Resumo: Este artigo abordará alguns aspectos da controle dos atos administrativos, sob o prisma da advocacia pública. A discricionariedade, cujo poder mítico reinou outrora, agora da lugar a uma análise crítica da política pública, frente as diretrizes da Constituição Federal de 1988.
Palavras chave: controle, juridicidade, advocacia pública, interesse público, primário
Abstract: This article will address some aspects of the control of administrative acts, from the perspective of public advocacy. The discretion whose mythical power once reigned now gives way to a critical analysis of public policy, in accordance with the guidelines of the Federal Constitution of 1988.
Key words: control, legality, public advocacy, public interest
Sumário: 1-Introdução. 2 – Interesse Público 3- Proporcionalidade 4- Mérito administrativo; 4.1 Controle de Juridicidade; 4.2 A palavra 5- Conclusão. 6 – Referencia.
1. Introdução
O direito administrativo como qualquer ramo do direito responde as evoluções culturais e sociais. Com a promulgação da Constituição Federal inaugurou-se nova era no Brasil. O exercício do poder deve ser sempre vigiado.
As políticas públicas deveriam servir a sociedade e concretizar as normas e valores constitucionais. Em última análise, o arcabouço jurídico atual deverá dar condições ao povo de alcançar a felicidade. Para tanto, o ambiente social deverá ser permeado de liberdade e segurança jurídica, contrabalanceado com limites justos e democráticos.
As principais bases deste estudo residem na exposição do conceito de interesse público e como ele deverá ser empregado na análise de um caso concreto. O mérito administrativo também será escrutinado e dessacralizado, notadamente na mudança de paradigma, saindo de uma análise meramente legalista para um confronto do ato administrativo/legal frente ao ordenamento jurídico como um todo. Sempre em busca do direito justo.
Para que os desideratos constitucionais sejam alcançados e sustentados, os advogados públicos são engrenagem vital para o sucesso das políticas publicas, assim como na fiscalização preventiva dos atos administrativos. Ao atuar profilaticamente prejuízos com o dinheiro público serão evitados, seja para prevenir erros e ilegalidades ou no combate a corrupção.
O estudo em questão é muito mais complexo do que se imagina e jamais seria exaurido um livro, quanto mais num singelo artigo.
2. Interesse público
A evolução social através da história proporcionou a sociedade do século XXI a consolidação de direitos, notadamente manifestados em liberdades públicas. Alguns dos direitos inerentes a condição humana (liberdade, moradia…) foram alçados ao patamar constitucional máximo, configurando assim, créditos em favor do cidadão contra o apetite voraz do Estado.
Há prestigio consensual de que institutos normativos, em maior ou menor escala, devem ser posicionados de modo a conduzir a sociedade a uma ordem jurídica e social justas. Com a transformação proporcionada pelo século das luzes, os direitos dos indivíduos com relação ao estado tiveram um marco evolucionário importante.
Para mero fim de ilustração, admite-se aqui a dicotomia direito público e privado. O critério científico médio para a sua diferenciação, reside na predominância do interesse a ser protegido. Em lépidas linhas e grosso modo, portanto, o direito público terá como escopo as relações jurídicas que envolvam a sociedade, em detrimento, a priori, do interesse restrito a orbe de um único indivíduo.
A expressão do princípio do atendimento do interesse público[1] deve ser vinculada ao bem de toda a coletividade, ou seja, à percepção geral das exigências da vida na sociedade. Esse princípio vem elencado tradicionalmente como a base de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões. Por vezes, de modo equivocado, se invoca o seu atendimento, com o sentido de atendimento de interesse (“supremo”) fazendário ou para justificar decisões arbitrárias.
Referido princípio direciona a atividade da Administração no sentido da realização do interesse da coletividade e não de interesses administrativo-burocrático, das autoridades, dos partidos políticos… Assim, a finalidade da atuação da Administração situa-se no atendimento do interesse público constitucionalmente posto e pressuposto[2]. O desvirtuamento dessa finalidade suscita o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade. No juízo da profª Odete Medauar[3], os desejos estatais devem ficar submetidos aos anseios da coletividade postos na Constituição Federal de 1988, sendo a vontade desta última a verdadeira suprema e não ao contrário, in verba magistri:
“Em alguns cursos ou manuais de Direito Administrativo encontra-se a menção ao chamado "princípio" da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. Esse "princípio", se algum dia existiu, está ultrapassado, por várias razões, aqui expostas de modo sucinto:
a) Ante a Constituição Federal de 1988, que prioriza os direitos fundamentais, direitos estes essencialmente dos particulares, soa ilógico e incoerente à diretriz constitucional invocá-lo como princípio do Direito Administrativo.
b) Mostra-se pertinente à Constituição de 1988 e à doutrina administrativa contemporânea a ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação de interesses presentes numa determinada situação, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo desta função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios.
Até os autores que se aferram a este princípio reconhecem a necessidade de sua "reconstrução", de sua adequação à dinâmica social, de sua adaptação visando à harmonização dos interesses.
c) O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito, pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na obtenção de um resultado.”
Desta feita, se torna inequívoca a vontade da Constituição Federal em determinar, que o Estado sirva a sociedade e não ao contrário. Resta consignar que o Estado, como toda nau precisa de uma tripulação engajada em navega-la. Do contrário fica-se ao sabor do capitão resmungão e seus asseclas, do tempo e das tempestades. A omissão não trará nenhum proveito útil. Desta feita a fiscalização popular, aqui exemplificada pela Ação Popular, é medida de primeira ordem para se alcançar o desenvolvimento da nau Brasil. O destino do navio descontrolado é irremediavelmente a ruína.
Marcada a posição de sobre a questão da supremacia, ainda há a necessidade de se viver em sociedade, via estado. A realização das políticas são realizadas pelos Entes Federativos e suas respectivas entidades autárquicas e fundacionais de direito público. Como eles existem para servir a sociedade, ainda se faz necessidade de destrinchar o conceito de interesse público[4], fato este que necessariamente norteará a atuação da Advocacia Pública[5]. O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello[6] nos traz à baila a distinção feita pela doutrina italiana entre as duas acepções elementares do dito interesse público, in verbis:
“Interesse público ou primário é o pertinente à sociedade como um todo e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. Interesse secundário é aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarna-se pelo simples fato de ser pessoa”
Neste diapasão, pela classificação aqui adotada, pode ser depreendido que a defesa do patrimônio coletivo, tem por maior bem a Constituição Federal[7] e as normas infra legais que a cercam, sendo certo que os interesses e aspirações dos entes, entidades estatais e gestores possuem caráter eminentemente subalterno.
In casu, o advogado vive para servir na constante luta[8] contra a ignorância, o erro, injustiça, opressão, tirania e no combate contra a corrupção. Ademais, em virtude do seu mandato constitucional, deve atuar pela manutenção da liberdade, do estado democrático de direito, ética[9] [10]e pela autodeterminação dos indivíduos[11]. Portanto, o advogado esta intrinsicamente ligado com a defesa do interesse público primário e com o direito justo, consolidando assim, a pratica de uma advocacia tipicamente de estado e democrática. A proposito, este também é o pensamento defendido pela profª Maria Sylvia Zanella Di Pietro[12] externado quando tratou das funções do advogado público em renomado estudo a seguir transcrito:
“O papel do advogado público que exerce função de consultoria não é o de representante de parte. O consultor, da mesma forma que o juiz, tem de interpretar a lei para apontar a solução correta; ele tem de ser imparcial, porque protege a legalidade e a moralidade do ato administrativo; ele atua na defesa do interesse público primário, de que é titular a coletividade, e não na defesa do interesse público secundário, de que é titular a autoridade administrativa.”
