Breves tópicos acerca da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a necessidade urgente de seu cumprimento exato em regiões do semiárido paraibano

Resumo: A Caatinga é tida por alguns como um ecossistema carente em recursos ecológicos, o que não configura um fato, tendo em vista a significante manifestação de espécies endêmicas, que são largamente aproveitadas das mais variadas formas. Entretanto, mesmo sendo o único grande ecossistema natural brasileiro cujos limites estão totalmente reservados ao território nacional, pouco esmero tem sido direcionado à preservação da variada e marcante paisagem da Caatinga, e a contribuição da sua biota à biodiversidade extremamente alta do Brasil tem sido desdenhada. Essa visão equivocada acerca da Caatinga tem-se estendido até as salas de aula, onde muitas vezes, os próprios alunos habitantes dessas regiões têm estigmatizado o bioma. Sendo assim, tornam-se evidentes as mudanças na abordagem do ensino de disciplinas que tratem do meio ambiente, uma vez que populações locais podem desempenhar papéis importantes na proteção do ambiente, se forem devidamente incluídas nos processos de decisão e de atuação.


Palavras-chave: Educação; Biodiversidade; Participação


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Abstract: Many people see the Caatinga biome as poor in biodiversity, but this region has many endemic plants and animals that are exploited in various ways by local people. Despite being the only uniquely Brazilian ecosystem, little has been done to preserve it, and his great contribution to the national biota has been underestimated. This misperception often comes to school, causing students who living in the area unaware of the importance and stigmatize the Caatinga biome. We realize the urgent need to have some changes in approaches to teaching subjects that deal with the local environment, since local people can play important roles in environmental protection and resilience if they are properly included in decision-making and of performance.


Keywords: Diversity Biological; Education; Participation


Sumário: 1. Introdução. 2. Material e métodos. 2.1. Área de estudos. 2.2. Coleta dos dados. 2.3. Análise dos Dados. 3. Resultados e discussão.  4. Conclusões. Referências bibliográficas.


1. Introdução


A Caatinga é um mosaico de xerófilas e caducifólias que cobre a maior parte dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e a parte nordeste de Minas Gerais, no vale do Jequitinhonha. Estendendo-se por cerca de 735.000km2, a esse Bioma é limitado a leste e a oeste pelas florestas Atlântica e Amazônica, respectivamente, e ao sul pelo Cerrado (Leal et al., 2005).


Sendo uma ecorregião semiárida única no mundo, a Caatinga é provavelmente o bioma brasileiro mais ameaçado e já transformado pela ação humana.  Além de ser exclusivamente brasileira, a Caatinga cobre uma porção significativa do território nacional: 11.67% se contarmos com as áreas de transição para outros biomas (The Nature Conservancy do Brasil e Associação Caatinga, 2000).


A região Nordeste do Brasil, onde domina a Caatinga, apresenta os indicadores mais críticos de qualidade de vida e degradação ambiental do país, quadro cuja superação é considerada há décadas um problema que impõe um tratamento abrangente e capaz de contemplar suas complexas dimensões sociais, econômicas e ambientais. A condição da região com índices de desenvolvimento muito abaixo da média nacional e o pouco investimento na produção de conhecimento científico são fatores que se retroalimentam. Como a pobreza da população é considerada o principal desafio na Caatinga, a conservação da biodiversidade está entre as menores prioridades de investimento. Infelizmente, os governos e as organizações não-governamentais ainda não trataram, adequadamente, das potenciais relações entre a conservação da biodiversidade e a redução da pobreza (Leal et al., 2005).


Além dos percalços sócio-econômicos, o semiárido brasileiro ainda é tido por alguns como sendo um ecossistema carente em recursos ecológicos, espécies e endemismos (Vanzolini et al., 1980; Andrade-Lima, 1982; Prance, 1987), o que não configura um fato, tendo em vista a significante ocorrência de espécies endêmicas, tanto florísticas quanto faunísticas (Leal et al., 2003). Apesar de ser o único grande ecossistema natural brasileiro cujos perímetros estão completamente restritos ao território nacional, pouca atenção tem sido dada à preservação da variada e acentuada paisagem da Caatinga, e a contribuição da sua biota à biodiversidade extremamente alta do Brasil tem sido subestimada (Silva et al., 2004).


