A aplicação supletiva e subsidiária do CPC∕2015 aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais: Uma análise crítica da ADI 5492∕DF

Resumo: O presente trabalho visa demonstrar os limites federativos para aplicação subsidiária e supletiva do novo Código de Processo Civil aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais. Esse desiderato será cumprido através da análise da ADI 5492∕DF.

Palavras-chave: processo administrativo; CPC/2015; limites federativos

Abstract: This study aims to demonstrate the federative limits for subsidiary and supplementary application of the new Civil Procedure Code to state, municipal and district administrative procedures. This objective will be accomplished through the ADI 5492 / DF analysis.

Keywords: administrative procedure; CPC/2015; federative limits.

Sumário: 1. Introdução; 2. ADI 5492/DF: processamento e os fundamentos apresentados. 3. Interpretação conforme a Constituição do art.15 do CPC/2015: uma necessidade federativa. 3.1. Noções gerais sobre interpretação conforme a Constituição. 3.2. A importância federativa do processo administrativo e do seu condomínio legislativo. 3.3. Críticas aos argumentos da Presidência da República, AGU e Senado Federal 4. Considerações Finais

INTRODUÇÃO

A aplicação subsidiária e supletiva do CPC∕2015 aos processos administrativos é expressamente prevista no artigo 15 do novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105∕2015).

Com o ajuizamento da ADI 5492∕DF, surge a seguinte dúvida na doutrina nacional: qual é o limite federativo dessa aplicação do CPC/2015? É possível aplicar o CPC/2015 (lei federal) aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais ou isso violaria as suas autonomias federativas?

Esse tema é de extrema relevância para a Administração Pública brasileira e para o nosso Federalismo Cooperativo. Afinal, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Logo, cada ente federativo deve possuir autonomia para regulamentar o seu respectivo processo administrativo (e a sua própria atividade administrativa).

Nesse contexto, o presente trabalho almeja, através de uma análise crítica da ADI 5492∕DF, evidenciar alguns limites federativos para essa aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015.

1.   ADI 5492/DF: PROCESSAMENTO E OS FUNDAMENTOS APRESENTADOS.

O Governador do Estado do Rio de Janeiro no dia 01/04/2016 ajuizou a primeira Ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5492/DF) contra dispositivos no novo CPC/2015.  Dentre os 11 (onze) dispositivos questionados[1], foi alegada a inconstitucionalidade de uma das interpretações possíveis do art. 15 do CPC/2015 com relação aos processos administrativos.

Segundo a ADI 5492/DF, o art.15 CPC/2015 ao utilizar o termo “processo administrativo” sem a adição de um qualificativo, dá ensejo à interpretação de que a aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 (lei federal) também será destinada aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais. Tal interpretação violaria a autonomia federativa (Art. 18 CRFB/88), posto que não está ao alcance do legislador federal ditar a fonte normativa do processo administrativo dos demais entes políticos.

Para chegar a essa conclusão, o governador traz os seguintes fundamentos: 1) processo administrativo é o meio democrático de produção da atividade administrativa.[2] Logo, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar; 2) a organização federativa brasileira impõe que cada ente político tenha a autonomia legislativa e administrativa (art.18 e 25, caput e §1º CRFB∕88) para disciplinar seu respectivo processo administrativo, de acordo com suas peculiaridades[3]; 3) a competência privativa da União para legislar sobre “direito processual” (art.22, I CRFB∕88) somente abarca o processo jurisdicional, não sendo aplicável ao processo administrativo[4]; 4) diante das lacunas normativas, já são aplicadas as normas da Lei n. 9.784/99 e 5) o processo administrativo já preserva, por imposição constitucional, as garantias do contraditório e ampla defesa (art.5º, LV, CRFB/88), não sendo imprescindível a aplicação do CPC/2015 para tanto.

Por isso, conforme a ADI 5492/DF, não é cabível a imposição do CPC/2015 de “cima pra baixo” (ainda que de forma supletiva e subsidiária) nos processos administrativos dos demais entes políticos. Essa aplicação só caberia se o próprio ente federativo fizesse a opção voluntária de integração do seu ordenamento por normas federais.

 Assim, foi pedida a interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos” constante do art. 15 CPC/2015, para restringir sua incidência à órbita federal, preservando o espaço próprio para cada ente político na definição da fonte subsidiária ou supletiva do respectivo processo administrativo.

A ADI 5492/DF foi distribuída no dia 05/04/2016 para o relator Ministro Dias Toffoli que, diante da relevância da matéria, aplicou a ADI o procedimento abreviado do art.12 da Lei nº 9.868/99.

Diversos amici curiae solicitaram participação no processo: Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (petição 17812/2016), Conselho Federal da OAB (petição 21821/2016), Instituto Brasileiro de Direito Processual (petição 24319/2016), Banco do Brasil (petição 27910/2016), Associação Brasileira de Direito Processual (petição 41849/2016) e o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e DF (petição 43397/2016).

 Até então, já se manifestaram sobre a matéria: a Presidência da República, a AGU, o Senado Federal e o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e DF (esse último emitiu opinião na própria petição para ingressar no feito como Amicus curiae).

