Resumo: A partir do entendimento, embora não pacífico, que os particulares, fora dos casos previstos em lei, não possuem legitimidade para discutir posse sobre terras públicas defendemos a utilização da oposição como instrumento judicial para intervenção do Estado, como proprietário da terra pública, objeto da lide, nas ações possessórias entre particulares, sem que essa prática implique ofensa ao artigo 1.210, § 2º, do Código Civil e ao art. 923, do Código de Processo Civil, pois o que se pleiteia com a oposição não é a propriedade, mas a posse do bem público indevidamente disputado por particulares. Contudo, existe ainda outra forma de intervenção do Poder Público nas ações possessórias que envolvem terras públicas, que se perfaz por intermédio da denominada intervenção anômala, disposta no artigo 5º da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997.
Palavras-chave: Posse. Detenção. Propriedade. Terras Públicas. Intervenção de terceiros. Oposição. Intervenção anômala.
Abstrat: From the understanding, though not disputed, that individuals, outside the cases provided by law, have no legitimacy to discuss ownership of public lands advocate the use of judicial instrument as opposed to state intervention as owner of public land subject of the dispute , in possessory actions between individuals, without this practice entails offense to Article 1.210, § 2 of the Civil Code and art. 923 of the Code of Civil Procedure, because it pleads with the opposition is not ownership, but possession of public property improperly played by individuals. However, there is another form of intervention of the government in possessory actions involving public land, which makes up via the so-called anomalous intervention contained in Article 5 of Law No. 9,469, of July 10, 1997.
Keywords: Possession. Detention. Property. Public Lands. Third party intervention. Opposition. Anomalous intervention.
Sumário: Introdução. 1 A Oposição como modalidade de Intervenção de Terceiro. 2 A oposição nas ações possessórias em terras públicas. 3. Intervenção Anômala. Conclusão. Referências.
Introdução
A Oposição, disposta no artigo 56 do Código de Processo Civil, é uma modalidade de intervenção de terceiros, pela qual um terceiro pleiteia coisa ou direito objeto de controvérsia jurídica, fundamentando-se no seu domínio.
Especificamente no âmbito da Administração Pública, através desta modalidade de intervenção é possível ao Estado, como proprietário, ingressar na lide entre particulares na busca pelo bem público.
Contudo, é preciso desde logo esclarecer que a jurisprudência manifesta-se fortemente contrária a utilização desta modalidade de intervenção pela Administração Pública nas ações possessórias entre particulares, já que posse e propriedade são institutos diversos.
Assim, os Tribunais têm possibilitado que particulares pleiteiem juridicamente a posse sobre as áreas públicas sem que o Estado ingresse na lide, visto que este último, por ser apenas o proprietário, não pode adentrar na seara de discussão referente à posse.
E, segundo dispõe o artigo 923 do CPC e o §2º do artigo 1210 do Código Civil é vedado ainda, na pendência de processo possessório ao autor e réu, estendendo-se a terceiro, o ingresso de ação de reconhecimento de domínio.
Ou seja, o Estado não ajuizar ação reivindicatória quando existir ação possessória em trâmite, mesmo que não seja parte dessa, lhe sendo vedado ainda, adentrar nesta última lide na qualidade de oponente.
Por fim, os doutrinadores destacam ainda que, não haveria nenhuma implicação jurídica a decisão proferida nas ações possessórias para a Administração Pública, isto por que esta não sendo parte, a sentença não lhe produziria efeitos danosos, em conformidade com o que determina o artigo 472 do CPC. Ou seja, não haveria com o que o Estado se preocupar, sendo lhe possibilitado inclusive, posteriormente, o ajuizamento de ação reivindicatória.
De imediato, tal interpretação salta aos olhos do leitor, isto porque, a primeira indagação que se faz é: Por que deixa transcorrer ação judicial, e assim, efetuar um enorme gasto público, se sua eficácia estará comprometida com posterior ação, que novamente custará imensamente ao Estado, e, portanto a nós cidadãos, ora leitores?
Não seria mais contraproducente que se pudesse discutir em uma só ação todos os meandros que envolvem a posse e propriedade de determinada área pública?
Tratando-se de terra pública esta não deveria ser mais bem resguardada pelo nosso ordenamento jurídico? E o princípio da supremacia do interesse público não se sobrepõe nestes casos?
