercício de seu direito de privacidade, na hipótese de acessar os seus dados particulares com o auxílio dos instrumentos de trabalho;


(iv) possibilidade de monitoramento pela via eletrônica caso sejam observadas certas restrições (de forma, de amplitude, etc.), tendo em vista a inexistência de privacidade oponível perante “coisas” (equipamentos eletrônicos).


A despeito da relevância e da coerência dos argumentos manejados, entendo pertinente fazer apenas algumas considerações, não necessariamente a título de crítica, mas a título de despretensiosa reflexão.


II – Possibilidade de monitoramento do empregado como decorrência do poder diretivo do empregador


De um modo geral, parece-me inconteste que devam ser reconhecidos ao empregador “poderes” de controle e de direção perante seus empregados, quer com relação ao desempenho das atividades cometidas a cada um, quer com relação ao uso das ferramentas e dos instrumentos colocados à sua disposição.


Se não intuitivos por si mesmos, diria que esses poderes são ínsitos ao vínculo de subordinação que se estabelece em toda relação de trabalho em sentido amplo, e, de um modo geral, decorrem tanto do fato de o empregador assumir os riscos do negócio (art. 2° da CLT c/c art. 932, III, do CCB)[1], quanto do fato de monopolizar a propriedade dos meios de produção.


Nada obstante, não se pode jamais perder de vista o fato de que a “pessoa humana”, sendo o elemento central e o destinatário final de nosso sistema jurídico, constitui um valor em si mesmo, autônomo e insuprimível, porquanto dotada de um atributo que nenhum outro “bem” (jurídico) possui: a dignidade[2].


Consequentemente, qualquer que seja a relação social de que faça parte, a pessoa humana deve, antes e acima de tudo, ser considerada e tratada como tal, seja qual for a situação em que esteja, e quaisquer que forem as condições a que se submeta. Se desde KANT, com todas as vicissitudes e limitações da conjuntura político-social em que se situava, isso já vinha sendo paulatinamente consagrado, parece-me agora que isso seja inquestionável sob a égide de nosso “Estado Democrático de Direito”, fundado e centrado sob as bases justamente do “princípio da dignidade da pessoa humana” (art. 1° da CRFB)[3], e que, no contexto das relações civis, consagra aquilo que a doutrina moderna convencionou denominar de “personalismo ético”[4].


Assim é que, no âmbito específico das relações de trabalho – que, afinal, nada mais constituem do que uma das espécies de relação social -, antes de um preposto, de um subordinado, o empregado é uma “pessoa”, e ipso facto detentora de um plexo de direitos inerentes a essa sua irrenunciável condição, de tal modo a se impor, sempre e por quem quer que seja, o respeito àquele “irredutível” núcleo mínimo que lhe garante o status de sujeito e não de objeto de direito[5].


Considerando, destarte, que a privacidade constitui um dos atributos inerentes à dignidade da pessoa humana, intimamente associada a um de seus mais basilares atributos – o da liberdade -, há de se deduzir que também nas relações de trabalho o empregador possui uma esfera de privacidade em princípio passível de proteção jurídica, ainda mais se for levado em consideração o fato de que a Constituição não faz ressalva alguma – quer de ordem circunstancial, quer de ordem temporal, quer de ordem espacial – no tocante à necessidade dessa proteção.


Nessa esteira, se por um lado não vejo como refutar os poderes diretivos e fiscalizatórios do empregador, até porque decorrem, em última instância, de seu direito de propriedade, por outro lado entendo que deva ser assegurado ao empregado um mínimo de “privacidade” oponível inclusive ao empregador, por se tratar, repita-se, de um direito inerente à sua inafastável condição de “pessoa humana”.


Portanto, embora inquestionável, o direito de propriedade do empregador – de onde emanam seus poderes diretivos – não é absoluto e não se sobrepõe irrestritamente à privacidade do empregado, até porque o que está em confronto são dois direitos humanos “fundamentais”, assim reconhecidos como tais pela ordem jurídica, e que, por isso – e aqui me valho das consagradas lições de ROBERT ALEXY -, somente se excluem em último caso, antes devendo se equilibrar reciprocamente na medida dos limites e das possibilidade de sua harmonização em cada situação concreta da vida, sempre sob as balizas de um juízo de ponderação, ou, em termos mais técnicos, de um juízo de proporcionalidade/razoabilidade, mediante o qual se analisa dialeticamente até que ponto o sacrifício de um – ou de parte de um – dos direitos justifica a realização do outro – ou de parte do outro.[6]