A Presidência da República defendeu de forma genérica a constitucionalidade de todos os artigos questionados na ADI, afirmando que o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil teve como corolário a busca por medidas que acelerassem a prestação da Justiça e a efetividade do resultado da ação, sempre observando o respeito ao devido processo legal.

Por sua vez, a AGU também se manifestou a favor da constitucionalidade do art. 15 CPC/2015, alegando que a) a aplicação do novel códex aos processos administrativos é apenas supletiva e subsidiária, é dizer, na ausência de normas dos demais entes federativos, não violando as suas respectivas autonomias, b) caso os entes federativos queiram afastar as normas do CPC/2015 basta legislar em sentido contrário e c) elencou a jurisprudência pacífica do STJ de que é possível a aplicação da Lei nº 9784∕99 (lei federal) de forma subsidiária aos processos administrativos dos demais entes políticos.

Na mesma linha de raciocínio, o Senado Federal alegou que a) a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (art. 22, I CRFB∕88) foi feita de maneira estrita, escorreita e sem qualquer excesso; b) aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 só ocorre na ausência de normas dos demais entes federativos, não violando a autonomias federativas dos demais entes; c) essa aplicação do CPC/2015 visa a formação de um ordenamento completo e sem vácuos, concretizando os princípios da eficiência, dignidade da pessoa humana,  legalidade, celeridade processual, proporcionalidade e razoabilidade.

Por outro lado, o Colégio Nacional dos Procuradores Gerais dos Estados e DF (CNPGEDF) defende a inconstitucionalidade formal orgânica do art. 15 CPC/2015 alegando que: a) todos os entes federativos possuem autonomia federativa para legislar sobre direito administrativo e sua própria Administração; b) a aplicação subsidiária e supletiva deve respeitar a repartição constitucional de competências legislativas e c) não é cabível que eventual omissão legislativa de um ente federativo seja suprida obrigatoriamente por norma de outra esfera, representando verdadeira invasão de competências.

Até o presente momento dessa pesquisa (29/09/2016), aguarda-se manifestação do PGR, que teve vista dos autos eletrônicos no dia 21/06/2016.

2. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO DO ART.15 DO CPC/2015: UMA NECESSIDADE FEDERATIVA.

2.1. Noções gerais sobre interpretação conforme a Constituição

Na existência de uma norma legal polissêmica, o aplicador do direito deve buscar um sentido normativo compatível com a Constituição (“harmony with the Constitution”), visando a manutenção da norma no ordenamento jurídico. Isso decorre, sobretudo, do necessário respeito à supremacia da Constituição, unidade do ordenamento jurídico e presunção relativa de constitucionalidade das leis.[5]

Nesse sentido, a interpretação conforme a Constituição significa um princípio interpretativo e uma técnica de controle de constitucionalidade[6] (art.28, § único da Lei nº 9.868∕99) que visa conservar a norma legal polissêmica quando for possível atribui-la uma interpretação em consonância com a Constituição.[7]

O STF tem adotado, por diversas vezes, essa técnica no controle abstrato de constitucionalidade, na esteira da jurisprudência da Corte Constitucional Alemã, declarando inconstitucionais os sentidos admissíveis da norma que não sejam compatíveis com a Constituição.[8]

Embora seja passível de críticas[9] e possua limitações controversas[10], a interpretação conforme a Constituição representa uma superação do modelo de controle baseado no rígido e inflexível binômio: constitucionalidade/inconstitucionalidade do texto normativo. É uma técnica menos ortodoxa de Justiça Constitucional que permite a flexibilização do sentido do texto normativo (mantendo-o no ordenamento jurídico) e a diminuição da tensão entre Poderes e dos problemas decorrentes do difícil equacionamento entre o respeito à Constituição e o respeito ao trabalho do legislador.[11]

Por isso, segundo Paulo Bonavides, consiste “num dos mais importantes postulados da teoria material da Constituição e da autoridade interpretativa do juiz”.[12]

No caso evidenciado na ADI 5492/DF, a expressão “processos administrativos” constante do art. 15 do CPC/2015, dá ensejo a duas interpretações possíveis diante de um Estado Federal: 1) refere-se somente ao processo administrativo federal, já que o CPC/2015 é lei federal e não pode restringir a autonomia federativa dos demais entes políticos e 2) refere-se a todos os processos administrativos, sejam eles federais, estaduais, municipais ou distritais.

Entendemos que somente a primeira interpretação é compatível com o texto constitucional, pois assegura competência constitucional concorrente sobre processo administrativo (Art. 24, XI c∕c art. 30, II da CRFB∕88) e concretiza um federalismo material através da autonomia federativa de cada ente político para organização e atuação da sua própria Administração Pública (leitura sistemática dos Arts. 1º, 18, 23, 24, 25, 30, I, 39, 48 e 60, §4º, I da CRFB∕88).

Por isso, a nosso ver, existe a necessidade federativa de interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos” no art. 15 do CPC/2015, para restringir a sua aplicação subsidiária e supletiva à órbita federal, permitindo que cada ente federativo defina sua própria fonte subsidiária ou supletiva do seu respectivo processo administrativo.

