A compra de bebidas alcoólicas para a administração pública viola o princípio da moralidade?


O Princípio da Moralidade, de acordo com a Filosofia Moral de Kant é: “Aja apenas de acordo com aquela máxima que você pode, ao mesmo tempo, tencionar que se torne uma lei universal.” Mas, conforme outros filósofos fizeram ver, a observação e a experiência individual da vida de quaisquer duas pessoas provavelmente seriam diferentes e assim as suas conclusões quanto ao que deveria se tornar lei universal variaria. Multiplique isto pela população da terra e terá em suas mãos o caos moral.


Ainda hoje, agir com moralidade está entre as mais importantes condutas. Aurélio Buarque de Holanda define a palavra moral, ou moralidade, como o “conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada”. Essa definição admite complementos. Agir com moralidade depende não somente de cada pessoa, mas também da maneira como esta considera o que é justo com base nas circunstâncias do caso concreto, considerando também por quais meios se obterá o resultado pretendido. Portanto, não se pode considerar como moralmente corretas atitudes que desconsideram interesses alheios legítimos.


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Por exemplo, Nicolau Maquiavel acreditava que era justo e moral um governante ser cruel e usar de subterfúgios para manter-se no poder. Com tal atitude recebeu inúmeras críticas, especialmente pela falta de moralidade. Aqueles que o admiravam, entretanto, defendiam-no afirmando que ele foi um dos únicos que verdadeiramente entendia o mundo político e teve a coragem de descrevê-lo como ele realmente é.


Práticas que não refletem como moralmente corretas são amplamente utilizadas em todas as áreas, profissionais ou pessoais para se atingir variados resultados. Tais práticas, é verdade, têm ajudado a encontrar muitas “soluções” onde parecia impossível. Mas nunca é demasiado lembrar que mesmo bem intencionadas, as condutas praticadas têm suas conseqüências, maiores ou menores, mais ou menos graves.


Exemplos de condutas desprovidas de moralidade são costumeiramente associados com as atitudes de governadores, prefeitos, deputados, senadores etc. Alguns atos considerados atentatórios à moralidade administrativa são facilmente reconhecidos mesmo por aqueles que não têm conhecimento de leis e normas administrativas. A facilidade com que parentes de políticos assumem cargos em comissão, a exigência de propinas e as compras feitas em licitações com preços superfaturados são alguns exemplos.


Dentre as orientações de conduta impostas no amplo leque de regras da Lei de Improbidade Administrativa está a obrigatoriedade de o administrador público agir com moralidade. Tal como um navegante num mar desconhecido, este precisa de mapas e de instrumentos confiáveis para traçar um rumo constante e seguro, um guia confiável para tomar as decisões com que se deparar diariamente. Um guia moral esdrúxulo ou incoerente não serve, tampouco serve um guia que funcione apenas em certas ocasiões. O guia de moral perfeito tem de transcender vontades pessoais e interesses políticos.


Não basta, por outro lado, ter apenas conhecimento de princípios de moralidade, legalidade, de normas e propósitos de governo ou boas intenções no exercício do poder. Amplo conhecimento do tão complexo sistema público, em si mesmo, não melhorará o funcionamento da administração. A consciência, embora possa exercer profundo efeito sobre as decisões tomadas, é apenas o reflexo da natureza moral da pessoa. A consciência precisa fazer mais do que apenas dizer o que devemos ser; precisa identificar o que se deve fazer como correto e justo.


É verdade que não existe um manual para o administrador público, tal como um código civil, penal etc. Como fazer então para que suas decisões sejam acertadas, já que sua vontade, ou aquilo que considera como moralmente correto, não pode ser a única razão de agir nas esfera pública? Para se evitar o total descaso com o dinheiro público, “o agente público, no desempenho das funções administrativas de sua competência, tem o dever constitucional de se pautar sempre pela moralidade. Todos os seus atos de gestão administrativa devem ser inspirados e sedimentados na ética e no bem comum. Em decorrência, o atuar do administrador sem lisura, de má-fé, por espírito de emulação, desviado da finalidade legal ou motivado por interesse pessoal, implica violação do princípio da moralidade.”


Clareando essa questão, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que não basta agir bem intencionado para que as ações imprudentes impliquem sanções mais amenas. Segundo a doutrinadora:


“Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre, quando o conteúdo de determinado ato contraria o bom senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa-fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige a proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir; entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos.”


