Resumo: A escolha do Brasil para sediar grandes eventos mundiais, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, fez com que o Governo Federal repensasse as formas de contratação pública existentes. A partir da necessidade de se buscarem métodos mais céleres de contratação, foi instituída a Medida Provisória nº 527 de 2011, posteriormente convertida na Lei nº 12.462/2011, que criou um regime diferenciado de contratações públicas. Contudo, muito se tem discutido acerca da constitucionalidade desse novo regime, que esbarra em vários princípios do Direito Administrativo brasileiro, como adiante se verá. O objetivo do presente estudo é, justamente, abordar os principais pontos da Lei 12.462/2011, que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) , apresentando aspectos relativos à sua (in)constitucionalidade.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Constitucionalidade. Contratações Públicas.
Abstract: The choice of Brazil to host major global events, such as the World Cup of 2014 and the Olympics in 2016, has meant that the Federal Government reconsider the existing public procurement forms. From the need to seek faster hiring methods, was established the provisional measure no. 527 of 2011, subsequently converted into law No. 12,462/2011, which created a differentiated regime of public contracts. However, much has been discussed about the constitutionality of this new scheme, which stumbles in several Brazilian administrative law principles, as will be seen below. The objective of the present study is to address the main points of the law, which established 12,462/2011 the Differentiated Regime of Signings – DRC – featuring aspects of their (in) constitutionality and other controversial topics around the theme.
Keywords: Administrative Law. Constitutionality. Public Signings.
Sumário: Introdução. 1. A inconstitucionalidade da Lei 12.462/2011. 1.1 Inconstitucionalidade formal. 1.1.1 Ausência dos requisitos de relevância e urgência para a edição da Medida Provisória nº 527/2011. 1.1.2 Afronta ao devido processo legislativo e ao princípio da separação dos poderes. 1.1.3 Ofensa à Lei Complementar nº 95 de 1998. 1.1.4 Violação das regras de repartição de competência. 1.2 Inconstitucionalidade material. 1.2.1 Artigo 1º: ofensa ao artigo 37, XXI, da Constituição Federal. 1.2.2 Art. 6º: orçamento sigiloso. 1.2.3 Artigo 8º e 9º: contratação integrada e instrumento convocatório. 1.2.4 Art. 10: remuneração variável. 1.2.5 Art. 11: contratação de mais de uma empresa para executar um mesmo serviço. 1.2.6 Art. 23: maior retorno econômico e contrato de eficiência. 1.2.7 Ofensa aos artigos 225 e 226 da Constituição: danos ambientais. 2 Ampliação da área de aplicação Do RDC. Conclusão.
INTRODUÇÃO
A Lei 12.462/11 originou-se de uma Medida Provisória – MP nº 527 de 2011 – que em seu texto original dispunha tão somente sobre a organização da Presidência da República e Ministérios, a criação da Secretaria de Aviação Civil, a alteração da legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), a criação de cargos de Ministro de Estado e cargos em comissão e sobre a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários, criando cargos de Controlador de Tráfego Aéreo.
Por já estarem se aproximando os eventos mundiais dos quais o Brasil seria sede (Copa das Confederações em 2013 e Copa do Mundo em 2014, além dos Jogos Olímpicos de 2016), o Governo Federal mobilizou sua base aliada no Congresso Nacional, a fim de que fosse apresentado um projeto de lei de conversão, incluindo no texto uma série de dispositivos estranhos ao tema originariamente apresentado. Foi assim que surgiu a lei em comento, alvo de críticas quanto à sua constitucionalidade, conforme será apresentado.
Este estudo desenvolve-se por meio de uma pesquisa bibliográfica, caracterizada pela revisão de literatura. Da mesma forma, foram também utilizadas pesquisas em jornais e meios eletrônicos em geral, a fim de trazer ao debate assuntos mais atuais correlatos ao tema aqui tratado.
1 Ofensa à Lei Complementar nº 95 de 1998
A Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998 dispõe precisamente sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal. Consoante o disposto no art. 7º, incisos I e II[1], cada lei deve tratar de um único objeto e não poderá conter matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada.
