Resumo: O presente trabalho, constituído a partir da pesquisa bibliográfica, da pesquisa de campo e de documentos legais e normativos relativos ao “Email – Fale Conosco” como meio para o exercício do direito à informação pública virtual, visa apresentar alguns dos principais conceitos e categorias próprios da Teoria Sistêmica Autopoiética proposta por Niklas Luhmann, aplicados ao Direito, à política e aos cibersistemas como subsistemas da sociedade, que em relação e comunicação sistêmica produzem cibercomunicações. A comunicação, a autopoiese e o acoplamento estrutural são os fios condutores do exercício sistêmico autopoiético aqui proposto, sendo descritos os principais eventos que servem à sua realização. O direito fundamental à informação pública pode ser observado a partir das cibercomunicações ocorridas tanto nos âmbitos comunicacionais do subsistema político como também nas demais relações e comunicações sistêmicas. Ainda que existam controvérsias sobre a ocorrência da autopoiese em países de modernidade periférica, é possível observar que ante à inexistência de normas, não é possível identificar a ocorrência do acoplamento estrutural realizado pela Constituição Federal de 1988 entre o sistema jurídico e político considerando a inexistência de um dos princípios constitucionais próprios da Administração Pública, qual seja, o princípio da legalidade. A teoria sistêmica autopoiética possibilita uma outra observação sobre as cibercomunicações ocorridas a partir do “Email Fale Conosco” de uma organização pública, possibilitando uma reflexão mais concreta e real de sua funcionalidade, dos paradoxos advindos dos subsistemas político e jurídico, visando a evolução da Administração Pública e cada vez mais a concretização dos direitos fundamentais sociais previstos na Constituição Brasileira.[1]
Palavras-chave: Teoria Sistêmica Autopoiética. Cibercomunicação. Direito Fundamental à Informação Pública.
Sumário: Introdução. 1. Alguns conceitos da Teoria Sistêmica Autopoiética. 1.1. Observando a complexa relação virtual. 1.2. Os subsistemas jurídico e político. 2. A relação virtual entre o público e a Administração Pública Municipal. 2.1. O “fale conosco”. 2.1.1. O “Fale conosco” é um email/ato administrativo. 2.1.2. O “Fale conosco” presta serviço público? 2.1.3. O “fale conosco” e a Constituição Federal de 1988 como acoplamento estrutural. 3. Enquanto isso, no centro do sistema jurídico…. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A proposta teórica ousada de Niklas Luhmann (1927-1998), descreve a sociedade contemporânea a partir da teoria sistêmica autopoiética por ele proposta através da comunicação interdisciplinar, transitando nos mais variados subsistemas da ciência, partindo de Parsons, das pesquisas de Bertalanffy, pelas pesquisas empíricas desenvolvidas na biologia (através, em especial, do conceito de autopoiese de autoria de Maturana e Varela), na neurofisiologia, na neurologia, na cibernética, na matemática e na lógica não-formal, dentre as perceptíveis.
A teoria sistêmica autopoiética procura romper com as teorias clássicas, aqui, em especial, da sociologia, da política, da administração e do direito, apresentando novos paradigmas, categorias e conceitos que formam um complexo quadro teórico, aliás, paradoxalmente, uma vez que pretende reduzir complexidade comunicando complexidade teórica.
No presente texto pretende-se descrever algumas possíveis observações sobre as relações e comunicações que ocorrem entre os subsistemas jurídico, político e os cibersistemas a partir do “Email Fale Conosco” da Prefeitura Municipal de Santo Antônio da Patrulha: se estas relações virtuais entre os cidadãos (público ou sistemas psíquicos) e o ente público (administração-organização) e as comunicações que ocorram podem ser observadas e descritas a partir da teoria sistêmica autopoiética (1); se o “Email Fale Conosco” é aceito no subsistema jurídico (2); e, se em tais relações e comunicações a Constituição Brasileira funciona como acoplamento estrutural entre os subsistemas jurídico e político para garantir o efetivo exercício do direito à informação pública conforme o previsto no art. 5º, inciso XXXIII da CF/88 (3).
Estas são as três hipóteses observadas e descritas neste texto, que não visa identificar, descrever e prescrever fórmulas mágicas, soluções definitivas e últimas. Distante das lógicas dos grandes discursos metanarrativos, com saídas mágicas e emancipatórias, busca apenas trazer uma outra observação por meio da Teoria Sistêmica Autopoiética e dos subsistemas nos quais se acoplam para que o “Email Fale Conosco” seja melhor observado e descrito, visando, por consequência, contribuir para uma possível concretização do direito fundamental à informação pública.
1. Alguns conceitos da Teoria Sistêmica Autopoiética
A Teoria Sistêmica Autopoiética, também denominada de “novo Sistemismo” (NEVES: 2005, p. 172), com a pretensão de “(…) abarcar todo el campo del objeto de la sociologia y de constituirse, en esse sentido, en una teoría universal sociológica” (LUHMANN: 1998b, p. 39), traz como elemento fundante a observação da sociedade contemporânea, dado o cenário científico e social (pós-) moderno, como um sistema social, que “es una sociedad mundial unica” (MANSILLA: 2007, p. 151).
Vejamos alguns conceitos.
Objetivamente, o sistema não pode ser observado e descrito a partir de suas partes, mas no momento da diferenciação entre o próprio sistema e seu entorno. Não há hierarquia, causalidade, consenso, rigidez estrutural, inexiste “a priori”, fundamento último, mas há, sim, comunicação.
A comunicação estrutura os sistemas sociais a partir da seleção, as comunicações compõem o sistema social, sendo a principal operação inter e intra-sistêmica, que garante a unidade e a auto-reproduçao do sistema, ou seja, contribui diretamente para a realização da autopoiese, sendo que ela não ocorre entre indivíduos, somente entre sistemas.
O conceito de autopoiese é incorporado ao que se chama da 2ª fase da obra teórica de Luhmann, advindo de Maturana e Varela, que transporta do biológico ao social, aqui, ao sistema jurídico, um mecanismo de seleção e estabilização de expectativas, com a função de reduzir a complexidade advinda do ambiente social.
O Direito é um sistema social que se diferencia e se especifica funcionalmente em relação ao seu entorno. Possui um código próprio (direito/não-direito), que lhe permite, autonomamente, manter sua cláusula operativa fechada, ao mesmo tempo em que mantém abertura cognitiva ao meio envolvente e aos demais subsistemas através da comunicação, ocorrendo, paradoxalmente, o aumento e a redução da complexidade social, e se autorreproduz a partir das operações e dos elementos intra-sistêmicos.
A política também é um sistema funcionalmente diferenciado que realiza sua autopoiese a partir das suas próprias comunicações/decisões vinculantes.
Ante a incontrolável complexidade, os sistemas proliferam-se na evolução (não-linear, não-simultânea, imprevisível, instável, dentre outras características), a partir de sua diferenciação funcional e seleção continuada, em relação ao ambiente e aos demais subsistemas, sendo o sentido o critério seletivo que demarca limites ou contornos dos sistemas sociais.
Em relação ao objeto fático da pesquisa, é possível afirmar que as relações virtuais entre os cidadãos e uma prefeitura municipal ocorrem na diferença e na relação sistema/entorno (sistemas psíquicos em interdependência com o subsistema político mediados pelos cibersistemas) bem como no interior do subsistema político (uma vez que a Administração, para Luhmann e adiante referido, consiste em uma subdivisão deste sistema) e no jurídico (a relação entre cidadãos e órgãos públicos é também uma relação/comunicação jurídica), tudo no meio virtual.
1.1. Observando a complexa relação virtual
No momento em que o objeto de pesquisa trata de relações virtuais, é possível identificar, a partir da teoria aqui utilizada, as relações intersistêmicas entre o público e a Administração Pública como também entre os sistemas psíquicos, a organização pública (a Prefeitura), ambos mediados por cibersistemas através do “Email Fale Conosco” disponível aos cidadãos através do site oficial da Prefeitura Municipal de Santo Antônio da Patrulha.
As relações virtuais entre uma Prefeitura Municipal (se observada como organização pública) e os cidadãos, patrulhenses ou não, que residem no Município ou não, na rede mundial de computadores, constituem-se numa questão relevante, atual e complexa, que precisa ser observada (por instrumental teórico que dê conta desta complexidade como a teoria sistêmica), selecionada e reduzida conforme o funcionamento e o cumprimento das funções do subsistema político e jurídico.
Considerando a complexidade incontrolada do ambiente e a parcialidade de cada sistema, o ambiente é sempre mais complexo do que o sistema (LUHMANN:1998, p. 49), ou seja, para que ocorra a relação virtual entre os cidadãos e uma organização pública há necessidade de que os subsistemas envolvidos reduzam as complexidades advindas da própria sociedade e dos demais subsistemas que compõem, aqui, o entorno da política, do direito e dos sistemas psíquicos.
Outra categoria fundamental na teoria luhmanniana, conforme já dito, é a comunicação.
Para Luhmann, a comunicação é síntese (que somente será possível se os meios de comunicação permitiram a produção de sentidos) entre a informação, o ato de comunicação e a compreensão e, “[…] não existe nenhum sistema social que não tenha como operação própria a comunicação e não existe comunicação fora dos sistemas sociais” (NEVES: 2005, p. 176).
Um sistema social surge quando a comunicação desenvolve mais comunicação, a partir da mesma comunicação. Assim, “… as consciências individuais são apenas um dos múltiplos meios pelos quais a comunicação/organização do sistema e entorno processa-se” (NEVES: 2005, p. 176-177).
A relação virtual entre a Prefeitura e os cidadãos poder ser considerada como um evento relacional/comunicacional sistêmico, garantindo o cumprimento das funções do sistema político e jurídico? O email “fale conosco” é um meio de comunicação que permite a relação sistêmica entre público e administração pública? Que tipo de relação sistêmica ocorre através dos emails?
Este texto pretende responder tais questões que tratam do objeto das observações e descrições propostas, em especial, a observação de como ocorre, do ponto de vista da teoria sistêmica autopoiética, a relação virtual entre os cidadãos e um órgão público e suas comunicações nos subsistemas jurídico e político.