Graças à disseminação dessa idéia que retrata a Caatinga como extremamente limitada, geralmente os próprios habitantes dessa região acabam estigmatizando o bioma, não valorizando o ecossistema, o que gera um descuido e um desinteresse generalizado. Nesse sentido, objetivamos avaliar qual a visão dos estudantes do ensino fundamental e médio de escolas públicas do município de Campina Grande, Agreste da Paraíba, acerca da biodiversidade da Caatinga e da necessidade de sua preservação. Nosso interesse foi, através dessa avaliação, averiguar quais as eventuais necessidades de melhoria em relação a aplicação da LDB, bem como quanto ao ensino de ecologia, sobretudo da Caatinga, fornecendo dados que possam ser usados no preparo de técnicas e estratégias educacionais que valorizem a região de maneira adequada, e conscientizem as populações da eminente necessidade de uma transformação de mentes e valores, visando à reabilitação e manutenção desse valioso bioma.


2. Material e métodos


2.1. Área de estudo


Esta pesquisa foi realizada entre agosto e outubro de 2008 no município de Campina Grande. O município foi criado em 1864, sua população total é de 385.276 habitantes sendo 367.278 na área urbana. Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0.721, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano/PNUD (2000) (CPRM, 2005; IBGE, 2010).


A cidade localiza-se no interior do estado da Paraíba, na parte oriental da unidade geoambiental do Planalto da Borborema, formada por maciços e outeiros altos, com altitude variando entre 650 a 1.000 metros. Está a uma altitude média de 552 metros acima do nível do mar. A área do município abrange 620,6 km². O relevo é geralmente movimentado, com vales profundos e estreitos dissecados. A vegetação desta unidade é formada por Florestas Subcaducifólica e Caducifólica e alguns trechos de Caatinga Hiperxerófila, próprias das áreas de agreste. O clima é do tipo Tropical Chuvoso, com verão seco (CPRM, 2005).


A rede pública de ensino no município de Campina Grande detém cento e vinte e três (123) escolas municipais e cinquenta e quatro (54) estaduais com ensino de nível fundamental e com cerca de 66.000 alunos matriculados, além de trinta e uma (31) escolas estaduais e uma (01) escola federal com ensino de nível médio e cerca de 16.000 alunos matriculados (IBGE, 2010).


2.3. Coleta dos dados


Para coleta de dados, foram feitas visitas entre os meses de agosto e outubro de 2008 a cinco (05) escolas estaduais do município de Campina Grande – Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Felix Araújo, Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professor Raul Córdula, Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Major Veneziano Vital do Rêgo, Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Ademar Veloso da Silveira e Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Nenzinha Cunha Lima. As visitas foram feitas em turnos diferentes nas escolas mencionadas. Inicialmente buscou-se entrevistar os estudantes acerca de seus conhecimentos sobre a Caatinga e das opiniões que estes detinham sobre o bioma e sua importância para manutenção da biodiversidade brasileira.


Após os primeiros contatos, os dados acerca dos conhecimentos e opiniões sobre a Caatinga foram obtidos através da aplicação de formulários semi-estruturados (Huntington, 2000) a 400 alunos, 200 do ensino fundamental maior (6º ao 9º ano) e 200 do ensino médio (1º ao 3º ano). Os alunos tinham idade variando de 11 a 17 anos no ensino fundamental e 14 a 22 anos no ensino médio. Os formulários foram ainda integrados a entrevistas livres e conversas informais (Mello, 1995; Chizzoti, 2000).


O formulário semi-estruturado apresentou questões englobando aspectos como à relevância sócio-econômica do semiárido brasileiro, a diversidade vegetal da Caatinga e sua importância, a variedade faunística do bioma, conhecimentos acerca de endemismos na região, aversão ao ambiente, a atenção dada ao bioma nas aulas, dentre outras.


3. Análise dos dados


Para a análise dos dados consideramos também, além dos critérios de classificação de etapas de ensino, a faixa etária dos entrevistados – dos 11 aos 14 anos, dos 15 aos 18 anos e dos 19 aos 22 anos – no intuito de diminuir eventuais entraves à clareza dos dados.