Como já apresentado anteriormente, a Medida Provisória da qual se originou a Lei 12.462/11 possuía um texto simplificado que não guardava relação com normas de contratação pública, muito menos com a instituição de um novo regime de contratação, estando direcionada tão somente à regulamentação de cargos no Poder Executivo federal.
Nesse sentido, o texto aprovado e atualmente em vigor acumula matérias distintas, tratando tanto de objetos diversos, como de matéria não vinculada ao objeto principal, em uma afronta clara, portanto, ao que dispõe a Lei Complementar nº 95.
2 INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL
2.1 Afronta ao devido processo legislativo
A inclusão pelo Congresso Nacional de dispositivos relativos a um novo regime de contratações públicas que em nada se relaciona com a matéria originalmente tratada pela Medida Provisória nº 527, violou de forma incisiva o devido processo legislativo, previsto nos artigos 59 e 62 da Constituição da República
Isto porque é conferida ao Congresso Nacional, de fato, a faculdade de propor emendas em sede de medidas provisórias, conforme o disposto no art. 62, § 12º da Constituição. Entretanto, as emendas propostas pelo Poder Legislativo devem guardar pertinência temática com o estabelecido pelo texto original da medida provisória, o que não ocorreu no caso em apreço.
Ao analisar o texto da Lei 12.462/11 é possível identificar que os assuntos ali abordados se referem a matérias totalmente distintas. Conforme a redação da referida lei, as normas aplicáveis às contratações públicas estão disciplinadas em seu Capítulo I, de forma que o seu Capítulo II traz disposições relativas à organização do Poder Executivo federal, o que foge à regra da pertinência temática.
Dessa forma, a MP 527/11, posteriormente convertida na Lei 12.462/11, traz em seu bojo a regulamentação de dois temas distintos, em violação ao devido processo legislativo, ante a ausência de um pressuposto necessário, qual seja a pertinência temática.
2.2 Ausência dos requisitos de relevância e urgência para a edição da Medida Provisória nº 527/2011
Na petição inicial[2] da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.645, os legitimados ativos alegam vício formal na Lei 12.462/11 ante a instituição, por meio de Medida Provisória, de normas que originalmente não possuíam caráter urgente ou relevante.
Isso porque, como dito, a medida provisória previa em seu texto tão somente a reorganização da Administração Pública federal, matéria na qual não há como vislumbrar relevância e urgência, até porque tal reestruturação é comum ao Poder Público, como afirmam os autores da referida ADI. Clara está, nesse ponto, a violação ao art. 62 da Constituição de 1988, que estabelece como pressupostos para a edição de medidas provisórias a relevância e urgência do objeto tratado.
2.3 Violação das regras de repartição de competência
De acordo com o disposto no art. 22, XXVII da Constituição Federal[3], compete à União instituir normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades. Assim o fazendo, a União edita normas gerais e abstratas direcionadas a todos os entes federados, cabendo aos Estados a competência para instituir normas suplementares compatíveis com as normas gerais acerca da matéria.
Nesta sorte, se a Lei 12.462/11 regulamenta as licitações e contratos tão somente dos entes federados onde serão realizados os eventos desportivos mencionados e não de todos os entes da Federação, não há como entender de outra forma, senão que tal norma não possui caráter geral. Diante dessa conclusão, percebe-se que tal norma padece de inconstitucionalidade formal, uma vez que as normas instituídas pela União que não têm caráter geral apenas poderiam ser dirigidas à Administração Pública federal.
Nesse mesmo sentido está o posicionamento de REZENDE (2011, p. 13), o qual entende, ainda, que "se há normas gerais na Lei 8.666/93, a Lei do RDC não poderia afastar de todo a sua aplicação, como o faz no § 2º de seu art. 1º. Visível, pois, a inconstitucionalidade da lei nesse ponto".