A intervenção anômala seria uma das formas de manifestação da supremacia do interesse público sobre o privado em âmbito processual?
Estas são as indagações que norteiam este trabalho e as quais pretendemos nos debruçar.
1 A OPOSIÇÃO COMO MODALIDADE DE INTERVENÇÃO DE TERCEIRO
Oposição é a intervenção onde um terceiro, por sua iniciativa e em nome próprio, postula em juízo contra autor e réu reclamando o bem ou direito objeto da ação. (BARROSO, 2007).
Atualmente, tal instituto vem tratado nos artigos 56 a 61 do CPC. Contudo, caso seja aprovado o texto do novo Código de Processo Civil, Projeto de Lei 8.046 de 2010, em trâmite no Senado Federal, a oposição será excluída das modalidades de intervenção de terceiros. Aquele que, não sendo parte, pretender para si o objeto da lide, será obrigado ajuizar uma nova ação.
Pontes de Miranda salienta que “alguns juristas criticam a colocação da oposição como espécie de intervenção de terceiro e o nome ‘intervenção principal’ porque para eles, se a ação é autônoma, não pode ser interventiva” (MIRANDA, 1988, pg. 85). Contudo, a oposição é de suma importância e deve sim existir no novo CPC, entretanto com a devida atualização e adequação.
Quanto à importância do instituto da oposição, destacamos posicionamento doutrinário:
“No próprio Anteprojeto do novo CPC há críticas à eliminação do instituto da oposição, as quais foram colocadas pelos oradores convidados a discuti-lo na segunda audiência pública realizada em Fortaleza, no dia 5 de março de 2010, no Auditório do Tribunal de Justiça do Ceará. Consta no Anteprojeto que a ‘oposição é problema de direito material e sua eliminação do CPC não evitará que o terceiro impugne decisões, mas, ao contrário, causará grave problema por eliminar a regulação de como se processa tal impugnação. Modalidades de intervenção de terceiros que forem puramente processuais se pode eliminar, mas esta não” (FERREIRA, 2013)
Visando dar efetividade aos postulados da celeridade processual e da segurança jurídica entendemos que o instituto da oposição deve ser mantido no Novo Código de Processo Civil, sob pena de o terceiro não poder se opor à lide sem que seja necessário ajuizar nova ação, embaraçando o curso normal da original.
Por intermédio desta modalidade de intervenção de terceiros, atualmente em vigor, o indivíduo se opõe, parcial ou totalmente, tanto ao autor quanto ao réu, afirmando ser o verdadeiro proprietário da coisa ou do direito objeto da lide, ou seja, o opoente entra na relação processual atuando contra as duas partes, os quais passam à condição de litisconsortes necessários na nova ação. Surge assim, uma nova relação processual e, mesmo que o autor ou réu da ação originária renunciem ao direito ou reconheçam a procedência do pedido, a oposição perdurará.
Classifica-se a oposição quanto ao objeto em total e parcial, no que concerne ao objeto da lide e, em interventiva e autônoma quanto ao momento de sua apresentação, sendo a primeira ajuizada antes da audiência de instrução e julgamento, e tem como efeito a instrução conjunta das lides e a segunda apresentada após a audiência de instrução e julgamento, tendo tramitação autônoma, sendo facultada ao juiz a suspensão do processo principal por 90 dias.
Esta modalidade interventiva é admissível apenas no processo de conhecimento, submetido ao rito ordinário, e até a prolação de sentença.
A jurisprudência manifesta-se fortemente contrária a utilização desta modalidade de intervenção pela Administração Pública nas ações possessórias entre particulares.
Entendemos contudo, ser perfeitamente cabível os entes públicos intervirem como opoentes em ação possessória onde litigam particulares, com fundamento no domínio, quando se tratarem de bens públicos, posição que explicaremos no próximo tópico.
2 A OPOSIÇÃO NAS AÇÕES POSSESSÓRIAS EM TERRAS PÚBLICAS
Apesar de não haver consenso jurisprudencial e doutrinário a respeito do assunto, entendemos que o Poder Público tem legitimidade, como terceiro interveniente, utilizando-se da oposição, para afastar qualquer pretensão de posse de particulares sobre terras públicas.