Enfim, como esses dois direitos (fundamentais) devem ser na medida do possível harmonizados, e como essa harmonização depende necessariamente das especificidades de cada situação concreta, tenho certa dificuldade em admitir conclusões tomadas a priori, seja no sentido de reconhecer a privacidade do empregado como uma barreira intransponível à ingerência do empregador, seja no sentido de definir, de antemão, que o direito à privacidade de um empregado deva sempre e necessariamente ceder completamente perante o poder fiscalizatório do empregador.


Afinal, qualquer posição inflexível tomada num ou noutro sentido acaba sendo incompatível com a própria dinâmica de relacionamento daqueles direitos. É que, em se tratando ambos de “mandados de otimização”[7], tanto o direito de propriedade do empregador quanto a privacidade do empregado são passíveis de concretização em diferentes medidas e graus, tudo a depender do “âmbito normativo” em que estiverem inseridos – expressão adotada por Friedrich Muller para designar a conjuntura fático-concreta a conformar e a ser conformada pela norma[8] – e dos demais valores/necessidades/princípios envolvidos. Logo, se a dinâmica de realização de cada um desses direitos varia de intensidade conforme as especificidades concretas e as limitações impostas por elementos outros, é de todo inviável – para não dizer impossível – formular “pré-juízos” ou definições abstratas sobre a sua intensidade de realização.


Partindo dessa premissa – a da necessidade de harmonização entre os direitos colidentes -, e buscando um equilíbrio entre as razoáveis “expectativas de privacidade”[9] do empregado – expressão colhida da jurisprudência norte-americana sobre a matéria – e as justificativas de monitoramento por parte do empregador, passo a fazer alguns comentários sobre algumas das hipóteses comumente suscitadas pela doutrina.


III – O poder diretivo sobre os e-mails corporativos


Sob o argumento de que o e-mail corporativo constitui uma ferramenta de caráter estritamente profissional, concedida aos empregados tão-só com o objetivo de viabilizar e de facilitar o desempenho de suas funções, a doutrina sustenta, quase que à unanimidade, que as mensagens que nele transitam a título de envio ou de recebimento não se enquadram no “âmbito protetivo”[10] da cláusula constitucional da privacidade (art. 5°, XII, da CRFB), podendo ser monitoradas e fiscalizadas pelo empregador.


Concordo plenamente com essa posição, desde que se parta do pressuposto de que o empregador tenha adotado uma política clara de restrições quanto ao uso do e-mail corporativo, deixando expressamente consignada a possibilidade de seu monitoramento, condição essa, a meu ver, necessária para retirar do obreiro eventuais “expectativas de privacidade”. É nesse sentido, inclusive, a posição de TARCÍSIO TEIXEIRA, que acabou se valendo praticamente do mesmo raciocínio, senão vejamos:


“No que diz respeito ao uso da internet no ambiente de trabalho – especialmente o e-mail, os direitos do empregado estão basicamente relacionados com o direito à privacidade e ao sigilo da correspondência, previstos na Constituição Federal, art. 5º, incs. X e XII, respectivamente. Assim, confrontando o poder de direção e os direitos do empregado, é mister saber qual a extensão de um e de outro nas questões que envolvem a rede mundial de computadores. (…) Diante desse quadro, aparentemente chocam-se os interesses de empregadores e empregados, dando a entender que existe uma tendência (e uma evidente necessidade) de uma conciliação de direitos e de interesses. Uma forma transparente de melhor equilibrar esses interesses é estabelecendo uma política de utilização de equipamentos eletrônicos, como reflexo do poder diretivo do empregador, sem, todavia, perder de vista os direitos do trabalhador. Essa política poderá: 1) estabelecer regras para a utilização dos equipamentos eletrônicos, incluindo monitoramento do acesso a sites, uso de e-mail corporativo, etc.; 2) prever o que é proibido (por exemplo, acesso a sites de pornografia), o que é permitido (por exemplo, acesso a sites relacionados com a atividade desenvolvida pelo empregador) e ações que podem configurar-se como atos ilícitos, ou até mesmo como criminosas; 3) fixar as punições em caso de descumprimento (advertência, demissão, etc.), de acordo com a gravidade da falta cometida pelo empregado à luz da CLT. Além disso, essa política poderá tratar de maneira bastante clara a questão: 1) do uso do e-mail fornecido pela empresa para fim profissional (e da possibilidade ou não do uso para fim pessoal), sendo que mesmo com senha fornecida ao empregado, o e-mail não estará livre de monitoramento; e 2) do uso do e-mail particular do funcionário, sua possibilidade ou não de acesso e de uso a partir dos computadores da empregadora, em quais horários e em que condições. A efetiva monitoração deve ser de forma objetiva, não devendo considerar aspectos subjetivos e pessoais com finalidades arbitrárias e de perseguição a determinado funcionário. As ações precisam ser efetuadas com base em critérios transparentes e objetivos, como, por exemplo, buscando palavras-chave nos títulos das mensagens. Não descartando a hipótese de uma eventual disciplina legal sobre o tema, o mais apropriado seria que tal política fosse implementada por meio de norma (convenção ou acordo coletivo; contrato individual de trabalho ou aditivo contratual – nesses casos, com o aval do sindicato) para minimizar, ao máximo, controvérsias acerca do conhecimento do empregado sobre tais regras. Fica, então, bem atenuada uma possível alegação de quem contava com o argumento de haver privacidade em suas ações e utilizações de equipamentos ou que desconhecia as regras.” (TEIXEIRA, Tarcisio. Os interesses das Empresas e dos Empregados no uso do E-mail. In: LUCCA, Newton de, SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.). Direito e Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. v. 2, p. 680-694).


Acredito, inclusive, que o poder de monitoramento do empregador se estende tanto às mensagens profissionais quanto às mensagens de conteúdo pessoal também (irregularmente) enviadas pelo empregado por meio de “seu” e-mail corporativo.


Com relação às mensagens profissionais, entendo que a possibilidade de monitoramento deriva do simples fato de que, sendo de caráter profissional, tais mensagens não dizem respeito ao patrimônio individual do empregado enquanto pessoa, e são por ele enviadas apenas na condição de um agente executor das atividades da empresa, o que significa dizer que o seu remetente último é a própria empresa, e não o empregado.


Já com relação às mensagens de conteúdo pessoal, entendo que a possibilidade de monitoramento está ligada ao fato de que, a rigor, tais mensagens são “pessoais” apenas em seu conteúdo, sendo, sob o aspecto de sua forma, uma típica mensagem “empresarial”, proveniente da empresa enquanto instituição, que é quem efetivamente responde pelo seu teor, até porque, como dito, é ela o seu remetente último. Assim, e aqui registro uma discordância parcial com o argumento prevalecente, a justificativa da possibilidade de monitoramento das mensagens enviadas (indevidamente) a partir de e-mail corporativo, segundo penso, não estaria, propriamente, numa suposta renúncia do direito de privacidade por parte do empregado, mas, antes disso, na inexistência mesmo de uma mensagem de natureza pessoal passível de proteção jurídica em face do empregador, atraindo aquela velha ilação de que “não se pode renunciar ao que não se tem”.


Partindo dessa mesma premissa, qual seja a de que as mensagens que transitam pelas caixas de e-mails corporativos dizem respeito também à empresa e jamais exclusivamente ao empregado, entendo, ainda, que esse poder de monitoramento pode, em princípio, ir até mais além, para abranger inclusive as mensagens recebidas, ou seja, as mensagens pessoais encaminhadas por terceiros, contanto, obviamente, que seja constatável, segundo um padrão de diligência mediana, que o endereço de e-mail destinatário seja de cunho corporativo. É que, nesse ponto sim, o terceiro estaria renunciando ao seu direito de privacidade sobre o conteúdo da mensagem perante a empresa da qual o empregado (destinatário direto) faz parte, empresa essa que, insista-se e repita-se, é o seu destinatário último, ainda que indireto. Aliás, qualquer eventual invocação, pelo terceiro, de um suposto direito à privacidade com relação ao conteúdo de mensagem por ele encaminhada a e-mail corporativo constituiria uma espécie de venire contra factum proprium.