Assim, quando legislações específicas contrariam as normas gerais – como é o caso da Lei 12.462/11 que fere diretamente o disposto na Lei Geral de Licitações (Lei 8.666/93) – o entendimento recente do Supremo Tribunal Federal[4] é de que tal hipótese configura violação direta às regras de repartição de competência da Constituição Federal, podendo, inclusive, ser arguidas em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, até porque há ofensa, também, à autonomia dos entes federados.
2.4 Violação ao Princípio da Separação dos Poderes
Já com relação ao princípio da separação dos Poderes, há afronta ao art. 2º da Carta Magna em razão de ser da competência do Poder Executivo editar Medidas Provisórias, sendo atribuído a este o papel de identificar os critérios de relevância e urgência da matéria.
Certo é que o Poder Executivo avalia os critérios de relevância e urgência, cabendo ao Legislativo a deliberação sobre o atendimento de tais pressupostos constitucionais, conforme o art. 62, § 5º, CF, o que decorre essencialmente do sistema de freios e contrapesos.
Contudo, o poder/dever de deliberar sobre o atendimento desses requisitos significa, por assim dizer, tão somente a revisão de tal ato e não a própria discriminação do que é ou não relevante ou urgente – o que, repita-se, é da competência exclusiva do Presidente da República.
Nesta sorte, ao inserir no texto da MP nº 527 uma matéria nova, o Poder Legislativo usurpa a competência do Poder Executivo, em uma clara afronta ao devido processo legislativo e ao princípio da separação dos Poderes.
3 INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
Com relação à inconstitucionalidade material da Lei nº 12.462/11, importante se faz a análise de alguns dispositivos principais. Acerca da violação de preceitos constitucionais, o Grupo de Trabalho da Copa do Mundo da FIFA 2014 da 5ª Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, quando de sua manifestação sobre o Projeto de Lei de Conversão da MP nº 527/2011, elaborou uma Nota Técnica[5] na qual se manifesta contrariamente ao projeto por entender por sua inconstitucionalidade.
Serão apresentados a seguir alguns pontos em que se vislumbra uma possível ofensa à Carta Magna e aos princípios gerais do Direito Administrativo, a partir do que argumentam os autores da ADI nº 4645 e da ADI nº 4655.
3.1 Artigo 1º: ofensa ao artigo 37, XXI, da Constituição Federal
O dispositivo em comento atenta contra o art. 37, XXI da Constituição, que estabelece a necessidade de contratação "(…) mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta (…)".
O art. 1º da referida lei fere o princípio da legalidade contido no art. 37, XXI da CF, supratranscrito, em razão de não estabelecer a área de atuação do administrador, deixando a seu arbítrio escolher as obras, serviços e compras que podem ser objeto dessa modalidade de contratação.
Esse novo regime de contratações fere a igualdade de condições prevista no art. 37, XXI da CF em diferentes momentos, como será demonstrado ao longo desse estudo, como acontece, por exemplo, em relação à possibilidade de indicação de marca/modelo do objeto.
Atenta contra o princípio da isonomia (art. 5º, caput, CF), ante a possibilidade de se aplicarem regimes jurídicos diferenciados para contratações similares, conforme apontado pelo Grupo de Trabalho Copa do Mundo FIFA 2014 da 5ª Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal em Nota Técnica ao Projeto de Lei de Conversão da MP 527/2011.
Não bastasse, há também violação ao princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, CF), visto que a lei confere ao Poder Executivo (administrador) o poder de decidir, de forma estritamente subjetiva, o regime de contratações a adotar.
Ora, a lei deve delinear precisamente a esfera de atuação do administrador, estabelecendo parâmetros objetivos, a fim de viabilizar o princípio da eficiência administrativa. Tal como está disposto na referida lei, é conferida ao Poder Executivo discricionariedade desproporcional, que pode dar ensejo a práticas fraudulentas ou mesmo ao superfaturamento das obras objeto da regulamentação, o que, em ambos os casos, resultará em danos aos cofres públicos, em uma evidente afronta ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
3.2 Art. 6º: orçamento sigiloso
O art. 6º da Lei do RDC já foi analisado no momento oportuno quanto à sua inconstitucionalidade formal. Cabe agora apresentar os pontos sobre os quais surgem discussões também quanto à inconstitucionalidade material do dispositivo em apreço.