Explicamos melhor.

2.2. A importância federativa do processo administrativo e do seu condomínio legislativo.

O processo administrativo é uma espécie processual que lida diretamente com a função administrativa do Estado.[13]

Destarte, a atividade administrativa contemporânea é essencialmente processualizada[14], ou seja, construída por meio de um processo administrativo prévio que lhe confere maior legitimidade, controle e eficiência.[15] Isso significa que o gestor público, antes de tomar uma decisão administrativa (comprar um bem, nomear um servidor, aplicar uma punição disciplinar, etc.), deve seguir um devido processo administrativo (licitação, concurso público, processo administrativo disciplinar).

Nesse contexto, legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Assim, em uma República Federativa, é evidente que todos os entes políticos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), no exercício da sua autonomia federativa, devem possuir competência legislativa para disciplinar seu respectivo processo administrativo (leia-se, sua própria atividade administrativa).

Esse condomínio legislativo sobre o processo administrativo decorre de uma interpretação histórica, teleológica e sistemática da Constituição.

Historicamente, o legislador constituinte da CRFB/88 encarou o processo administrativo como um “procedimento em matéria processual” (art.24, XI). Basta percebermos que, desde a primeira fase do anteprojeto da Constituição de 1988 (fase “A” [16]), o primeiro relator constituinte, deputado federal Sigmaringa Seixas[17], evidenciou a importância do tema para a autonomia legislativa e administrativa dos entes federativos. Vejamos:

“8.2.5.3.    O direito administrativo (alínea c) não deve decorrer da exclusiva produção normativa federal, porque sendo a chamada autonomia administrativa uma das parcelas mais relevantes da autonomia geral, deve ser ela, tanto quanto a autonomia financeira, acompanhada de correspondente autonomia legislativa. Cada administração deve poder, dentro de parâmetros gerais, regular sua estrutura administrativa adaptada às suas reais necessidades.

O Anteprojeto da Comissão Provisória prevê essa matéria, designando-a como “direito e processo administrativo”. A expressão processo administrativo, indicando tratar-se de matéria processual no campo da competência comum conflita com o conteúdo do direito processual, em sentido amplo, inserido na competência privativa da União. É de se reconhecer-se que, sendo o chamado processo administrativo parte daquele ramo do direito, não poderá disputar ambas as competências. Se, ao contrário, entender-se o processo administrativo como o conjunto de normas jurídicas relativas a procedimento, aí sim pode este figurar no âmbito da competência comum, sem conflitos. Por isso, o Relator, reconhecendo que o direito administrativo deve ser objeto da competência legislativa comum e que a ele pertentem as normas referentes a procedimento administrativo, inclui tal matéria entre as que são objeto da mencionada competência legislativa comum[18] (grifos nossos)

Esse relator constituinte, assim, deixou muito claro que a matéria do processo administrativo (encarado historicamente como um procedimento[19]) é de competência legislativa “comum” (que hoje denominamos de competência concorrente)[20] de todos os entes federativos, em respeito à sua autonomia legislativa e administrativa.

Ademais, originariamente, o atual art.24, XI da CRFB∕88 (“procedimentos em matéria processual”) teve como primeira redação no seu anteprojeto constituinte, no antigo art. 8º, a expressão “direito e procedimento administrativo”. Ou seja, esse inciso foi destinado ao “procedimento” administrativo. Vejamos como era a primeira redação do anteprojeto:

Art. 8º –  São da competência comum da União Federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios as seguintes atribuições:

XV- legislar sobre:

c) direito e procedimento administrativo[21] (grifos nossos)

Teleologicamente, é notável que a intenção do constituinte foi assegurar (ao menos formalmente) o Estado Federal, visando garantir, simultaneamente, a uniformidade nacional e a adaptação as peculiaridades regionais e locais sobre o tema do processo administrativo. Isso significou a comunhão entre a autonomia federativa dos entes políticos e o tratamento isonômico dos administrados que terão um processo administrativo específico para suas necessidades.[22]

     Nesse condomínio legislativo, assim, a União fixará as normas gerais de processo administrativo visando a uniformidade nacional do tema (v.g., a Lei nº 9.784/99). Já os Estados, Distrito federal e Municípios terão a competência legislativa suplementar para adaptar essas normas gerais às diferentes necessidades da sua atividade administrativa.[23] A ideia do constituinte foi um razoável equilíbrio entre essa uniformidade nacional e adaptabilidade local, é dizer, o grande dilema do federalismo brasileiro, a tão almejada “união na diversidade”.

