Corrupção, desenvolvimento econômico e a atuação das entidades fiscalizadoras superiores: A alegoria de dumas

Recrudesce no país a violência de forma alarmante, concitando-nos a refletir acerca das causas e, principalmente, das medidas necessárias ao enfrentamento desta grave anomalia das sociedades modernas.


Entre as prováveis causas, trazemos ao cerne da discussão as razões de ordem socioeconômicas, a falência do sistema de repressão e recuperação de infratores, a debilidade institucional de algumas entidades fiscalizadoras superiores brasileiras e, de cunho notadamente político, o próprio modelo de sociedade adotado em sistemas neoliberais como o nosso, nos quais privilegiar-se-ão medidas concentradoras de renda, em detrimento daquelas potencialmente equalizadoras e assecuratórias de isonomia material entre os diversos estamentos sociais, tal qual o preconizado nos incisos III e IV do artigo 3.o. da Lex Mater de 1988.


Constata-se, sem extremes de dúvidas, que o crime, mais que opção exclusiva das classes menos favorecidas, infiltra-se entre alguns dos detentores do poder de forma perene e voraz.  Não raro, alguns servidores estatais e agentes políticos utilizam o erário como meio de enriquecimento ilícito, reunindo-se em verdadeiras estruturas organizacionais. Protegidas que estão pelo pálio do poderio econômico e das filigranas jurídicas as quais, ardilosamente, são manejadas de forma a dar guarida às suas demandas, as organizações criminosas são a força motriz, as verdadeiras fomentadoras da violência que grassa nos centros urbanos brasileiros, seja através do tráfico de entorpecentes e de armas, seja através da drenagem de recursos públicos, os quais poderiam estar sendo revertidos no equacionamento da grave crise social que condena um número crescente de jovens à criminalidade, por absoluta falta de opções profissionais e perspectivas de construção de uma vida digna e honesta. Faltam-lhes exemplos.


Com o galardão que sua estatura moral o entronizava, o mulato sergipano Tobias Barreto – em sua série de artigos intitulada: “Os Homens e os Princípios” – subvertia a história, estabelecendo a antítese do que atualmente vivenciamos, onde o interesse público, infelizmente, duela com interesses inconfessados dos gestores. Ressalte-se que tais excertos remontam a 1870. Como que a vaticinar o porvir, o autor com seu ideário fincado no Hegelianismo, brilhantemente precede os embates éticos do século vindouro, assim:  “O princípio democrático – em sua idéia – não é decerto que todo cidadão, como tal, exerça funções de governo, diretas e imediatas; mas é que todos, por sua ação, menos periódica e mais tenaz, possam, como lhes aprouver, mudar e melhorar as peças governativas; é que o espírito popular não esteja de um lado, e os poderes constituídos de outro; é que a representação nacional seja uma coisa séria, expressiva e real, que o menor interesse público tenha sempre um voto que o signifique; é em suma a liberdade, operando como força, e a igualdade operando, como tendência, em todos os átomos do corpo social, para sua completa harmonia e felicidade”.[1]


Hodiernamente, a revista Veja, em sua edição de 20 de outubro de 2004, traz-nos a opinião balizada do economista Daniel Kaufmann que comanda o departamento de governança do Banco Mundial, com sede em Washington, o qual assevera que para um país tornar-se competitivo, precisa dispor de um conjunto sólido de instituições, em que as regras sejam claras, os contratos tenham validade e os tribunais façam cumprir a lei. Alerta ainda, que em um país corrupto, o pagamento de propinas e as perdas de produtividade com a burocracia encarecem em cerca de 20% qualquer investimento estrangeiro no país. Conclui o articulista: “Quando a corrupção é escancarada, a população se torna cética em relação às instituições do país. Isso deixa a democracia mais frágil e pode criar um ambiente favorável à implantação de um regime autoritário. Se o Brasil quiser figurar entre as economias mais poderosas do mundo, precisará fazer um esforço para reduzir esse índice. É um trabalho para pelo menos duas décadas”.[2]


Conforme noticiado no periódico, todo esquema de corrupção necessita da cumplicidade de um agente público para subsistir. Das 23 últimas grandes operações deflagradas no Brasil pela Polícia Federal, catorze resultaram na prisão de servidores públicos – entre eles policiais federais, rodoviários e civis. Além de benefício de ordem ética e institucional, são visíveis os efeitos socioeconômicos em países que ousaram com bater o mal em sua raiz.