Assim, para que o advogado público consiga combinar as atribuições de função essencial a justiça, guardião do controle de juridicidade dos atos administrativos[13], sentinela da prevenção a corrupção, etc há necessidade de existência de um arcabouço jurídico que dê condições mínimas de trabalho. Ela é personificada no instituto legal da prerrogativa. Como é cediço, elas não constituem benesses estatais, mas sim ferramentas de trabalho a serviço da sociedade. Estas prerrogativas no sentir dos professores[14] Eroulths Cortiano Jr. E André Luiz Ramos, constituem “…instrumento de viabilização de políticas públicas, fim de facilitar a consecução do bem comum…a inviolabilidade assegurada ao advogado é garantia do cidadão, na advocacia pública é garantia dos cidadãos…”
O propósito do Advogado deverá sempre ser digno. Precipuamente deverá perseguir e encarnar o ideal de justiça universal preconizada na Constituição Federal. Como Função Essencial a Justiça, a advocacia deve primar pelo estado democrático de direito justo. Nas palavras do profº. John Rawls[15], in verbis:
“O princípio norteador é o de se estabelecer uma constituição justa que garanta as liberdades da cidadania igual. Os justos devem guiar-se pelos princípios da justiça e não pelo fato de que os injustos não podem se queixar…Desse modo, os princípios da justiça podem julgar entre moralidades opostas …O que é essencial é, quando pessoas de convicções diferentes apresentam a estrutura básica exigencias conflitantes, devido a princípios políticos, essas reinvindicações sejam decididas em conformidade com princípios de justiça”.
Não obstante, o desafio que o tema impõe, o debate deve ser sempre inteligente e profícuo[16]. Para aplicação da norma ao caso concreto, o hermeneuta[17] deve se cercar de cuidados para que o produto do seu trabalho intelectual, seja coerente com o ordenamento jurídico a qual faz parte, alcançando assim a já referida teleologia da norma. Grandes injustiças e descalabros são frequentemente disfarçados com a máscara do exercício regular do direito, notadamente quando o dinheiro público e poder encontram-se envolvidos. Nesta senda intelectiva é a cátedra de Diogo de Figueiredo Moreira Neto[18]:
“Ora, as atividades desenvolvidas pelos Advogados de Estado se situam inequivocamente no plano das atividades-fim, ou seja: SÃO AÇÕES VOLTADAS AO ESTABELECIMENTO, À MANUTENÇÃO, AO CUMPRIMENTO E AO APERFEIÇOAMENTO DA ORDEM JURÍDICA, e apenas secundariamente, referidas ao aparelhamento do Estado.
Com efeito, o dever precípuo cometido aos Advogados e Procuradores de qualquer das entidades estatais, é indiscutivelmente o de sustentar e de aperfeiçoar a ordem jurídica, embora secundariamente, mas sem jamais contrariar a primeira diretriz constitucional, possam esses agentes atuar em outras missões de natureza jurídica administrativa voltadas para a atividade meio, como por exemplo, aquelas que se desenvolvam em sustentação à medidas governamentais…
…Mas é muito importante ter-se presente que, em caso de colidencia entre as atribuições secundárias, que porventura lhe sejam cometidas, com aquelas duas , primárias, estas deverão prevalecer sempre, por terem radical constitucional, ou seja, em síntese: por serem missões essenciais de sustentação da ordem juridica” (grifei)
Significa dizer que o compromisso do Advogado Público é com o Ordenamento Jurídico (interesse público primário). Os objetivos da instituição (interesse público secundário) não influenciam em sua determinação ou no seu trabalho em defesa da juridicidade. Muito mais que a mera legalidade, o procurador público zela pela legitimidade dos atos administrativos, isto é, o desiderato reside na busca da solução justa de qualquer questão dentro do Ordenamento jurídico e não numa única norma isolada. Neste diapasão é o escólio de Odete Medauar[19]: “…conformidade ao justo…No direito administrativo pátrio a legitimidade, nesta acepção, mantém a interface, em especial, com o mérito, o interesse público, a moralidade administrativa”
As políticas públicas pertencem a outras esferas. Não é dever do Advogado de Estado se arvorar para satisfazer os objetivos do Gestor e do seu programa de governo ou projetinho de poder dos seus afilhados. Portanto, o Advogado Público deve atuar pela viabilidade da política pública, desde que, o meio e o fim empregado estejam em estrito acordo com a Constituição Federal e com o direito justo. Corroborando com esta tese o prof º Claudio Granzotto[20] confere-nos a seguinte lição:
“No exercício dessas atribuições, deve estar buscando uma atuação pautada no interesse público primário ou até o secundário, desde que este não colida com aquele.
Não obstante a sua atuação deva estar voltada para a consecução do interesse público, mormente o de viés primário, a natureza de vinculação constitucional com os demais poderes, principalmente a estreita ligação com o Poder Executivo poderá desvirtuar essa missão. Movido à pressão de certos setores, sem poder fazer uso de prerrogativas inerentes a magnitude de sua função, inevitável seria o comprometimento com o seu mister constitucional de defesa do interesse público”
Portanto eis a pedra fundamental do procurador público. Atender o ordenamento jurídico (Advocacia de Estado) e não aos interesses do ocupante temporário do cargo executivo (advocacia de governo: agrado aos desígnios políticos do Administrador sazonal)[21]. Os “objetivos institucionais” do Ente ou da Entidade sempre ficam para segundo plano e não podem servir de base para denegrir o trabalho do Procurador. Arrematando a questão, segue doutrina do profº. Carlos Marden Coutinho[22], in verbis:
“… Nesse sentido, cabe à Advocacia Pública exercer uma advocacia de Estado, mediante a qual se assegure que o governo se conduza de acordo com o Ordenamento Jurídico. Em outras palavras, não cabe à Advocacia Pública envergar o Ordenamento Jurídico para que ele se faça conveniente ao governo, mas sim moldar o governo, para que ele realize a sua atividade nos termos das leis e da Constituição. Sendo assim, só se pode falar que a Advocacia Pública exerça uma Função Essencial à Justiça, se ela exercer junto ao governo uma Advocacia de Estado…” (sem grifos no original).
O advogado institucionalmente protegido e remunerado adequadamente, não poderá ser acossado a não fazer o seu trabalho[23], razão pela qual, é imperativa a harmonização estrutural da advocacia pública entre a administração direta e a indireta, respeitadas portanto, as carreiras dos procuradores de estado e autárquicos no âmbito dos Estados, DF e Municípios, como alias já acontece no âmbito da União.
Por ultimo e não por menos, é imperativo e salutar lembrar que o exercício da Advocacia Pública é restrita aos servidores de cargo de provimento efetivo que se submeteram a concurso público específico. A jurisprudência do STF [24] [25], TJ/RJ[26] [27], TJ/SP[28] e TCU[29] são perenes neste sentido.
3. A proporcionalidade
O Estado não constitui um fim em si. Ele existe para servir os interesses e conveniências da maioria da população, admitindo-se, que o estado democrático de direito constitua seu alicerce inabalável de atuação.
Independente da formatação do estado e se há predileções ao liberalismo, socialismo, entre outras, uma coisa permanece a mesma: o exercício do poder e o seu potencial abuso. Em qualquer época histórica o agente estatal busca legitimar o seu agir na norma, seja ela laica, religiosa, produzida democraticamente ou não. Com certa frequência o agente público se utiliza do exercício da micro parcela[30] do poder estatal que lhe é atribuída para satisfazer interesses pessoais, sadismos ou até no cumprimento de normas impor regramento sem o menor sentido de justiça[31]. A prática demonstra que quanto menor o cargo do agente, maior é a sua predisposição de abusar do seu pequeno leque de poder.
O poder sem um propósito virtuoso, acarretará fatalmente no cometimento de ato vazio ou imbuído de vilania[32] e na maioria das vezes embuçado com ares de legalidade, mas sem legitimidade alguma. Ademais, tendo por escopo que a dignidade da pessoa humana e que valores ético-morais, não são uma opção, só há justiça quando há proporcionalidade entre os meios empregados e os fins almejados. O desequilíbrio puro e simples pode levar a situações irremediavelmente gravosas e irreversíveis, surgindo o injusto. Neste ponto se faz oportuna a citação de outra observação feita por John Rawls[33], in verbis:
“…os cidadãos justos devem se esforçar para preservar a constituição com todas as liberdades iguais, desde que a liberdade em si e a liberdade deles mesmos não corra perigo…é possivel exigir que uma pessoa respeite os direitos estabelecidos pelos princípios que ela reconheceria na posição original….