Ressaltamos, assim, que a norma geral da União, legislação quadro ou moldura que representa os interesses nacionais[24], deve estabelecer um padrão uniforme de modo a evitar enormes desigualdades legislativas e maior risco de atrito entre os entes federativos. Mas, ao mesmo tempo, não deve ser exauriente a ponto de abafar as diversidades regionais e locais, castrando a fertilidade legislativa dos demais entes federativos na criação de soluções jurídicas para seus processos administrativos.[25] Afinal, se a norma geral tudo disser, nada sobrará para ser regulamentado e especificado pelas normas suplementares.[26]

Por meio de uma interpretação sistemática, também é evidente que cada ente federativo possui competência para organização da sua própria Administração Pública. Logo, todos devem poder produzir leis próprias para os processos que constroem suas atividades administrativas. É o que se extrai, notadamente, da leitura conjunta dos arts. 1º, 18, 23, 24, 25, 30, I, 39, 48 e 60, §4º, I da CRFB∕88.[27]

Pelo exposto, o melhor entendimento doutrinário dessa sistemática é no sentido de que a competência legislativa privativa da União para o “direito processual” (Art. 22, I) somente abarca o processo jurisdicional[28], não sendo cabível ao processo administrativo.[29]

De fato, diante da importância do processo administrativo na construção democrática da atividade administrativa, privar a competência legislativa desse tema a esfera federal seria impedir o próprio funcionamento autônomo dos demais entes federativos.

Logo, em uma efetiva República Federativa, a União não poderia exigir que em caso de omissão legislativa, a sua lei federal (leia-se, a sua forma de administrar) seja obrigatória para os demais entes. Isso porque o novel códex processual somente é uma lei nacional com relação ao processo jurisdicional (art. 22, I, CRFB∕88). No âmbito do processo administrativo, diante da competência legislativa concorrente (art.24, XI c/c art.30, II da CRFB∕88), o CPC/2015 é uma lei federal e, em respeito à autonomia legislativa e administrativa dos demais entes federados, não pode ser imposto como norma supletiva ou subsidiária dos Estados, Municípios e Distrito Federal.

2.3. Críticas aos argumentos da Presidência da República, AGU e Senado Federal

Analisaremos agora os argumentos contrários expostos na ADI 5492/DF pela Presidência da República, AGU e Senado Federal, visando demonstrar que os mesmos não merecem prosperar em uma verdadeira República Federativa. 

Os argumentos foram os seguintes:

 I. A aplicação supletiva e subsidiária do CPC/2015 só ocorre na ausência de normas específicas dos entes federativos. Logo, não representa uma violação as suas autonomias, pois caso os entes políticos queiram afastar as normas do CPC/2015, bastaria legislar em sentido contrário.

  Esse entendimento, data máxima vênia, não é compatível com o texto constitucional e distorce a ideia de autonomia federativa.

Basta perceber que esse raciocínio da AGU e do Senado Federal desagua na seguinte conclusão: os Estados, Municípios e Distrito Federal são obrigados a legislar de forma contrária ao CPC/2015 (lei federal), para impedir a sua aplicação subsidiária ou supletiva.

É evidente que esse argumento confunde a autonomia federativa com a imposição legislativa da União, reavivando os resquícios do nosso histórico centralismo político no âmbito federal. Afinal, se existe essa obrigatoriedade, não há propriamente autonomia e nem federalismo cooperativo, mas subordinação.

Uma efetiva autonomia legislativa e administrativa de cada ente federativo significa a faculdade (e não uma obrigação) de criar suas próprias leis de processo administrativo. Até porque o legislador, por muitas vezes, opta por não legislar de forma proposital, é dizer, traz um “silêncio eloquente” como ensina Karl Larenz.[30]

Isso não significa um total vazio normativo sobre o tema, como afirma o Senado Federal. Caso os Estados, Municípios e Distrito Federal, seja por inércia legislativa ou por opção política (silêncio eloquente), não tenham uma lei própria de processo administrativo, serão aplicadas as diretrizes gerais da Lei nº 9.784∕99 (norma geral com base no art.24, §1º da CRFB∕88), sem prejuízo das suas leis esparsas sobre processos administrativos específicos (fiscal, disciplinar, ambiental, etc.).

Legislar sobre processo administrativo é legislar sobre a própria forma de administrar. Logo, não pode a União impor que em caso de omissão legislativa, a sua lei federal (leia-se, a sua forma de administrar) seja obrigatória para os demais entes. A aplicação de uma lei federal por outros entes federativos trata-se de uma faculdade, e não de uma obrigação.

Isso significa que, o CPC/2015 somente pode ser considerado uma lei nacional com relação aos processos jurisdicionais (art. 22, I, CRFB∕88). Por isso, não há maiores discussões sobre os limites federativos dessa aplicação subsidiária e supletiva sobre o processo penal, trabalhista e eleitoral.

Entretanto, o processo administrativo, como já demonstramos, é de competência legislativa concorrente (art.24, XI, CRFB∕88), somente sendo cabível a aplicação subsidiária e supletiva de uma lei federal (CPC/2015), se os Estados, Municípios e DF, no exercício da sua autonomia legislativa, expressamente autorizarem e nos limites dessa autorização.

É o caso da Lei baiana de processo administrativo (Lei 12.209∕11) que prevê a aplicação subsidiária do CPC/2015 somente quanto às regras de incapacidade e impedimento das testemunhas (art.128). É dizer, foi uma opção do legislador estadual, no âmbito da sua autonomia legislativa e administrativa, aplicar as regras federais do CPC/2015 diante dessa lacuna legal específica.