1.2. Os subsistemas jurídico e político
O Direito pode ser conceituado como “expectativas de comportamento estabilizadas em termos contrafáticos” (LUHMANN: 1983a, p. 57), no qual gera “uma imunização simbólica das expectativas contra outras possibilidades” (LUHMANN: 1983a, p. 110), cumprindo “a função de garantir e manter expectativas quanto aos interesses tutelados pelo direito e oferecer respostas, claras e justificadas no caso de conflito” (CAMPILONGO: 2002, p. 78-79).
Assim, torna-se redutor da complexidade, onde a norma orienta os indivíduos, aliviando “[…] a consciência no contexto da complexidade e da contingência” (LUHMANN: 1983a, p. 52), sendo que as operações fático-sociais, internas ao próprio Direito como sistema funcionalmente diferenciado, determinam o que é e o que não é o Direito, demarcando a diferença entre o ambiente e o sistema jurídico, mas que não se confundem com as estruturas dos quais depende (LUHMANN: 2002, p. 41).
A expressão classificatória “autopoiese[2] do biológico”, é considerada “a primeira fase da teoria autopoiética (TEUBNER: 1989. p. I – prefácio). ”, oriunda dos estudos de Maturana e Varela, que desde seu início se tornou um modelo teórico de “maior repercussão interdisciplinar e” (que) “tenha despertado maior polêmica (.. – prefácio)”.
A teoria autopoiética proposta pelos neurocientistas chilenos sustenta que os componentes celulares, quando examinam um sistema vivo, estão relacionados dinamicamente “[…] numa rede contínua de relações, esse metabolismo celular produz componentes e todos eles integram a rede de transformações que os produzem, alguns formam uma fronteira, um limite para essa rede de transformações. Em termos morfológicos, podemos considerar a estrutura que possibilita essa clivagem no espaço como uma membrana” (MATURNA; VARELA: 2001, p. 52).
O Direito é um sistema autopoiético de segundo grau, constituído a partir de sua diferenciação funcional e da autorreferencialidade dos seus próprios elementos. O sistema jurídico se autoproduz e se auto-organiza a partir de elementos do ambiente, ao mesmo tempo em que “[…] tiene la capacidad de entablar relaciones consigo mismos y de diferenciar esas relaciones frente a las de su entorno” (LUHMANN: 1998a, p. 38): La organización interna de cada sistema está basada en una relacionalidad selectiva que se adquiere mediante estos órganos fronterizos, lo cual provoca que los sistemas sean indeterminados entre sí y que se creen sistemas de comunicación para la regularización de esa indeterminación (p. 52).
Ocorre que em países de modernidade periférica (NEVES: 2007, p. 2 e 147), no qual está inserida a experiência brasileira (NEVES: 2006, p. 244), arcaica, “[…] que apóia o jeitinho brasileiro, é hierárquica, é patrimonialista, não tem espírito público, defende a lei do talião (…)” (ALMEIDA: 2007, p. 26), ocorre a alopoiese, qual seja, o rompimento dos limites e dos códigos dos subsistemas político e jurídico.
Na relação virtual entre cidadãos e a prefeitura, através dos emails “fale conosco”, é possível distinguir subsistemas se relacionando/comunicando e seus respectivos entornos: quando um cidadão patrulhense envia um email para a prefeitura solicitando alguma providência, por exemplo, dentre tantas outras possibilidades.
Primeiro é possível observar que a Administração Pública está dentro da sociedade, ela funciona para a sociedade, então é uma administração pública da sociedade, sendo possível observá-la, também a partir da sociedade, como também a partir da própria administração, através de suas comunicações intra e intersistêmicas e da produção decisões que sejam vinculantes.
O ambiente, aqui a sociedade patrulhense, o subsistema econômico, jurídico, científico, cultural, é sempre mais complexo e rico de possibilidades do que o sistema político. As demandas sociais, expressas através dos meios de comunicação midiáticos e eletrônicos, ante a complexidade e a dupla contingência, trazem muita complexidade e possibilidades, das quais o subsistema político somente poderá comunicar àquelas próprias da sua diferenciação funcional.
Para LUHMANN (2007, p. 94), a função do subsistema político “ … que ho provocado la diferenciación del sistema político puede caracterizarse como el empleo de la capacidad de imponer (Parsons: effectiveness) decisiones vinculantes (…) donde vínculo ha de entenderse siempre como vínculo colectivo, en el sentido de que éste (siempre hasta nuevo aviso) vincula a la selección tomada, tanto a quienes adoptan das decisiones como a los destinatarios de las mismas”.
O subsistema político, autopoiético, dispõe de três “espaços” comunicativos, resultante da evolução do sistema de bi para tridimensional, do … trânsito de una diferenciación estratificada a otra funcional ha provocado modificaciones decisivas (LUHMANN: 2003, p. 62). O tripé de diferenciação do subsistema político é constituído pela política, administração e pelo público (LUHMANN: 2003, p. 62). Estes espaços de comunicação interna aumentaram a comunicação intra/intersistêmica e podem “… tratarse como entorno respectivo, filtrando y simplificando así el proceso comunicativo” (p. 63).
O público é o cidadão patrulhense ou não. A Administração que, “… en el sentido más amplio, incluye gobierno e legislación” (LUHMANN: 2003, p. 63) contempla “… a la totalidad de las instituciones que, apoyándose en mandatos o puntos de vistas políticos, crean decisões vinculantes” (p. 63).
Nesta perspectiva, “… las estructuras heredadas del Estado de Derecho y la división de poderes adquieren así un nuevo significado” (LUHMANN: 2003, p. 63).
Estes novos significados são paradigmáticos e ocasionam mudanças substanciais para a observação do subsistema político e suas divisões comunicativas, como por exemplo, a Administração (Prefeitura Municipal de Santo Antônio da Patrulha, aqui definido pelo observador, uma vez que o conceito de administração, para Luhmann é amplo) que poderá se orientar por programas e discursos da política propriamente dita ou conforme a manifestação do público.
Nesta perspectiva não há como falar de poder político hierárquico, ainda que a maioria das organizações públicas sejam pautadas pela hierarquia vertical, fundamentada também em programas e comunicações jurídicas, sendo possível reconhecer uma relação circular entre estas instâncias comunicativas.
A relação parasitária entre o sistema político e o jurídico se reflete no funcionamento sistêmico da administração, como âmbito comunicacional, numa permanente comunicação, acoplamentos e irritações mútuas. Nenhum destes sistemas está acima ou é superior que o outro, ainda que “… a política opera num quadro de complexidade elevada e indeterminada, o direito atua num contexto de complexidade já reduzida e determinada por limites estruturais mais rigorosos” (CAMPILONGO: 2002, p. 25).
Então, no Sistema Político de Santo Antônio da Patrulha (ainda que esta pesquisa não trate de observações sistêmica sobre a prefeitura como organização, uma vez que demandaria observar e descrever as estruturas, funcionamentos e dinamicidades comunicacionais desta), inexiste âmbito comunicacional (política, administração e público) superior ao outro e de onde emanem as decisões que orientem aos demais, ao contrário, os eventos de circularidade e contra-circularidade podem ser aqui utilizados para comprovar tal descrição.
Mas o Prefeito não é chefe do Poder Executivo? Sim, não se está afirmando que inexistem hierarquias nas estruturas organizacionais públicas, mas que entre a administração, o público e a política, como espaços de comunicação, inexiste superioridade entre esses âmbitos, perceptível através das externalizações destes (opinião pública, direito e pessoas) e dos movimentos circulares e contra-circulares que ocorrem nas relações comunicacionais do subsistema político.
As relações virtuais entre o público e a Administração, o subsistema jurídico, dentre tantas outras possibilidades, externalizam as relações que ocorrem entre as instâncias comunicativas do sistema.
Neste compasso é possível incluir a correspondência eletrônica através do email, dentre tantas outras possíveis, como as redes sociais (Orkut, facebook, etc.) como no surgimento de inovações tecnológicas, inclusive as tecnologias de informação e comunicação, que têm provocado inúmeras irritações, gerando ao mesmo tempo, maior complexidade e sua respectiva redução, devido não somente a ser uma novidade mas por provocar inúmeras comunicações paradoxais nos subsistemas políticos e jurídicos, adiante examinadas através dos emails que foram observados, da entrevista realizada e dos julgamentos do TJRS, que não deixam dúvidas sobre o “estranhamento” contraditório do Sistema Jurídico Brasileiro em relação a esta forma/meio de comunicação eletrônica.
Os resultados das operações que compõem a evolução dos sistemas também são inesperados, não-calculados, ainda que a evolução restrinja “alguns caminhos, tornando o sistema mais previsível em alguns aspectos, ao mesmo tempo em que torna outros caminhos possíveis, reafirmando a imprevisibilidade do sistema” (NEVES: 2005, p. 48).
Tais dinâmicas evolutivas podem ser observadas na relação virtual entre público e a administração (prefeitura), nos emails encaminhados e respondidos e que trazem informações e comunicações que requerem respostas sistêmicas da administração que por sua vez, precisa reduzir tais complexidades advindas do ambiente (da sociedade, do direito, da própria política, etc.).
E, nestas relações, seria possível afirmar que a Constituição Federal de 1988, apesar de importante dispositivo para o subsistema jurídico, suas comunicações, programas e princípios incidem também no subsistema político, como nas relações virtuais entre o público e a administração? A relação entre o público e administração observa/respeita/cumpre as normas constitucionais que garantem o direito fundamental à informação?
No Brasil, tal funcionalidade à Constituição Federal ocasiona o fenômeno já abordado, denominado “alopoiese”, no qual, os subsistemas jurídico e político não conseguem manter seu fechamento operacional ante às apropriações e entradas que perturbam e interferem no funcionamento intra-sistêmico, como a influência da economia nestes dois subsistemas para a aprovação de projetos de loteamento, para a contratação administrativa, dentre outros exemplos.
Na teoria sistêmica autopoiética de Luhmann, a Constituição, antes das observações sobre as comunicações entre os subsistemas do direito e da política, será descrita como funciona diferencialmente como acoplamento estrutural entre o subsistema do Direito e o da Política.
A partir da Constituição Federal de 1988 e o desenvolvimento do constitucionalismo contemporâneo (e suas categorias/conceitos novos, no surgimento do pós-positivismo, na supremacia e unidade da Constituição, a normatividade dos princípios, etc) a discussão e o debate sobre os direitos fundamentais e sociais, bem como o papel e a relação da cidadania com o Estado, ganham relevância e aprofundamento teórico e, por que não, político e social.
