A Amplitude de Aplicação da Sanção de Suspensão Temporária de Licitar e Impedimento de Contratar com a Administração da Lei nº 8.666/1993

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Autor: Luiz Felipe Nogueira Cezar – 1º Tenente do Exército Brasileiro, Chefe da Assessoria Jurídica do 36º Batalhão de Infantaria Mecanizado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Pós-graduado em Direito Administrativo pela Universidade Candido Mendes. Endereço eletrônico: [email protected].

Resumo: O presente trabalho objetiva apresentar os pontos controvertidos sobre a amplitude da aplicação da sanção de suspensão temporária em licitação e impedimento de contratar com a administração, conforme delimita o artigo 87, inciso III, da Lei nº 8.666/1993. A atividade da pesquisa irá se orientar por várias fontes, como obras doutrinárias, artigos e legislação vigente no Brasil. Por meio das etapas do presente trabalho se fez possível entender as possíveis interpretações acerca do âmbito de abrangência da sanção de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração e a controvérsia existente entre as posições do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de um lado, e do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Advocacia-Geral da União (AGU), de outro, bem como as principais visões doutrinárias acerca da questão. Nesse sentido, faz-se relevante o estudo em busca da corrente interpretativa que se mostra mais adequada, sob diferentes prismas.

Palavras-chave: Licitação. Contrato administrativo. Sanção. Suspensão temporária. Amplitude de aplicação.

 

Abstract: This paperwork intends to present the controversial points about the scope of application of the sanction of temporary suspension of bidding and impediment to contracting with the Public Administration, as defined in article 87, item III, of Law n. 8.666/1993. The research activity will be guided by several sources, such as doctrinal works, articles and legislation in force in Brazil. Through the stages of this work, it has been possible to understand the possible interpretations regarding the scope of the sanction of temporary suspension of bidding and impediment to contracting with the Administration and the existing controversy between the positions of the Superior Court of Justice (STJ), on one hand, and the Federal Audit Court (TCU) and the Federal Attorney General (AGU), on the other, as well as the main doctrinal views on the issue. In this sense, becomes relevant the study in search of the interpretative current that is more appropriate, under different prisms.

Keywords: Bidding. Administrative contract. Sanction. Temporary suspension. Scope of application.

 

Sumário: Introdução. 1. Apontamentos Iniciais. 1.1. Aspectos Gerais. 2. A Controvérsia Acerca da Sanção do Art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993. 2.1. Diferentes Interpretações. 2.2. O Posicionamento do STJ. 2.3. Os posicionamentos do TCU e da AGU. 2.4. O Posicionamento da Doutrina Majoritária. 3. A Interpretação Mais Adequada. Conclusão. Referências.

 

Introdução

Em linhas gerais, pretende-se apresentar as possíveis interpretações acerca do âmbito de aplicação da sanção de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a administração prevista no artigo 87, inciso III, da Lei nº 8.666/1993, destacando-se a controvérsia existente entre as posições sobre o assunto do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de um lado, e do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Advocacia-Geral da União (AGU), de outro.

Nesse sentido, o escopo da pesquisa é identificar a corrente interpretativa que se mostra mais adequada, sob diferentes pontos de análise. Leva-se em consideração, para tanto, desde a análise estritamente legal do instituto à teleológica, bem como o exame sistemático e os reflexos de cada interpretação, com seu desdobramento na práxis jurídica.

No momento inaugural do trabalho, opta-se por fazer uma apresentação sumária de alguns aspectos da Lei de Licitações Públicas (Lei nº 8.666/1993), com foco nas sanções nela previstas para os casos de inexecução do contrato pelo particular, explorando alguns aspectos gerais, sem maiores aprofundamentos.

Ultrapassada a fase inicial, far-se-á um levantamento das diferentes posições existentes acerca da abrangência da aplicação da sanção de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, notadamente as do STJ, do TCU e da AGU. A partir disso, será desenvolvido o escopo do trabalho, a saber, um detalhamento sobre as distintas correntes interpretativas adotadas pelas referidas instituições públicas, seguida de uma análise do panorama doutrinário.

Por derradeiro, será defendida a tese de que a posição do TCU, a qual também é adotada pela AGU, afigura-se como a mais correta para ser aplicada nos casos concretos. Demonstrar-se-á isso com diferentes argumentos e técnicas interpretativas, além da apresentação de acórdãos do TCU, pareceres da AGU e entendimentos doutrinários que consubstanciam a visão aduzida.

O trabalho será orientado por várias fontes, como obras jurídicas diversas, jurisprudência e legislação vigente no Brasil.

O método de abordagem será prioritariamente indutivo, onde se inicia a análise a partir de uma premissa particular, para atingir uma conclusão universal. Além do indutivo será utilizado também o método comparativo, com o escopo de comparar as diferentes interpretações existentes acerca da questão objeto da pesquisa. A principal fonte do material a ser pesquisado é constituída por acervo privado e estudos anteriores.

Em tempo, tratando-se de metodologia de escrita científica e trabalhos acadêmicos em geral, merece destaque a lição do professor Rizzato Nunes: “O trabalho de cunho científico tem de ser útil à comunidade científica à qual se dirige, bem como, numa pretensão mais alargada, a toda a comunidade” (NUNES, 2018, p. 27).

