A responsabilidade dos assessores jurídicos na elaboração de pareceres para a Administração Pública em atividades licitatórias mal sucedidas

Resumo: Este artigo visa analisar a possibilidade de se responsabilizar solidariamente com o administrador público o assessor jurídico que, chamado a opinar, emite parecer técnico-jurídico favorável ao ato realizado pela autoridade administrativa em processo licitatório mal sucedido.


Palavras-chave: Parecer – Responsabilidade – Assessores Jurídicos – Administração Pública


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Sumário: 1. Introdução. 2. Natureza jurídica do parecer técnico-jurídico de assessor em consonância com a posição doutrinária e jurisprudencial. 3. Conclusão. Referências bibliográficas


1.Introdução


Há, atualmente, na esfera jurídica acirrada discussão acerca da natureza do parecer técnico-jurídico emitido por assessor jurídico. Seria possível responsabilizar solidariamente com o administrador público o assessor jurídico que, chamado a opinar, emite parecer técnico-jurídico favorável ao ato realizado pela autoridade administrativa em processo licitatório mal sucedido? Esta é a questão que será analisada no presente artigo.


2.Natureza jurídica do parecer técnico-jurídico de assessor em consonância com a posição doutrinária e jurisprudencial


O Tribunal de Contas da União, sobre a responsabilidade do assessor jurídico em relação a parecer jurídico emitido em processo licitatório estatal, defende a posição de que há responsabilidade solidária do parecerista, caso este tenha emitido parecer favorável à licitação que resulte em despesas indevidas para a Administração ou que tenha emitido parecer favorável à dispensa e inexigibilidade de licitação nos casos em que sejam comprovadas irregularidades na contratação pela Administração Pública.


Afirma o Presidente do Tribunal de Contas da União no MS 24.073/ DF interposto perante o STF em relação a esta hipótese que a emissão de pareceres jurídicos situa-se na esfera da responsabilidade administrativa (…) e possui implicação na apreciação da regularidade dos atos de gestão de que resulte despesa, quanto a sua legalidade, legitimidade e economicidade. Assim, o parecerista poderia, juntamente com o administrador público, ser responsabilizado judicialmente.


O Tribunal de Contas da União baseia a tese da responsabilidade solidária do parecerista através do argumento de que, caso os atos praticados pelos administradores em processo licitatório tenham sido respaldados nos pareceres jurídicos emitidos, pareceres estes nas palavras do Presidente do Tribunal de Contas da União no MS 24.073/ DF que justificam a própria razão de sua existência (existência do ato administrativo) e constituem a fundamentação jurídica e integram a motivação das decisões adotadas pelos ordenadores de despesa, deverá haver sim responsabilidade solidária do parecerista e do gestor público.


O TCU argumenta ainda no MS 24.073/ DF ser responsabilidade do parecerista averiguar com o devido rigor nas situações concretas a observância dos requisitos básicos para atendimento às exigências impostas pela Lei de Licitações e Contratos para a configuração, por exemplo, da inexigibilidade de licitação. 


Ao contrário desta idéia defendida pelo TCU, o Ministro Carlos Velloso, em consonância com as palavras do Professor Luís Roberto Barroso, acredita que: se a empresa estatal, por seu órgão competente, presta ao Serviço Jurídico uma determinada informação técnica dotada de verossimilhança – por exemplo, a de que só uma determinada consultoria atende às circunstâncias presentes da empresa, sendo inviável a competição -, não têm os advogados o dever, os meios ou sequer a legitimidade de deflagarem investigação para aferir o acerto, a conveniência e a oportunidade de tal decisão. Ou seja, os assessores jurídicos, na elaboração do parecer para a Administração Pública, não tem o dever ou legitimidade para averiguar se as informações fornecidas por esta são verossímeis ou não. No processo licitatório, o parecer deverá ser baseado nas informações fornecidas pela Administração Pública e estas informações serão consideradas pelo parecerista como corretas.