Tratar dos direitos fundamentais, sociais, humanos, aqui, o direito à informação e também o de comunicação que todo cidadão brasileiro porta, inclusive os estrangeiros que estiverem no País, previsto no art. 5º, inciso XXXIII[3] da CF/88, que visa à democratização e controle social por parte da cidadania, frente à realidade brasileira, adquire importância significativa, ainda mais neste momento do “(neo) constitucionalismo” e da discussão sobre o Estado, seu papel, sua estrutura, seu funcionamento e sua relação com os cidadãos.
O direito constitucional fundamental à informação é uma das possibilidades que o cidadão tem para comunicar-se com a Administração Pública, aqui Municipal, sendo que devido aos princípios constitucionais previstos no caput do art. 37 da CF/88, será processado através de procedimento administrativo, em regra ainda físico em boa parte das administrações públicas, que tramitará internamente nas estruturas administrativas públicas, percorrendo diferentes órgãos, que tem funções e funcionamentos diferenciados, integrantes da Administração.
2. A relação virtual entre o público e a Administração Pública Municipal
O exercício sistêmico aqui proposto resulta em apresentar descrições de observações de 2ª ordem sobre as relações virtuais entre os cidadãos patrulhenses ou não (o público como âmbito comunicativo do subsistema político ou através dos sistemas psíquicos) e a Prefeitura (administração como âmbito comunicativo do mesmo subsistema ou como organização) através do email “fale conosco”.
Foram selecionados somente àqueles que foram enviados por cidadãos no exercício do direito à informação, ora solicitando informações, em alguns casos também solicitando providências administrativas, ora se manifestando e criticando as ações da organização pública, como meio/instrumento de acesso ao exercício do direito fundamental à informação pública. E, ainda, se estas relações são aceitas no subsistema jurídico garantindo o cumprimento do direito à informação pública, restrita aqui, exclusivamente àquelas solicitadas via email.
Tal recorte se faz necessário porque o direito à informação pública é amplo e comumente está relacionado ao controle social, ao exercício da democracia, à transparência pública, etc., sendo que neste trabalho as observações e descrições se referem à solicitações individuais de informações públicas através da correspondência eletrônica, o email.
É oportuno citar que em 18.11.2011 foi editada a Lei nº 12.527, que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal.
Conforme dispõe seu art. 1º, Esta Lei dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto na CF/88, em vigência no Sistema Jurídico Brasileiro desde maio de 2012, timidamente ainda em fase de implantação nos entes públicos.
A partir deste texto jurídico (comunicação jurídica e do subsistema político que elaborou, votou e aprovou a lei), que certamente terá reflexos no subsistema político, em seus âmbitos comunicativos, em especial na administração, qual seria a situação jurídica das informações, hoje, prestadas por email, aqui, da administração para o público?
Se o texto normativo acima citado somente teve vigência a partir de maio de 2012, qual seria a função do email na relação virtual entre o público e a administração, mediada pela rede internacional de computadores até então? Os emails quando “entram” no subsistema político no ciberespaço, ainda que sejam tratados como simples mensagens à procura de informações, geram que tipo de operação, relação ou comunicação nestes dois subsistemas?
Atualmente, o endereço eletrônico que a Prefeitura de Santo Antônio da Patrulha disponibiliza aos cidadãos, no seu site oficial (http://www.santoantoniodapatrulha.rs.gov.br/prefeitura/), possibilita observar que este meio de comunicação virtual, que acopla o sistema social, o subsistema político e o sistema virtual, atualmente, se constitui como um paradoxo para ambos os subsistemas (político e jurídico), conforme as descrições sistêmicas a seguir propostas a partir da observação sobre a observação de integrantes da Prefeitura (exposta em um questionário aplicado ao Setor de Comunicação Social da Prefeitura e através das manifestações nos emails) e de cidadãos sobre suas próprias comunicações realizadas através da correspondência eletrônica.
Se o email da Prefeitura está disponível no site oficial, sua utilização, as respostas e encaminhamentos via email se constituem em atos administrativos? Se ocorrer algum erro que gere danos aos cidadãos consulentes via email, a impressão desta correspondência eletrônica (do email) poderá comprovar os fatos ocorridos?
Tais questionamentos serão a seguir abordados.
Ao descrever observações sobre a relação virtual entre âmbitos comunicacionais do subsistema político, e mesmo a relação intersistêmica entre sistemas psíquicos (pessoas) e o subsistema político, a figura do computador nesta relação, ainda não descrita por Luhmann, possibilitará questionar a própria teoria sistêmica sobre a possibilidade de ocorrer comunicação entre sistemas psíquicos e sociais por intermédio dos computadores.
Assim, além dos processos comunicativos que ocorrem no funcionamento e na autopoiese dos sistemas, quando estes se relacionam com os elementos do seu ambiente, também é possível a relação (e não a comunicação) entre sistemas, sociais ou psíquicos, que poderá ocorrer através do acoplamento estrutural, das interpenetrações, organizações e as interações.
Na relação virtual entre o público e a administração, por exemplo, ocorre uma das possibilidades de observação: os dois subsistemas, o político e o jurídico recorrem a estruturas recíprocas, para que possam reduzir complexidade e cumprir com sua diferenciação funcional.
Quando um cidadão envia um email para a Prefeitura, esta, como instância comunicativa do subsistema político, poderá ou não utilizar as estruturas e comunicações de ambos os subsistemas para a relação ou comunicação com o público, no caso o cidadão que enviou tal correspondência eletrônica.
Através do acoplamento estrutural será possível descrever se a forma “relação virtual através do email” traz irritações e questões que devem ser atendidas a partir da diferenciação funcional dos subsistemas relacionados (aqui a política e o direito) e, conforme já referido, se a Constituição Brasileira de 1988 é utilizada como acoplamento estrutural entre os subsistemas político e jurídico.
Quando ocorre o acoplamento estrutural, o processo comunicativo reflete-se no outro para auxiliar o funcionamento das operações internas do sistema, sendo construído um significado dentro do sistema onde ocorreu o processo comunicativo.
É o que ocorre na relação intersistêmica entre o subsistema da política com o do direito, quando as normas legais e administrativas têm reflexo sobre o subsistema político, mais precisamente na administração, que deve pautar sua relação a partir da Constituição Federal de 1988. Há um empréstimo de um sistema para outro, das estruturas indispensáveis para que sejam realizadas as operações sistêmicas internas, constituindo uma relação funcional.
Poderão ocorrer perturbações e irritações para o sistema (através, por exemplo, dos emails encaminhados por cidadãos à Prefeitura Municipal), pois as estruturas do outro sistema (política), ao servirem o primeiro sistema (jurídico), por desconhecerem um do outro os processos comunicativos e as operações internas, também poderão aparecer como informação desorganizada.
Os sistemas mais consolidados, codificados e que realizam a autopoiese sofrem menos ingerências externas em seus processos internos. Podem se relacionar com sistemas menos complexos, através da comunicação operacional, sem que um utilize as estruturas mais avançadas do outro.
Ainda que o subsistema político e jurídico estejam consolidados, a opinião pública, o ponto de externalização da relação do público com a política através dos meios de comunicação, inúmeras vezes causa irritações ao subsistema político gerando comunicações internas, movimentos (contra) circulares, como, após o recebimento de determinado email de um cidadão, com determinada crítica ou reclamação, tal correspondência administrativa encaminhada (também através de email) e quando tramita por vários órgãos até a produção de nova manifestação administrativa, ou seja, a relação virtual provoca eventos sistêmicos e gera novas relações e ou comunicações.
Nesta relação circular, contracircular e multimensional é possível identificar a relação sistêmica existente entre o cidadão e a Prefeitura através de email. Ainda, também é possível, considerando que o público está inserido no subsistema político, observar as relações virtuais, mediadas pelos cibersistemas, como comunicações sistêmicas, ou seja, é possível identificar que as comunicações virtuais que ocorrem no “Email Fale Conosco” podem ser descritas a partir da teoria sistêmica autopoiética, observando tanto a partir das relações/comunicações entre os sistemas psíquicos e sociais, como também a partir das relações internas do subsistema político, mais precisamente entre os âmbitos Administração e Públicos, todas mediadas pelos cibersistemas.
Existem inúmeras definições utilizadas na realidade virtual, no chamado espaço cibernético, que seria “… a instauração de uma rede de todas as memórias informatizadas e de todos os computadores” (LÉVY: 2000, p. 13), como as de ciberespaço (“Aliada à comunicação, a informática permite que esses dados cruzem oceanos, continentes, hemisférios, concectando potencialmente qualquer ser humano no globo de uma mesma rede gigantesca de transmissão e acesso…” (SANTAELLA: 2003, p. 71))”, e a de “Cibercultura” (“A cultura contemporânea, associada às tecnologias digitais (ciberespaço, simulação, tempo real, processos de virtualização, etc), vai criar uma nova relação entre a técnica e a vida social que chamamos de cibercultura” (LEMOS: 2008, p. 15)).
A questão, para LUHMANN (2007), nas relações entre a consciência (dos sistemas psíquicos), a comunicação e “las computadoras (p. 235), dentre outras possíveis, “cuál es el efecto que se produce en la comunicación de la sociedad cuando se ve influída por el saber mediado por las computadoras? Lo que realmente se observa son redes de interconexión que operam mundialmente para coleccionar, evaluar y hacer nuevamente disponibles datos...” (p. 235).
Os computadores, também denominados por LUHMANN (2007) de “máquinas transclasicas” (p. 263), não se tratam apenas de instrumentos potentes, se trata “… de una marcación de formas, que permite distinguir señalar más fecundamente – con consecuencias por el momento imprevisibles para el sistema de comunicación de la sociedade” (p. 236-237).
A partir deste possível “limite” da teoria, será utilizado o conceito de cibercomunicação, proposto por STOCKINGER (2001): “Significa afirmar que sistemas sociais utilizam para a sua autopoiese elementos e relações comunicativas operadas por cibersistemas, que passarão a ser parte integrantes das ações e comunicações sociais. Entretanto, a cibercomunicação multiplica e aumenta os desvios – as interpretações – de tal forma que se distanciam do significado original e criam áreas de sentido com seus significados próprios” (p. 131).