De início, insta ressaltar que, os imóveis públicos, por expressa disposição do art.183, §3º da CF/88, não são adquiridos por usucapião.
Tem-se conhecimento também de que eles, assim como os demais bens públicos, somente podem ser alienados quando observados os requisitos legais.
Daí resulta a conclusão de que se o bem público, por qualquer motivo, não pode ser alienado, ou seja, não pode se tornar objeto do direito de propriedade do particular, também não pode se converter em objeto do direito de posse de outrem que não o Estado, no qual haverá apenas o exercício da mera detenção por aquele.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE TERRA PÚBLICA. BENFEITORIAS REALIZADAS. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. OCUPAÇÃO REGULAR. REVISÃO. SÚMULA N. 7/STJ. DECISÃO MANTIDA.
1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento de não ser possível o reconhecimento de posse sobre terra pública, cuja ocupação configura mera detenção.
2. A impossibilidade de se reconhecer a posse de imóvel público afasta o direito de retenção pelas benfeitorias realizadas.
Precedentes.
3. Ademais, o Tribunal de origem, com base nos elementos de prova, concluiu pela irregularidade na ocupação das terras públicas e ausência de boa-fé do ocupante. Não há como alterar esse entendimento é inviável na via especial, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no AgRg no AREsp 66.538/PA, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 01/02/2013)
Portanto, se não podem os particulares, pela usucapião, adquirir bens públicos. Como corolário lógico, deve admitir-se que não têm posse; e, se assim é, não há justificativa para não admitir a oposição do Poder Público, visando excluir o direito do autor e do requerido sobre esses bens.
Jansen Fialho de Almeida, magistrado no Distrito Federal, observa que “a jurisprudência, contudo, tem entendimento pela impossibilidade jurídica de pedido possessório em área pública, quando deduzido por particular sobre bem público contra o órgão detentor da propriedade, pois, não podendo ser objeto de usucapião, a ocupação é mera detenção tolerada ou permitida, portanto, à precariedade.” (ALMEIDA, 2003, pág.19).
Em igual sentido é o escólio do Superior Tribunal de Justiça:
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POSSESSÓRIA.POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. BEM IMÓVEL PÚBLICO. AÇÃO AJUIZADA ENTRE DOIS PARTICULARES. SITUAÇÃO DE FATO. RITO ESPECIAL. INAPLICABILIDADE.
– A ação ajuizada entre dois particulares, tendo por objeto imóvel público, não autoriza a adoção do rito das possessórias, pois há mera detenção e não posse. Assim, não cumpridos os pressupostos específicos para o rito especial, deve o processo ser extinto, sem resolução de mérito, porquanto inadequada a ação.
Recurso especial provido”. (REsp 998409/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 03/11/2009. Informativo de Jurisprudência nº 0411)
O rito especial das possessórias, previsto nos arts. 926 e seguintes do CPC exige que a posse seja provada de plano para que a ação tenha seguimento. E se não há posse, não há o cumprimento dos pressupostos específicos exigidos para a ação de manutenção/ reintegração da posse (art. 927 do CPC), o que culmina com a extinção do processo, sem resolução de mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. Assim, estando ausente qualquer vestígio de posse, qual o impedimento para que, através da oposição, o ente público faça a “alegação de domínio, para buscar a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu.” (ALMEIDA, 2003, p.60-65)? Nenhum!
Abordando questão semelhante, expende Almeida Aguiar (AGUIAR, 2010):
“Assim, em síntese, quando o particular estiver ocupando bem público sem que exista qualquer relação jurídica anterior entre este e o ente público cuja área pertence, trata-se de mera detenção, não possuindo o particular a posse da área. Logo, não detém o particular legitimidade para ajuizar ação visando a proteção possessória, eis que não se trata de possuidor, mas de mero detentor. Nesta hipótese, havendo ocupação da área por trabalhadores rurais, e sendo ajuizada possessória de reintegração de posse por parte do particular detentor, cabe oferecimento de oposição pelo INCRA, demonstrando o não cabimento da ação possessória ajuizada pelo particular, e requerendo a sua reintegração na área.”