Concluindo, parece-me que, em princípio, o monitoramento dos e-mails corporativos, pelo empregador, afigura-se plenamente justificável, tanto formalmente quanto materialmente, razão por que há de se reconhecer uma espécie de prevalência – relativa – do direito de propriedade do empregador frente à privacidade do empregado, se é que subsiste alguma privacidade, tomando-se por base as premissas acima esposadas. A propósito, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho parece já estar em vias de pacificação nesse exato sentido, senão vejamos:


“PRELIMINAR DE NULIDADE DO JULGADO POR CERCEAMENTO DE DEFESA – PROVA ILÍCITA – ACESSO PELO EMPREGADOR À CAIXA DE -E-MAIL- CORPORATIVO FORNECIDA AO EMPREGADO – ÓBICE DA SÚMULA 126 DO TST. (…) 2. -In casu-, pretende o Reclamante modificar a decisão vergastada, ao argumento de que a prova acostada aos autos é ilícita, porquanto consubstanciada no acesso à sua conta de -e-mail- pessoal, quando o Regional, ao enfrentar a questão, entendeu que a prova era lícita, porque se tratava de acesso, pela Reclamada, ao conteúdo do -e-mail- corporativo fornecido ao Reclamante para o exercício de suas atividades funcionais, do qual se utilizava de forma imprópria, recebendo fotos com conteúdo que estimulava e reforçava comportamentos preconceituosos. Além  disso, os -e-mails- continham conversas fúteis que se traduziam em desperdício de tempo. (…)6. A concessão, por parte do empregador, de caixa de -e-mail- a seus empregados em suas dependências tem por finalidade potencializar a agilização e eficiência de suas funções para o alcance do objeto social da empresa, o qual justifica a sua própria existência e deve estar no centro do interesse de todos aqueles que dela fazem parte, inclusive por meio do contrato de trabalho. 7. Dessa forma, como instrumento de alcance desses objetivos, a caixa do -e-mail- corporativo não se equipara às hipóteses previstas nos incisos X e XII do art. 5º da CF, tratando-se, pois, de ferramenta de trabalho que deve ser utilizada com a mesma diligência emprestada a qualquer outra de natureza diversa. Deve o empregado zelar pela sua manutenção, utilizando-a de forma segura e adequada e respeitando os fins para que se destinam. Mesmo porque, como assinante do provedor de acesso à -Internet-, a empresa é responsável pela sua utilização com observância da lei. 8. Assim, se o empregado eventualmente se utiliza da caixa de -e-mail- corporativo para assuntos particulares, deve fazê-lo consciente de que o seu acesso pelo empregador não representa violação de suas correspondências pessoais, tampouco violação de sua privacidade ou intimidade, porque se trata de equipamento e tecnologia fornecidos pelo empregador para utilização no trabalho e para alcance das finalidades da empresa. 9. Nessa esteira, entendo que não se configura o cerceamento de defesa a utilização de prova consubstanciada no acesso à caixa de -e-mail- fornecido pelo empregador aos seus empregados. Agravo de instrumento desprovido.” (AIRR – 154240-24.2005.5.02.0055 , Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 04/06/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 06/06/2008)[11]


Como já dito, a doutrina amplamente majoritária também encampa esse entendimento:


“Considera o e-mail pessoal sempre inviolável uma vez que alcançado pela proteção à intimidade e à vida privada, contida do Art. 5º, XII da C.F/88. Já o e-mail fornecido pela empresa escapa a essa proteção, podendo ser licitamente monitorado, uma vez que deve ser utilizado em proveito da empresa e de acordo com a política interna desta.” (PAREDES, Marcus. Violação da privacidade na Internet. Revista de Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, n.º 09, p. 183-203, jan./mar. 2002).


IV – O poder diretivo sobre os instrumentos corporativos


Prevalece, também, o entendimento de que o empregador poderia monitorar inclusive os dados pessoais acessados pelo empregado por meio das estações de trabalho que lhe são disponibilizadas pelo empregador.


Para tanto, dentre outros argumentos, defende-se que, quando o empregado acessa os seus dados pessoais em computadores corporativos, acaba renunciando ao seu direito de privacidade, porquanto ciente de que aquele instrumento se destina exclusivamente ao desempenho de atividades de caráter laboral.


Em que pese a força desse argumento, entendo que, nessas situações, a questão da possibilidade ou não de monitoramento é um pouco mais delicada, basicamente por dois motivos: um de ordem ontológica, ligado à natureza dos dados acessados; e outro de ordem lógico-jurídica, ligado à extensão dos efeitos imanentes a uma relação jurídica.