Os textos dos emails, da mesma forma que os contratos eletrônicos[4], seriam uma forma diferenciada de comunicação no ciberespaço e assim, poderiam ser considerados como uma cibercomunicação?
2.1. O “fale conosco”
SANTAELLA (2003), após apresentar a evolução dos “subtratos da cibercultura” (p. 77-113), descrevendo a passagem da “cultura de massas à cultura das mídas” (p. 79) detalha o funcionamento de uma correspondência eletrônica através do email: “Quando, por exemplo, mandamos um e-mail, a mensagem é decomposta em pacotes e dotada de cabeçalhos contendo um endereço; os pedaços são despachados por uma variedade de caminhos e de processadores intermediários que retiram e acrescentam informação aos cabeçalhos até que, quase como num passe de mágica, a mensagem é afinal reordenada e reunida na outra ponta. A razão para que isso acabe funcionando é que cada pacote carrega consigo aqueles bits que informam sobre bits, e cada processador dispõe de meios para extrair informações sobre a mensagem de dentro da própria mensagem” (p. 89-90).
Retomando o conceito de “cibercomunicação” proposto por STOCKINGER (2001, p. 1-2), é possível responder à primeira hipótese deste texto, afirmando que as comunicações que foram enviadas à Prefeitura através do “Email Fale Conosco”, sejam observadas como “cibercomunicação jurídica”, exercendo a função de acoplamento estrutural entre sistemas sociais e cibersistemas, “… sendo portanto, uma figura híbrida” (BARRETO: 2010, p. 444).
O conceito de cibercomunicação confirma o entendimento luhmanniano de que a comunicação é impessoal, uma vez que “… já não é o usuário que estabelece os limites e o horizonte da comunicação. É um sistema operacional eletrônico, em relação ao qual os usuários formam apenas o seu ambiente (STOCKINGER: 2001, p. 15).
A própria Administração, em entrevista concedida pela Assessoria de Comunicação da Prefeitura, descreveu como se (auto) observa nesta relação virtual no ciberespaço através do email: “No site oficial da prefeitura tem um link “Fale Conosco”. Lá as pessoas podem enviar mensagens que são enviadas para um e-mail que é aberto na Assessoria de Comunicação Social. Logo que a pessoa envia mensagem ela recebe outra dizendo que “sua mensagem foi enviada para o setor responsável e que em breve daremos retorno” (resposta à Pergunta nº 01).
Aqui propomos uma observação de 2ª ordem, ou seja, a observação do observador sobre a própria observação da Prefeitura sobre si mesma e que possibilita identificar, na relação virtual através do “Email Fale Conosco”, a presença dos sistemas psíquicos (que também podem ser observador como público – instância comunicativa do subsistema político) e de outros subsistemas, como o político (Administração), o Jurídico (através das normas, da CF/88 e das decisões do TJRS) e dos cibersistemas, aqui precisamente, os sistemas que promovem o funcionamento do “Email Fale Conosco” da Prefeitura Municipal de Santo Antônio da Patrulha.
Tal descrição possibilita o emprego do conceito de cibercomunicação, ou seja, a comunicação mediada pelos cibersistemas no ciberespaço na relação com sistemas sociais, ou seja, o próprio cibersistema interage diretamente com o cibercidadão, representando na virtualidade, um dos âmbitos comunicativos do subsistema político, quando o próprio cibersistema, através do site da Prefeitura, comunica, automaticamente sobre as operações que serão realizadas.
A partir daqui será utilizado o termo “cibercidadão”, ao mesmo tempo fora do sistema social mas inserido na cibercomunicação. Tal conceito substituirá o de “cidadão” e outros que comumente são retirados do direito privado e utilizados, impropriamente, no direito público, como o de cliente.
No momento da resposta automática do email “fale conosco”, a Administração (âmbito comunicativo do subsistema política ou organização) utiliza para a sua autopoiese, “… elementos e relações comunicativas operadas por cibersistemas, que passarão a ser parte integrante das ações e comunicações sociais” (BARRETO: 2009, p. 447).
Nos processos comunicativos entre a Prefeitura (uma organização e o âmbito comunicativo do subsistema político) e os cidadãos (sistemas psíquicos e o âmbito comunicativo do subsistema político) que ocorrem através do email “fale conosco”, quais são os códigos utilizados para que ocorram tais relações e/o comunicações?
O código situação/oposição, comumente utilizado no subsistema político não dá conta para ocorram observações de tais relações e comunicações, tal distinção “… resulta insatisfactoria, sin embargo, cuando se la aplica a las relaciones del sistema político con su entorno, esto es, a una sociedad dinámica. Ya que ésta se encuentra en rápida mutación” (LUHMANN: 2007a: p. 83), sendo que hoje “… el problema no es ya el cambio social (al que es posible adaptarse positiva o negativamente), sino la inestabilidad social” (p. 85).
A Assessoria de Comunicação Social da Prefeitura de Santo Antônio da Patrulha, disponibilizou todos os emails que foram encaminhados no período de 10 de outubro à 08 de dezembro de 2011, num total de 41 (quarenta e um) emails contendo pedidos de informações públicas, assim divididos diante do tipo de informação pública que foi solicitada: sobre o brasão do Município (1); endereço de pousadas (1), de folder ou material de divulgação da Prefeitura (1); sobre alvarás para empresas 2; sobre as medidas para construções 2; sobre o curso de técnico em radiologia: 1; sobre serviços públicos: vagas em creche (1), cemitério público (1), horário de funcionamento da Prefeitura (1), contato com o serviço social (1), sobre melhorias para o Município para 2014 – a Copa do Mundo (1), reparos em calçamento (1), abastecimento de água para piscina (1), de acesso virtual aos editais de licitação (1), sobre o ISSQN (3), sobre os dados cadastrais da Prefeitura para emissão de certificado de resíduos sólidos (1), sobre dados cadastrais da Prefeitura para descarte de material eletrônico 1), de iluminação pública-troca de lâmpadas (1), sobre a participação da Prefeitura no Programa Minha Casa Minha Vida (1), sobre o endereço do Prefeito (1), sobre dados da equipe técnica da Prefeitura que trata das licenças ambientais e seu funcionamento para pesquisa científica da PUCRS (1), sobre o falecimento de um morador do Município (1), sobre vagas de estágio (1), sobre o consumo de fraldas nos postos de saúde (1), sobre um mapa topográfico da cidade para pesquisa científica em Camboriú (1), sobre envio de currículos profissionais para contratação por empresas que receberão incentivos fiscais (1), Total 22; pedido de informações sobre concursos públicos: 7 e, Manifestação sobre a decoração de natal – resposta para enquete de natal: 1.
A partir deste quadro seria possível utilizar a diferença/código informação pública/privada, uma vez que a Administração seleciona, através de suas respostas e dos encaminhamentos que são propostos, quais emails contém demandas com pedido de informações públicas (como a realização de concursos, pedido de dados sobre o Município, de vagas nas creches públicas, de como resolver problemas coletivos como buracos nas ruas, organização do cemitério, etc) e que recebem determinado encaminhamento, como também de emails que solicitam informações privadas, na qual a Administração filtra, seleciona como informação imprópria à administração.
O Email 31, por exemplo, no qual o cibercidadão solicita informações sobre determinada pessoa e a Administração responde objetivamente que “Desculpe não poder ajudar, mas não temos o contato desta pessoa”, ou seja, tal correspondência/comunicação eletrônica não continuará no subsistema político, mais precisamente na administração como âmbito comunicacional ou como organização, após a aplicação do código “informação pública/privada”.
A seleção é indispensável para a autopoiese dos sistemas sociais parciais pois poderá garantir o fechamento operacional do sistema, ou seja, a administração não poderá responder e dar os devidos encaminhamentos no interior da organização se o email tratar sobre, por exemplo, direitos patrimoniais privados. A partir do momento que a Administração seleciona as informações, comunicações e mensagens que entram em seu sistema através do acoplamento estrutural do cibersistema com os sistemas sociais e psíquicos, ela reproduz os seus próprios elementos, estruturas e comunicações.
O endereço do Email da Prefeitura, o “fale conosco” está localizado no site oficial da Prefeitura Municipal de Santo Antônio da Patrulha (http://www.santoantoniodapatrulha.rs.gov.br) e pode ser acessado por qualquer cibercidadão do mundo, sendo possível ocorrer a cibercomunicação entre uma pessoa localizada no Paquistão, natural deste Município e que necessita de uma certidão negativa de débitos municipais, por exemplo, que dá a dimensão da complexidade e do rompimento com os parâmetros tradicionais de tempo, espaço e poder que caracterizavam o subsistema político.
A página abre com a expressão “Contate-nos”, apresenta uma forma com vários campos. Cumpre destacar que o campo “Mensagem” dispõe de vasto espaço para o registro do texto, sendo possível digitar uma petição com algumas páginas, ou seja, o direito de manifestação, ao menos de registro por parte dos cidadãos, está amplamente garantido neste campo.
O site da Prefeitura Municipal funciona a partir de programas/software que a possibilitam as relações virtuais: “… los programas son formas – como antes lo fueron las reglas gramaticales del lenguaje – que delimitan las posibilidades del acoplamiento firme y así lo pueden ampliar hasta lo imprevisible” (LUHMANN: 2007b, p. 240).
Ainda que o email não seja objetiva e comumente classificado como um programa e sim um meio de comunicação que poderá acoplar outros subsistemas, ele acaba se constituindo, através do seu funcionamento e da produção de sentido, uma forma que delimita como as comunicações ocorrerão no seu interior, ainda que inexista “… um conjunto de expectativas que procuram estabilizar/coordenar as condutas fáticas dos indivíduos que integram determinada coletividade” (TRINDADE: 2008, p. 57), ou seja, ainda que inexistam normas do subsistema jurídico que orientem tal relação.
O ciberespaço contém formas que são empregadas pelo sistema social (mundial) que dispensa hierarquização e funciona paralelamente até mesmo aos limites territoriais, legais, políticos e sociais dos estados em seus conceitos tradicionais, ainda atrelados ao território, ao povo, ao poder e às normas.
No momento em que um usuário virtual posta algum entendimento sobre algum evento ou ação realizada pela Prefeitura Municipal e esta responde, ainda que mediados por meios eletrônicos, ocorre a comunicação sistêmica intermediada pelos computadores e pelo programa privado mundial no qual a organização pública participa, visando garantir o acesso virtual à informação pública através de outros meios eletrônicos de comunicação.