O ente federativo também pode optar por aplicar o CPC/2015 a todo o seu regramento de processo administrativo, como é o caso do legislador porto-alegrense (art. 101 da LC nº 790∕2016).

Nesses casos, o ente federativo optou por essa aplicação, ele não foi obrigado pela lei federal a isso, e nem poderia, se efetivamente desejamos um federalismo material no nosso país.

Portanto, a questão em análise não é uma “simples” aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 como afirmam a AGU e Senado Federal, mas uma imposição inaceitável de uma lei federal sobre os demais entes políticos.

II. A Lei nº 9.784∕99 é federal e segundo jurisprudência pacífica do STJ tem aplicação subsidiária aos processos administrativos dos demais entes políticos

Por força de uma interpretação histórica, teleológica e sistemática da Constituição, a Lei nº 9.784∕99 não é exclusivamente federal, mas sim uma norma geral disciplinada pela União (art.24, §1º da CRFB∕88) visando a uniformidade nacional do processo administrativo.

Quatro são argumentos para esse entendimento defendido: 1) A União está limitada a fixar normas gerais no caso de condomínio legislativo (Art.24, inciso XI c∕c §1º da CRFB); 2) A Lei nº 9.784∕99 apenas menciona a restrição ao âmbito federal no seu art.1º, todavia, nos demais dispositivos fixa princípios constitucionais e diretrizes que podem ser aplicadas para toda a Administração Pública; 3) As legislações estaduais, municipais e distritais de processo administrativo majoritariamente respeitam as diretrizes trazidas pela norma geral (Lei nº 9.784∕99) e fixam peculiaridades de acordo com seus interesse regionais e locais[31], 4) Esse é o entendimento mais potencializa a sistemática constitucional da repartição de competências e a autonomia federativa dos entes políticos. 

Ademais, o STJ já reconheceu em decisões anteriores que o a Lei nº 9.784∕99 trata-se de norma geral.[32] Até mesmo o próprio STF, historicamente centralista no tema do federalismo, já admite que o processo administrativo seja tema destinado ao condomínio legislativo de todos os entes federados.[33]

Nesse sentido, entendemos pela inconstitucionalidade material do art. 1º da Lei nº 9.784.99[34] por flagrante violação do sistema federalista de repartição constitucional de competência legislativa (arts. 24, XI e §1º da CRFB∕88). Foi um notável equívoco do legislador restringi-la ao âmbito federal, demonstrando os resquícios do nosso federalismo centralista e formal.

III. A aplicação subsidiária e supletiva do CPC/2015 visa a formação de um ordenamento completo e sem vácuos no direito administrativo.

Esse argumento do Senado Federal faz relembrar o ingênuo mito positivista exegético da completude das leis que, há muito tempo, não faz mais sentido para a Teoria do Direito.[35]

Ademais, ao contrário do que ocorre nas outras ciências jurídicas, o nosso Direito Administrativo não é codificado. Por conta do regime federativo adotado no Brasil, cada ente político (União, Estados, DF e Municípios) tem competência para editar normas referentes a sua respectiva Administração Pública, exceção apenas para alguns assuntos cuja competência seja privativa da União.[36] Destarte, as normas de Direito Administrativo estão contidas em inúmeras leis esparsas editadas em âmbito federal, estadual, distrital e municipal.

Segundo assinala Jean Rivero, mesmo os países cujo direito privado é tradicionalmente codificado (civil law), não foram editados códigos de Direito Administrativo:

“Ora, país algum, salvo erro, possui um verdadeiro Código Administrativo, devendo ficar claro que não se poderia aplicar o nome de Código ao agrupamento de leis e de regulamentos próprios a uma matéria administrativa que, na França e em vários países estrangeiros, se rotulam com esse nome. Isto acarreta duas consequências: do ponto de vista material, é preciso procurar as regras administrativas, onde elas estiverem – e elas estão, em todos os países, esparsas em múltiplos documentos.”[37]

Diante do nosso regime federalista, assim, não faz o menor sentido que o CPC/2015 (norma federal e que trata do direito processual judicial) indiretamente “codifique o direito administrativo” reunindo todas as normas que obrigatoriamente deverão ser seguidas pelos demais entes políticos em caso de omissão. As leis esparsas de direito administrativo são uma consequência lógica da autonomia legislativa e administrativa de cada ente federado.

O CPC/2015, ainda que traga normas de Teoria Geral do Processo, não pode ser confundido com um Código Civil Napoleônico, com a ingênua pretensão de codificar tudo for juridicamente relevante. Em um sistema federal efetivo é inadmissível que a aplicação do CPC/2015 vise uma suposta completude normativa do direito administrativo.

Nesse diapasão, por mais que o Senado Federal tenha a boa intenção de conferir maior operabilidade ao direito administrativo, não pode passar por cima dos alicerces democráticos da nossa República Federativa.

IV. O CPC/2015 é constitucional, pois busca medidas que acelerem a prestação da Justiça e a efetividade do resultado da ação. Com relação ao processo administrativo concretiza os princípios da eficiência, dignidade da pessoa humana, legalidade, celeridade processual, proporcionalidade e razoabilidade.