 

1. Apontamentos Iniciais

1.1. Aspectos Gerais

A Lei Federal nº 8.666/93, que instituiu o Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos, é, por sua vastidão e complexidade, recheada de temas controvertidos. Notadamente por tratar de relações jurídicas verticalizadas, nas quais a Administração Pública ocupa posição vantajosa, com especiais prerrogativas, discute-se com frequência questões envolvendo o ius puniendi em face do particular que prejudica o devido cumprimento de contrato administrativo.

De acordo com o artigo 54, da referida lei, os Contratos Administrativos são regidos por suas cláusulas, pelos preceitos de Direito Público e, supletivamente, pela teoria geral dos contratos e pelas disposições de direito privado.

Os efeitos do descumprimento dos contratos administrativos diferem-se, em muitos aspectos, do descumprimento dos contratos privados.

Com efeito, se no âmbito privado o não cumprimento das obrigações acordadas, seja ele voluntário ou não, com ou sem culpa, conduz à resolução do pacto, o descumprimento de obrigações no âmbito dos contratos administrativos pode propiciar, além da rescisão da avença, a aplicação de penalidades pelo ente público contratante.

Vejamos, então, a redação do art. 87 e seus incisos, da Lei nº 8.666/1993, que estabelece, justamente, um rol de possíveis sanções a que pode lançar mão a Administração:

 

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

Inicialmente, convém ponderar que, em se tratando da aplicação de sanções pela Administração Pública, não há que se falar em discricionariedade por parte do agente público. Em face do descumprimento contratual, ele possui o dever e não a faculdade de penalizar o particular infrator, sob pena de ser responsabilizado pessoalmente. Trata-se do conhecido “poder-dever” da Administração.

São vários os princípios que regulam a atuação da Administração Pública no mister de aplicar penalidades. Eles estão expressos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, bem como na própria Lei nº 8.666/1993. Além disso, algumas normas principiológicas essenciais do Direito Penal também devem ser observadas no exercício do jus puniendi administrativo.

Em primeiro lugar, destacam-se os princípios da legalidade e da anterioridade, segundo os quais nenhuma sanção poderá ser imposta ao contratado senão em virtude de lei prévia que defina a infração e a penalidade a ela correspondente.

Também merecem referência os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, que demandam a adequação da penalidade ao desvio de conduta cometido, levando-se em consideração a gravidade deste, as suas consequências e os eventuais prejuízos que tenha causado. Objetiva-se, assim, impedir a ocorrência de abusos e arbitrariedades.

Por fim, o princípio da culpabilidade, tipicamente do Direito Penal, impõe a comprovação, no caso concreto, da presença de elemento subjetivo (dolo ou culpa) na conduta que ocasionou o descumprimento contratual, o qual deverá ser levado em consideração na aplicação da penalidade.

Nada obstante, é assegurado ao contratado o devido processo legal, sendo forçosa a instauração do competente processo administrativo para apuração dos fatos ocorridos, com a salvaguarda do exercício do contraditório e da ampla defesa, inclusive, por meio da produção probatória, em observância ao disposto no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna.

Finalizado o processo administrativo, emerge para o Estado o direito de punir. Exatamente nesse ponto, pretende-se focar o presente estudo na abrangência da penalidade prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, qual seja, a de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, que provoca relevante controvérsia jurídica.

 

2. A Controvérsia Acerca da Sanção do Art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993

2.1. Diferentes Interpretações

 

A Lei nº 8.666/1993, em seu art. 87, inciso III, prevê a penalidade de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração, a ser aplicada ao contratado que deixar de cumprir total ou parcialmente o contrato, senão vejamos:

 

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

(…)

III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos

 

Inicialmente, cabe destacar que, para fins da aplicação dessa penalidade, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgão ou entidade da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada (parágrafo único, do art. 2º, da Lei nº 8.666/1993).

Noutra vertente, verifica-se que a amplitude de aplicação dessa sanção é tema que se mostra bastante complexo, sendo objeto de ruidosa discussão hermenêutica. Por um lado, tem-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em vários acórdãos, filiou-se a uma tese ampliativa da aplicação da penalidade de suspensão.

Por outro lado, o Tribunal de Contas da União (TCU), a quem compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade, bem como a Advocacia-Geral da União (AGU), instituição responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, interpretam a questão de maneira restritiva, opondo-se à linha do STJ.

Em apertada síntese, a controvérsia deriva do fato de os textos legais dos incisos III e IV, do art. 87, da Lei 8.666/93, utilizarem expressões diferentes na descrição de cada sanção. Na primeira, suspensão temporária, o legislador se vale do termo “Administração”, enquanto na segunda utiliza “Administração Pública”.

Poderia ser mero caso de sinonímia, tendo os termos “Administração” e “Administração Pública” idênticos sentidos, como normalmente acontece na prática jurídica. Entretanto, a própria Lei de Licitações apresenta, em seu art. 6º, conceitos diferentes para essas duas expressões, senão vejamos:

 

Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se:

(…)

XI – Administração Pública – a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas;

XII – Administração – órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente

 

Como se observa, é notório que o legislador quis, para os fins previstos na Lei nº 8.666/1993, distinguir “Administração” e “Administração Pública”. E exatamente por isso, suscita-se o questionamento: teriam as penalidades dos incisos III e IV, do art. 87, ao utilizarem termos diferentes, a mesma amplitude de aplicação?

A fim de compreender as possíveis interpretações sobre o referido tema de forma pormenorizada, passemos à análise de cada uma das correntes.