…Os cidadãos de uma sociedade livre e justa não devem considerar-se mutuamente incapazes do senso de justiça, a menos que isso seja necessário por causa da liberdade igual…A teoria da justiça apenas caracteriza a constituição justa, o objetivo da ação política apenas caracteriza a constituição justa, o objetivo da ação política a que devemos buscar para tomar decisões práticas. Na busca deste objetivo a força natural das instituições livres não deve ser esquecida, nem se deve supor que as tendencias a um afastamento em relação a elas crescam livremente e sempre triunfem. Conhecendo a estabilidade inrente a uma constituição justa, os membros da sociedade bem ordenada confiam que só será preciso limitar a liberdade dos intolerantes em casos especiais, quando for necessário par preservar a própria liberdade igual”
Para o bem ou para o mal, vive-se hoje na era dos direitos. Toda a maledicência praticada no cotidiano visa o seu desiderato com um mínimo de lastro no Ordenamento. O desperdício de recursos, bem como os desvios escandalosos de dinheiro público, especialmente os relacionados ao procedimento licitatório, nascem como um ato presumidamente legal e documentalmente proporcional com o fim lá descrito. O escólio do profº Manuel de Medeiros Dantas[34] é neste sentido, verbis:
“Não é por outra razão que, em atos de corrupção identificados na execução de políticas públicas, dificilmente se encontra um parecer que já tenha apontado os inconvenientes que já revelaram problemas. O corrupto sempre quer um entendimento que o proteja, pelo menos formalmente, no iter criminis que irá percorrer.”
A proporcionalidade revela-se um princípio jurídico basilar e um alicerce argumentativo, preservando direitos fundamentais, ao retratar um pensamento aceito como sendo justo e de comprovada utilidade no equacionamento das questões práticas nos mais diversos ramos do direito.
É numa situação envolvendo conflito de princípios e regras constitucionais que a proporcionalidade mostra o seu grau máximo de importância. Como critério para solucionar a melhor forma de dirimir o conflito entre normas de mesma hierarquia, num juízo de ponderação, haverá acatamento de uma norma, com prejuízo mínimo a outra. Sobre o resultado da técnica ligada a descoberta da ação proporcional, o profº Willis Santiago28 aduz o seguinte: “O maior benefício possível da comunidade com o mínimo de sacrifício necessário de seus membros individualmente”
O princípio da legalidade está condicionado à proporcionalidade. Os atos legais devem, ao mesmo tempo, estar a serviço do Estado de Direito em aliança irrevogável com a isonomia, dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica. O desígnio da proporcionalidade constitucional sempre será de servir a democracia e a liberdade.
A sociedade não pode ser submetida ao risco da rapinagem por quem a deveria servir e na verdade acaba por se fartar com os recursos públicos, sem a menor cerimônia, quer embolsando pecúnia, traficando influencia ou empregando parentes. É escandalosamente bestialógico e frívolo conjecturar que a raposa zelará pelo maior interesse do galinheiro. Exatamente nesta senda intelectiva é o magistério da profº Leila Cuellar e do profº. Clóvis Bertolini[35], verbis:
“… os Advogados Públicos têm papel de destaque no controle da legalidade dos atos administrativos, como nos procedimentos licitatórios, e que as opiniões versadas nos pareceres emitidos tem suma relevância para a atuação da Administração Pública. Ainda, por meio da atuação consultiva, por exemplo, podem os advogados públicos efetuar esse controle sobre determinados procedimentos licitatórios.”
Para se alcançar qualquer desiderato o meio empregado deverá ser sopesado com o fim almejado, visando o menor trauma para os envolvidos[36]. O excesso deverá sempre ser tolhido, de modo a não se causar mais um injusto, aqui qualificado como um elemento desabonador do equilíbrio e harmonia social dos envolvidos. Acerca da estruturação do raciocínio constituinte da visão mais moderna de proporcionalidade, o profº Willis Santiago Guerra Filho[37] leciona o seguinte:
“a proporcionalidade, desdobra-se em três aspectos, a saber: proporcionalidade em sentido estrito, adequação e exigibilidade. No seu emprego, sempre se tem em vista o fim colimado nas disposições constitucionais a serem interpretadas, fim esse que pode ser atingido por diversos meios, entre os quais se haverá de optar. O meio escolhido deverá, em primeiro lugar, ser adequado para atingir o resultado almejado, revelando conformidade e utilidade ao fim desejado. Em seguida, comprova-se a exigibilidade do meio quando esse se mostra como “o mais suave” dentre os diversos disponíveis, ou seja, menos agressivo dos bens e valores constitucionalmente protegidos, que por ventura colidem com aquele consagrado na norma interpretada. Finalmente, haverá respeito à proporcionalidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se mostra como o mais vantajoso, no sentido da promoção de certos valores como o mínimo de desrespeito de outros, que a eles se contraponham, observando ainda, que não haja violação do “mínimo” em que todos devem ser respeitados…”
Desta feita, o direito deve adotar uma visão ampla, rejeitando assim o uso de antolhos. A interpretação normativa deve ser sempre inteligente, sistemática e, sobretudo teleológica[38]. Há de se extrair um produto compatível com a Constituição Federal, notadamente em harmonia com os direitos e garantias dispostos no art. 5º da Lei Maior. O exercício hermenêutico em sua magnitude, isto é, visando depreender qual é espírito da norma, tem mutatis mutandis, a mesma dinâmica da proporcionalidade.
Muito embora existam algumas semelhanças nos objetivos finais (controle da atividade estatal) da razoabilidade e da proporcionalidade elas possuem algumas diferenças, que não inviabilizam a sua convivência harmônica. A proporcionalidade sempre executará o sopesamento do fato entre duas normas do mesmo nível hierarquico, numa relação eminentemente de causa e efeito, podando os excessos e visando o melhor aproveitamento da solução constitucional para indivíduo e não para o Estado. Já a razoabilidade na análise fática necessariamente levará em consideração padrões subjetivos[39] de comportamento, além das normas conflitantes para enfim, se chegar a solução. Logo, o critério da proporcionalidade sempre terá elementos científco-jurídicos para o seu sustento, enquanto a razoabilidade dependerá empiricamente da formação sociocultural do interprete e da sociedade que o rodeia (“standards” de comportamento)
O Ordenamento Jurídico pátrio não pode mais ser concebido como um sistema fechado de regras, com interpretação estreita. A ideia de proporcionalidade revela-se não só um importante princípio jurídico fundamental, mas também uma autentica fonte argumentativa, ao manifestar um pensamento aceito como justo e razoável de um modo geral, de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do Direito, como também noutras áreas.
Em termos de norma enquanto direito positivada, a proporcionalidade não encontra dispositivo específico na Constituição Federal de 1988. Fato este que não impede de ser deter o caráter de normativo supraconstitucional, sendo aplicada pelo Supremo Tribunal Federal[40] com saudável e regular habitualidade. Não obstante a isso diversas normas infra-constitucionais, direta ou indiretamente fazem previsão a proporcionalidade no seu bojo[41].
Por ocasião do aniversário do 28º aniversário da promulgação da Constituição Federal de 1998 (05/08/2016), coube ao decano, Min. Celso de Melo[42], a incumbência de fazer uma leitura acerca da função interpretativa da Suprema Corte e a sua relação com a Carta Magna., vejamos:
“Mostra-se relevante enfatizar que a interpretação judicial desempenha um papel de fundamental importância não só na revelação do sentido das regras normativas que compõem o ordenamento positivo, mas, sobretudo, na adequação da própria Constituição às novas exigências, necessidades e transformações resultantes dos processos sociais, econômicos e políticos que caracterizam a sociedade contemporânea. Daí a precisa observação de FRANCISCO CAMPOS (“Direito Constitucional”, vol. II/403, 1956, Freitas Bastos), cujo magistério enfatiza, corretamente, que no poder de interpretar os textos normativos inclui-se a prerrogativa judicial de reformulá-los, em face de novas e cambiantes realidades sequer existentes naquele particular momento histórico em que tais regras foram concebidas e elaboradas.”