O princípio da publicidade, previsto no art. 37, caput da Constituição, indica que:
“(…) os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a transparência dessa conduta é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se revestem”. (CARVALHO FILHO, 2011, p. 48).
Dessa forma, o princípio da publicidade é essencial ao exercício do controle dos atos administrativos pelos cidadãos, não podendo ser restringido senão por motivo de relevante interesse público. No entanto, com essa prática é possível vislumbrar uma grave violação ao princípio da publicidade, vez que tira do jurisdicionado o direito de acompanhar o processo licitatório com liberdade para intervir e assegurar a legalidade, fiscalizando a atuação do Estado.
Nesse sentido:
“(…) a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; como a Administração Pública tutela interesses públicos, não se justifica o sigilo de seus atos processuais, a não ser que o próprio interesse público assim determine, como, por exemplo, se estiver em jogo a segurança pública; ou que o assunto, se divulgado, possa ofender a intimidade de determinada pessoa, sem qualquer benefício para o interesse público." (DI PIETRO, 2014, p. 72).
Considerando a necessidade de os licitantes conhecerem de plano o orçamento sobre o qual deverão elaborar suas propostas, para que não sejam prejudicados no certame – visto que não sabem o valor até onde podem ofertar – , há a possibilidade de os licitantes elaborarem propostas muito aquém ou além do valor orçado pela Administração, excluindo possíveis licitantes ou elegendo licitantes que não conseguirão suportar o ônus.
Não bastasse, há, também, ofensa ao princípio da moralidade administrativa e o da impessoalidade, além do princípio da competitividade, ante a possibilidade de se favorecerem certos licitantes em detrimento de outros, por meio de fraudes.
3.3 Artigo 8º e 9º: contratação integrada e instrumento convocatório
A Lei estabelece em seu art. 8º a execução indireta de obras e serviços de engenharia, instituindo a prescindibilidade de apresentação de projeto básico e de projeto executivo, contrariamente ao que dispõe o art. 7º da Lei 8.666/93. Nos termos da Lei 12.462/11 foi instituída, por meio da denominada contratação integrada, uma única licitação para projeto básico, projeto executivo e execução de obras e serviços.
Não há, dessa forma, objeto previamente determinado para a realização do certame, o que impossibilita a análise objetiva das propostas apresentadas, em uma clara violação ao princípio da isonomia.
Nesse ponto, há violação, também, ao art. 37, XXI da Carta Magna, pois, se há o dever de licitar para contratações de obras e serviços de engenharia, necessário se faz que o objeto da licitação e do futuro contrato estejam exatamente delineados, sob pena de inviabilidade de disputa.
Assim sendo, tal dispositivo, com relação ao chamado "anteprojeto de engenharia" (art. 9º, § 2º, I) viola o princípio da isonomia, da competitividade, da razoabilidade e o da impessoalidade, ante a possibilidade de fraudes na contratação pública, pois se institui um critério meramente subjetivo do administrador, já que não há prévio e determinado objeto.
3.4 Art. 10: remuneração variável
O art. 10º da Lei cuida da possibilidade de que os contratos prevejam remuneração variável de acordo com o desempenho da contratada, com base em critérios definidos pela lei. Novamente, nítida é a violação ao art. 37, XXI da Constituição, já que tal dispositivo estabelece que sejam mantidas, na vigência do contrato, as condições efetivas da proposta.
Ora, uma vez firmado um contrato entre o particular e a Administração Pública, aquele tem a obrigação de cumprir o prazo estabelecido para a entrega do objeto final, sem que, para isso, deva receber uma contraprestação a mais, sob pena de violação ao princípio da supremacia do interesse público e ao princípio da indisponibilidade. Nesta sorte, há violação, também, aos princípios da razoabilidade, vinculação ao instrumento convocatório, eficiência, impessoalidade, moralidade e economicidade. Nem há que se falar na abertura conferida (note-se: pela própria lei) para o cometimento de práticas ilegais.