Se inexiste norma que regulamente a utilização desta ferramenta comunicacional, uma vez que a própria Administração ao observar suas próprias comunicações reconhece que “este processo se dá de maneira informal”, como justificar sua existência numa organização pública que deverá cumprir, por exemplo, o princípio da legalidade, expresso no caput do art. 37 da CF/88?
A relação comunicativa entre a Prefeitura e o ciberespaço reproduz a tradicional relação física entre o cidadão e uma prefeitura municipal quando este se dirige ao protocolo para exercer o seu direito de petição e se for o caso de informação, como por exemplo a situação do Email do cibercidadão 23 que, em 2011, enviou um email para o “Fale Conosco” nos seguintes termos: “… por favor, peço que façam reparos nas ruas de meu bairro x; tá terrível a situação. Sugiro que usem sobras de asfalto para cobrir os piores buracos. O caso mais urgente é a rua B. Obrigado pelo espaço”.
Esse email reflete as expectativas normativas, ainda que tenha circulado no subsistema político, do cibercidadão 23 em relação aos seus direitos constitucionais fundamentais para a resolução dos “reparos nas ruas…”.
Por outro lado, a mensagem da Prefeitura não atende as expectativas normativas do cibercidadão 23, ao contrário, no momento em que recebeu tal mensagem, não é possível compreender se a Administração adotará as devidas providências, se o email realmente foi encaminhado para a Secretaria de Obras, se as pessoas que receberam o email 23 eram as pessoas habilitadas na organização para tal relação, qual será o prazo de atendimento, se existe ordem de preferência, enfim, se os processos comunicativos devem contribuir para a auto-referência do subsistema político.
A resposta ao email 23, talvez tenha reduzido temporariamente a complexidadade e as expectativas normativas do cibercidadão 23, mas talvez tenham gerado maior complexidade, incerteza e talvez até desconfiança no subsistema político a partir da resposta ao email, ainda que: “ … cualquiera que se entrega a la comunicación depende de la confianza. Solo que en la era del procesamiento electrónico esta confianza no se puede personalizar y por eso mismo no puede traducirse en posición social; es sólo confianza sistémica” (LUHMANN: 207b, p. 243).
No caso, o email serve como acoplamento entre a Administração, os cidadãos e o ciberespaço, mas, ao contrário de reduzir complexidade através de processos relacionais ou comunicativos, o próprio âmbito comunicativo da política ampliou a complexidade e a incerteza, ainda mais numa relação intermediada por um “meio” ou “acoplamento” ou “sistema” (o email) onde de imediato não é possível utilizar expectativas normativas, pois “… esse processo se dá de maneira informal” (entrevista com o Setor de Comunicação Social da Prefeitura).
Se a comunicação “… se dá na forma de decisão”, a resposta enviada pela Prefeitura ao cibercidadão 23, criando duas expectativas devido ao encaminhamento da correspondência eletrônica tanto para a Secretaria de Obras, como, ao mesmo tempo, orientando-lhe a adotar um outro mecanismo, qual seja, o de protocolar fisicamente seu requerimento no protocolo físico da Prefeitura.
Neste sentido, ocorreu a reprodução do real através do virtual identificado na resposta da Administração ao email 23 do cibercidadão 23, que cumula as duas possibilidades, enviar o pedido de informações e providências para a secretaria competente mas ao mesmo, solicitar ao cidadão que realize o procedimento físico para o atendimentos ás suas expectativas normativas: “… o ciberespaço é hoje um correlato virtual para praticamente tudo que se encontra ancorado no mundo físico, pois a partir dele, inserem-se nesse mundo comunicativo: bancos, lojas, organizações, pontos/locais de encontro, etc” (BARRETO: 2009, p. 446).
Através dos 39 (trinta e nove emails) selecionados e observados, apenas o de nº 30 (pedido de iluminação pública) recebeu o mesmo tratamento por parte da Administração, qual seja, orientar-lhe a realizar o protocolo físico e ao mesmo tempo lhe informa sobre o encaminhamento do seu email para a respectiva secretaria (de obras).
E como restariam os pedidos de informações propostos nos emails 4, 7, 10 e 33, que somente foram recebidos pela Assessoria de Comunicação para outras estruturas internas da Administração, sendo que nessas respostas, ao menos do material que foi disponibilizado para a realização da pesquisa, a Administração não respondeu ao cibercidadão, encaminhando seu email diretamente para a respectiva secretaria, selecionada pelo “órgão-moderador” da Prefeitura?
É possível identificar encaminhamentos diferentes para emails que contém a mesma expectativa normativa, qual seja, a prestação de informações ou a realização de determinados serviços públicos, dentre os 41 (quarenta e um) selecionados, 35 (trinta e cinco) são pedidos de informação pública pura e simples como de informação sobre os serviços públicos, como horário de funcionamento, documentação e como contatar com tais estruturas.
Se a principal função do sistema político é produzir decisões vinculantes, tais comunicações, com tratamento diferenciado para casos análogos poderão gerar maior complexidade, ainda que “… las decisiones políticas que puede adoptar la Administración dependen cada vez más de una penosa ponderación de las alternativas…” (LUHMANN: 2007, p. 63-64).
O exercício do direito fundamental à informação pública, exercitado através do email “fale conosco”, que muitas vezes resulta na prestação de serviço público, na cibercomunicação, ocorre através, também, de movimentos contracirculares, no qual “… o público exerce sua influência sobre a administração pública, mediante o exercício do direito de petição e pela participação em processos administrativos de formação da vontade estatal” (ZYMLER: 2002, p. 130).
Este movimento contracircular deixa evidente que “… a relação de poder hierarquizado não mais prevalece como única forma de expressão política, perde sentido a busca de regulação do sistema político a partir do controle do poder institucionalizado” (ZYMLER: 2002, p. 132).
Até aqui é possível identificar que as relações virtuais entre os cidadãos (público do subsistema político ou como sistemas psíquicos) com a Prefeitura Municipal de Santo Antônio da Patrulha (Administração do subsistema político ou organização) através do “Email Fale Conosco” como relações que produzem cibercomunicações, mediadas pelos cibersistemas virtuais.
2.1.1. O “Fale conosco” é um email/ato administrativo
Na teoria tradicional do subsistema jurídico (poderíamos dizer também da ciência?), ato administrativo “é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria” (MEIRELLES: 2010, p. 154). E ainda, “… a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita ao controle do Poder Judiciário” (DI PIETRO: 2005, p. 189).
A partir da segunda definição acima, seria possível descrever que as comunicações expressas através de email como atos administrativos, ou melhor, como uma comunicação administrativa, no caso de organização pública, pois se trata de uma operação que ocorre no interior do estamento comunicacional “administração” e reproduz seus elementos externos a partir de outros elementos que a compõem, ainda que aberto aos demais âmbitos comunicativos (política e público).
Quando, por exemplo, o cibercidadão 9 solicita informações sobre a abertura e o período de inscrições de uma escola de educação infantil (creche) no bairro onde reside e a Prefeitura responde informando sobre a previsão de inauguração e sobre a necessidade deste cibercidadão entrar em contato com a Secretaria da Educação, não será possível identificar tais respostas e a prestação do serviço público de informação como um ato administrativo, ainda que através da comunicação entre a organização pública (o estamento comunicacional administração) o cibersistemas (resultando na cibercomunicação)?
Através de simples associação já é possível caracterizar as respostas dos emails prestadas pela organização pública como atos administrativos ou também “emails administrativos”, nada mais são do que comunicações do âmbito comunicativo “administração” do subsistema político, como também poderão ser observadas como comunicações sistêmicas organizacional, existente entre os subsistemas político e jurídico de Santo Antônio da Patrulha: a Prefeitura Municipal.
Seria possível também observar o email como um meio de cibercomunicação virtual ou até mesmo um subsistema que acopla não somente os âmbitos comunicativos do subsistema político como as próprias estruturas internas da administração como ocorreu nos emails nos quais a Assessoria de Comunicação Social encaminhou a mensagem eletrônica para outras secretarias.
Um dos códigos que foi utilizado pela Administração através da Assessoria de Comunicação foi a diferenciação entre a informação pública e a que não é pública, a informação privada (que trata de interesses e direitos privados/particulares), pois no momento em que responde à solicitação do Cibercidadão 31 “Desculpe não poder ajudar, mas não temos o contato desta pessoa”(Email 31) ou “Desculpe não poder ajudar, mas não temos conhecimento desta informação” (Email 34), a organização pública, existente entre os subsistemas jurídico e político (que também poderá ser observada como instância de comunicação do subsistema político), a partir do código informação pública/não-pública, num movimento circular e não hierárquico, selecionou as comunicações para ingressarem no seu sistema.
Por outro lado, não atendendo às expectativas cognitivas comunicadas através do ciberespaço, em relação às mensagens do Email 31 e 34, reduziu a complexidade e facilitou as operações recursivas do seu próprio funcionamento, diferenciando-se do entorno e dos demais subsistemas.
Não é possível afirmar que tais comunicações geraram decisões vinculantes, ou melhor, comunicações vinculantes, pois a decisão é uma cibercomunicação (“seu pedido não se trata de informação pública e sim não-pública/particular”), que necessitaria da descrição das observações de 2ª ordem dos próprios cibercidadãos.
É importante ressaltar que esta codificação pode ser observada sobre as observações e as mensagens de resposta da organização pública, ou seja, podem ser observadas no seu próprio funcionamento, revelando limites entre seu sistema e os entornos, como o próprio sistema social, assim, no caso concreto, seria possível dizer: “sistema social (ou público como âmbito comunicativo da política), seu pedido não será processado neste sistema, desculpe, nosso código de ingresso não permite.
Tal comunicação não está baseada em hierarquias mas sim na diferenciação funcional, aqui da organização pública (da administração do subsistema político) em relação aos seus entornos e assim fecha o sistema organizacional, é uma cláusula operativa, ou seja, a organização somente funciona, realiza operações, relações e comunicações a partir do seu código.
2.1.2. O “Fale conosco” presta serviço público?
Fornecer informações é prestar serviço público? O novo programa do subsistema jurídico, a Lei Federal nº12. 527/11 não deixa dúvidas em seu art. 9º que enumera a prestação de informações como esse qualificativo.