 

2.2. O Posicionamento do STJ

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em vários acórdãos, filiou-se à tese da incidência geral da penalidade de suspensão prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, o que impede a participação da empresa suspensa em qualquer outro certame perante a Administração Pública.

Dito de outro modo, o STJ entende que a aplicação da sanção (suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração) deve produzir efeitos em relação a toda a Administração Pública e não somente ao órgão sancionador.

Confiram-se alguns acórdãos daquela colenda Corte:

 

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.

É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras. A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum. A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública. Recurso especial não conhecido.[1]

 

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAR DE LICITAÇÃO E IMPEDIMENTO DE CONTRATAR. ALCANCE DA PENALIDADE. TODA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.

(…) 2. De acordo com a jurisprudência do STJ, a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei n. 8.666/1993 não produz efeitos apenas em relação ao ente federativo sancionador, mas alcança toda a Administração Pública. (…)[2]

 

O fundamento para essa posição é a ideia de que a Administração Pública é una e indivisível, de modo que eventual sanção de impedimento deveria vincular todos os entes da federação. Ou seja, o STJ ignora as diferenças propostas pelo art. 6º, da Lei 8.666/1993, que diferencia categoricamente, para fins de sua aplicação, Administração e Administração Pública, bem como a utilização dessas expressões pelos incisos III e IV, do art. 87, do mesmo diploma.

Dessa maneira, privilegia-se a proteção à moralidade pública, penalizando mais severamente os desvios de conduta praticados por aqueles que se sujeitam a contratos administrativos. O principal princípio que dirige o entendimento do STJ é o da supremacia do interesse público, sendo este a justificativa da extensão da abrangência da sanção de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a administração.

 

2.3. Os Posicionamentos do TCU e da AGU 

Por outro lado, a despeito do entendimento do respeitável Superior Tribunal de Justiça (STJ), impende observar que o Tribunal de Contas da União (TCU), a quem compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade, interpreta a amplitude de aplicação da sanção do art. 87, III, da Lei n. 8.666/93.

Entende o TCU, de forma inequívoca, que a suspensão temporária prevista na Lei de Licitações, em vez de gerar consequências para toda a Administração Pública, deve ter seus efeitos adstritos somente ao órgão ou entidade que aplicou a sanção. É o que se observa em reiterados acórdãos, como nos seguintes:

 

REPRESENTAÇÃO. DÚVIDAS SOBRE A ABRANGÊNCIA DAS PENALIDADES CONTIDAS NO ART. 87 DA LEI 8.666/1993 E NO ART. 7º DA LEI 10.520/2002. CONHECIMENTO. QUESTÃO PACIFICADA NA JURISPRUDÊNCIA DO TCU. FALTA DE CLAREZA DO EDITAL INSUFICIENTE PARA MACULAR O CERTAME. FALHA FORMAL. CIÊNCIA À ENTIDADE. IMPROCEDÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONHECIMENTO. NÃO PROVIMENTO.

(…) Quanto à abrangência da sanção, o impedimento de contratar e licitar com o ente federativo que promove o pregão e fiscaliza o contrato (art. 7º da Lei 10.520/02) é pena mais rígida do que a suspensão temporária de participação em licitação e o impedimento de contratar com um órgão da Administração (art. 87, inciso III, da Lei 8.666/93), é mais branda do que a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com toda a Administração Pública (art. 87, inciso IV, da Lei 8.666/93).[3]

 

REPRESENTAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO MCID 16/2014. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE GARÇOM. INABILITAÇÃO DA FIRMA REPRESENTANTE EM RAZÃO DA APLICAÇÃO DA SANÇÃO PREVISTA NO ART. 87, III, LEI 8.666/1993, PELA SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA. CONTROVÉRSIA ACERCA DA EXTENSÃO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL: EFEITOS DA SUSPENSÃO TEMPORÁRIA APLICAM-SE NO ÂMBITO AO ÓRGÃO/ENTIDADE SANCIONADOR. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZATIVOS PARA ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. SUSPENSÃO CAUTELAR DO CERTAME LICITATÓRIO. OITIVA DO PREGOEIRO E DA CGRL/MCID. ADMINISTRAÇÃO APLICOU O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SUPERVENIÊNCIA DE INDÍCIOS DE USO INDEVIDO DAS PREFERÊNCIAS ATRIBUÍDAS A MICRO EMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE POR PARTE DA EMPRESA REPRESENTANTE. OUTRAS RAZÕES PLAUSÍVEIS PARA AFASTAR DO CERTAME A EMPRESA REPRESENTANTE. REVOGAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DETERMINADA NOS AUTOS. OITIVA DA REPRESENTANTE. MANIFESTAÇÕES. CIÊNCIA À CGRL/MCID QUANTO AOS PROCEDIMENTOS PARA AFERIÇÃO DA RECEITA BRUTA DAS EMPRESAS LICITANTES. COMUNICAÇÕES.

(…) Os efeitos da sanção de suspensão temporária de participação em licitação (art. 87, III, Lei 8.666/93) são adstritos ao órgão ou entidade sancionadora.[4]

 

REPRESENTAÇÃO. PREGÃO PRESENCIAL. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA DESARMADA E DE SEGURANÇA PATRIMONIAL. CLÁUSULA IMPEDITIVA DA PARTICIPAÇÃO DE POTENCIAL LICITANTE QUE HAJA SIDO SUSPENSA TEMPORARIAMENTE PARA LICITAR POR OUTRO ÓRGÃO OU ENTIDADE. CONHECIMENTO. OITIVA. PROCEDÊNCIA PARCIAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO OU AO INTERESSE PÚBLICO. INDEFERIMENTO DA CAUTELAR REQUERIDA. COMUNICAÇÕES. ARQUIVAMENTO.