É que, por primeiro, os dados pessoais acessados por meio das estações de trabalho são total e ontologicamente diferentes daqueles “dados de conteúdo pessoal” produzidos por intermédio dos e-mails corporativos, a ponto de desaconselhar, ao menos de antemão, a adoção do mesmo raciocínio.


Como acima sustentei, inclusive pedindo vênia aos entendimentos em contrário, a própria ferramenta de e-mail corporativo faz com que os dados nela transitados, independentemente de seu conteúdo, transcendam a figura do empregado, passando também a abranger a figura da própria empresa, o que significa dizer que o veículo de materialização daqueles dados (caixa de e-mail), porquanto de caráter corporativo, acaba determinando a natureza corporativa dos próprios dados, ainda que possam vir a apresentar “conteúdo pessoal”. Não é o mesmo, contudo, do que se sucede na hipótese ora discutida, pois, diferentemente do que ocorre com aqueles dados que se materializam por intermédio do uso de e-mails corporativos, aqui os dados pessoais são ou foram “produzidos” por veículos pessoais (ex. e-mails pessoais, sites privados, etc.), tendo sido apenas “acessados” por intermédio de estações de trabalho, sem interferir na natureza e na estrutura do dado.


Diante dessas peculiaridades, embora até reconheça que a questão possa, em determinadas situações, ser analisada sob o ângulo de uma eventual renúncia, por parte do empregado, de seu direito ao sigilo de seus dados pessoais, via de regra a análise deve ser feita à luz de um juízo de proporcionalidade do poder fiscalizatório, mais especificamente de um juízo por meio do qual se investigue a disponibilidade ou não de outros meios menos onerosos e igualmente capazes de evitar o uso irregular dos equipamentos de trabalho por parte do empregado.


Isso porque, quando o empregador não implementa mecanismos para impedir o acesso, por parte do empregado, a dados pessoais, e existem meios aptos a tanto, não me parece razoável afastar uma esfera de privacidade materialmente “consentida” (ainda que não o seja formalmente, nos termos de eventual regulamentação em sentido contrário) em prol de um monitoramento a posteriori de tais dados. Em outras palavras, não se afigura razoável cogitar de quebra de sigilo dos dados pessoais acessados no ambiente de trabalho, se existentes meios menos onerosos a impedir, desde logo, o seu acesso. Faltaria, nesses casos, o elemento “necessidade” a que alude a doutrina alemã ao estruturar o princípio da proporcionalidade (conhecido, no direito norte-americano, como princípio da razoabilidade)[12]. De ordinário, pois, há de prevalecer o direito ao sigilo, passível de quebra apenas sob a cláusula de reserva de jurisdição a que alude o art. 5° da Constituição.


Para que isso fique ainda mais claro, basta imaginar a hipótese em que o empregado acessa sua conta bancária a partir de sua estação de trabalho, e o empregador, a pretexto de investigação de desvio de verbas por parte de seu empregado, tenta opor-lhe seu poder de monitoramento, buscando acesso aos dados bancários acessados. Nesse caso, caso assim aja o empregador, ainda que por suspeitas supostamente fundadas, terá ele praticado flagrante ato ilícito, conforme inclusive já se decidiu:


“RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. EMPREGADO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. OFENSA AO ARTIGO 5.º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO PROVIDO. Quanto à questão relativa ao reconhecimento do dano moral em situações que envolvem a quebra do sigilo bancário de empregados de instituições financeiras, tem esta Corte entendido que o procedimento constitui conduta arbitrária adotada pelo empregador, sendo verificada a invasão à vida privada do empregado e ofendidas as disposições do artigo 5.º, inciso X, da Constituição Federal. Recurso de Revista conhecido e provido para restabelecer a sentença quanto à condenação ao pagamento de indenização por danos morais e seus consectários”. (RR – 96000-49.2002.5.12.0029 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 23/09/2009, 4ª Turma, Data de Publicação: 09/10/2009)


Esse, então, é o primeiro dos argumentos a que acima me referi, aquele que anunciei como sendo de ordem ontológica. O outro, por sua vez de ordem lógica, está relacionado à própria extensão dos efeitos imanentes a uma relação jurídica. É que, ainda que eventualmente se reconheça o direito do empregador de monitorar os dados pessoais acessados por seus empregados no ambiente de trabalho, não se pode simplesmente ignorar o direito de privacidade de terceiros, sobretudo daqueles que, por exemplo, encaminham uma mensagem pessoal ao e-mail pessoal do empregado. Como a relação empregatícia se traduz num vínculo obrigacional, restrito, portanto, à esfera jurídica das partes contratantes, parece-me que o terceiro estranho à relação não pode ser de qualquer forma atingido pelo poder de fiscalização daquele empregador perante o seu empregado, mesmo porque não possui meios de antever o local em que o e-mail por ele enviado será acessado por seu destinatário.