3.5 Art. 11: contratação de mais de uma empresa para executar um mesmo serviço
O art. 11 da Lei 12.462/11 deixa ao arbítrio exclusivo do administrador a contratação simultânea de mais de uma empresa para a execução de um mesmo objeto de licitação, sem, contudo, especificar como se daria tal procedimento. Novamente, a liberdade conferida ao administrador abre as portas para o cometimento de fraudes contra a Administração, de forma.
Isso porque se estabelece um critério subjetivo para a aferição de quais serviços poderiam ser executados por mais de uma empresa/instituição e o que realmente seria conveniente aos interesses da Administração.
Há, nesse ponto, violação aos princípios da impessoalidade, moralidade, razoabilidade, indisponibilidade do interesse público, além da própria segurança jurídica.
3.6 Art. 23: maior retorno econômico e contrato de eficiência
A instituição de um critério de julgamento baseado no maior retorno econômico, em uma interpretação teleológica da norma, indica a necessidade de se observar o princípio da supremacia do interesse público, visando diminuir os gastos para a Administração, de forma a selecionar a proposta mais vantajosa, com custos mais baixos.
No entanto, tal critério mostra-se extremamente subjetivo, vez que a lei confere ao administrador o poder de definir o que traria maior retorno econômico para a Administração, sem, contudo, delimitar sua atuação.
Da mesma forma, ao instituir o contrato de eficiência, o legislador não cuidou de delimitar a aplicação do instituto, deixando, novamente, ao arbítrio exclusivo do administrador a sua aplicação, o que, como já apresentado, pode trazer consequências péssimas para a Administração, ante a possibilidade de práticas ilegais, mas não só isso, como também superfaturamento de obras e serviços.
Por tudo isto, os institutos em comento violam o princípio da impessoalidade e o da objetividade nas licitações, gerando, inclusive, insegurança jurídica aos jurisdicionados.
3.7 Ofensa aos artigos 225 e 226 da Constituição: danos ambientais
Na ADI nº 4655, proposta pelo Procurador-Geral da República, há alegação de inconstitucionalidade com relação ao disposto nos artigos 4º, §1º, II e §2º e 14, parágrafo único, II da Lei do RDC. Segundo o PGR, tais dispositivos abrem margem à interpretação de que, havendo obras ou atividades potencialmente causadoras de danos ambientais/culturais, seriam aplicadas somente medidas mitigadoras ou compensatórias.
Dessa forma, o Chefe do Ministério Público Federal requer a declaração de inconstitucionalidade parcial dos dispositivos citados para "afastar qualquer interpretação que dispense exigências estabelecidas nas normas que regulam o licenciamento ambiental[6]", visando, com isso, a garantia de preservação do patrimônio cultural e ambiental.
4 AMPLIAÇÃO DA ÁREA DE APLICAÇÃO DO RDC
A Lei nº 12.688/12 incluiu o inciso IV ao art. 1º da Lei do RDC a fim de ampliar a aplicação deste às ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No mesmo ano, com a aprovação da Lei nº 12.745, que incluiu o inciso V ao referido artigo, o RDC passou a ser aplicado também às obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Por fim, já no ano de 2014, a Lei nº 12.980 incluiu o inciso VI ao art. 1º, o qual passou a prever a possibilidade de aplicação do RDC às obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo.
A partir dessas alterações é possível identificar a vontade do legislador em ampliar cada vez mais o rol de obras e serviços públicos para os quais poderá ser utilizado o novo regime de contratações. Busca-se cada vez mais a celeridade do processo licitatório, atribuindo-se ao Poder Executivo a faculdade para a utilização do RDC, desde que vinculado às obras e serviços de que trata o rol do art. 1º.
Contudo, para as contratações públicas não basta a celeridade, afinal, o princípio da indisponibilidade do interesse público[7] não pode ser relativizado por mero arbítrio do administrador. O fato de o referido regime se encontrar amparado sob o pálio da legalidade (presunção juris tantum) não significa que atenda aos interesses da Administração Pública no tocante aos princípios da moralidade, impessoalidade, razoabilidade, supremacia do interesse público, publicidade, isonomia e segurança jurídica.