Não negamos que o legislador se empenhou ao máximo para dar ares constitucionais ao novel códex (vide a parte das normas fundamentais: arts.1º – 12) e trazer disposições importantes para um processo (judicial e administrativo) mais eficiente e democrático.

Ocorre que a aplicação do CPC/2015 (lei federal) aos processos administrativos estaduais, municipais e distritais, quer o legislador queira ou não, encontra um limite federativo instransponível: a autonomia legislativa e administrativa desses entes federados.

Assim, o CPC/2015 não pode subverter todo o sistema constitucional de repartição de competências que assegura a nossa República Federativa.

Insistimos que isso não inviabiliza a aplicação do CPC/2015 aos outros âmbitos federativos. Caso os Estados, Municípios ou DF optem (dentro da sua autonomia) pela aplicação subsidiária ou supletiva do CPC/2015 ao seu ordenamento jurídico, basta o seu legislador autorizar essa aplicação (como já aconteceu com a lei baiana e porto-alegrense).

Ademais, o processo administrativo não é kafkaniano[38], pelo contrário, ele é o meio democrático de construção da atividade administrativa e já assegura em sua base principiológica a legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência (art.2º Lei nº 9.784∕99).

O legislador federal, nesse diapasão, deve respeito ao federalismo material e às peculiaridades do direito administrativo dentro do nosso sistema jurídico.

CONCLUSÃO

Por fim, diante de tudo que foi exposto nessa pesquisa e na linha da ADI 5492/DF, entendemos pela necessidade federativa da interpretação conforme a Constituição da expressão “processos administrativos” constante do art. 15 CPC/15, para restringir sua incidência à órbita federal, preservando o espaço próprio para cada ente político na definição da fonte subsidiária ou supletiva do respectivo processo administrativo.

Caso os Estados, Municípios ou DF optem (dentro da sua autonomia federativa) pela aplicação subsidiária ou supletiva do CPC/2015 ao seu ordenamento jurídico, basta o seu legislador autorizar essa aplicação.

Esse é o meio mais proporcional de conservar o art. 15 do CPC/2015, conferindo-lhe um sentido compatível com a República Federativa Brasileira.

Esperamos que o STF não mantenha sua linha conservadora e centralista, e defira esse pedido da ADI 5492/DF, dando um passo importante na construção do nosso almejado Federalismo Cooperativo.

 

Referências
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_______. Carlos Ari. Sistema Constitucional de Competências. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 01, 1993
 
Notas
[1] Foram questionados nessa ADI: a aplicação do CPC aos processos administrativos estaduais (art.15); a opção do foro de domicílio do autor quando réu o Estado (art.52, parágrafo único); foro de domicílio do réu na execução fiscal (art.46, §5º); Administração Estadual e atribuição para receber citação (art.242, §3º); concessão liminar de tutela da evidência fundada em precedente vinculante (art.9º, parágrafo único, II, e 311, parágrafo único); depósitos judiciais e a definição da instituição financeira (arts.535, §3º, II, e 840, I); vinculação da Administração Pública para a “efetiva aplicação” de tese firmada em julgamento de casos repetitivos (arts.985, §2º, e 1.040, IV) e a repercussão geral presumida quando declarada inconstitucional lei federal (art 1035, §3º, III).

[2] BATISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

[3] ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Princípios Constitucionais do processo administrativo, Revista de Direito Administrativo, n.209, jul∕set 1997, p.196 e 197; SUNFELD, Carlos Ari. A importância do procedimento administrativo. Revista de Direito Público, vol 84, 1987

[4] BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Tese (doutorado). UFBA. Faculdade de Direito. 2015

[5] MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação (Mestrado). PUC-SP, 2008, p. 155-160.

[6] A interpretação conforme a Constituição possui natureza dúplice. Significa tanto um princípio interpretativo, quanto uma técnica de controle de constitucionalidade. MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação (Mestrado). PUC-SP, 2008, p. 155-160.

[7] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 7ª ed.,2012, p.1520-1522

[8] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. Salvador: Juspodivm, 6ª ed, 2012, p.236-237

[9] Virgílio Afonso da Silva afirma que essa técnica viola a separação de poderes, pois transforma o STF em um legislador positivo. Segundo o autor, o STF aplica a sua interpretação ao dispositivo legal para compatibilizá-lo com aquilo que o próprio tribunal, e ninguém mais, crê que seja constitucional. Serve como uma fórmula para excluir qualquer “desobediência” interpretativa por parte de quase todos os órgãos estatais. Concordamos com o autor que é bem verdade que muitas vezes a técnica é empregada com excessos pelo Supremo, atuando como verdadeiro “legislador positivo”. Mas entendemos que isso não é um problema da técnica em si mesma, e sim da sua incorreta aplicação. Vide: SILVA, Virgílio Afonso da. La interpretación conforme a La Constitución. Entre la trivialidad y la centralización judicial. In: Revista Mexicana de Derecho Constitucional, n. 12, jan-jun. 2005.