Neste sentido, é trazido à baila:
“STJ – Resp. n°. 2002.01568512-DF – DJ 13/06/06 – Pág. 310. – Ementa: MANUTENÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA, ADMINISTRADA PELA “TERRACAP – COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA”. INADMISSIBILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. – A ocupação de bem público não passa de simples detenção, caso em que se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contra o órgão público. – Não induzem posse os atos de mera tolerância” (art. 497 do Código Civil/1916). Precedentes do STJ. Recurso especial conhecido e provido.”
“TJDFT – APELAÇÃO CIVIL Nº 19990110854048 – RELATOR DES. JOÃO MARIOSI – 1ª TURMA CÍVEL – Ementa: CIVIL – INTERDITO PROIBITÓRIO – TERRA PÚBLICA – OCUPAÇÃO PRECÁRIA – POSSE INEXISTENTE – CONDIÇÕES DA AÇÃO, NÃO PREENCHIMENTO: EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO – ART. 267, INCISO VI DO CPC. NÃO PROVIMENTO AO RECURSO. –
1 – Constitui pedido juridicamente impossível, a proteção possessória deduzida por particular sobre bem público contra órgão público detentor da propriedade.
3 – As terras públicas não podem ser objeto de posse ou usucapião, podendo, somente, sua ocupação ser tolerada ou permitida.
4 – Não tendo os requerentes legitimidade, nem interesse para postular o direito à proteção possessória, faltam-lhes as condições da ação. Negaram provimento. Unânime.”
“TJDFT – APELAÇÃO CIVIL Nº 19990110461213 – RELATORA DESA. VERA ANDRIGHI – 4ª TURMA CÍVEL – Ementa : CIVIL. PROCESSO CIVIL. INTERDITO PROIBITÓRIO. DISTRITO FEDERAL. POSSE. ÁREA PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
1 – As terras públicas estão excluídas da proteção possessória, tendo em vista o caráter de precariedade de que se revestem as detenções exercidas sobre aquele patrimônio, o qual pode ser reclamado, a todo instante, pela administração pública.”
Sobre a natureza peculiar pela qual a posse presuntiva decorrente da aquisição originária segue sendo exercitada pelo ente público, calha transcrever o Acórdão do TJDFT, na Apelação Civil n.º 2003011041022-4, Relator Des. Jeronymo de Souza, 3ª Turma cível:
“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. OPOSIÇÃO. CONCEITO. TERRACAP. DEBATE SOBRE PROPRIEDADE. CABIMENTO. CONDIÇÕES DA AÇÃO. POSSIBILIDADE JURÍDICA DE PEDIDO. RECURSO PROVIDO. REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO.
I – A posse do Poder Público sobre seus imóveis é exercida de forma permanente como emanação necessária de sua própria autoridade, mesmo sem externar qualquer ato material de ocupação física ou efetiva exploração. E a razão é muito simples: é impossível o exercício da posse direta sobre todos os imóveis de sua propriedade, além de ser por demais oneroso para os cofres públicos. Fica evidente assim que a posse exercida pelo Poder Público difere da exercida pelo particular. Essa deve ser exteriorizada enquanto aquela é derivada do domínio.”
Quer dizer, a posse do ente público sobre seus bens imóveis é implícita e decorrente do seu domínio instituído pelo registro originário enquanto não houver o domínio fundiário privado, que é derivado do primeiro.
Não se pode deixar de ressaltar que a coisa sobre a qual as partes litigam é bem público e, como tal o tratamento jurídico deve ser diferenciado, porque o bem sendo do interesse de todos é indisponível e deve prevalecer sobre os interesses particulares.
Nesse sentido se manifesta a doutrina:
“Impedir o Poder Público de demonstrar interesse jurídico na demanda possessória em que o objeto é área pública poderá causar sérios danos à sociedade. Com efeito, autor e réu poderão estar de má-fé e se for vedado ao ente público que detém o domínio intervir, os particulares com a sentença em mãos, onde a posse lhes foi deferida, poderão alienar o direito e mesmo fracioná-lo, com alienação a terceiros. Isto sem falar no dispêndio causado ao tesouro público pela continuidade da posse de quem nunca a teve, pois além das despesas ligadas à própria demanda ainda pode ocorrer uma futura indenização ao possuidor por benfeitorias, o que não sucederia se, no tempo certo, a intervenção fosse acolhida e a lide possessória fosse extinta, reconhecendo-se a posse, com base na alegação de domínio, a favor da pessoa jurídica de Direito Público. (ALMEIDA, 2003).”