Para cada questionamento levantado, calculamos através do software Microsoft Excel® 2007, o percentual de opções assinaladas nos formulários. De acordo com esses números construímos um quadro de conhecimento e valorização média percentual da Caatinga pelos alunos das escolas participantes. Esses dados foram usados também na confecção dos gráficos de percepção ambiental dos alunos.


4. Resultados e discussão


Dos alunos que cursam o ensino fundamental, 186 (93%) consideraram o bioma Caatinga como sendo um ambiente extremamente pobre e sem diversidade de vida, 156 alunos (78%) restringiram a vegetação da região a cactáceas e arbustos secos, 166 alunos (83%) afirmaram que o ambiente é extremamente pobre quanto à diversidade faunística, 108 (54%) não consideraram o bioma relevante para a manutenção da biodiversidade nacional e 86 (43%) mesmo opinando, afirmaram não conhecer suficientemente a região.


Dos alunos que cursam o ensino médio, 94 (47%) consideraram a região como sendo um ambiente extremamente pobre e sem diversidade de vida, 38 alunos (19%) restringiram a vegetação do bioma Caatinga a cactáceas e arbustos secos, 116 alunos (58%) afirmaram que o ambiente é extremamente pobre quanto à diversidade faunística, 68 alunos (34%) não consideraram o bioma relevante para a manutenção da biodiversidade nacional e 78 alunos (39%) ainda que opinando, afirmaram não conhecer suficientemente área em questão.


Os resultados demonstram que os alunos do ensino fundamental entre as faixas etárias de 11 a 14anos são os que têm uma visão mais negativa a respeito do bioma Caatinga. Talvez essa percepção possa pode ser explicada por uma menor vivência acadêmica ou cotidiana, devido à baixa idade dos estudantes. Contudo, não se pode deixar de correlacionar essa negatividade no vislumbre dos alunos acerca da região com uma deficiência no ensino contextualizado e interdisciplinar da ecologia, geografia e história local, dentre outros tópicos. Sendo assim, torna-se de suma importância uma revisão metodológica e de conteúdos, para que esses estudantes sejam instruídos de maneira a aprenderem a valorizar o bioma em que vivem. Segundo Sato, (2000), em trabalho acerca da formação em educação ambiental, o processo educativo eficiente é aquele que se dá de forma permanente, e este, deve estar sempre ocorrendo num continuum do tempo e do espaço, configurando a chamada Educação Continuada. “Continuada” por não ter fim, e “Educação”, porque se consideram as duas vias do processo, o ensinar e o aprender. Nesse sentido, a escola tem um papel preponderante na formação e moldagem de muitas percepções estudantis, inclusive nas percepções apropriadas ou contraproducentes acerca do ambiente.


Essa necessidade de revisão dos processos educacionais nos direciona a questão da formação dos docentes. A gênese dos educadores de qualquer nível, ou modalidade, deve considerar como meta o disposto no art. 22 da LDB (Lei 9394/96):  Ela estipula que a “educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe formação comum  indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (Brasil, 1996). Quando a LDB coloca “exercício da cidadania”, cabe a nós lembrarmos que faz parte do exercício cidadão a manutenção da biodiversidade nacional.


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Em seu artigo 26 a Lei prevê ainda uma parte do ensino diversificada em função das peculiaridades locais, que é o que mais faz-se necessária na área estudada, em vistude da ampla desvalorização do bioma local. Já em seu artigo 27 a LDB sugere que os conteúdos curriculares observe ainda como diretriz a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum […], nesse caso, configurado como patrimônio ambiental nacional.


Em seu artigo 46, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional prevê o dever de incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive. Desse modo, tentamos com esse trabalho fortalecer esse entendimento entre homem e ambiente, no intuito de, através da educação ambiental, possibilitar a conservação do bioma Caatinga e, ainda de acordo com o mesmo artigo, promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios.