Muito se discute, também, a necessidade de edição de uma nova norma regulamentando as contratações públicas, quando se faz necessária a alteração e/ou atualização da Lei 8.666/93, sendo de conhecimento comum a existência de um projeto de lei (PLS – Projeto de Lei do Senado, nº 559 de 2013) no Congresso Nacional com essa finalidade. Uma vez atualizada a Lei Geral, não haveria a necessidade de se editar uma nova norma acerca do tema.
CONCLUSÃO
O Regime Diferenciado de Contratações foi instituído por meio da Medida Provisória nº 527/2011, por meio de uma emenda parlamentar que não se relacionava aos assuntos originariamente tratados na MP, posteriormente convertida na Lei nº 12.462/2011. Trata-se de um novo instrumento para contratações públicas referentes aos objetos constantes do rol taxativo do art. 1º da referida lei, que busca maior celeridade e eficiência nas licitações do Poder Público, evitando a "burocracia" dos métodos de contratação constantes da Lei Geral de Licitações – Lei 8.666/93.
Não obstante as inovações trazidas pelo novo regime, as implicações constitucionais de sua aplicação são preocupantes. Isso porque a lei que o instituiu carece de constitucionalidade formal à medida em que se originou de uma medida provisória em que não se vislumbrariam os requisitos de relevância e urgência e, como não bastasse, ainda decorre de uma emenda parlamentar que não guarda pertinência temática com o objeto originariamente abordado, ferindo o princípio do devido processo legislativo e o princípio da separação dos Poderes, segundo o que afirmam os autores das duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade sobre o tema, ADI nº 4645 e ADI n° 4655.
Ainda quanto à inconstitucionalidade formal, o artigo 1º, ao excluir a aplicação da Lei Geral de Licitações (LGL), viola o art. 22, XXVII da Constituição, que prevê expressamente a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação, aplicáveis a todos os entes federados. Ocorre que a Lei 12.462/11 não pode ser considerada geral, pois, suas normas inicialmente destinavam-se tão somente aos Entes que seriam sede dos eventos desportivos mundiais de 2014 e 2016, não dirigindo-se, portanto, a todos os entes da Federação. Evidente, nesse sentido, a inconstitucionalidade formal, ante a violação ao art. 22, XXVII da Constituição.
Além disso, há inconstitucionalidade material de vários dispositivos da Lei nº 12.462/11, quais sejam: (i) artigo 1º, que viola o art. 37, XXI da CF, ante a afronta ao princípio da legalidade; (ii) art. 6º, que, ao instituir o orçamento sigiloso, atenta contra o princípio da publicidade, consagrado no art. 37, caput da CF; (iii) artigo 8º e art. 9º, que, ante a instituição da contratação integrada e do instrumento convocatório, ferem o princípio da isonomia, o princípio da competitividade, o princípio da razoabilidade e o princípio da impessoalidade; (iv) art. 10º, que estabelece a remuneração variável, violando o princípio da supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade; (v) art. 11, que atenta contra os princípios da impessoalidade, moralidade, indisponibilidade do interesse público, além da própria segurança jurídica; (vi) art. 23, que estabelece o maior retorno econômico e o contrato de eficiência, viola o princípio da impessoalidade e o da objetividade nas licitações; (vii) artigos 4º, §1º, II e §2º e 14, parágrafo único, II, que preveem medidas, a serem definidas em lei, como forma de sanção aos causadores de danos ao patrimônio cultural, histórico, arqueológico e imaterial tombados.
Por tudo isto, a Lei n° 12.462/2011 deverá ser cuidadosamente apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADI's 4645 e 4655, com vistas a garantir o efetivo respeito às normas constitucionais, à segurança jurídica e aos princípios do Direito Administrativo brasileiro.
Informações Sobre os Autores
Mileni Martins de Andrade
Advogada. Bacharela em Direito pelo Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Unileste-MG
Serciane Bousada Peçanha
Mestre em Direito do Estado Oficiala do Registro Civil e Professora Titular de Direito Administrativo do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais Unileste/MG