Considerando a existência de um bem público é admissível o ingresso do Estado na qualidade de oponente, já que proprietário do bem.
Atualmente a busca do nosso ordenamento jurídico é por efetividade, celeridade e segurança jurídica, princípios constitucionais. Ao se negar ao Poder público a utilização da oposição para a defesa do patrimônio público fere-se tais postulados, com evidente prejuízo para a pacificação do conflito.
Contudo, já há decisões reconhecendo a possibilidade de particulares discutirem posse sobre áreas públicas. Nesse sentido:
“Posse. Exercício em parte sobre área pública. Disputa entre particulares, Possibilidade. Oposição entretanto da municipalidade local cuja procedência excluiu as pretensões dos litigantes. Procedência parcial da ação quanto à parte de domínio particular. Alegação de julgamento “extra petita”. Rejeição. Provimento parcial do recurso apenas para redução da indenização” (Ap. Cível nº 768118-1, 1º TACSP,7ª Câmara).
Importante julgado referente ao tema foi o proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 780.401-DF, sendo recorrente a Companhia Imobiliária de Brasília – TERRACAP e recorridos Inês Emília Sousa de Almeida e outros e Edson Xavier dos Santos, no qual a terceira Turma, por unanimidade, sendo relatora a Ministra Nancy Andrighi, decidiu dar provimento ao recurso, aos argumentos de que não ofende o comando do artigo 923 do Código de Processo Civil a ação de oposição ajuizada pela TERRACAP e onde é alegado o domínio. Vejamos:
“Processo civil. Ação possessória, entre dois particulares, disputando área pública. Oposição apresentada pela Terracap. Extinção do processo, na origem, com fundamento na inadmissibilidade de se pleitear proteção fundamentada no domínio, durante o trâmite de ação possessória. Art. 923 do CPC. Necessidade de reforma. Recurso provido.
– A jurisprudência do STJ pacificou-se no sentido de considerar públicos os bens pertencentes à Terracap.
– Ao ingressar com oposição, a Terracap apenas demonstra seu domínio sobre a área para comprovar a natureza pública dos bens. A discussão fundamentada no domínio é meramente incidental. A pretensão manifestada no processo tem, como fundamento, a posse da Empresa Pública sobre a área.
– A posse, pelo Estado, sobre bens públicos, notadamente quando se trata de bens dominicais, dá-se independentemente da demonstração do poder de fato sobre a coisa. Interpretação contrária seria incompatível com a necessidade de conferir proteção possessória à ampla parcela do território nacional de que é titular o Poder Público.
– Se a posse, pelo Poder Público, decorre de sua titularidade sobre os bens, a oposição manifestada pela Terracap no processo não tem, como fundamento, seu domínio sobre a área pública, mas a posse dele decorrente, de modo que é incabível opor, à espécie, o óbice do art. 923 do CPC.
Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 780401/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 21/09/2009)
Prestigia-se a celeridade e economia processual, evitando-se o dispêndio do dinheiro público com a continuidade de um processo inútil e que, muitas vezes, atende apenas aos interesses escusos de possuidores de má-fé.
3. INTERVENÇÃO ANÔMALA
Outra forma de intervenção do Poder Público nas ações possessórias que envolvem terras públicas é por intermédio da denominada intervenção anômala, também denominada amicus curiae por parte da doutrina.
A Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, regulamentando o disposto no inciso VI do artigo 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, instituiu uma nova forma de intervenção das pessoas jurídicas de direito público, aplicável em qualquer espécie de demanda cuja sentença a ser proferida possa ter reflexos, ainda que indiretamente, sobre o seu patrimônio.
Com efeito, a mencionada norma, em seu art. 5º, caput, e parágrafo único, preconiza o seguinte:
“Art. 5º. A União poderá intervir nas causas em que figurarem, como autoras ou rés, autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais.
Parágrafo único. As pessoas jurídicas de direito público poderão, nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica, intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, para esclarecer questões de fato e de direito, podendo juntar documentos e memoriais reputados úteis ao exame da matéria e, se for o caso, recorrer, hipótese em que, para fins de deslocamento de competência, serão consideradas partes.”