[10] Embora seja pacífico na doutrina e jurisprudência que só caiba a interpretação conforme se a norma for polissêmica. Existe enorme polêmica com relação ao grau de liberdade conferido aos magistrados para utilização dessa técnica. Uma corrente doutrinária restringe essa técnica à vontade legislativa e as possibilidades normativas do texto, visando evitar que o judiciário se torne um “legislador positivo”. Outra vertente defende que o Judiciário tenha uma postura mais ativa, mediantes decisões corretivas que não somente redefinam o conteúdo do texto, mas adaptem-no ao texto da Constituição. De forma didática, vide: MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação (Mestrado). PUC-SP, 2008.

[11] MACIEL, Silvio Luiz. Interpretação conforme a Constituição. Dissertação (Mestrado). PUC-SP, 2008, p. 155-160.

[12] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 15ª ed, 2004, p. 517- 518.

[13]MEDAUAR, Odete. Op.cit, p.41; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 396.

[14] Seja por meios unilaterais, como os atos administrativos, seja através do consentimento, por contrato ou acordo, a vontade da Administração sempre se expressa através de um processo. Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em Busca do Acto Administrativo Perdido. Coimbra: Almedina, 1998, Colecção Teses, p.121 e 301 e ss.

[15] Para um maior aprofundamento do tema, recomendamos nosso artigo: REIS, Clóvis Mendes Leite Reimão dos. O processo administrativo contemporâneo: Legitimidade, Controle e Eficiência da atividade administrativa em prol da construção de um Estado Democrático e Social de Direito. Revista Síntese Direito Administrativo. v.11, n◦ 127 – Julho∕2016. P.97-119

[16] O processo constituinte da CRFB∕88 foi composto por 23 fases que foram organizados em sequência alfabética da letra “A” até a “Y”. Como ressalva a essa sequência alfabética, não existiu a fase “D” e a fase J e K foram feitas em conjunto. 

[17] Esse foi o relator da fase “A” da redação da Comissão de Organização do Estado, subcomissão da União, DF e Territórios.

[18] BRASIL. Assembléia Nacional Constituinte. Anteprojeto do Relator da Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Fase “A”, vol.87, Relator: Constituinte Sigmaringa Seixas, 1987, P.10. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-87.pdf>, acessado em 24.07.2016.

[19] Nesse ponto, verificamos que o legislador constituinte adotou o posicionamento doutrinário que compreende o processo administrativo como um mero “procedimento”. Essa concepção já é ultrapassada, o termo mais adequado é “processo” administrativo, pois denota a sua relação com o contraditório e a ampla defesa, institutos necessários em um Estado democrático de Direito.  Vide: MEDAUAR, Odete. A processualidade no Direito administrativo. São Paulo: Revista dos tribunais, 1993, p.35-41, MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 11. Ed, rev. e atual., 1998, p.396

[20] Inicialmente, a denominação conferida era “competência legislativa comum”, posteriormente, após inúmeras alterações no anteprojeto, os constituintes preferiram a expressão “concorrente” e utilizaram a expressão “comum” para designar a competência administrativa.

[21] Ocorre que esse tema da competência “comum” (leia-se concorrente) e legislativa dos entes políticos foi por diversas vezes alterada ao longo do processo constituinte. Somente na Fase “N” da redação constituinte, teremos a inclusão da polêmica expressão “procedimentos em matéria processual”. BRASIL. Assembléia Nacional Constituinte. Anteprojeto do Relator da Subcomissão da União, Distrito Federal e Territórios. Fase “C”, vol.87, Presidente: Constituinte Jofran Frejat, Relator: Constituinte Sigmaringa Seixas, 1987, p. 8-9. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/constituicao20anos/DocumentosAvulsos/vol-87.pdf>, acessado em 24.07.2016.

[22] CRETELLA JUNIOR, José. Comentários a Constituição de 1988. 2 ed. V. 3. São Paulo: Forense universitária, 1991, p. 1581.

[23] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competência constitucional dos Estados em matéria de Procedimento (art.24, XI, da CRFB∕88): ponto de partida para a releitura de alguns problemas do processo civil brasileiro em tempo de novo CPC. Revista Eletrônica de Direito Processual- REDP. Volume VII. 2015. p. 22-25. BRAGA, Paula Sarno. Norma de processo e norma de procedimento: o problema da repartição de competência legislativa no direito constitucional brasileiro. Tese (doutorado). UFBA. Faculdade de Direito. 2015, p. 337

[24] O conceito de norma geral é extremamente polêmico. Defendemos aqui que se trata de um conceito jurídico aberto, sendo melhor identificado no caso concreto. Todavia, visando estabelecer o seu conteúdo mínimo, dentre os diversos critérios doutrinários existentes, adotamos o critério eclético defendido por Paula Sarno. Segundo a autora, a norma geral é ampla com relação ao seu conteúdo, seus sujeitos e seus fins. É uma norma que trata de todo o necessário para atender interesse nacional na matéria, isto é, aquele interesse que diga respeito a mais de um ente federativo e que exija tratamento uniforme, em todo o território brasileiro, para toda população e todas as ordens parciais (inclusive a central/federal). BRAGA, Paula Sarno. Op.cit, p.300-301

[25] ARAUJO, Marcelo Labanca Corrêa de. Normas gerais no Federalismo brasileiro: explicando e contextualizando o papel da União na repartição de competências legislativas concorrentes. Este trabalho está no prelo de ser divulgado no livro Dilemas da Constituição de 1988, publicação em 2016.