(…) Em observância ao princípio da supremacia do interesse público, não se configura hipótese de anulação do procedimento licitatório ou do contrato firmado, o fato de empresa ter sido impedida de participar do certame, por força de interpretação errônea na aplicação da penalidade de suspensão prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 (válida apenas em relação ao órgão ou entidade que a aplicou) quando é baixa a materialidade do objeto, não houve restrição à competitividade da licitação e nem indícios de conluio entre licitantes e gestores.[5]

 

REPRESENTAÇÃO SOBRE EVENTUAIS IRREGULARIDADES EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. DETERMINAÇÃO. COMUNICAÇÕES. ARQUIVAMENTO.

(…) O edital da licitação, ao estabelecer vedações à participação no certame, deve ser suficientemente claro no sentido de que a penalidade de suspensão para licitar e contratar, prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/93, tem abrangência restrita ao órgão ou entidade que aplicou a sanção.[6]

 

Como se pode notar, esses entendimentos, no sentido de que as sanções de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, previstas no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, alcançam apenas o órgão ou a entidade que as aplicaram, encontram-se sedimentados no âmbito do TCU.

Nesse diapasão, também é extremamente relevante destacar a interpretação da AGU acerca da questão. Inicialmente, importa apontar que a Lei Complementar nº 73/1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e deu outras providências, dispõe que são atribuições do Advogado-Geral da União “unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal.” [7]

À Consultoria-Geral da União, por sua vez, direta e imediatamente subordinada ao Advogado-Geral da União, incumbe, principalmente, colaborar com este em seu assessoramento jurídico ao Presidente da República, por meio da produção de pareceres, informações e demais trabalhos jurídicos que lhes sejam atribuídos pelo chefe da instituição.

Exatamente no exercício da competência de assessoramento jurídico ao Presidente da República, fixada pelo art. 4º, inciso XI, cumulada com o art. 10, ambos da Lei Complementar nº 73/1993, a Consultoria-Geral da União uniformizou a jurisprudência administrativa sobre a abrangência da sanção prevista no art. 87, III, da Lei 8.666/1993, dirimindo, assim, a controvérsia existente a respeito da aplicação da referida penalidade.

A distinção feita pelo TCU foi consagrada, pela AGU, com a elaboração do Parecer nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 10 de agosto de 2012, aprovado pelo Consultor-Jurídico da União. A propósito, confiram-se trechos extraídos do referido documento, verbis:

 

Parecer nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 10 de agosto de 2012

I – RELATÓRIO

Os membros da Comissão de Atualização de Editais, durante as discussões para confecção e atualização das minutas, perceberam a necessidade de provocar a Consultoria-Geral da União sobre o tema relacionado à amplitude dos efeitos da sanção suspensão de licitar, prevista pela Lei ns 8.666/93.

  1. É cediço que há divergência sobre o assunto, do que derivou, inclusive, anterior manifestação do DECOR, expressada através do Parecer Nº 87/2011/DECOR/CGU/AGU, no processo Nº 00402.001219/2010-36.

(…)

  1. Tal entendimento contrasta com a opinião predominante entre os membros da Comissão de Atualização, identificada também em grande parte dos órgãos de Consultoria Jurídica da União nos estados e em recente Jurisprudência do Tribunal de Contas da União.
  2. Nesta feita, a presente manifestação objetiva sugerir nova análise sobre o tema, pela Consultoria-Geral da União, através do Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos (DECOR), com análise dos argumentos abaixo transcritos e,se possível, revisão do entendimento outrora externado n Parecer NQ87/2011/DECOR/CGU/AGU.
  3. É o sucinto relatório.

(…)

  1. A “suspensão temporária de licitar e contratar”, nos moldes estabelecidos pelo legislador, é uma sanção que atinge o direito do particular em participar de licitação ou mesmo em firmar contratos administrativos. Este efeito é idêntico ao estabelecido pela Lei ns 8.666/93, para a sanção denominada “declaração de inidoneidade”. Quanto a isso não há dúvida; a polêmica envolve a amplitude de tais efeitos, notadamente em relação à sanção “suspensão temporária de licitar e contratar”.
  2. Para uma corrente, as sanções se assemelham. Sua diferença fundamental estaria no prazo da punição; na suspensão elegeria o limite temporal de 2 anos, conquanto na declaração de inidoneidade não haveria prazo final definido, perdurando o impedimento enquanto persistissem os motivos da punição ou até que fosse o particular reabilitado pela própria autoridade que aplicou a penalidade, mediante o ressarcimento à Administração, dos prejuízos causados, após o prazo mínimo de dois anos. Esse foi o entendimento abraçado pelo Parecer Nº 87/2011/DECOR/CGU/AGU.
  3. Tal raciocínio é também reconhecido em decisões do Superior Tribunal de Justiça. Aquele Tribunal Superior, em vários acórdãos, tem se posicionado pela incidência geral da penalidade de suspensão, o que impediria a participação da empresa suspensa em qualquer outro certame.