Para verificar se as respostas prestadas pela Prefeitura (administração do subsistema político e organização pública) se constituem em serviço público, sob o ponto de vista sistêmico autopoiético, o código serviço público/não serviço público (RECK: 2009, p.11) possibilitará tal descrição a partir da função exercida pelas comunicações (ocorridas entre a organização (administração), o cibersistema e o público, que resulta numa cibercomunicação) ocorridas através do email “fale conosco”.
As mensagens e as respostas enviadas pela Prefeitura aos cibercidadãos através do ciberespaço e seus programas, se constituem num “serviço público da sociedade” (RECK: 2009, p. 15).
A prestação de informações públicas é uma função que este conceito de “serviço público da sociedade” poderá prestar tanto para o subsistema político como o jurídico, trazendo novas possibilidades funcionais de observação, diferentes (nem melhores ou piores) daquelas expressas nos manuais de direito administrativo (como os de MEIRELLES (2011) e DI PIETRO (2005), que buscam “… uma morfologia ou essência do serviço público” (RECK: 2009, p. 15).
A busca pela essência, pelo fundamento último, pela origem da legitimidade é uma busca inócua, “… es un empeño vano” (LUHMANN: 2007, p. 44), uma vez que reproduz relações cartesianas representacionistas e descarta importantes conceitos próprios da (pós/hiper/e outros – modernidade) como a circularidade processual, a substituição de hierarquização pela diferenciação funcional, a simultaneidade, a complexidade, a aleatoriedade, dentre outros.
Esta nova comunicação política, agora programa jurídico, confirma que as mensagens-respostas dos “emails-administrativos” são atos administrativos, sendo que assim, torna-se serviço público da sociedade, conforme dispõe seu art. 5º: “É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão”.
As seleções e operações realizadas pela Assessoria de Comunicação, quando repete a informação “Não há concurso em aberto no momento, quando tivermos alguma notícia, divulgaremos em nosso site e nos meios de comunicação”, nos Emails nº 15, 17, 18, 20 e 21 “… levam a formação de redundâncias e com isso, à semântica do sistema. O sistema desse modo, estabiliza os conceitos e os transforma em estrutura, (…), que vão fazer parte do sistema e ajudar na construção de novas operações” (RECK: 2009, p. 21).
Neste sentido, um conceito sistêmico de serviço público, como a prestação de informações públicas através do “Email-administrativo-fale-conosco” poderá contribuir para que ocorram outras comunicações, em especial, no subsistema político e em seus âmbitos administração e público, atualizando assim a evolução dos subsistemas nas relações e comunicações destes com o cibersistema.
2.1.3. O “fale conosco” e a Constituição Federal de 1988 como acoplamento estrutural
Se o email-administrativo “fale conosco” pode ser observado com um ato administrativo, suas mensagens e respostas selecionadas a partir do código informação pública/não-pública, seria possível afirmar que tais atos e serviços públicos funcionam a partir da relação entre o subsistemas político e jurídicos acoplados pela Constituição Federal de 1988? Esta é a 3ª hipótese do texto.
A complexidade advinda e que também gera evolução (como resultado de um processo constante de variação, seleção e estabilização de estruturas[5]) do Sistema Jurídico Brasileiro, em especial a partir da Constituição Brasileira de 1988 e através de sua constante autopoiese específica (também denominada derivada e, em alguns casos, operativa) ocasionou a observação do próprio subsistema do Direito, gerando outros subsistemas internos que, por acoplamentos estruturais, comunicações e cumprimento de sua funcionalidade diferenciada próprios do Sistema Jurídico Brasileiro, contribuem para a realização da sua autopoiese.
Para LUHMANN (2002), “… los conceptos de “acoplamiento estructural e irritacion” se encuentran condicionados entre sí de manera recíproca. También la irritación es una forma de percepción del sistema; más precisamente, una forma de percepción sin un correlato en el entorno” (p. 510).
Neste sentido, algumas irritações poderão ser provocadas pelo acoplamento estrutural, por exemplo, entre os subsistemas político e jurídico na relação virtual entre uma organização pública (administração), os cibersistemas e o público (quem sabe os sistemas psíquicos), através do “email-administrativo”, pois nesta reciprocidade comunicacional, advém muita informação desorganizada a partir das estruturas dos sistemas envolvidos.
O Email 41, do Cibercidadão 41 que reside em outro Município e, certo dia, quando visitava o Município foi multada “… por ter entrado em uma rua na contramão” corrobora tais operações: o próprio cibercidadão informou sobre as orientações que recebeu dos policiais, ou seja, descreveu suas observações sobre os policiais, reconheceu que estava descumprindo uma norma de trânsito e ainda assim, manifestou suas expectativas cognitivas e normativas através da cibercomunicação.
O “desabafo”, dito pelo próprio cibercidadão contempla elementos e comunicações de vários subsistemas, como o do direito, da psicologia (resta imaginar se a teoria sistêmica autopoiética aceitasse, sem os cibersistemas, que as pessoas pudessem participar dos processos comunicativos sistêmicos? A administração ou a organização pública necessitaria de profissionais de outros subsistemas, como da psicologia, da saúde, enfim, para satisfazer tais expectativas e reduzir as complexidades e irritações), da polícia, do trânsito, enfim, muita informação desorganizada das quais os sistemas parciais realmente necessitam de codificações que limitem o ingresso destas, aqui no caso, do sistema organizacional público.
A Constituição Brasileira, como aquisição evolutiva (NEVES: 2006, p. 96) dessa sociedade, funciona como acoplamento estrutural entre o sistema jurídico e o sistema político. Ao mesmo tempo que permite o fechamento do sistema jurídico, possibilita a abertura cognitiva para o sistema político: “… a Constituição na acepção moderna é fator e produto da diferenciação funcional entre direito e política como subsistemas da sociedade. Nessa perspectiva, a constitucionalização apresenta-se como o processo através do qual se realiza essa diferenciação. … Luhmann define a Constituição como acoplamento estrutural entre a política e direito” (NEVES: 2007, p. 65).
O conceito de Constituição na proposta luhmanniana, descarta sua concepção como “declaração de valores políticos-jurídicos preexistentes, inerentes à pessoa humana” (NEVES: 2007, p. 65), funcionando, na verdade, “como fator ou produto da diferenciação funcional entre direito e política como subsistemas da sociedade” (p. 65).
A Constituição Federal como acoplamento estrutural comunica ao sistema jurídico as perturbações e irritações próprias do sistema político, que geram fluxos estruturais, resultando na evolução recíproca destes sistemas, a partir da produção de informações para ambos, dentre outras conseqüências possíveis.
Através do acoplamento estrutural, a Constituição acaba por garantir a autonomia operacional dos subsistemas; no caso do Direito, “ela é a forma com a qual o sistema jurídico reage à sua própria autonomia” (NEVES: 2006, p. 99), impedindo que “… critérios externos de natureza valorativa, moral e política tenham validade imediata no interior do sistema jurídico, delimitando, dessa maneira, as fronteiras” (NEVES: 2006, p. 99).
O princípio da legalidade, ainda que conceituado no sentido amplo, está justamente previsto no art. 37 da CF/88 como programa que orientará todas as ações, fatos e atos que ocorram na administração pública, selecionando assim, que outros critérios, próprios da política por exemplo, como sua codificação situação/oposição, dêem entrada no sistema organizacional.
Evidente que inexiste purismo nestas relações e comunicações, ainda mais num País onde o “jeitinho”, a “politicagem” e outros derivativos da cultura brasileira (sem desconsiderar toda sua qualidade e complexidade) ainda estão presentes no sistema social e nos demais sistemas parciais, ocorrendo “… o bloqueio permanente e generalizado do código “direito/não-direito” pelos códigos “ter/não-ter” (economia) e “poder/não-poder” (política), (que – grifo nosso) implica uma prática jurídico-política estatal e extra-estatal caracterizada pela legalidade” (NEVES: 2007, p. 184).
Cumpre destacar que, apesar da descrição de alguns conceitos e categorias que comprovam a dupla funcionalidade da Constituição Brasileira, ora para o subsistema do Direito Constitucional, ora como acoplamento estrutural entre os subsistemas da política e do direito, observando o Sistema Jurídico Brasileiro, em especial em relação à não efetividade da Constituição Federal de 1988, já com 24 anos de vigência perante o Sistema da Sociedade, das inclusões e exclusões dos sistemas e entre sistemas, conclui-se, ao menos parcialmente, que aqui a Constituição funciona, em algumas comunicações jurídicas e políticas, para uso simbólico: “[…] de las Constituciones sirve a la política para proceder como si el derecho la limitara e irritara y para abandonar las verdaderas relaciones de poder a la comunicación de los entendidos” (LUHMANN: 2002, p. 549).
A Lei nº 12.527/11 programará a relação virtual entre organizações públicas e normatizará o art. 5º, inciso XXXIII, o inciso II do § 3o do art. 37 e o § 2o do art. 216 da CF/88, mas não é objeto deste texto ante sua complexidade e possibilidade de inúmeras outra observações e descrições sistêmicas.
Este novo programa do subsistema jurídico, que contém inúmeras expectativas, poderá servir (do futuro não dispomos e inexiste possibilidade de discursos utópicos do tipo “esta lei vai garantir o exercício da cidadania e democracia digitais” que demonstrem embasamento para tais esperanças) para estabilizar as expectativas do público e dos demais subsistemas, “… coordenando as condutas fáticas dos indivíduos que integram uma determinada coletividade” (TRINDADE: 2008, p. 57).
Ocorre que, atualmente, a organização pública não dispõe de nenhum tipo de norma nem de lei em sentido estrito para realizar atos administrativos, prestar serviço público de informação pública e comunicar-se com os cibersistemas através do email: “Não existe um prazo específico para resposta dos e-mails. Este processo se dá de maneira informal, até porque não disponibilizamos de um servidor para fazer exclusivamente esta tarefa” (parte final da resposta da 1ª pergunta do questionário – anexo 03).
É possível identificar um paradoxo: a referida informalidade na prestação de informações públicas através da comunicação entre subsistemas parciais, ciber e psíquicos, observada pela própria organização, poderá tornar-se formal, conforme indica um programa do subsistema jurídico, através de regulamento (§ 3º do art. 8º da Lei nº 12.527/11), que na verdade resulta de um ato/comunicação administrativo, ou seja, o novo programa do subsistema jurídico comunica que a própria administração deverá elaborar suas normas para normatizar a prestação de serviço público, através de atos/comunicações administrativas: um regulamento: “Os sítios de que trata o § 2o deverão, na forma de regulamento, atender (…)”.