Não é incomum que os princípios e regras constitucionais, cheguem ao um nível de estresse ao ponto de gerar uma incompatibilidade momentânea. Em caso de colidência entre eles, entra em cena a proporcionalidade. Ela funcionará como um mediador, onde se buscará atender um princípio de forma prioritária, com um prejuízo mínimo a outro.
Da mesma forma deve proceder o advogado público. Para se investigar a existência de algum tipo de desvio/abuso, o procurador deve emitir o seu juízo valor empregando os critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, além de estar munido de raciocínio jurídico constitucional. No pleno exercício das suas funções, o advogado público, repita-se, deve ter como norte, o interesse público primário.
A doutrina jusfilósofa pode ainda não ter encontrado o consenso sobre o que é justo, contudo, se tem plena visão de um fato é injusto, notadamente, ao se repudiar a opressão, o assédio, abusos e desvios de toda a espécie[43].
O estado fundado na justiça e democracia, deverá garantir as demandas sociais, com a participação efetiva dos indivíduos de modo a se alcançarem as finalidades constitucionais. Remeto novamente ao magistério de John Rawls[44]: “…Um tipo de ação injusta é a incapacidade, por parte de juízes e outras autoridades, de aplicar a regra apropriada ou de interpreta-la da forma correta…”
4. Mérito administrativo
Em teoria, o iluminismo tinha o fito de libertar o homem[45] (rectius: ser humano), seja no aspecto econômico ou social. Portanto, o Estado (monarca) e todo o seu poderio absolutista deveriam ser relegados a um plano inferior ao indivíduo, notadamente respeitando a autonomia de vontade deste último. Assim, a razão e a cientificidade deveriam sobrepujar a ignorância e o arbítrio. Neste particular, sobre a derrota das trevas pela luz, na saída de um período obscuro dos agouros para a racionalidade, faz-se oportuna a citação a Immanuel Kant[46]:
“Esclarecimento (Aufklärung) significa a saída do homem de sua menoridade, pela qual ele próprio é responsável. A menoridade é a incapacidade de se servir de seu próprio entendimento sem a tutela de um outro. É a si próprio que se deve atribuir essa menoridade, uma vez que ela não resulta da falta de entendimento, mas da falta de resolução e de coragem necessárias para utilizar seu entendimento sem a tutela de outro. Sapere aude! (Ousa saber!) Tenha a coragem de te servir de teu próprio entendimento, tal é portanto a divisa do Esclarecimento. Preguiça e covardia são as causas que explicam por que uma grande parte dos seres humanos, mesmo muito após a natureza tê-los declarado livres da orientação alheia ainda permanecem, com gosto e por toda a vida, na condição de menoridade. As mesmas causas explicam por que parece tão fácil outros afirmarem-se como seus tutores. É tão confortável ser menor! Tenho à disposição um pastor que tem consciência por mim, um médico que me prescreve uma dieta então não preciso me esforçar. Não me é necessário pensar, quando posso pagar; outros assumirão a tarefa espinhosa por mim. “Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento?”
O Poder Executivo tem a função de direção política e administrativa, aí incluído o poder regulamentar. Tais funções não poderiam ser desempenhadas corretamente se tudo fosse predeterminado, de modo absoluto, pela lei. O Estado contemporâneo é multifacetado, albergando diversas culturas e interesses antagônicos. Não é mais possível atuar sem algum nível de discricionariedade[47]. Para a efetivação das políticas públicas, é fundamental deixar margem de maleabilidade à Administração, ainda mais num período histórico onde as mudanças sociais são um pouco mais dinâmicas, notadamente com as novas práticas de mercado, políticas de inovação e desenvolvimento, além da rapidez das comunicações. A atuação com certa margem de escolha, discricionariedade[48], constitui uma necessidade institucional de sobrevivência. Contudo, não deve ser afastada vigilância sobre os agentes.
Apesar da margem de manobra ser restrita, eminentemente, pela legalidade, ainda assim, há grande terreno para o cometimento de ilícitos ocasionais[49] ou intencionais. Mesmo que a discricionariedade, dentro do universo de atuação da Administração Pública, seja uma parcela de poder, se faz imperativo controle sobre ele. O Ordenamento Jurídico necessariamente é constituído por um conjunto de regras e princípios. O sistema constitucional inaugurado em 1988, impôs a fiscalização dos atos administrativos e parte desta sistemática, em termos profilácticos, envolve a atuação dos advogados públicos, vejamos o que diz o profº Alexsandro Leopoldo[50]:
“O dispositivo constitucional da advocacia pública nos Estados, criou um sistema integrado, de tal forma que quando a Constituição confere a representação judicial, necessariamente encontra-se inserida a representação administrativa que é um minus, em relação a representação ad juditia. Na mesma esteira, quando a Carta Constitucional faz menção a consultoria jurídica, também abrange o assessoramento e a fiscalização quanto a legalidade, a probidade e a ética dos atos da administração pública. Constituindo nosso País um Estado Democrático de Direito, que tem como um de seus pilares o amplo acesso ao Poder Judiciário pelos cidadãos, tal princípio aplica-se inclusive contra o próprio Estado, posto que vencida a fase histórica "o rei não erra" (the king can do no wrong)
Sobre a dicotomia legalidade e mérito do ato administrativo, modernamente não se tolera mais um uso indiscriminado e absoluto do estado e os seus recursos para fins pessoais e infames. A dinâmica do “les etat c'est moi” é insuportável no regime constitucional atual. Aquele que ocupa, temporariamente, o posto de gestor administrativo tem de prestar contas do que faz com o patrimônio público, além de ter de suportar passivamente as críticas e a devassa nos atos pretéritos, assim como na preparação dos atos futuros. A marcação tem de ser cerrada. Neste passo é a lição da profª Odete Medauar[51]: “Os aspectos de legalidade e mérito, de modo conjunto, pode ser o foco do órgão ou agente controlador interno.”
Aquele que se predispõe a atuar na gestão administrativa gere a coisa pública. Dessa maneira desperta o interesse coletivo dos administrados na obtenção de resultados oriundos dos mandamentos constitucionais e das promessas eleitorais feitas pela chapa vencedora do Executivo. A população possui a legítima expectativa de ser servida pelo Estado. Criticar uma má gestão e exigir a substituição do Administrador incompetente é um direito absoluto. O gestor -pessoa maior e capaz-, não pode ser infantilizado, como se na maioria dos casos, não soubesse que o seu ato ocasionalmente é carregado de ilicitude. Daí decorre a necessidade de ser ter esclarecimento e conhecimento crítico da realidade a que Kant fazia referencia.
A ignorância quanto a discricionariedade[52] e o mérito administrativo invariavelmente levam ao desvio e o abuso. Evidentemente que tais condutas acobertadas pelo manto da legalidade levam prejuízos a população. Fato corriqueiro é relacionado com a alocação de recursos na composição orçamentária do ente administrativo. Todo ano as prioridades da lei orçamentária desprezam as necessidades primordiais da população e mesmo prejudicado, o povo, reiteradamente não usa dos meios democráticos para fazer valer a sua vontade constitucionalmente positivada Para salvar o dia, resta a atuação casuística do Judiciário[53] [54].
Todos os requisitos do ato administrativo estão sujeitos a revisão e julgamento por qualquer um. A presunção de legalidade dos atos estatais é eminentemente relativa. A primazia absoluta e ilimitada da vontade do estado está mais do que ultrapassada.. A esse propósito, colaciono lição do profº José Cretella Jr.[55]:
“Ao contrário do que julgam muitos tratadistas, a legalidade não é formada apenas de elementos externos, relacionados com a competência, objeto e forma. A legalidade penetra até os motivos e, principalmente, até o fim do ato. É ilegal ato em que o fim é viciado. Sendo o desvio de poder o uso indevido ou viciado que de suas atribuições faz a autoridade, tudo se resolve, afinal, num problema de excesso ou abuso de poder e este, por sua vez, conduz a incompetência. Daí, dizer-se que o juiz do ato administrativo não sai do exame da legalidade quando pronuncia a nulidade do procedimento inquinado daquele vício que se define por uma incompetência, não formal, mas material”
Afirmar que o Advogado Público não exerce função de controle, revela-se impertinente e incompatível com a dignidade da advocacia. Relegar o causídico a patamar, onde ele deveria se ater somente a circunstancias teóricas e burocráticas, me parece afrontoso a inteligência, e um contrassenso com o dever de controle de juridicidade inerente ao ônus imposto ao Procurador Público.