O Supremo Tribunal Federal, em sentido contrário ao TCU, sustenta que os pareceristas não podem ser judicialmente responsabilizados em solidariedade com a autoridade administrativa, tendo em vista que esses, nas palavras do Ministro Carlos Velloso no MS 24.073/ DF, os pareceristas não são administradores públicos, não ordenam despesas públicas.


Ademais, afirma o Ilustre Ministro ser incabível o controle externo do TCU pela emissão de pareceres, visto ser esta uma atividade técnico-jurídica: o parecer emitido por procurador ou advogado de órgão da administração pública não é ato administrativo. Nada mais é do que a opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnico-jurídica, que orientará o administrador na tomada da decisão, na prática do ato administrativo, que constitui na execução ex officio da lei.


Hely Lopes Meirelles para definir a natureza jurídica de parecer:


“Pareceres – pareceres administrativo são manifestações de órgãos técnicos sobre assuntos submetidos a sua consideração. O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares a sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subseqüente. Já então, o que subsiste como ato administrativo, não é o parecer, mas sim o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinária, negocial ou punitiva” (Meirelles, 2001, p. 185).


Apesar de Celso Antônio Bandeira de Mello considerar os pareceres como atos administrativos consultivos, ele afirma que “a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa”. (MELLO, 2001, p.377).


Em relação ao tema ora analisado, o Ministro Carlos Velloso conclui que o autor do parecer, que emitiu opinião não vinculante, opinião a qual não está o administrador vinculado, não pode ser responsabilizado solidariamente com o administrador, ressalvado, entretanto, o parecer emitido com evidente má-fé, oferecido, por exemplo, perante administrador inapto.


Em consonância com a posição do Ministro Carlos Velloso, o Ministro Nelson Jobim afirma no MS 24.073/ DF que só faltava o Tribunal de Contas também envolver os eventuais doutrinadores que embasaram o parecer dos advogados. E isso está perto. No momento em que se fala de “doutrina pertinente”, a impetrante pratica o ato de improbidade (…). Divergir dessa Corte é ter responsabilidades, em termos, inclusive, de análise de questões jurídicas, aplicadas em questões técnicas, podendo atingir até contadores, técnicos de contabilidade, economistas etc.


No mesmo sentido, o Ministro Maurício Corrêa, contrariamente aos argumentos do TCU diz ora, o parecerista de uma empresa de economia mista como Banco do Brasil, ao emitir um aconselhamento de como proceder-se diante da necessidade ou não de licitação, deve submeter-se ao controle fiscal do Tribunal de Contas? Claro que não.


O Ministro Sepúlveda Pertence afirma em relação ao posicionamento do TCU: por ora, temo pelo Ministério Público, emissor de algumas centenas de pareceres diários, vai pagar por todas as culpas que tem e não tem.


3.CONCLUSÃO


Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: o parecer não é ato administrativo, sendo, quando muito, ato de administração consultiva, que visa a informar, elucidar, sugerir providências administrativas a serem estabelecidas nos atos de administração ativa. (MELLO, 2001, p. 377).


Opinar não é o mesmo que decidir. O parecer possui caráter opinativo, é uma opinião técnico-jurídica, não podendo ser considerado um ato administrativo decisório. Desta forma, o parecer não vincula a autoridade que possui poder decisório. Ele é, apenas, uma orientação para o administrador no processo decisório.


De acordo com o disposto no informativo 475 (MS 24631) STF, pode-se definir três possibilidades distintas em relação à natureza jurídica do parecer.   


Primeiramente, o parecer poder ser facultativo, ou seja, a autoridade administrativa consulente não se vincula ao conteúdo do parecer realizado.


Nas palavras de José Cretella Júnior:


“Pareceres facultativos são os que a Administração solicita sem nenhuma norma, legislativa ou regulamentar, que a obrigue, e, pois, apenas fundada na oportunidade, discricionariedade valorada, de ouvir a opinião do órgão consultivo. Nem mesmo existe dever da Administração de ater-se ao conteúdo do parecer; ao contrário, tais pareceres são, de regra, destituídos de qualquer relevância jurídica, no âmbito externo.” (CRETELLA JÚNIOR, 1999, p. 377-378)


Segundo, a natureza do parecer pode ser obrigatória, ou seja, a autoridade administrativa que realizou a consulta estaria obrigada a proceder em consonância com as informações e conteúdo submetidos à consultoria, independente de o parecer ter sido favorável ou não, podendo, posteriormente, agir de forma diversa caso novo parecer fosse feito.