3. Enquanto isso, no centro do sistema jurídico…
Atualmente ocorrem inúmeros paradoxos no interior do subsistema jurídico no que se refere às cibercomunicações que ocorrem através do “Email-administrativo-fale-conosco” e que revelam que o Poder Judiciário, como órgão que produz as comunicações jurídicas, gera maior complexidade e contradição conforme os 107 (cento e sete) acórdãos pesquisados no site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[6] através das chaves de pesquisa: “email”, “fale conosco” e “email e prefeitura”.
Diferentemente dos conceitos tradicionais sobre a decisão jurídica, para a teoria sistêmica autopoiética, estas comunicações jurídicas advém do centro de produções de comunicações jurídicas: os tribunais e juízes de direito.
Enquanto a política funciona num alto grau de complexidade e de indeterminação, o direito funciona para reduzir a complexidade da sociedade e do seu interior: “A decisão política pressupõe um leque de comunicações sociais, uma circularidade de informações, uma variabilidade de opiniões e de referências cognitivas infinitamente mais detalhadas e complexas do que a decisão jurídica. O código da comunicação jurídica pressupõe uma complexidade já reduzida pelo sistema político (CAMPILONGO: 2002, p. 91).
As decisões judiciais selecionadas (107 julgamentos do TJRS e 1 julgamento do STJ, num total de 108) foram publicadas e estão disponíveis a qualquer cibercidadão através do site oficial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mediadas a partir de cibersistemas que se comunicam com a organização pública para a produção de comunicações jurídicas virtuais, o que seria possível denominar de “ciberdecisões”, acessíveis independentemente do tempo (do horário de funcionamento por exemplo, do acesso ao TJRS) e do espaço (o cibercidadão poderá consultar tanto seu processo como outras comunicações judiciais em qualquer lugar do mundo onde esteja disponível um computador).
Diferentemente das decisões legislativas e administrativas, que na maioria das vezes não precisam ser obrigatoriamente tomadas e adotadas, a decisão judicial é uma imposição do sistema jurídico[7], inexiste a possibilidade da não-decisão judicial, é a aplicação do princípio da “proibição da denegação da justiça”, tornando o Judiciário o centro do sistema jurídico: “Que los tribunales se vean en la necesidad de decidir es el punto de partida para la construcción del universo jurídico, para el pensamiento jurídico y para la argumentación jurídica. […] El sistema se orienta por reglas de decisión (programas) que son los que sirven para especificar los puntos de vista de la seleción (LUHMANN: 2002, p. 379).
A decisão judicial como comunicação jurídica garante a autopoiese do subsistema jurídico, ainda que contraditórias entre si. Ao mesmo tempo em que o Judiciário ocupa o centro do Sistema Jurídico, ele tem “… uma visão necessariamente casuística, descontínua e fragmentária, própria de quem examina o problema nos limites da lide proposta pelas partes (comutativamente) e não com referência à totalidade das relações circulares entre o público, o político e o administrativo (distributivamente)” (CAMPILONGO: 2002, p. 105).
Tal funcionamento poderá ocasionar em comunicações que se não selecionadas a partir dos respectivos códigos dos subsistemas envolvidos (como na política e no direito) sejam conflituosas e que poderão gerar maior complexidade e instabilidade nas relações ou comunicações intersistêmicas.
As informações, mensagens ou comunicações que ocorrem através dos cibersistemas, advindas do subsistema político poderão gerar outras informações, mensagens ou comunicações, desconsideradas nas comunicações jurídicas, como as decisões, aqui selecionadas, e que tratam sobre a não-aceitação do código direito/não-direito de muitos emails e correspondências eletrônicos no subsistema jurídico: enquanto no subsistema político em Santo Antônio da Patrulha, o “Email-administrativo” é um ato administrativo e ocorre como prestação de serviço público da sociedade, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, apesar de algumas decisões paradoxais, dos 108 (cento e oito) comunicações (decisões) jurídicas observadas, 88 (oitenta e oito) não reconhecem o “Email-administrativo”, tanto de organizações públicas como privadas, como “… meio inapto para comprovar a solicitação administrativa”[8].
Nesta centralidade dos Tribunais no sistema autopoiético, como no caso de países como o Brasil, de modernidade periférica, existem inúmeras contradições e paradoxos, em especial em relação aos direitos e às políticas públicas sociais (no qual está inserida a assistência social), que podem ser referidos em relação à proposta luhmanniana, e que têm relação direta na descrição das comunicações entre os subsistemas político e jurídico.
O surgimento do “Email-administrativo”, em 2010-2011, anos-base que foram utilizados para a pesquisa dos julgamentos do TJRS não pode ser considerado como novidade para o subistema jurídico: “Não há, portanto, nada de muito novo; o computador se inserir na vida dos juristas já era uma realidade que se cristalizava há praticamente 40 anos atrás” (BARRETO: 2009, p. 451).
Nos julgamentos selecionados, é possível identificar alguns elementos organizacionais do Tribunal de Justiça do Estado do RS e que tem comunicado sentido através de suas comunicações/decisões.
Seria possível afirmar que, no Estado do Rio Grande do Sul, dos 107 (cento e sete) julgamentos observados (sendo que 1 julgamento foi selecionado do Superior Tribunal de Justiça), 75 (setenta e cinco julgamentos) são comunicações da 18ª Câmara do TJRS, composta por 5 desembargadores[9].
A grosso modo, é possível afirmar, com base nas comunicações jurídicas observadas, que a produção de sentido do centro do Subsistema Jurídico do Rio Grande do Sul é selecionada e comunicada pela estrutura interna da organização judiciária, qual seja, a 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que trata de direito privado, majoritariamente através dos julgamentos nos quais os desembargadores Cláudio Augusto Rosa Lopes Nunes, o Presidente desta estrutura interna da organização judiciária e Pedro Celso Dal Prá, que juntos totalizam 64 julgamentos dos 107 que foram observados, como relatores e com seus votos acolhidos pelos demais integrantes que participaram destes julgamentos.
Em recente julgamento (14.07.2011) de um recurso, denominado de Apelação, a 18ª Câmara Cível do TJRS, reproduziu seu entendimento, aqui unânime de que o “email fale conosco” não serve como prova para demonstrar que um consumidor enviou determinada solicitação para uma empresa para pleitear seus direitos. Como a empresa nada fez nem respondeu seu email, o cibercidadão juntou o email enviado para provar que a empresa resistiu aos seus pedidos e por isso precisou ajuizar, entrar com uma ação judicial requerendo o mesmo objeto.
Da mesma forma na relatoria, voto e julgamento do Dês. Pedro Celso Dal Prá ao entender que o pedido feito pelo “fale conosco”, constante no site da ré na rede mundial de computadores (internet), não serve para demonstrar interesse processual[10].
Para fins de registro, cumpre que além dos 75 (setenta e cinco) julgamentos ocorridos e observados através dos cibersistemas comunicados pela 18ª Câmara Cível de Direito Privado do TJRS, por ordem numérica crescente, outros julgamentos foram observados nas seguintes câmaras (estruturas internas) da organização judiciária (todas Câmaras Cíveis de Direito Privado): 6ª Câmara – 4 julgamentos; 9ª Câmara – 1 julgamento; 12ª Câmara – 1 julgamento; 14ª Câmara – 2 julgamentos; 15ª Câmara – 1 julgamento Cível e, 20ª Câmara – 1 julgamento, todos contrários ao reconhecimento do meio ora como meio ora como elemento do subsistema jurídico.
Até aqui, as comunicações jurídicas do centro do subsistema jurídico, a organização judiciária – o TJRS, o “email-administrativo-fale-conosco” não pode ser admitido nas demais comunicações dos demais subsistemas se houver alguma expectativa normativa sobre tal submissão ao código direito/não-direito.
Um dos primeiros paradoxos que advém do centro do subsistema jurídico são as comunicações de outros julgadores-desembargadores, que reconhecem o “email-administrativo-fale-conosco” como meio de prova para os cibercidadão garantir e exigir seus direitos como também como meio/instrumento adequado para tal.
Na 6ª Câmara Cível, a relatoria e os votos do Dês. Artur Arnildo Ludwig geram comunicações jurídicas e judiciais que mantém a complexidade e a insegurança nos demais subsistemas, como o da política, do cibersistemas, da economia, dentre outros, ainda que mantenha seu fechamento operacional pois ainda que em decisões que se contradizem, o subsistema jurídico, a partir de suas próprias comunicações, elementos, operações e comunicações, justas ou não, morais ou não, dentre outras axiologias, submetidas à sua codificação que o diferencia.
O mesmo julgador comunica entendimentos diferentes sobre as mesmas expectativas cognitivas e normativas sobre o reconhecimento do email no subsistema jurídico. Recentemente, mais precisamente em 15 de dezembro de 2011, os votos do relator Artur Arnildo Ludwig foi seguido por unanimidade, na 6ª Câmara Cível do TJRS que conclui que determinada pessoa que participe de uma relação jurídica processual “… em nenhuma oportunidade, demonstra ter pugnado, via e-mail ou por escrito, administrativamente a documentação pretendida, a qual poderia ter sido alcançada por aquela via”[11]. E ainda, “considerando que a ré deixou de atender, na sua integralidade, o pedido realizado pela via administrativa (via e-mail), …”[12].
Por outro lado…do mesmo julgador acima referido, “… a requisição remetida à empresa demandada através do sistema “fale conosco” não se mostra suficiente.[13].
Como o subsistema político e seus âmbitos comunicativos, como a administração e o público poderão lidar com tais comunicações para, através da organização, se comunicar com os cibersistemas e o público, se o centro do subsistema jurídico ora comunica que tal “meio” é aceito pela codificação direito/não-direito, ora não, como ocorreu em outras comunicações jurídicas de outras estruturas internas da organização judiciária, que se constitui pela comunicação, e que tratavam do mesmo objeto?
É possível identificar a existência de contradições, incertezas e imprecisões e o aumento de complexidade nas comunicações jurídicas provenientes do centro do subsistema jurídico, que, são reproduzidas na relação e comunicação com os demais sistemas (como a política e os cibersistemas).