(…)

  1. Tal interpretação, de amplitude alargada aos efeitos da sanção “suspensão temporária de licitar e contratar” impede a participação em qualquer outro certame público e continua sendo adotada pelo STJ.
  2. Uma segunda corrente identifica outras diferenças entre as sobreditas sanções, defendendo amplitude mais restrita aos efeitos da sanção “suspensão temporária de licitar e contratar”. O Tribunal de Contas da União, há anos, vem seguindo tal raciocínio, tanto que determinava aos órgãos públicos que se abstivessem de incluir em seus editais a vedação à participação, nas licitações promovidas, de empresas que tivessem sido apenadas com a suspensão do direito de licitar (inc. III, art. 87 da Lei ns 8.666/93), exceto nos casos em que a suspensão tivesse sido imposta pelo próprio ente realizador do certame.

(…)

  1. Mais recentemente, o TCU determinou cautelarmente alteração de edital da Infraero, para limitar a restrição ao direito de participar do certame apenas a empresa que se encontrar suspensa de licitar ou contratar com aquela estatal, consagrando o entendimento de que a sanção “suspensão temporária de licitar e contratar” possui efeitos de amplitude restrita ao órgão sancionador. Vejamos notícia veiculada no informativo ns 139 do TCU.

As sanções de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, previstas no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, alcançam apenas o órgão ou a entidade que as aplicaram Representação formulada por empresa apontou supostas irregularidades na condução do Pregão Eletrônico122/ADCO/SRCO/2012, realizado pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – Infraero, que tem por objeto “a contratação de empresa para prestação de serviços de transporte de cargas e encomendas via aérea e/ou terrestre, em âmbito nacional, no sistema direto e exclusivo (porta-a-porta), para atendimento à Superintendência Regional do Centro-Oeste, aeroportos e grupamentos de navegação aérea (gnas) vinculados”. A autora da representação apontou possível falta de conformidade entre o comando contido no subitem 3.5.3 do edital do citado pregão, o disposto no art. 7º da Lei 10.320/2005 e os princípios da competitividade. Tal cláusula do edital impedia a participação, na licitação, de empresa apenada com as sanções previstas no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 (suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração) não só pela Infraero, mas também por outros entes da Administração, em qualquer de suas esferas. Em face de tal vedação, a autora estaria impedida de participar desse certame, por ter sido apenada por entidade que não a Infraero. O relator, ao reconhecer a pertinência de suas alegações e endossar o entendimento da unidade técnica,anotou que a citada cláusula “está em desacordo com o disposto nos arts. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 e 7º da Lei 10.520/2002 e, também, com a jurisprudência do Tribunal, consoante explicitado no Acórdão 3.243/2012 – TCU – Plenário…”. E também que a extrapolação a outros entes da Administração dos efeitos de sanção somente poderia ocorrer na hipótese prevista no inciso IV do art. 87 da Lei 8.666/1993 (declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública). Em face desse panorama e da iminência de realização do certame, o relator entendeu configurados o fumus boni iuris e o periculum in mora e determinou à Infraero, em caráter cautelar, que promova a correção do subitem 3.5.3 do referido edital, a fim de ajustá-lo ao disposto nos referidos comandos normativos, “no sentido de limitar o impedimento de participar do certame apenas a empresa que se encontrar suspensa de licitar ou contratar com aquela estatal, consoante entendimento constante do Acórdão 3.243/2012 – TCU – Plenário”. O Plenário do Tribunal endossou essa providencia. Precedente mencionado: Acórdão 3.243/2012 – Plenário. Comunicação de Cautelar, TC-046.782/2012-5, relator Ministro Aroldo Cedraz, 6.2.2013).

  1. Realmente, o legislador, quando trata da sanção suspensão de licitar e contratar, remete seus efeitos à “Administração”; já quando discorre sobre a sanção declaração de inidoneidade, impõe seus efeitos em relação à “Administração Pública”. Tais conceitos, corriqueiramente usados como sinônimos, foram definidos de forma diversa pela Lei nº 8.666/93.
  2. A diversidade, aparentemente de fundamentos singelos, coaduna-se com a própria diferenciação de conceitos estabelecida pelo artigo 6º do estatuto (incisos XI e XII),que estabelece “Administração Pública” como a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas (Inc. XI); diferenciando-a do conceito de “Administração”, que seria entendida como órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente (Inc XII).

(…)

  1. Essa diferenciação justifica a nuance procedimental prevista pelo legislador, em razão da qual a declaração de inidoneidade deve ser aplicada pelo Ministro de Estado,Secretário Estadual ou Municipal, o que denota a preocupação em transferir a competência para aplicação de tal penalidade (justamente Belos seus efeitos mais amplos) para autoridades de maior hierarquia.

(…)

  1. Não se trata de uma escolha livre, por parte do aplicador do direito, de acordo com suas convicções morais ou com sua percepção do que será melhor para o Poder Público, mas da escorreita interpretação sobre os ditames legais e constitucionais estabelecidos pelas instâncias legitimamente competentes, já que a limitação constitucional ao estabelecimento de restrições aos direitos das pessoas (físicas ou jurídicas), pelo Poder Público, é um direito fundamental que se impõe à atividade administrativa.[8]

 

Ora, resta cristalino que a posição adotada pela AGU coincide com a do TCU. A interpretação, em suma, é a de que a sanção de suspensão de licitar e contratar remete seus efeitos à “Administração” e a sanção de declaração de inidoneidade, por sua vez, impõe seus efeitos à “Administração Pública”. Esses conceitos, usualmente tidos como sinônimos, foram definidos de forma diversa pela Lei nº 8.666/93 e, por isso, devem ser interpretados distintamente.