V – O poder diretivo como indispensável à precaução de riscos pelo empregador


Ainda no tocante à discussão acerca da possibilidade ou não de o empregador monitorar os dados pessoais acessados nas estações de trabalho disponibilizados aos seus empregados, parte da doutrina, ao se posicionar pela possibilidade de monitoramento, lança como justificativa o argumento da necessidade de o empregador de se precaver contra os riscos inerentes à sua responsabilização (objetiva) pelos atos ilícitos eventualmente praticados por seus prepostos.


Embora esteja de acordo com essa posição, tenho uma certa preocupação com a sua adoção irrestrita e acrítica, pois, ao partir da inferência de que um fim de “proteção contra o risco e a responsabilização” justificaria o meio “monitoramento de dados” em ordem a “privar” a privacidade do monitorado, ela se assenta num mutualismo de meios e fins cuja potencialidade lesiva a História já comprovou à exaustão.


Do ponto de vista formal abstrato, a logicidade dessa inferência me parece inatacável, até porque me faz lembrar – ainda que longinquamente – daquela consagrada “máxima” de MAQUIAVEL de que “os fins justificam os meios”, hoje revigorada no Direito com a chamada “teoria dos poderes implícitos”[13] (teoria essa, aliás, que admito com reservas, por motivos que ora prefiro omitir por não guardarem pertinência estrita com a presente discussão).


Todavia, partindo de uma concepção garantista e humanista de Estado, de Direito, e ipso facto de sociedade, que é o que exige o nosso sistema jurídico-político, essa inferência se afigura um tanto quanto incompleta, haja vista que, a rigor, os fins só justificam os meios na medida em que os meios também o sejam justificáveis em termos de proporcionalidade/razoabilidade; em outras palavras – desta vez fazendo alusão aos elementos estruturantes do princípio da proporcionalidade tal como concebido pela doutrina alemã -, os meios, para serem proporcionais, devem não só ser “adequados”, isto é, aptos para atingir o fim pretendido, como também “necessários” – leia-se: o menos oneroso possível -, e “proporcionais em sentido estrito”, é dizer, justificáveis à luz do sacrifício de direitos.


Logo, embora seja sustentável a afirmação de que o poder de monitoramento dos instrumentos de trabalho tem por fundamento a necessidade de o empregador se precaver contra os riscos, esse fundamento não é por si só suficiente para justificar possibilidade, por vezes drástica, de intervenção na esfera pessoal do empregado.  


VI – Da necessidade de regulamentação da matéria


Em vista de todas essas celeumas e complexidades, penso que não resta outra saída senão admitir a premente necessidade de regulamentação da matéria, sobretudo para fins de maior segurança das relações jurídico-laborais.


Porém, considero importante fazer outra advertência, de certo modo semelhante à que fiz no tópico anterior: a tão-só observância, por parte do empregador, a essa eventual regulamentação não pode ser considerada suficiente, por si só, para obstar o reconhecimento de eventuais afrontas aos direitos de privacidade do empregado; mesmo que existente regulamentação formal, e mesmo que as suas determinações sejam observadas em sua totalidade, ainda assim não se tem uma garantia completa de proteção da esfera de privacidade do empregado, nada impedindo que eventualmente se reconheça a ocorrência de eventual “privação” indevida de sua privacidade em determinadas circunstâncias, tudo a depender, insista-se, de cada situação concreta.


Repetindo, para que fique ainda mais claro, concordo com a estipulação de regulamentações e diretivas gerais, desde que se tenha consciência de que isso não é suficiente para definir peremptória e exaustivamente quando haverá e quando não haverá “privação” indevida da privacidade.