4.1 controle de juridicidade
Solidificada a separação entre interesse particular do gestor e aquele vocacionado a coletividade, para que não ocorram desvio de qualquer natureza há a imperatividade de se manter um corpo de servidores com vínculo efetivo e vocacionados a defesa e guarda do Ordenamento Jurídico[56] e acima de tudo imbuído de aguerrido espírito crítico.
A visão antiga de que a lei infra-constitucional era suprema e a Constituição constituía num mero coadjuvante, foi a muito superada[57]. No regime Constitucional inaugurado em 1988, houve a inversão desta lógica. Sob a Nova República, todas as normas e atos devem se curvar perante a Carta Magna de 1988, seja em termos materiais ou de hermenêutica.
Um dos seus alicerces fundamentais, reside no acatamento ao conceito de juridicidade. Tendo os poderes do estado encontrado limites, via norma fundamental, não se alcançaria o ideário de um direito justo, se houvesse uma predisposição estatal para o arbítrio gratuito. Neste ponto presto a devida deferência ao magistério dos professores Canotilho e Vital Moreira[58], in verbis:
“A juridicidade significa que a Constituição, ao decidir-se por um estado de direito, procura constituir e conformar as estruturas do poder político segundo a medida do direito, isto é, através de um meio de ordenação racional, vinculativamente prescritivo de regras, formas e procedimentos que excluem o arbítrio e a prepotência. Forma e conteúdo justificam-se e pressupõem-se reciprocamente nesta ideia de juridicidade: como meio de ordenação racional, o direito é indissociável da realização da justiça e da efectivação de valores políticos, sociais e culturais; como forma, ela aponta para a necessidade de garantias jurídico-formais, de maneira a evitar açções e comportamentos dos poderes públicos irregulares ou até mesmo, arbitrários.” (grifei)
Sendo assim, dada a alteração de paradigma, me parece mais adequado a atuação em prol da juridicidade dos atos da Administração, em franco detrimento da opaca visão de mera legalidade, cujo papel da advocacia pública é imprescindível para se alcançarem a plenitude de todas as normas constitucionais. Nesta senda intelectiva, a profº Carmem Lúcia Antunes Rocha[59] trata do princípio da juridicidade[60], ressaltando sua importância para se atingir à justiça material:
“O Estado Democrático de Direito material, com o conteúdo do princípio inicialmente apelidado de "legalidade administrativa” e, agora, mais propriamente rotulada de “juridicidade administrativa”, adquiriu elementos novos, democratizou-se. A juridicidade é, no Estado Democrático, proclamada, exigida e controlada em sua observância para o atingimento do ideal de Justiça social”
Especialmente no art. 133 da CF, houve elevação dos advogados a função essencial da justiça, cabendo-lhes, em conjunto com os membros do ministério público e defensoria, a defesa intransigente da própria Constituição Federal e os seus valores, simplificado aqui, para fins meramente didáticos, como sendo o direito justo. O advogado tem por dever de ofício a combatividade, mesmo que o seu entorno seja hostil. Diz o professor Paulo Lobo: “Sem independência, a advocacia fenece. Sem dignidade ela se amesquinha”[61]
Em sede doutrinária foi cunhada a seguinte expressão: “o advogado é o primeiro juiz da causa”[62]. Significa dizer que é obrigação do advogado privado instruir e esclarecer o seu cliente sobre os riscos da demanda e sobre a juridicidade ou não da sua pretensão[63] e evidentemente não se coligar com o cliente para cometer ilícitos[64] ou partir para aventuras judiciais (lide temerária). Afirma Paulo Lobo[65]: “ao contrário da advocacia curativa, ou de postulação em juízo, em que seus argumentos são ad probandum, o advogado, ao emitir conselhos, vale-se de argumentos essencialmente ad necessitatem…”.
Em sede extrajudicial, isto é, nas modalidades de assessoria e consultoria, o Advogado Público não se distancia das tarefas dos seus colegas da esfera privada. O procurador emprega toda a sua erudição jurídica para analisar o fato posto a sua frente em cotejo rígido e analítico com o ordenamento jurídico. Tudo sem desprezar as máximas de experiência [66]. Por se tratar da esfera da Administração Pública, usualmente nomina-se de controle preventivo (interno) dos atos administrativos. Não há lógica num ato de controle esquivar-se do juízo crítico. Neste ponto prestemos a devida atenção a profª Odete Medauar[67]:
“O controle interno visa ao cumprimento do princípio da legalidade, à observância dos preceitos da "boa administração", a estimular a ação dos órgãos, a verificar a conveniência e a oportunidade de medidas e decisões no atendimento do interesse público (controle de mérito), a verificar a proporção custo-benefício na realização das atividades e a verificar a eficácia de medidas na solução de problemas…”
Um Advogado público no pleno exercício das suas funções poderá impedir o desperdício de milhões de reais do contribuinte. Agindo conforme o direito, ele garante que o dinheiro advindo do tributo será investido dentro do constitucionalmente esperado. No sentido da advocacia preventiva, por via de consequência na fiscalização da juridicidade do agir do Administrador Público, a doutrina de Diogo Figueiredo Moreira Neto[68] é no seguinte sentido:
“Para este cometimento, os membros da Advocacia de Estado tem, com muito mais razão, garantia sua independência funcional, na qual se inclui o mesmo e já referido dever genérico de custos legis, no caso, voltado às atividades administrativas da unidade política a que está vinculado” (grifei)
Considerando as regras e princípios normativos regentes da Administração Pública, o Advogado de Estado não meramente aconselha protocolarmente o Administrador, ou se empenha em achar “a lei que deixa”. Mas sim exerce função de controle preventivo de juridicidade[69] dos atos administrativos e caso constate ilegalidade deve reportar aos órgãos de controle. O particular lida com direito disponível, o gestor púbico não. Sobre a intensidade do agir do procurador público, no âmbito dos seus deveres, trago a baila lição do profº Roberto Luis Luchi Demo[70]:
“Há um compromisso funcional do advogado público com a nação em defesa da probidade administrativa. E, na atual tendência de crescimento de controle interno dos atos administrativos, o fortalecimento ético das instituições públicas e a materialização dos objetivos fundantes da República pressupões uma atuação incisiva da Advocacia Pública em cumprir seu cometimento institucional de guardião da lei no seu sentido material. Não se pode olvidar, ainda, o relevo de papel no âmbito da defesa do patrimônio público que, disponibilizado em grande parte pelo Administrado, via tributo, há de se converter em serviços e bens para a sociedade, em especial aos economicamente menos favorecidos
A visão aética tende a autorizar a manipulação da forma para derrotar o propósito constitucional considerado em sua magnitude. Admitindo-se a visão bipartida de interesse público, o seu viés primário tem o condão de impedir o uso da máquina pública para atender interesses outros, isto é, com roupagem legal e fito obscuro.
Toda e qualquer situação concreta tem de ser analisada em perspectiva constitucional, ou seja, de acordo com a sua substância, deixando assim, os ares de legalidade do ato em segundo plano. A visão contextual crítica do advogado público responde a tensão “propósito vs forma”, imposta pelo gestor malicioso. A vigilância contra os desvios de toda a espécie, proposital ou não, deverá ser permanente. A seguinte máxima preconizada pelo profº William H. Simon[71] pode ser empregada para resolver aparente dilema entre cumprir “cegamente a lei” e a teleologia constitucional:
“A visão dominante tende a licenciar a manipulação da forma para derrotar o propósito; embora os seus pronunciamentos sejam menos claros, a visão do interesse público tende a proibir tal manipulação. A visão contextual responde a tensão proposito versus forma com a seguinte máxima: quanto mais claros e fundamentais os propósitos relevantes, mais justificado está o advogado em tratar formalmente as normas relevantes; Trata-las formalmente significa trata-las de maneira que a visão dominante[72] prescreve para todas as normas jurídicas – compreende-las para permitir qualquer objetivo que não esteja claramente excluído pela linguagem das normas.