Assim, prevalece também no âmbito da AGU a tese de que a suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração é penalidade administrativa que tem seus efeitos restritos ao ente federativo do órgão que a aplicou.

 

2.4. O Posicionamento da Doutrina Majoritária

A doutrina majoritária também sustenta, em respeito ao princípio da federação, que os efeitos da suspensão temporária devem ser limitados, não podendo ultrapassar a esfera política do órgão que aplicou a sanção. Assim, penalidades de suspensão temporária aplicadas pelos Municípios, pelos Estados ou pelo Distrito Federal não podem, por exemplo, afetar licitações e contratações das autarquias e fundações públicas federais.

Celso Rocha Furtado, atento às definições conceituais insertas na Lei das Licitações, afirma que:

 

(…) a suspensão temporária somente é válida e, portanto, somente impede a contratação da empresa ou profissional punido durante sua vigência perante a unidade que aplicou a pena; a declaração de inidoneidade impede a contratação da empresa ou profissional punido, enquanto não reabilitados, em toda a Administração Pública federal, estadual e municipal, direta e indireta (FURTADO, 2007, p. 217, grifo nosso).

 

Valioso é o posicionamento do professor Floriano Azevedo Marques Neto, que questiona o “absurdo” que haveria se as penalidades de suspensão e de declaração de inidoneidade tivessem o mesmo âmbito de aplicação, pois seriam equivalentes, senão vejamos:

 

E aqui reside justamente o eixo do argumento: entendêssemos nós que a suspensão e a inidoneidade, ambas, têm o mesmo âmbito de conseqüências, e chegaríamos ao absurdo de tornar as duas penalidades indiferenciadas. Sim, porque ambas possuem uma conseqüência comum: impedem que o apenado participe de licitação ou firme contrato administrativo. Se desconsiderarmos as diferenças de extensão que ora sustentamos, perderia o sentido existirem duas penalidades distintas. Afinal ambas teriam a mesma finalidade, a mesma conseqüência e o mesmo âmbito de abrangência. Estaríamos diante de interpretação que leva ao absurdo (MARQUES NETO, 1995, p. 3, grifo nosso).

 

Nesse compasso, é evidente que as sanções prescritas pela Lei nº 8.666/1993 estão enumeradas e posicionadas de forma a sugerir uma gradação de gravidade, ou seja, cada uma delas corresponde a um patamar superior de gravidade na conduta punível, da pena mais branda até a mais gravosa. Nesse sentido, veja-se o ensinamento de Marçal Justen Filho, para quem o princípio fundamental quanto às infrações recai sobre a reprovabilidade da conduta:

 

O princípio fundamental atinente à configuração de infrações reside na reprovabilidade da conduta do particular. Isso significa que a infração se caracterizará pelo descumprimento aos deveres legais ou contratuais, que configure materialização de um posicionamento subjetivo reprovável.

Daí se segue que não se configura infração quando a conduta externa do agente não seja acompanhada de um posicionamento subjetivo imaterial merecedor de reprovação. Isso não equivale a exigir a presença de dolo, na acepção da vontade de produzir um resultado antijurídico ou de aceitar sua concretização. Também se configura o elemento subjetivo reprovável quando o sujeito deixa de adotar as precauções e cautelas inerentes à posição jurídica de partícipe de uma relação jurídica com a Administração Pública. A culpa em sentido estrito consiste na ausência da diligência necessária e inerente ao sujeito contratado para executar certa prestação (JUSTEN FILHO, 2005, p. 621, grifo nosso).

 

Ainda a respeito da distinção entre as sanções previstas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei 8.666/1993, confira-se também a ilibada lição do jurista Jessé Torres Pereira Junior:

 

A diferença do regime legal regulador dos efeitos da suspensão e da declaração de inidoneidade reside no alcance de uma e de outra penalidade. Aplicada a primeira, fica a empresa punida impedida perante licitações e contratações da Administração; aplicada a segunda, a empresa sancionada resulta impedida perante as licitações e contratações da Administração Pública. Assim é porque, em seu art. 6°, a Lei n° 8.666/93 adota conceitos distintos para Administração e Administração Pública, estatuindo que, para fins de sua aplicação, considera Administração Pública “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas” (inciso XI), e Administração o “órgão, opera e atua concretamente” (inciso XII). Por conseguinte, sempre que o artigo da Lei n° 8.666/93 referir-se a Administração, fá-lo-á no sentido do art. 6°, XII. E quando aludir Administração Pública, emprega a acepção do art. 6°, XI (PEREIRA JÚNIOR, 2009, p. 561, grifo nosso).

 

Tocando em outro ponto sensível, Carlos Ari Sundfeld alude para o fato de que o intérprete deve se afastar dos padrões meramente lógicos para definir a amplitude das sanções, veja-se:

 

A tendência inicial do intérprete, raciocinando por padrões meramente lógicos, é a de, constatando ser a inidoneidade um dado subjetivo, que acompanha a empresa onde ela for, sustentar o caráter genérico das sanções de que se cuida. Deveras: em termos racionais, é impossível ser inidôneo para fins federais e não sê-lo para efeitos municipais. Mas há de considerar um fator jurídico de relevância a afastar o mero enunciado lógico. Silente a lei quanto à abrangência das sanções, deve-se interpretá-la restritiva, não ampliativamente, donde a necessidade de aceitar, como correta, a interpretação segundo o qual o impedimento de licitar só existe em relação à esfera administrativa que tenha imposto a sanção (SUNDFELD, 1995, p. 117, grifo nosso).