Afinal, nunca é demasiado lembrar a antiga lição jusfilosófica de que “não se criam fatos com palavras, ainda que essas palavras saiam da boca da lei”, em que se deixa assente a impossibilidade de o legislador prever, numa simples fattispecie geral e abstrata, toda a gama e variedade de situações do mundo da vida, sobretudo no contexto dessa nossa “era digital”, hoje e mais do que nunca fomentada por um “Capitalismo Selvagem”, que faz com que os fatos muitas vezes se transformem mais rapidamente do que os seus próprios valores.


VII – Conclusões finais:


Resumindo:


(i) em princípio, devem ser reconhecidos ao empregador “poderes” de controle e de direção perante seus empregados, porque, além de tais poderes serem ínsitos ao vínculo de subordinação que caracteriza toda relação de trabalho, podem ser justificados no fato de o empregador assumir os riscos do negócio (art. 2° da CLT c/c art. 932, III, do CCB), e no fato de monopolizar a propriedade dos meios de produção.


(ii) porém, qualquer que seja a relação social de que faça parte, a pessoa humana deve, antes e acima de tudo, ser considerada e tratada como tal, e, por isso, também nas relações de trabalho há de ser reconhecida e assegurada ao empregador uma esfera de privacidade passível de proteção jurídica, até porque a Constituição não faz ressalva alguma – quer de ordem circunstancial, quer de ordem temporal, quer de ordem espacial – no tocante à necessidade dessa proteção.


(iii) logo, os dois direitos devem se equilibrar reciprocamente na medida dos limites e das possibilidade de sua harmonização em cada situação concreta da vida, sempre sob as balizas de um juízo de ponderação orientado pelo princípio da proporcionalidade/razoabilidade.


(iv) como essa harmonização depende necessariamente das especificidades de cada situação concreta, conclusões tomadas a priori tornam-se desaconselháveis, seja no sentido de reconhecer a privacidade do empregado como uma barreira intransponível à ingerência do empregador, seja no sentido de definir, de antemão, que o direito à privacidade de um empregado deva sempre e necessariamente ceder completamente perante o poder fiscalizatório do empregador.


(v) com relação aos e-mails corporativos, em princípio as mensagens que nele transitam a título de envio ou de recebimento não dizem respeito ao patrimônio individual do empregado enquanto pessoa, e, portanto, não se enquadram no âmbito protetivo da cláusula constitucional da privacidade (art. 5°, XII, da CRFB), podendo ser monitoradas e fiscalizadas, formal e materialmente, pelo empregador, independentemente de seu conteúdo (pessoal ou profissional), desde que tenha adotado uma política clara de restrições quanto ao uso das aludidas ferramentas, deixando expressamente consignada a possibilidade de seu monitoramento.


(vi) esse poder de monitoramento sobre o e-mail corporativo abrange inclusive as mensagens pessoais encaminhadas por terceiros, contanto que seja constatável, segundo um padrão de diligência mediana, que o endereço de e-mail destinatário seja de cunho corporativo.


(vii) por outro lado, com relação ao acesso a e-mail pessoal ou a sites não relacionados com as atividades laborais, não se justifica a sucumbência do direito de privacidade do empregado quando o empregador dispõe de mecanismos para impedir o acesso, e não os implementa, caso em que o poder de monitoramento se revelaria desproporcional, pela existência de meio menos oneroso de monitoramento.


(viii) não bastasse, ainda com relação às situações do item anterior, há casos em que merece ser preservado o direito de privacidade do terceiro que encaminha mensagens pessoais ao e-mail (pessoal) do empregado, seja porque, em regra, não pode ele ser atingido por um poder decorrente de uma relação da qual não faz parte (relação entre o destinatário da mensagem e o seu empregador), seja porque não possui condições de antever o local em que a sua mensagem será acessada pelo destinatário (no caso, o empregado).


(ix) embora seja sustentável a afirmação de que o poder de monitoramento dos instrumentos de trabalho tem por fundamento a necessidade de o empregador se precaver contra os riscos, esse fundamento não é por si só suficiente para justificar possibilidade de intervenção na esfera pessoal do empregado, porque os fins só justificam os meios na medida em que os meios também o sejam justificáveis em termos de proporcionalidade/razoabilidade.


(x) embora razões de segurança jurídica recomendem a regulamentação da matéria, deve-se alertar para o fato de que a tão-só observância, por parte do empregador, a essa eventual regulamentação não pode ser considerada suficiente, por si só, para obstar o reconhecimento de eventuais afrontas aos direitos de privacidade do empregado.