No ensino médio, mais precisamente na faixa etária dos 19 aos 22 anos o problema parece menor, mas ainda é evidente. Um número relativamente alto de alunos ainda considerou a Caatinga como sendo um ambiente pobre, além disso, a maioria dos estudantes desconhece a riqueza e os endemismos da fauna e flora do bioma. Outro ponto cogente que deve ser considerado problemático tanto no ensino fundamental quanto no médio é o desconhecimento dos alunos acerca da Caatinga, já que esses estudantes habitam o bioma que julgam desconhecer. O ensino aliado ao dia-a-dia pode moldar esse saber, abrindo os olhos e tornando clara a necessidade de conhecimento como ferramenta indispensável à preservação, para isso, são necessários os trabalhos de educação ambiental não formal, que, segundo Medeiros e Barros, (2007), se caracteriza por sua realização fora da escola, envolvendo flexibilidade de métodos e de conteúdos e um público alvo muito variável em suas características.


O conhecimento acerca do ambiente em que se vive favorece o cuidado e as ações conscientes de seus habitantes, e os trabalhos de educação ambiental são uma das maneiras mais efetivas de tornar uma população empenhada na manutenção do seu entorno, já que esses povos também são usuários dos recursos naturais. Campos, (2005) recomenda um trabalho educativo em todo o Nordeste brasileiro, mostrando às populações locais que, não só a legislação ambiental existe, mas que há uma necessidade de preservação para a própria sustentabilidade destas, moradoras da Caatinga.


Sabe-se que, lamentavelmente, são as atividades exercidas por interferências humanas os principais motivos de degradação da Caatinga, agora fragmentada em áreas sob diversos graus de distúrbios (MMA, 2002). Em contrapartida, vale reforçar que a conservação dos recursos naturais da Caatinga é condição indispensável não somente à preservação do patrimônio genético, mas também para a manutenção de estratégias de subsistência para um grande número de pessoas que dependem da biodiversidade local como principal meio de sobrevivência. Sendo assim, são essenciais os trabalhos de conscientização e educação ambiental, começando na escola e estendendo-se para fora dela, pois estes trabalhos constituem os primeiros passos na direção de uma participação mais efetiva das comunidades na preservação do ambiente que lhes cerca.


Atualmente, o cenário científico vem ressaltando o papel de estudos com populações locais para a conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais (Posey, 1983; Albuquerque, 2004), atribuindo essa importância como parte integrante da dinâmica dos ecossistemas (Schwartzman et al., 2000). A vasta literatura tem revelado que a conservação da biodiversidade pode ser mais efetiva se houver um maior envolvimento das comunidades que vivem no entorno das áreas naturais (Maroti, 2002). Pedroso Junior, (2002), afirma que as comunidades locais podem desempenhar papéis importantes na proteção do ambiente, se forem devidamente incluídas nos processos de decisão e de atuação. Isso se dá, pois, a presença de seres humanos em um ambiente onde há disponibilidade de recursos naturais, torna esses habitantes responsáveis pela manutenção dessa localidade, uma vez que eles são também aproveitadores dos benefícios da diversidade biológica (Nazario, 2003). Desse modo, a inclusão da escola e a participação dinâmica dos alunos nos planos de manejo para o bioma Caatinga, bem como sua inclusão nas atividades de fiscalização e conscientização local podem ser de grande valia para alcançar-se menores índices de degradação e valorizar devidamente o semiárido brasileiro.


5. Conclusão


Nas escolas pesquisadas, ha por parte dos alunos, uma mistura de visões acerca do bioma Caatinga, desde percepções de variedade, importância biológica e necessidade de preservação, até total desconhecimento. Entre os estudantes de ensino fundamental, sobretudo os de 11 a 14 anos, o quadro de desconhecimento ou desvalorização da importância da biodiversidade regional é mais evidente. No total, o presente trabalho registrou 650 opiniões positivas e 932 opiniões negativas sobre o bioma em questão, o que permite concluir que a região não é vista, muitas vezes, de acordo com a real importância que possui.


No sentido de melhorar esse quadro, sugerimos uma maior observação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional por parte das autoridades competentes, bem como a implementação de programas de educação continuada, além de um maior incentivo e subsídio às constantes qualificações dos professores. Uma técnica que também poderia surtir algum efeito benéfico seria a de contextualização do ensino de disciplinas ligadas ao meio ambiente, como biologia, ecologia, geografia e história local.


 


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Informações Sobre o Autor

José Aécio Alves Barbosa

Biólogo, Mestre em Recursos Naturais da Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Tecnologia e Recursos Naturais/ UFCG. Membro do Grupo de Pesquisas em História, Meio Ambiente e Questões Étnicas da UFCG


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