As referencias a propósitos fundamentais e problemáticos evocam a prática estabelecida de favorecer interpretações dos textos jurídicos compatíveis com os valores aos quais a cultura jurídica atribui forte importância e desfavorecer interpretações que ameacem tais valores. Um propósito fundamental vindica um valor básico; um propósito problemático ameaça tal valor…”
A democracia e o Estado de Direito só se fortalecem com sólidas instituições voltadas para o controle da juridicidade, o que exige a garantia constitucional de um corpo permanente, profissionalizado, bem preparado, protegido e remunerado, sem riscos de interferências políticas indevidas no exercício de funções eminentemente técnicas[73], seja procurador da administração direta ou indireta.
A fiscalização dos atos dos agentes públicos, num estado democrático de direito, antes de qualquer coisa é um questão de cidadania. Qualquer um do povo deve zelar pela adequada aplicação e gestão da coisa pública[74]. Se qualquer um, isto é, independente de formação cultural, credo, crença política pode e deve fiscalizar o estado, ter acesso a atos administrativos, com muito mais razão lógica e técnica o Advogado Público tem de exercer todo o seu Juízo crítico para prevenir o erro, a injustiça, opressão, desvios de todo o gênero, a corrupção. Seguindo a melhor corrente com vistas a sociedade, a profª Leila Cuellar[75] traz a lume a seguinte lição:
“Observa-se que a Advocacia de Estado toma para si o dever constitucional de resguardo do ente público, efetuando não somente a consultoria ou a defesa em juízo da Administração Pública. Por exemplo, os advogados públicos tem desenvolvido relevante papel de controle dos procedimentos administrativos, controle de legalidade, garantindo também aos cidadãos segurança de que a Administração Pública cumprirá com os princípios que lhe informam como aqueles que estariam elencados na Constituição Federal (art. 37, caput). Realizam igualmente, a defesa de interesses públicos, do interesse do cidadão…
Como parte essencial de sua função de orientação da Administração Pública, a Advocacia Pública possui desempenho capital no procedimento licitatório, mediante orientação da Administração quanto a regularidade, conveniência e legalidade da licitação, esta compreendida como um procedimento.”
A mítica envolvendo o motivo administrativo[76], como algo intangível aos meros mortais deve ser desconstruída e deixado no seu passado medieval. Em sede consultiva ou judicial, o Advogado Público, como o primeiro grande filtro da Administração deverá analisar criteriosamente o que lhe é submetido e se for o caso suscitar qualquer coisa que pareça irregular. A lógica de se ter uma presunção de legalidade, parte do pressuposto de que todos os requisitos legais foram atendidos e passados pelo crivo de um procurador público, notadamente nas hipóteses de que criem, modifiquem ou extingam direitos/obrigações. Dentro das circunstancias do caso concreto, os motivos do ato devem sofrer o escrutínio do advogado público. Mais uma vez, recorro ao magistério do profº Celso Antônio Bandeira de Melo[77]:
“Ocorre que se a lei, ao caracterizar o motivo, utiliza-se de conceitos chamados fluidos, vagos, indeterminados, o confronto entre a previsão normativa e a situação fática tomada como base para a prática do ato apresentará dificuldades inerentes a imprecisão relativa do padrão legal. E.g., se a regra aplicada mencionar “comportamento indecoroso, perturbação da tranquilidade pública, urgência, valor histórico ou artístico, decurso de prazo razoável ou quejando, obviamente, o campo recoberto por esses conceitos carecerá de uma liberdade demarcatória definida com rigor e precisão indisputáveis…
Nota-se, pois (seja qual for a posição que se adote na matéria), que de toda sorte, ao Judiciário caberá, quando menos, verificar se a intelecção administrativa se manteve, ou não, dentro dos limites do razoável perante o caso concreto, e fulmina-la sempre se vislumbre ter havido uma imprópria qualificação dos motivos à face da lei, uma abusiva dilatação do sentido na norma, uma desproporcional extensão do sentido extraível do conceito legal ante os fatos a que se quer aplica-lo…”
Neste sentido, o desvio de poder ou finalidade é encontrado quando o agente pratica ato subvertendo os princípios constitucionais (impessoalidade, moralidade administrativa…), redirecionando o ato para lhe satisfazer interesse ou de grupo que esteja ligado e em ultima análise sem a menor congruência com o interesse público primário. Muito menos, o ato administrativo pode servir como meio covarde para satisfazer vinditas e represálias.
O desvio de finalidade ou poder constitui corrupção do sistema, onde a máquina pública é operada para prejudicar alguém. Para ser caracterizado, devem ser reunidos tantos quantos forem possíveis os elementos fáticos capazes de produzir o contexto real dos fatos (indícios denunciadores)[78] por detrás do ato reputado profanado pelo desvio. Novamente deve ser invocado o magistério do profº Celso Antonio Bandeira de Mello[79] e a sua metodologia para revelar a obscura conduta abusiva:
“Em suma: para detectar o desvio de poder analisa-se o plexo de circunstâncias que envolvem o ato, seus antecedentes, os fatos que o circundam, o momento que foi editado, a fragilidade ou densidade dos motivos propostos como justificadores, a ocorrência ou inocorrência de fatores que possam ter interferido com a serenidade do agente, a coerência das razões alegadas com o teor da providencia em causa, a razoabilidade da medida, sua proporcionalidade com os objetivos a que se declara preordenada e até mesmo os precedentes da autoridade acaso reveladores de atitudes sóbrias e reverentes com as leis ou, pelo contrário comportamentos exaltados, vindicativos e insubmissos aos parâmetros legais. Deveras, trata-se de colher um “feixe de indícios convergentes”, conforme a precitada expressão de Rivero, capaz de levar `”convicção moral”, a que se refere Garcia de Enterria, de que o ato distorceu o fim legal. Esta convicção, é bem de ver, forma-se segundo o senso comum dos homens normais diante de circunstancias concretas, imersas na realidade administrativa de seu País, Estado ou Município e governantes”.
Sempre respeitando a divergência, mas relegar o papel do advogado a mero conjurador de formulários, isto é, mero verificador de requisitos formais (burocrata servil), sem o devido cotejo do mérito do ato, frente as normas e princípios constitucionais, proporcionalidade e razoabilidade, invariavelmente, levará prejuízo ao Erário, quer na forma de desperdício ou via desvio em suas mais varias modalidades (recursos, finalidade…)
4.2 A palavra
Para que o controle deixe o campo da semântica, há imperatividade que o seu instrumento, o discurso jurídico crítico, seja proferido de modo que o Advogado Público, dentro do contexto do art. 133 da CF e do EOAB, não seja censurado, ignorado ou que suas palavras sejam o mote para o seu demérito profissional ou até mesmo a sua destruição[80].
Ao atuar diretamente no front, isto é, num caso concreto (mundo real)[81] determinadas orientações jurídicas merecem ênfase ou uma abordagem mais pedagógica para que o leigo e às vezes nem tão competente gestor, obtenha o resultado prático-jurídico esperado. Sem falar no exame dos aspectos relativos ao mérito administrativo. Eventual excesso de linguagem não pode servir como parâmetro de recriminação a um Advogado, dado a sua altíssima carga de subjetividade. Com relação à forma que o advogado deve agir, há a seguinte imposição legal, o EOAB possui clareza solar[82]:
“Art. 7º São direitos do advogado:
I – exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional
omissis
Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.
§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.” (grifei)
O advogado público não atua em teoria ou como se estivesse laborando nas respostas de provas de concurso público, para agradar o examinador da prova. Sendo deliberadamente redundante: problemas reais demandam soluções concretas, proporcionais e razoáveis. Esta pedra fundamental erige este estudo. É uma temeridade ignorar as regras comuns de experiência na orientação jurídica de um caso em concreto[83]. Um erro do advogado público pode custar milhões! Corroborando com esta tese, em louvado artigo[84] doutrinário publicado em obra acadêmica coletiva, o profº Manuel de Medeiros Dantas ao discorrer sobre a postura adequada do advogado no seu cotidiano laboral, lega-nos a seguinte lição:
“A independência técnica do advogado público depende mais de sua postura no exercício diário de suas atribuições do que propriamente de previsão expressa no ordenamento jurídico…
…Somente com o efetivo exercício da advocacia, na dinâmica da vida a demonstrar que sem independência e coragem o advogado não consegue defender os interesses dos seus clientes, é que são forjados os verdadeiros advogados.