 

Finalmente, importa destacar o entendimento de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual os efeitos da suspensão temporária poderiam ser manipulados pelo gestor com certa discricionariedade, de modo que a sanção poderia se aplicar apenas a determinado contrato, licitação ou órgão. Seria possível manipular a amplitude de aplicação da norma para fins de dosimetria. Segundo a doutrina do ilustre professor, “a suspensão provisória pode restringir-se ao órgão que a decretou ou referir-se a uma licitação ou a um tipo de contrato, conforme a extensão da falta que a ensejou (…)” (MEIRELLES, 2010, p. 337).

Vale dizer, porém, que esse entendimento não possui respaldo legal no art. 87, III, da Lei nº 8.666/97. Dessa forma, a despeito de a doutrina do professor Meirelles permitir uma manipulação da abrangência da suspensão temporária com fulcro na gravidade da conduta, a mera leitura atenta ao supracitado dispositivo exclui essa interpretação, porque a única autorização legal expressa, para que se leve em consideração a gravidade da infração no dimensionamento da punição, está ligada à dosimetria do tempo da suspensão. Assim, quanto maior a gravidade do dano, mais longo deve ser o tempo; por um intervalo maior deverá o particular ser afastado de participar de licitações e de contratar.

 

3. A Interpretação Mais Adequada

Pode soar presunçoso o intento de apontar uma pretensa melhor exegese sobre algum tema do universo jurídico. No entanto, na análise entre os diferentes entendimentos anteriormente apresentados e discutidos, é evidente que a interpretação que enfoca a distinção feita pelo legislador entre os vocábulos Administração e Administração Pública, adotada pelo TCU, pela AGU e pela doutrina majoritária, privilegia sobremaneira o princípio da proporcionalidade na dosimetria das sanções.

Nesse sentido, é facilmente percebível que as penalidades adotadas pela Lei nº 8.666/1993 estão enumeradas e posicionadas de forma a sugerir uma clara gradação de gravidade, isto é, cada uma delas corresponde a um patamar superior de gravidade na conduta punível. Constatemos isso uma vez mais:

 

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

 

Assim, a suspensão de licitar e contratar (art. 87, III) é mais branda em relação à declaração de inidoneidade para licitar (art. 87, IV), pois aquela tem sua amplitude limitada ao ente federativo do órgão que aplicou a sanção, e esta atinge toda a Administração Pública.

Nessa linha interpretativa, a Instrução Normativa nº 03, do outrora nominado Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, de 26 de abril de 2018, válida no âmbito federal e de observância desejável pelos órgãos gestores da União, que estabeleceu novas regras de funcionamento para o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF), programa com o qual trabalham diretamente as comissões de licitação no âmbito federal, asseverou, em seu art. 40, § 1º, que o alcance da sanção de suspensão temporária fica restrita ao órgão público que penalizou a contratada, como se nota:

 

Art. 34. São sanções passíveis de registro no Sicaf, além de outras que a lei possa prever:

(…)

III – suspensão temporária, conforme o inciso III do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, e o inciso III do art. 83 da Lei nº 13.303, de 2016;

(…)

  • 1º A aplicação da sanção prevista no inciso III do caputimpossibilitará o fornecedor ou interessado de participar de licitações e formalizar contratos, no âmbito do órgão ou entidade responsável pela aplicação da sanção.[9]

 

O posicionamento ora defendido, que se coaduna com a atual jurisprudência do TCU e da AGU, diferentemente do que se pode levar a crer por quem dele discorda, não desvaloriza os princípios da moralidade e da probidade administrativas, senão, por outro lado, reforça substancialmente o princípio da proporcionalidade da sanção em razão do grau de culpabilidade, preservando a possibilidade de dosimetria das penas previstas no art. 87, incisos III e IV, da Lei nº 8.666/93.

Essa conclusão deriva da interpretação autêntica contextual do diploma legal, uma vez que o próprio legislador estabeleceu limites específicos e diversos para as referidas sanções. Dessa forma, atribui-se discricionariedade ao gestor, que poderá aplicar, com efeitos práticos distintos, ora a sanção mais grave, ora a menos grave, conforme exija o caso concreto. Permite-se a aplicação da sanção mais compatível e proporcional à conduta que se pretende reprimir, o que, essencialmente, satisfaz o princípio da igualdade material.

Destarte, em face da clara delimitação legal aos efeitos da suspensão temporária de licitar e contratar, dos limites constitucionais à restrição de direitos das pessoas pela Administração Pública, da evidente gradação existente entre as sanções estabelecidas pela Lei nº 8.666/1993, da necessidade de respeito à proporcionalidade na aplicação das penalidades, verifica-se que a aplicação de efeitos restritos à sanção de suspensão é a interpretação tecnicamente mais adequada e condizente com o estabelecido pela Lei de Licitações e pela Constituição federal.

 

Conclusão

O presente trabalho teve o desiderato de discutir sobre a controvérsia existente quanto à amplitude de abrangência da sanção prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, qual seja, de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a administração. Nesse sentido, objetivou-se realizar um estudo sobre as interpretações propostas por STJ, TCU, AGU e doutrina majoritária.