Tome-se o exemplo de Hong Kong – citado na reportagem referida – que em 1970 possuía renda per capita de 970 dólares. Após uma série de iniciativas governamentais e reformas institucionais, inclusive através da implantação de intensivos programas de treinamento e reciclagem, o território chinês é considerado um dos lugares mais seguros do planeta, ocupa o 14º lugar no ranking da Transparência Internacional que lista os 133 países que melhor combatem a corrupção e sua renda per capita é de 25.430 dólares. Concluiu o articulista: “O dinheiro que evaporava com o crime passou a ser investido no desenvolvimento”.


Neste sentido, a Associação dos Tribunais de Contas (ATRICON) – presidida pelo laborioso Conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe, conterrâneo do ímpar Tobias Barreto, Dr. Carlos Pinna de Assis – vem empreendendo uma verdadeira cruzada, objetivando a modernização das instituições responsáveis pelo digno mister de auxílio ao controle externo da administração pública, nos termos do artigo 71 da Constituição da República de 1988.


O estudo de diagnóstico sobre as necessidades dos TC’s, elaborado pela FIA-USP em 2003, sob a coordenação do Instituto Rui Barbosa e da ATRICON chegou à quantia de US$ 120 milhões como parâmetro para a modernização dos TC’s brasileiros – entendendo-se por isto a compra de equipamentos, especialmente de informática, a capacitação dos funcionários e o fortalecimento da infra-estrutura.


Diferentemente do contido no imaginário popular, o estudo mostra que os Tribunais de Contas do país custam pouco para os cofres públicos (0,35% do montante que todos eles em conjunto auditaram, cerca de R$ 284,5 milhões), tendo-se como paradigma padrões internacionais de custo de trabalhos de auditoria.


Entretanto, minando-lhes a eficácia de sua atuação, detectou-se a inexistência de sistema unificado de procedimentos e de observância ao devido processo legal e a inominável ausência de competência – constitucionalmente não atribuída – para executar suas próprias decisões, o que condena grande parte dos títulos executivos por eles formados ao alvedrio dos gestores, os quais ficam responsáveis por promover execuções judiciais contra si mesmos.


Urge a rediscussão dos modelos de desenvolvimento econômico e de controle da administração pública adotados no país, notadamente através do combate sistemático ao crime em todas as suas nuances e esferas sociais, o que, cremos, seja possível de ser alcançado através do apoio interinstitucional e do reequipamento dos entes incumbidos de tão importante mister. Tal qual a alegoria de 1625 – na qual Alexandre Dumas narra as venturas e desventuras de sua tríade intrépida: Porthos, Athos e  Aramis –  o controle da administração precisa de um herói renovado, metaforicamente presente em D’Artagnan, o qual junto ao  Ministério Público, Polícia Federal e Poder Legislativo, tenha na defesa dos interesses maiores da sociedade sua verdadeira missão. Seriam os Tribunais de Contas o quarto Mosqueteiro?


Notas:

[1]BARRETO, Tobias. Crítica Política e Social. Edição Comemorativa. Rio de Janeiro: Editora Record, 1990. 55 p.

[2] RIZEK, André; OYAMA Thaís. A Autolimpeza da Polícia Federal. Veja, Rio de Janeiro, n. 1876, p. 38-47, 2004.


Informações Sobre o Autor

Licurgo Joseph Mourão de Oliveira

Advogado e Administrador de Empresas; Membro do Instituto Transparência Brasil associado à Transparency International América Latina y Caribe; Mestrando em Direito Público (UFPE) e Mestrando em Direito Econômico (UFPB); Pós-graduado em Contabilidade e Controladoria Governamental (UFPE), em Direito Administrativo (UFPE) e em Direito do Trabalho (ESMATRA); Auditor das Contas Públicas do Tribunal de Contas-PE; ex-Auditor Tributário do Tesouro da Cidade do Recife; Professor da Faculdade Maurício de Nassau do Bureau Jurídico-PE; Ex-Professor da UFPE nas cadeiras de “Orçamento e Finanças Públicas” e “Contabilidade e Auditoria do Setor Público”; Professor em cursos de Pós-Graduação das Universidades de Pernambuco – UPE, UFPE e CIESA (Centro Integrado de Ensino Superior da Amazônia); Instrutor da Escola de Administração Fazendária – ESAF do Ministério da Fazenda; Instrutor do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.


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