A dinâmica do serviço público, calcada na burocracia cega e entediante, que não oferece soluções que a sociedade requer, tem o poder até de transformar águias (advogados) em galinhas (burocratas servis), para utilizar de uma metáfora africana contada por Leonardo Boff, quanto mais o de formar galinhas que nunca foram águias. É um processo diário e contínuo de “barnaberização” da advocacia pública.” (sem grifos no original)
Neste sentido, deve ser prestigiada a defesa intransigente da liberdade e da independência[85]. A ofensa a um membro, na realidade é um atentado contra toda a Ordem, passível inclusive de desagravo público[86]. Calar o advogado[87] no exercício regular de suas atribuições legais, equivale a censurar ditatorialmente um sem número de vozes, que só tem vez com a percuciente atuação do Advogado Público[88]. Como exercício de qualquer poder, ele deve ser usado moderadamente, portanto os mecanismos da proporcionalidade e razoabilidade devem ser respeitados, para não ocorrer qualquer sorte de abuso. É a lição da Prof.ª Gisele Gondim Ramos[89], ipsis litteris:
“A liberdade de expressão do advogado, pois, não se limita ao exercício de um direito. Representa, sobretudo um dever, já que é, fundamentalmente, o meio pelo qual ele exerce a sua função. Sem liberdade de usar a palavra conforme manda a consciência, é impossível o exercício da advocacia..” (grifei)
Arrematando a questão, cito ainda o profº Diogo Figueiredo Moreira Neto[90], in verbis:
“Compete ainda, ao Advogado de Estado, no desempenho apropriado desse dever constitucional de aperfeiçoamento da ordem jurídica aconselhar, persuadir e induzir os agentes políticos no sentido de adotarem, invariavelmente, todas as providencias, normativas e concretas, que se destinem a afirmação do primado dos valores jurídicos e democráticos, sempre que se apresentem ocasiões concretas de fazê-lo, dentro ou fora do processo judicial ou administrativo sob os seus cuidados”
Para que a atividade relacionada ao controle de juridicidade dos atos administrativos[91] possa ser levada a cabo sem receio de sofrer retaliações, pressões, sanções ou ter de se preocupar se o seu vocabulário agradaria o leitor, devem existir um complexo de prerrogativas específicas para o advogado público, ou seja, além das já previstas do EOAB, de modo a garantir e proteger o profissional dos desmandos do mau administrador e dos seus asseclas.
A realidade social brasileira denota um peculiar positivismo obscuro. Tudo tem de estar descrito minuciosamente na lei, até mesmo regular o uso de mochila em elevador[92]. Raciocinar dói, apesar de não conter nenhuma contraindicação médica conhecida.
Advogados públicos concursados não são tolos e aduladores burocratas, ocupantes de cargo público por falta de opção na vida. São verdadeiros agentes políticos vocacionados a defesa dos mais altos valores da Constituição Federal de 1988. O desatendimento deste postulado não configura apenas falha de caráter profissional, mas sim verdadeira infração acintosa a nobre missão legada a advocacia. Neste diapasão, ressai a importância do ensinamento do profº Alexandre Margo Aguiar[93], verbis:
“Ressalte-se que o advogado público deve obedecer à hierarquia da entidade em que atua, mas apenas em questões meramente administrativas, como escala de férias, distribuição de processos… Essa hierarquia desaparece quando se trata do conteúdo das manifestações do advogado público, que tem a liberdade de expressão garantida como qualquer advogado. Assim, a chefia tem a prerrogativa de distribuir os processos que considerar mais pertinentes ao subordinado, mas não pode de maneira alguma, determinar qual a peça a ser feita em determinado caso e nem os argumentos jurídicos a serem utilizados nessa petição…”
Não custa lembrar que o advogado público é órgão unipessoal por excelência e seu dever é com a manutenção/defesa da ordem jurídica (atividade-fim). Novamente o profº Diogo de Figueiredo Moreira Neto, nos traz outra lição[94]:
“ a violação dessa independência funcional se se der no plano hierárquico, a pretexto de imposição de vontade atentatória à consciência do Advogado de Estado, poderá caracterizar abuso de poder, mesmo se perpetrado no controle interno da hierarquia do órgão coletivo de criação infraconstitucional (procuradorias), uma vez que o Advogado de Estado, desde logo por ser um advogado, por definição constitucional, é um órgão unipessoal.”
Neste ponto façamos mais uma breve reflexão sobre as regras de comportamento impostas ao Advogado Público, lavradas sob a arguta pena do profº Diogo de Figueiredo Moreira Neto[95]:
“Nessas condições, o Advogado ou Procurador de Estado se subordina ao estatuto do servidor público civil no que lhe for aplicável.
Acrescem-se, assim, aos deveres de advogado e, mais, aos já referidos de advogado de estado, os deveres funcionais e hierárquicos e disciplinares próprios do servidor público, mas sempre com a ressalva: desde que compatível, tanto em relação aos já referidos deveres gerais de advogado, como com relação aos deveres específicos de advogado de estado.
Notadamente com relação ao dever geral de obediência, o advogado ou procurador de estado, como qualquer outro servidor público, porem com mais razão, por se tratar de um profissional do direito, estará desobrigado de obedecer a ordens hierárquicas quando manifestamente ilegais, expressão que aqui deve ser tomada em sentido amplo (ilegais, ilegítimas e ilícitas), incluindo-se entre essas, qualquer determinação para agir contra sua própria ciência e consciência, enquanto órgão funcionalmente independente” (grifei)
Para a aplicação da norma ao caso concreto, o hermeneuta deve se cercar de cuidados para que o produto do seu trabalho intelectual, seja coerente com o ordenamento jurídico a qual faz parte, alcançando assim a já referida teleologia da norma. Não custa lembrar que grandes injustiças[96] são frequentemente embuçadas sob o véu do exercício regular de um direito, especialmente quando o binômio controle de juridicidade e interesses não republicanos é o foco de discussões. A advocacia[97] como voz constitucional do cidadão, não é mera peça publicitária. Prestemos a devida atenção a verdadeira lição subscrita pelo Min. Celso de Mello do STF:
“O Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e da aniquilação dos direitos do cidadão”. MS nº 30.906-DF. D.O. : 05/10/2011 (grifo nosso)
O instrumento primordial de trabalho do Advogado é a palavra. Em hipótese alguma deverá haver uma interpretação subjetiva e distante do contexto em que a manifestação jurídica foi proferida[98]. O estilo de redação do Advogado tem proteção inerente a liberdade[99] e independência[100] constitucionalmente previstas no art. 133 da CF/1988. Somente a OAB, tem competência administrativa para apurar desvios de conduta relativas ao exercício da advocacia stricto sensu. Rememoro aqui lição do profº Paulo Lobo[101], vejamos:
“…Apenas a OAB tem competência para punir o excesso do advogado, por suas manifestações, palavras e atos, no exercício da advocacia…
O advogado é o mediador técnico dos conflitos humanos e, as vezes, depara-se com abusos de autoridade, prepotências, exacerbação de ânimos. O que em situações leigas, possa se considerar uma afronta, no ambiente do litígio ou do ardor da defesa deve ser tolerado. Os excessos que transbordem dos limites admitidos pelo Código de Ética e Disciplina e pelo Estatuto serão punidos disciplinarmente pela OAB” (grifei)
Nesta senda, a investigação administrativa quanto a uma suposta conduta infracional fora do âmbito da OAB[102], será nula de pleno direito. A não ser que no estatuto próprio da carreira do Advogado Público, exista previsão de um ambiente impessoal, onde ele será julgado por seus pares advogados de estado comprometidos com o direito justo e longe da política. Dado o rigor das atividades funcionais, a crítica acerca da sua atuação profissional do advogado, deverá ser lastreado em critérios técnicos relativos a defesa do ordenamento jurídico, produção jurídica, adequação a Constituição Federal, EOAB e seu código de ética. O processo jamais deverá ser instrumento para encobrir vendetas espúrias.