Um pouco mais de complexidade e contradição:
“Julgamento 1. APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CONFIGURADO O INTERESSE DE AGIR. 2. Entendo válido o pedido de exibição do processo administrativo formulado via e-mail, já que se trata de ferramenta de contato disponibilizada pela própria seguradora; por conseguinte, constata-se que houve a provocação da parte junto a Seguradora, no entanto, o pedido não foi atendido”[14].
“Julgamento 2 (ao contrário…): APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. Pedido de exibição de documentos via e-mail, no portal da internet do réu, “fale conosco”, não tem como vingar como administrativo, e de resistência, por não respondido”[15].
Mesmo que não seja possível “… resolver juridicamente problemas que são do sistema político ou do sistema econômico” (CAMPILONGO: 2002, p. 173) e que o processo judicial “… é apenas uma forma – perversa, é verdade – de tornar público um problema anteriormente ignorado pelo sistema político…” (p. 173), “… a Magistratura Brasileira, considerada a partir de seu ethos cultural, corporativo e profissional, tem desprezado o desafio de preencher o fosse entre o sistema jurídico vigente e as condições reais da sociedade, em nome da segurança jurídica e de uma visão por vezes ingênua do equilíbrio entre os poderes autônomos. […] os tribunais continuam com uma cultura técnico-profissional defesada – com métodos exclusivamente formais de caráter lógico, sistemático e dedutivo –, incapazes de entendê-los e, por conseqüência, de aplicá-los” (KRELL, p. 71-75).
Será que o centro do sistema jurídico, no caso brasileiro, tem condições de cumprir suas funções sistêmicas, comunicar-se com o subsistema da política e ainda mantendo sua autonomia, seu fechamento operacional e sua autopoiese, ainda mais quando se trata do direito fundamental à informação pública através dos cibersistemas?
LUHMANN (1990) reconhece que, “em parte, os Tribunais protegem-se a si mesmos, à medida que eles levam em consideração o ônus que sobre eles recai, no contexto da ponderação de consequências de construções distintas do Direito” (p. 162).
Conforme já identificado, o sentido dominante e não unânime, comunicado pela organização judiciária do RS, através da sua estrutura interna, a 18ª Câmara e das comunicações de seus integrantes é confrontado, perturbado, questionado por outras comunicações jurídico-judiciais, da mesma organização judiciária e que reconhece o “email” como meio e instrumento legítimo para provar e comprovar direitos dos cibercidadãos.
Existem comunicações jurídicas na organização judiciária que reconhecem o email como “meio” suficiente, juntamente com outras provas de meios de comunicação de massa, para provar crime contra a honra, por exemplo, “… ação indenizatória de danos morais. notícia de poda de árvore veiculada, através de e-mail e jornal local, (…). provas inequívocas de que houve lesão à honra subjetiva e ao decoro do recorrente[16].
No teor integral desta comunicação jurídica não há nenhuma referência a qualquer exigência técnica para comprovar se o email foi enviado por e para determinado cibercidadão, nem se existia certificação ou assinatura digital. Ao contrário, o email foi aceito como comunicação no subsistema jurídico através, apenas, de uma cópia de sua mensagem, que através do cibersistemas, foi repassada a outros sistemas, sociais e psíquicos.
O “email-administrativo-fale-conosco” e outros endereços eletrônicos foi o único elemento de prova utilizado para a prolação de uma comunicação jurídica condenatória, sem a exigência de nenhum requisito técnico como a certificação e a assinatura digital: reparação: “… dano moral caracterizado. envio de e-mail com conteúdo pejorativo. Configura abalo moral o envio de mensagem eletrônica com conteúdo pejorativo, no qual o demandado utiliza a expressão “Idiota” para se reportar ao autor, funcionário da prefeitura. E-mail enviado ao prefeito da cidade e diversas secretárias da prefeitura. Flagrante propósito de ridicularizar o autor frente a colegas de trabalho e terceiros”[17].
Como é possível que o centro das comunicações jurídicas comunique que o email para comprovar pedidos administrativos simples contra seguradoras, por exemplo, não é aceito no subsistema jurídico, mas, se for utilizado para comprovar o cometimento de danos morais ou crimes contra a honra, mesmo sem a exigência de qualquer requisito formal e que comprove as titularidades das mensagens, ele ultrapassa o código direito/não direito?
Em outra comunicação, para que o email seja aceito através do código binário direito/não direito, faz-se necessário que seja comprovado se o destinatário recebeu ou não a mensagem comunicada pelos cibersistemas, mesmo que não seja através de certificação ou assinatura digital, se houver como comprovar que o “outro lado” recebeu o email, este será reconhecido, mesmo que inexista prova da titularidade de quem enviou o email e que tal comunicação tenha ocorrido entre organizações públicas: “envio de intimação para cumprimento de liminar por email. Ausência do comprovante de recepção da intimação”[18].
Quando o código da política situação/oposição é utilizado na cibercomunicação: Site Oficial da Prefeitura Municipal (…) divulgação de imagens das autoridades locais. Divulgação de imagens de agentes políticos em site oficial da Prefeitura Municipal não tem caráter de promoção pessoal quando informa apenas o nome da autoridade, telefone de contato e e-mail pessoal, sem qualquer referência à ideologia partidária ou obras públicas realizadas[19].
Ainda que restrito a 19 (dezenove) julgamentos dos 107 (cento e sete) observados, tais comunicações aceitam a inclusão dos meios eletrônicos virtuais no subsistema jurídico, aceitando, apenas cognitivamente, as inovações tecnológicas e informacionais[20].
Através da observação e descrição das cibercomunicações jurídicas, uma vez que os julgamentos aqui referidos foram consultados diretamente no site do TJRS, é possível identificar que o centro do sistema jurídico, a organização judiciária, produz comunicações contraditórias, paradoxais que, até poderão ter reduzido a complexidade nos processos individuais julgados, mas que, na comunicação com os demais subsistemas, dentre eles o da política e o da economia (contratos, seguros, etc) não tem cumprido sua função de reduzir expectativas e complexidades através de suas comunicações.
Tais comunicações, com diferentes elementos e conseqüências, possibilitam a manutenção do proposto neste trabalho: o “Email-administrativo-fale-conosco” da Prefeitura de Santo Antônio da Patrulha é um meio eletrônico que possibilita a realização de atos administrativos e a prestação de serviços públicos, com conseqüências e reflexos incertos e paradoxais no interior do subsistema jurídico, ou seja, mesmo ante às comunicações jurídicas paradoxais realizadas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Será um paradoxo curioso, quando o Judiciário estiver com todas as suas funções virtualizadas[21] e se ainda não estiver reconhecendo as mensagens, informações e comunicações que ocorrem através do “email” como um meio aceito pelo código direito/não-direito.
Desta forma, ainda que o centro do subsistema jurídico deste Estado produza comunicações paradoxais, majoritariamente contrárias ao “Email Fale Conosco”, tanto público como privado, é possível identificar que este meio de comunicação virtual é reconhecido no subsistema jurídico, uma vez que é possível qualifificá-lo como ato administrativo, como serviço público e também como elemento de prova para processos judiciais, conforme comprovam as decisões judiciais aqui referidas, ainda que em minoria, mas que produzem outras comunicações nos demais subsistemas e no próprio sistema social.
CONCLUSÃO
A proposta da Teoria Sistêmica Autopoiética constitui uma das mais ousadas, intrigantes e complexas teorias sociais atuais e que demanda, ainda, muito espaço nos meios acadêmicos e teóricos para o seu desenvolvimento, para sua aplicabilidade (se houver), para a sua evolução.
Este corpo teórico requer complexos exercícios de abstração, na maioria das vezes incomparáveis com os demais subsistemas da ciência, e rompe com os principais paradigmas que até agora sustentavam nossas certezas científicas. Ao mesmo tempo em que provoca rupturas epistemológicas, não despreza, ao contrário, reconhece a importância de outras elaborações, inclusive sobre a necessidade, em alguns casos, da pesquisa empírica, da interpretação hermenêutica, dentre outras.
O “Email Fale Conosco” reproduz uma relação sistêmica autopoiética entre os cibercidadãos (público do subsistema político e também sistema psíquico) e a Prefeitura de Santo Antônio da Patrulha (Administração do subsistema político e também como organização) que, mediada pelos cibersistemas (como a internet), produz cibercomunicações.
Além disso, é possível identificar que o “Email Fale Conosco” é reconhecido pelo subsistema jurídico, pois é possível qualificá-lo como ato administrativo e também como um meio de prestação de serviços públicos. Além disso, embora existam contradições e paradoxos, as decisões do Tribunal de Justiça deste Estado, existem decisões, minoritárias, que reconhecem tal meio virtual como meio de prova judicial, aceitando-o assim, no subsistema jurídico.
A 3ª hipótese não pode ser comprovada, uma vez que na relação virtual observada, inexiste lei ou qualquer espécie normativa que discipline tal relação, impossibilitando assim, que a CF/88 cumpra sua função de acoplamento estrutural entre os subsistemas político e jurídico, uma vez que inexiste a observância dos princípios constitucionais na relação virtual que ocorre através do “Email Fale Conosco” da Prefeitura de Santo Antônio da Patrulha.
Nesta perspectiva teórica não é possível propor soluções definitivas, fundamentos únicos, nem desconsiderar o que está posto, mas de provocar outros olhares, sob outros ângulos e observações, considerando as profundas alterações que vêm sofrendo o Estado (Reforma Administrativa do Estado) e a sociedade brasileira, inseridos no sistema social global e o qual não podemos (nem devemos) evitar.
Por fim, a edição da Lei Federal nº 12.527/11, que entrou em vigência para os subsistemas político e jurídico a a partir de maio de 2012, aplicada ainda com muita timidez pelos entes públicos, um programa jurídico, talvez possibilite a evolução nos sistemas de informação pública aos cidadãos, permitindo também, ao menos literalmente, o acoplamento estrutural entre estes dois subsistemas através da Constituição Federal de 1988.
É ao menos o que concretamente é possível afirmar até este momento.
Informações Sobre o Autor
Luciano Oliveira de Amorim
Mestre em Direito Constitucional. Especialista em Direitos Humanos e Administração Pública Municipal. Assessor Jurídico do Município de Santo Antônio da Patrulha e docente da Unisinos