 


Referências bibliográficas:

AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

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Notas

[1] CLT, Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. CCB, Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

[2] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 172 e ss.

[3] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana;

[4] AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 7ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 135-136.

[5] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., pp. 348-353.

[6] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, pp. 93-103.

[7] ALEXY, Robert, op. cit., pp. 90-92.

[8] Mais detalhes acerca dessa teoria, cf: MÜLLER, Friedrich. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

[9] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., pp. 420-430.

[10] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, op. cit., p. 330.

[11] Em comentário aos precedentes que lastrearam a aludida decisão, assim pontuou o eminente jurista Roberto Senise Lisboa, em palavras lapidares: “É importante afirmar que a exceção ao direito fundamental, qualquer que seja ele, não o invalida pura e simplesmente. Tratando-se do tema da proteção da intimidade e da privacidade, percebe-se claramente, no caso do monitoramento de e-mails do empregado, a questão relacionada ao princípio da boa-fé objetiva nos contratos individuais de trabalho e, ainda, o problema da observância do dever de sigilo acerca das questões pessoais do empregador. Quando a 3ª Turma do TRT da 10ª Região (Brasília) proferiu a primeira decisão no Brasil a respeito do tema, ao reconhecer, por unanimidade, a justa causa na demissão de ex-empregado do HSBC Seguros acusado de utilizar o correio eletrônico da empresa para repassar imagens pornográficas, concluiu que houve o consentimento formal do empregado em permitir o monitoramento, por força do contrato de trabalho. Da decisão em apreço, depreende-se que o empregado agiu de forma a violar a boa-fé contratual, mediante conduta diversa daquela para a qual foi admitido seu labor.” (LISBOA, Roberto Senise. Quebra da Inviolabilidade de Correspondência Eletrônica por violação da Boa-fé Objetiva. In: LUCCA, Newton de, SIMÃO FILHO, Adalberto (Coord.). Direito e Internet: Aspectos Jurídicos Relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2008. v. 2, pp. 607-608).

[12] Por todos, cf. SILVA, Virgílio Afonso da (org.). Interpretação Constitucional. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

[13] Teoria essa, a propósito, frequentemente invocada pelas Cortes Superiores, conforme se infere, dentre outros, do arestos abaixo colacionado: CRIMINAL. HC. CRIME DE RESPONSABILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. ATOS INVESTIGATÓRIOS REALIZADOS PELO PARQUET ESTADUAL. POSSIBILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DE ATO REGULAMENTANDO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DIRECIONADO AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. IRRELEVÂNCIA. ORDEM DENEGADA. I. Pleito de trancamento da ação penal instaurada sob os fundamentos de que as investigações que antecederam o oferecimento da denúncia teriam sido realizadas pelo Ministério Público Estadual e que a edição de regulamentação, pelo Ministério Público Federal, tratando dos procedimentos investigatórios promovido pelo Parquet, tornaria o processo nulo. II. Não obstante se verifique, atualmente, o debate em torno da questão pelo Supremo Tribunal Federal, o entendimento consolidado desta Corte é no sentido de que são válidos, em princípio, os atos investigatórios realizados pelo MP. III. A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos do MP conduzem à preservação dos poderes investigatórios deste Órgão, independentemente da investigação policial. IV. Independentemente da investigação policial, o MP pode se valer de outros elementos de convencimento, como diligências complementares a sindicâncias ou auditorias desenvolvidas por outros órgãos, peças de informação, bem como inquéritos civis que evidenciem, além dos fatos que lhe são próprios, a ocorrência, também, de crimes. V. O Parquet Federal e o Ministério Público Estadual são independentes entre si, a teor do art. 128, incisos I e II, da CF, razão pela qual a edição da Resolução nº 77/2004, do Conselho Superior do Ministério Público Federal, é indiferente à ação penal instaurada contra o paciente. VI. Ordem denegada. (STJ – HC 38.581 – MG – 5ª T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 21.02.2005, p. 202)


Informações Sobre o Autor

Victor Cretella Passos Silva

Advogado, Chefe de Gabinete da Vice-Presidência do TJ/ES biênio 2008-2009, Pós-graduando em Direito Constitucional pela PUC/SP, Bacharel em Direito pela UFES


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