Como qualquer agente estatal, o Advogado Público, especialmente em virtude de suas altíssimas responsabilidades, deve ser vigiado e cobrado pelo exercício do seu munus (advocacia de estado). Mas não por quem tem o interesse mesquinho na sua falha ou no seu demérito (advocacia de governo), muito menos pelo Gestor e seus sacripantas, cujoos atos administrativos[103] são fiscalizados por aquele servidor. A correição deverá ser executada por advogados públicos estáveis e detentores de cargo efetivo equivalente ao do avaliado. Não custa lembrar que Ministério Público e o Judiciário estão sempre vigilantes para coibir ilegalidades, superando assim, neste ponto, o dilema do quis custodiet ipsos custodis?
Assim, os advogados devem ser rigorosamente avaliados[104] sob o signo da objetividade. Em se tratando de avaliação funcional para os fins do art. 41 § 1º III da CF/88, é imperativa o predomínio de critérios de caráter técnico-jurídicos. Os quesitos tem que elaborados de modo aferir o cumprimento de prazos, a qualidade do raciocínio jurídico, atualização profissional, utilização congruente de jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos mais pujantes Tribunais Estaduais, além dos Tribunais de Contas. Tudo para aperfeiçoar o serviço, jamais para satisfazer sadismos. Sobre a responsabilidade do Advogado Público, aproveito para trazer a colação o seguinte:
“É possível a responsabilização de advogado público pela emissão de parecer de natureza opinativa, desde que reste configurada a existência de culpa ou erro grosseiro”. MS 27867 AgR/DF. Rel Min. Dias Toffoli Info nº 680.
Repetindo: só o eventual erro crasso ou culpa podem ser objeto de penalidade. Do contrário qualquer opinião que desagrade[105], será encarada como um erro passível de sanção! Neste sentido, é o entendimento do profº Carlos Studart Pereira[106] acerca da responsabilização do advogado público, in verbis:
“…atribuir a um procurador a responsabilidade por eventuais erros, equívocos ou desvirtuamento funcional por este externar livremente a sua opinião, constitui inaceitável forma de censura a uma atividade que deve ser exercida com ampla liberdade, pois não lhe pode retirada a sua isenção técnica.” (sem grifos no original)
Ademais, não custa lembrar que a Administração Pública possui rotatividade enorme de pessoal administrativo. São infindáveis trabalhadores com contrato temporário, comissionados nas atividades meio e fim e nem sempre comprometidos com a moralidade administrativa e a eficiência. Fato este que implica em deficiência gigantesca na motivação dos atos e instrução processual. Advogado Público faz o que pode com o que tem!
Neste diapasão, acerca da inviolabilidade do advogado por suas manifestações no estrito cumprimento do seu mandato constitucional, é imperativo transcrever trecho do voto do Ministro Celso de Mello no Habeas Corpus n. 98.237-SP[107], in verbis:
“(…)Vale rememorar, neste ponto, por inteiramente aplicável ao caso ora em exame, expressivo fragmento de conhecida decisão, da lavra do saudoso Desembargador RAPHAEL MAGALHÃES, do E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que bem destacou a ratio subjacente à imunidade profissional concedida aos Advogados em geral (RF 51/628):
“O advogado precisa da mais ampla liberdade de expressão para bem desempenhar o seu mandato. Os excessos de linguagem que porventura comete, na paixão do debate, lhe devem ser relevados. São, muitas vezes, recursos de defesa que a dificuldade da causa justifica ou, pelo menos, atenua. Mesmo no arrazoado escrito, onde tais demasias mais facilmente se pode evitar, a lei as não reputa passíveis de pena criminal (…).”
Não constitui demasia assinalar que as prerrogativas profissionais dos Advogados representam emanações da própria Constituição da República, pois, embora explicitadas no Estatuto da Advocacia (Lei n. 8.906/94), foram concebidas com o elevado propósito de viabilizar a defesa da integridade dos direitos fundamentais das pessoas em geral, tais como formulados e proclamados em nosso ordenamento constitucional. Compõem, por isso, considerada a finalidade que lhes dá sentido e razão de ser, o próprio estatuto constitucional das liberdades públicas.(…)” (grifo no original).
Não sendo o caso de parecer vinculante, caso o Gestor não concorde[108] com a opinião avalizada apresentada pelo procurador público, basta empregar motivação clara, congruente e ponto final! O que não pode ocorrer é o pronunciamento do Advogado[109] servir de base para descalabros[110].
Portanto, o trabalho do advogado público deve ser rigorosamente aferido sob o signo da objetividade, isto é, onde exista o predomínio de caráter técnico-jurídico[111]. Os critérios tem que elaborados de modo aferir o cumprimento de prazos, a qualidade e erudição[112] do raciocínio jurídico, atualização profissional e utilização congruente de jurisprudência dos Tribunais Superiores e dos mais pujantes Tribunais Estaduais, além dos Tribunais de Contas. Tudo para aperfeiçoar o serviço, jamais para satisfazer sadismos ou atender quanto aos caros postulados da independência[113] e liberdade.
CONCLUSÃO
O princípio do atendimento do interesse público deve ser vinculada ao bem de toda a coletividade, ou seja, com proveito útil as exigências da vida na sociedade, segundo as diretrizes e valores constitucionais. Esse princípio vem elencado tradicionalmente como a base de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões. Jamais o interesse público deve ser invocado para privilegiar o Poder Público ou os seus agentes. O grau de sacrifício do indivíduo devera ser mínimo e proporcional aos ganhos que a sociedade terá com o seu gesto involuntário.
O Referido princípio direciona a atividade da Administração no sentido da realização do interesse da coletividade e não de interesses administrativo-burocrático do gestor público. Assim, a finalidade da atuação da Administração situa-se no atendimento do interesse público constitucionalmente positivado. O desvirtuamento dessa finalidade suscita o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade.
O Ordenamento Jurídico não pode mais ser concebido como um sistema fechado de regras, com interpretação estreita. A ideia de proporcionalidade revela-se não só um importante princípio jurídico fundamental, mas também uma autentica fonte argumentativa, ao manifestar um pensamento aceito como parte de uma solução justa e de comprovada utilidade no equacionamento de questões práticas, não só do Direito, como também noutras áreas.
O desvio de poder ou finalidade é encontrado quando o agente pratica ato subvertendo os princípios constitucionais (impessoalidade, moralidade administrativa…), redirecionando o ato para lhe satisfazer interesse ou de grupo que esteja ligado e em ultima análise sem a menor congruência com o interesse público primário. Muito menos, o ato administrativo pode servir como meio covarde para satisfazer vinditas e represálias.
O desvio de finalidade ou poder constitui corrupção do sistema, onde a máquina pública é operada para prejudicar alguém. Para ser caracterizado, devem ser reunidos tantos quantos forem possíveis os elementos fáticos capazes de produzir o contexto real dos fatos (indícios denunciadores) por detrás do ato reputado profanado pelo desvio.
Defender posicionamento de que o Advogado Público não exerce função de controle, revela-se impertinente e incompatível com a dignidade da advocacia. Relegar o causídico a patamar, onde ele deveria se ater somente a circunstancias teóricas e burocráticas, é afrontoso a inteligência, e um contrassenso com o dever de controle de juridicidade inerente ao ônus imposto ao Procurador Público.
Neste sentido, deve ser prestigiada a defesa intransigente da liberdade e da independência do Advogado Público. A ofensa a um membro, na realidade é um atentado contra toda a Ordem, passível inclusive de desagravo público. Calar o advogado no exercício regular de suas atribuições legais, equivale a censurar ditatorialmente um sem número de vozes, que só tem vez com a percuciente atuação do Advogado Público.
Referencias
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014.
Informações Sobre o Autor
Diogenes Ivo Fernandes de Sousa Silva
Procurador Fundacional e Professor da Universidade Candido Mendes – Centro