[26] Embora também seja um conceito polêmico na doutrina, entendemos normas suplementares como aquelas que visam especificar as normas gerais, de modo a atender determinado interesse regional ou local. BRAGA, Paula Sarno. Op.cit, p.300-301

[27] Segundo Carlos Ari Sunfeld, a exceção a essa regra seriam os processos administrativos de desapropriação que por força do art.22, II seriam de competência privativa da União. SUNDFELD, Carlos Ari. Sistema Constitucional de Competências. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 01, 1993, p. 274-276.

[28] Ressaltamos que segundo a professora baiana Paula Sarno sequer o processo jurisdicional seria de exclusividade legislativa da União. A autora, em uma postura moderada e que valoriza a autonomia federativa, afirma que o art. 22, I, CRFB∕88, só seja aplicável aos processos da Justiça Federal, e o art. 24, XI, CRFB∕88, seja para legislar sobre processo e procedimento que tramite na Justiça Estadual ou Distrital. BRAGA, Paula Sarno. Op.cit, p.340-343.

[29] ROCHA, Carmen Lucia Antunes. Princípios Constitucionais do processo administrativo, Revista de Direito Administrativo, n.209, jul∕set 1997, p.196 e 197.

[30] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

[31] Essas leis, majoritariamente, reproduzem a parte principiológica e estruturante da Lei 9.784 (respeitam as normas gerais) e inserem peculiaridades necessárias aos seus interesses locais, como por exemplo, a regulamentação do processo eletrônico (art.6º, §2º e art. 22, §§4º-5º da Lei goiana nº 13.800∕01; arts. 85 a 100 da Lei baiana nº 12.209∕11 e arts.7º, I; 11, III e 28 da Lei piauiense nº 6782/2016) e de diversas espécies de processos administrativos, como sancionatório, invalidação de atos e contratos administrativos, reparação de dano, obtenção de certidão, obtenção e retificação informações pessoais, justificação, denúncia, concurso público e processos seletivos (as leis estaduais de São Paulo (arts 52-89 Lei 10.117∕98), Rio grande do Norte (arts. 80-120 da LC 303∕05), Maranhão (arts.74 -82 da Lei 8.959∕09), Bahia (arts 100-181 Lei 12.209∕11) e Piauí (arts. 48-82 da Lei 6782/2016).

[32] O relator Ministro Marco Aurélio Belizze afirma expressamente que a LPA “tratar-se de norma que deve nortear toda a Administração Pública”. Vide: BRASIL. STJ. AgRg no REsp 1092202 DF 2008/0212281-9. Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j.11.04.2013;

[33] BRASIL. STF. ARE 948142 PR 0001739-36.2013.8.16.000. Rel: Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 19.02.2016. DJe- 035 25.02.2016.

[34] Nesse ponto concordamos com Marçal que também defende a inconstitucionalidade da mesma. Vide: JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 9. Ed., 2013, p.389.

[35] Esse mito visava a codificação de todo o direito, baseado na Escola francesa de Exegese do séc. XIX. Aos poucos a ideia de completude do ordenamento jurídico foi cedendo espaço para novas situações sociais. De fato, constatou-se que o subsistema normativo não teria como prever todos os fatos juridicamente relevantes, eis que o legislador não era exaustivo na sua missão de criação normativa, tampouco tinha o dom da futurologia. É o que o jurista português Castanheira Neves denomina de “Era do Ser”, o texto da lei tem essência em si mesmo, o direito torna-se um objeto, é analisado sobre uma linguagem objetiva. Vide: NEVES, António Castanheira, Metodologia jurídica – Problemas fundamentais. Coimbra editora, 2013, p.85-100.

[36] Como ocorre, por exemplo, nas legislações sobre desapropriação e sobre normas gerais de licitação e contratos administrativos, conforme art.22, II e XXVII.

[37] RIVERO, Jean. Curso de direito administrativo comparado. Tradução de J. Cretella Jr. São Paulo: RT, 1995, p.50.

[38] A metáfora faz referência ao simulacro de processo que existe na clássica obra de Franz Kafka, um verdadeiro labirinto, armadilha e cilada, no qual sempre se entra, do qual jamais se sai com vida ou integridade. KAFKA, Franz. O processo. São Paulo: Companhia de Bolso, 2005.


Informações Sobre o Autor

Clóvis Mendes Leite Reimão dos Reis

Pós-graduando em Direito Processual Civil. Especialista em Direito Público. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia UFBA. Membro do grupo de pesquisa “Fundamentos para uma Nova Teoria do Direito Administrativo” da UFBA. Técnico Administrativo do Ministério Público do Estado da Bahia


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