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A terceira hipótese seria do parecer vinculante, ou seja, haveria a obrigação legal de a autoridade administrativa consulente agir de acordo com o definido no parecer ou não agir. Nesta última hipótese, percebe-se que há co-responsabilidade do assessor jurídico que emitiu o parecer e da autoridade administrativa que, obrigada legalmente, agiu de acordo com o parecer.


Assim, nesta hipótese, o assessor jurídico poderia responder judicialmente em solidariedade com o administrador, visto que foi também diretamente responsável pelo ato realizado. Entende-se que, neste caso, o parecerista poderia ser considerado administrador. Ressalta-se que, neste informativo do STF, os ministros Carlos Britto e Marco Aurélio fizeram ressalva quanto ao fundamento de que o parecerista, na hipótese da consulta vinculante, pode vir a ser considerado administrador.


O assessor jurídico também poderá ser responsável juridicamente com o administrador público caso tenha havido conluio e/ou evidente má-fé. Neste caso, considerar-se-ia a responsabilidade solidária do parecerista e da autoridade administrativa. Assim, o assessor jurídico que analisa e opina sobre a minuta de edital de licitação só poderá ser responsabilizado por tal parecer, caso se comprove os indícios de condutas suspeitas na elaboração do parecer e deste resulte ilegalidades decorrentes de tal pronunciamento.


Caso não seja comprovado o conluio entre o assessor jurídico e o administrador ou a evidente má-fé do parecerista, não poderá haver responsabilidade solidária pelo mau resultado do processo licitatório.


O assessor jurídico que, mediante interpretação da lei realiza parecer, não deverá ser responsabilizado judicialmente se os danos causados aos clientes ou a terceiros não resultem de erro grave, inescusável ou de ato ou omissão decorrentes de culpa ou dolo.


De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro:


“(…) as leis, muitas vezes, admitem interpretações diversas; não se pode concluir, em grande parte dos casos, que um ato acarrete responsabilidade só porque a interpretação adotada pelo Tribunal de Contas é diferente daquela adotada pelo advogado que proferiu o parecer. Se o parecer está devidamente fundamentado, se defende tese aceitável, se está alicerçado em lição de doutrina e jurisprudência, não há como responsabilizar o advogado (…). Em assunto tão delicado e tão complexo como a licitação e o contrato (principalmente diante de uma lei nova, não tão bem elaborada e sistematizada como seria desejável), a responsabilidade só pode ocorrer em casos de má-fé, dolo, culpa grave, erro grosseiro, por parte do advogado.” (DI PIETRO, 2001, p. 163).


A responsabilidade do assessor jurídico por parecer emitido à Administração Pública é subjetiva e, assim, deve ser comprovada para que este possa ser responsabilizado judicialmente.


 


Referências bibliográficas

BASTOS, C. R. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

BITTENCOURT, M. V. C. Manual de Direito Administrativo. 1ª. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

CRETELLA JÚNIOR, José. Dicionário de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª edição, São Paulo: Atlas, 2002.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Temas polêmicos sobre licitações e contratos. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

FIGUEIREDO. L. V. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

GASPARINI. D. Direito Administrativo. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

JUSTEN FILHO, M. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Dialética, 2006.

MEDAUAR. O. Direito Administrativo Moderno. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

MELLO, C. A. B. Curso de Direito Administrativo. 13ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.


Informações Sobre o Autor

Verônica Vaz de Melo

Mestre em Direito Internacional pela PUC Minas. Analista internacional graduada em Relações Internacionais pela PUC Minas. Especialista lato sensu em Direito Público pela PUC Minas. Advogada.


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