A Lei de Improbidade Administrativa é bastante severa e prevê punição ao agente público que viole o princípio da moralidade, que cometa atos de improbidade não só os descritos em sem seus artigos e no § 4º do art. 37 da Constituição Federal. Para o administrador dos bens e dinheiro público, não basta, entretanto, apenas agir com moralidade. Outro princípio tem consonância e deve ser considerado, o princípio da razoabilidade.


A razoabilidade indica uma proporção entre os fins buscados pela Administração Pública e os meios que serão utilizados para alcançar esses objetivos. Ações desprovidas de justificativas razoáveis e morais, que desconsiderem o interesse coletivo, serão consideradas, também, desarrazoadas. O objeto, em si, não leva, num primeiro momento, a punições. Deve-se conjugar o objeto com o seu motivo. Como hipótese, se a Administração pretende adquirir, mesmo com o amparo de um procedimento licitatório, bebidas alcoólicas, essa atitude será considerada como ímproba, ou seja, estaria violando os princípios da moralidade e razoabilidade?


São incontestáveis os males que as bebidas alcoólicas causam à saúde dos cidadãos, isso, é claro, se ingerida em excesso e, noutra visão, os males causados à coletividade com gastos excessivos em bebidas pela Administração Pública. Esta soma em dinheiro, poderiam afirmar, seria muito melhor empregada na construção e melhoria de hospitais, escolas, estradas etc. É bom lembrar que o objeto da compra (bebida alcoólica) não representaria impedimento à sua compra em licitação. Resta saber o motivo para sua aquisição. Como não pode impor sua vontade, bastará ao administrador público saber conjugar os princípios da legalidade, finalidade e moralidade.


O Tribunal de Contas de Minas Gerais publicou a súmula n° 20, esclarecendo: “As despesas com homenagens, jantares hospedagens e festividades a autoridades Municipais, Estaduais, Federais e Estrangeiras são legais, se realizadas com a dotação orçamentária própria.” Nesta pequena súmula as primeiras barreiras já foram superadas. Segundo o Egrégio Tribunal, a compra de bebidas alcoólicas estará dentro dos padrões legais desde que destinadas a recepcionar e homenagear autoridades públicas e que a finalidade de tais aquisições seja de interesse do município ou da coletividade. Se se pretende adquirir bebidas e como complemento convidar autoridades para se enquadrar no tipo de despesa estará errado, ou melhor, imoral. Se as bebidas fossem adquiridas e nem sequer houvesse convidado as autoridades, ou que a quantidade fosse exagerada, não se pode presumir que o fim da aquisição, ou seja, a finalidade para a licitação que foi feita, se destina a homenagens a autoridades públicas. Se meses depois essas autoridades que a Administração pretendia homenagear recusassem ou não pudessem estar presentes não há que se presumir a legalidade, a finalidade e a moralidade do procedimento licitatório.


     A bebida alcoólica em si não é responsável pela violação ao princípio da moralidade, nem será motivo para punição ao ordenador dessa despesa. O motivo da compra é que deve ser levado em conta. Haverá mais ocasiões em que a moralidade precisará ser observada, não só pela ausência de preceitos legais, mas também por ser, talvez, a única maneira válida de agir. Uma boa decisão, mesmo em assuntos pessoais, está em observar uma regra bastante simples, mas de uma extrema sabedoria. “Assim como quereis que os homens façam a vós, fazei do mesmo modo a eles”. É uma declaração que soa tão simples, mas quando realmente se pensa nela de modo sério, verifica-se que é uma profunda jóia de sabedoria no assunto da moralidade. Que absolutamente bela filosofia para aqueles que lidam com o dinheiro público!


Fontes:


PAZZAGLINI FILHO, Marino. Princípios constitucionais da administração pública: agentes públicos, discricionariedade administrativa, extensão da atuação do Ministério Público e do controle do poder judiciário. São Paulo: Atlas, 2000.


DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991.


PAZZAGLINI FILHO, Marino, ROSA, Márcio F. Elias, FAZZIO JR., Waldo. Improbidade administrativa: aspectos da defesa do patrimônio público. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998.


Boletim Técnico n° 195. Instituto de Gestão Fiscal. Nilton César Martins Campos, 2007, p. 4.


http://www.camara.gov.br/internet/agencia/materias.asp?pk=47640


Watchtower Library, edição de 1997, v.3, g93 8/8 O guia moral perfeito, p. 3.


Watchtower Library, edição de 1997, v.3, g81 8/7 A busca de conhecimento, p. 3.



Informações Sobre o Autor

Bruno Soares de Souza

Acadêmico do Curso de Direito das Faculdades Integradas do Oeste de Minas – FADOM/Divinópolis/MG


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