O dispositivo legal em tela permite observar que o legislador ordinário não criou uma nova forma de assistência. O instituto da intervenção anômala desvia-se, sobremaneira, do instituto da assistência, bem como das diversas figuras de intervenção de terceiros reguladas pelo Código de Processo Civil – meios pelos quais o legislador viabilizou a defesa de interesses de terceiro, que não possua legitimidade autônoma para participar de determinada relação jurídica processual.
A intervenção anômala é própria das pessoas jurídicas de direito público, uma vez que estas podem intervir, independentemente da demonstração de interesse jurídico, nas causas cuja decisão possa gerar reflexos de natureza econômica a elas, ainda que indiretos, bem como nas causas em que forem autoras ou rés as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, e mesmo em causas envolvendo somente particulares, podendo requerer esclarecimento de questões de fato e de direito, bem como juntar documentos e memoriais e recorrer, caso em que serão consideradas partes, para fins de deslocamento de competência.
A atuação processual do Poder Público se impõe nas causas cuja decisão possa ter reflexos, ainda que indiretos, de natureza econômica.
Nesse sentido, vale destacar o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal acerca da admissão da intervenção anômala do Poder Público:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSTO PELO INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), COM FUNDAMENTO NO ART. 102, III, A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EM FACE DE ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO: PENSÃO POR MORTE (LEI Nº 9.032, DE 28 DE ABRIL DE 1995).
1. No caso concreto, a recorrida é pensionista do INSS desde 04/10/1994, recebendo através do benefício nº 055.419.615-8, aproximadamente o valor de R$ 948,68. Acórdão recorrido que determinou a revisão do benefício de pensão por morte, com efeitos financeiros correspondentes à integralidade do salário de benefícios da previdência geral, a partir da vigência da Lei no 9.032/1995.
2. Concessão do referido benefício ocorrida em momento anterior à edição da Lei no 9.032/1995. No caso concreto, ao momento da concessão, incidia a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991.
3. Pedido de intervenção anômala formulado pela União Federal nos termos do art. 5º, parágrafo único da Lei nº 9.469/1997. Pleito deferido monocraticamente por ocorrência, na espécie, de potencial efeito econômico para a peticionária (DJ 2.9.2005).
4. O recorrente (INSS) alegou: i) suposta violação ao art. 5o, XXXVI, da CF (ofensa ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido); e ii) desrespeito ao disposto no art. 195, § 5o, da CF (impossibilidade de majoração de benefício da seguridade social sem a correspondente indicação legislativa da fonte de custeio total).
(…)” (STF – RE: 415454 SC, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 08/02/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-131 DIVULG 25-10-2007 PUBLIC 26-10-2007 DJ 26-10-2007 PP-00042 EMENT VOL-02295-06 PP-01004)
A posse do ente público sobre seus bens imóveis é implícita e decorrente do seu domínio. Sendo assim, é cabível a intervenção processual do ente público em ação possessória, conhecida jurisprudencialmente como “Intervenção Anômala”, para esclarecer questões de fato e de direito que exigirem o caso concreto.
Contudo, por intermédio desta modalidade de intervenção o Poder Público não tem o poder de apresentar contestação ou qualquer tipo de resposta, podendo apenas esclarecer questões de fato e de direito, por meio da juntada de documentos e memoriais. Restringe-se assim a possibilidade de atuação do Poder Público na defesa do patrimônio público.
CONCLUSÃO
É perfeitamente cabível os entes públicos intervirem como opoentes em ação possessória onde litigam particulares, com fundamento no domínio, quando se tratarem de bens públicos, sem que haja ofensa aos artigos 1.210, § 2º do CC e 923, do CPC, pois o que se pleiteia não é a propriedade, mas a posse do bem público, tese que já vem sendo aceita pelos Tribunais, em especial pelo Superior Tribunal de Justiça.
Outra forma de intervenção do Poder Público nas ações possessórias que envolvem terras públicas se perfaz por intermédio da denominada intervenção anômala, que possui entretanto enormes restrições para sua utilização.
Informações Sobre o Autor
Kellen Cristina de Andrade Avila
Procuradora Federal desde 03/03/2008, atualmente lotada na Procuradoria Federal Especializada do INCRA