Inicialmente, foram apresentadas generalidades relativas ao poder punitivo da Administração Pública, notadamente quanto aos princípios procedimentais que norteiam o exercício do jus puniendi administrativo, bem como elencadas as sanções previstas em rol taxativo nos incisos do art. 87, da Lei de Licitações, enfatizando-se a necessidade de instauração de processo administrativo para que sejam aplicadas aos casos concretos.

Na sequência, abordou-se, em linhas gerais, a respeito do ponto controvertido que é o da amplitude de aplicação da sanção de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração, constante do inciso III, do art. 87, da retromencionada Lei.

Nesse diapasão, buscou-se analisar as diferentes interpretações existentes sobre a questão, com enfoque no dilema entre as posições do STJ, de um lado, e do TCU e da AGU, de outro. Após isso, expôs-se o entendimento dominante na doutrina brasileira, que se inclina ao último posicionamento.

Por derradeiro, o capítulo final destinou-se à sustentação da tese de que o entendimento ao qual se filia o TCU, a AGU e a doutrina majoritária, com uma interpretação mais restritiva quanto ao âmbito de aplicação da sanção de suspensão temporária, é o mais adequado, sob diferentes aspectos.

Defendeu-se, portanto, que a penalidade expressa no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, qual seja, de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a administração deve ter seu âmbito de aplicação restrito ao ente federativo do órgão que a aplicou, e não generalizado para toda a Administração Pública. Entende-se ser essa uma conclusão legal e lógica, além de adequada sob o ponto da proporcionalidade e da realidade prática administrativa.

É certo que a matéria é assaz complexa, como se denota pela enorme controvérsia que a permeia. Nesse iter, é patente que uma investigação ainda mais aprofundada pode elevar consideravelmente o diálogo de interpretações. De qualquer sorte, acredita-se que o presente trabalho possa depositar sua parcela de contribuição para o debate acadêmico.

 

Referências

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 12 de out. de 2020.

 

BRASIL. Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp73.htm>. Acesso em: 12 de out. de 2020.

 

BRASIL. Advocacia-Geral da União – AGU. Parecer nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 10 de agosto de 2012, aprovado pelo Despacho n° 296/2013, do Consultor-Geral da União. Disponível em: <http://www.agu.gov.br>. Acesso em 12 de out. 2020.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. REsp 151.567/RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 25/02/2003, DJ 14/04/2003.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – STJ. AIRESP 201301345226, Rel. Min. Gurgel De Faria, Primeira Turma, DJE Data: 31/03/2017.

 

BRASIL. Tribunal de Contas da União – TCU. Acórdão n.º 2.556/2013, Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman, 18 set. 2013. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em 12 de out. 2020.

 

BRASIL. Tribunal de Contas da União – TCU. Acórdão n.º 1.457/2014, Plenário, Rel. Min. Augusto Sherman, 04 jun. 2014. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em 12 de out. 2020.

 

BRASIL. Tribunal de Contas da União – TCU. Acórdão n.º 504/2015, Plenário, Rel. Min. Weder de Oliveira, 11 mar. 2015. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em 12 de out. 2020.

 

BRASIL. Tribunal de Contas da União – TCU. Acórdão n.º 2.530/2015, Plenário, Rel. Min. Bruno Dantas, 14 out. 2015. Disponível em: <http://www.tcu.gov.br>. Acesso em 12 de out. 2020.

 

BRASIL. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instrução Normativa nº 3, de 26 de abril de 2018. Estabelece regras de funcionamento do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf, no âmbito do Poder Executivo Federal. Disponível em: <http://www.in.gov.br/web/dou/-/instrucao-normativa-n-3-de-26-de-abril-de-2018-12186342>. Acesso em 12 de out. 2020.

 

FURTADO, Celso Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

 

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11ª ed. São Paulo: Dialética, 2005.

 

MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Extensão das Sanções Administrativas de Suspensão e Declaração de Inidoneidade. Artigo disponível no Boletim de Licitações e Contratos, n.º 03, ed. NDJ, 1995.

 

MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 15º ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

 

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica. 12ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

 

PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública. 8ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

 

SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e contrato administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

 

  1. REsp 151.567/RJ, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, STJ – Segunda Turma, julgado em 25/02/2003, DJ 14/04/2003, grifo nosso.
  2. 4. AIRESP 201301345226, Rel. Min. Gurgel De Faria, STJ – Primeira Turma, DJE Data: 31/03/2017, grifo nosso.

[3].            Acórdão n.º 2.530/2015 – TCU – Plenário – Rel. Min. Bruno Dantas, 14/10/2015.

[4].            Acórdão n.º 504/2015 – TCU – Plenário – Rel. Min. Weder de Oliveira, 11/03/2015, grifo nosso.

[5].            Acórdão n.º 1.457/2014 – TCU – Plenário – Rel. Min. Augusto Sherman, 04/06/2014, grifo nosso.

[6].            Acórdão n.º 2.556/2013 – TCU – Plenário – Rel. Min. Augusto Sherman, 18/09/2013, grifo nosso.

[7].            Art. 4º, XI, Lei Complementar nº 73/1993.

[8].            Parecer nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 10 de agosto de 2012, aprovado pelo Despacho n° 296/2013, do Consultor-Geral da União, grifo nosso.

[9].            Instrução Normativa nº 3, de 26 de abril de 2018. Diário Oficial da União, Brasília, 27 abr. 2018.

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