Da Administração Pública: o art.37 “caput” da Constituição da República Federativa do Brasil antes da Emenda Constitucional nº 19, de 1998

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Ao iniciarmos o estudo da administração pública na Constituição Federal, procederemos à leitura dos artigos pertinentes, apresentaremos o conceito do tema em alguns autores pátrios, seu desenvolvimento temático, e, a partir daí, concluiremos a nossa exposição com as devidas considerações e eventuais informações que se tornem necessárias à elucidação do mesmo.

O artigo 37 reza que a “administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade…”.

Ao iniciar o estudo da administração pública, deve o estudante estar a par da estrutura geral do Estado e sua organização constitucional, conforme opinava VON STEIN em sua obra La scienza della pubblica amministrazione.[1]

Antes de qualquer consideração temática, devemos entender a administração pública como funcionamento do mecanismo do Estado. Lembrando das palavras de Hely Lopes Meirelles, o Direito Constitucional trataria das normas de organização estrutural do Estado, do esqueleto do mesmo, enquanto que o Direito Administrativo trataria do funcionamento, deste corpo.

Ao estudarmos a administração pública descobriremos que ela é, apenas, uma das formas da atividade do Estado. Daí a importância acima demonstrada do conhecimento prévio das idéias fundamentais deste.

Esta atividade estatal, dentro da qual se encontra a da administração pública, requer existência prévia de uma composição político-estrutural do Estado.

A Constituição de 1988 foi a primeira que trouxe em seu texto um capítulo especial que tratasse da Administração Pública. O tema fora abordado primeiramente pelo Decreto-Lei 200, de 25 de Fevereiro de 1967 que, já àquela época dividiu a administração pública em direta e indireta.

Como a divisão só tratava da administração pública federal, durante muito tempo os autores hesitaram em aceitar se a mesma seria também aplicável aos Estados, Municípios e Distrito Federal. Tal dúvida permaneceu até a edição do Ato Institucional nº 8 de 2/4/69 que permitiu reformas administrativas nos Estados, Municípios e Distrito Federal, por Decreto dos respectivos Poderes-Executivos.

Conforme lição de Cretella Jr.[2], “Administração é gestão de serviços públicos” e, melhor ainda, de “serviços administrativos”, claro que “Administração Direta é gestão de serviços públicos administrativos desempenhados pelo centro” e “Administração Indireta a gestão de serviços públicos administrativos prestados por entidade administrativa inconfundível com o centro”, ou seja, “gestão desempenhada por interposta pessoa”. Demostrada resta, assim, a importância da noção de serviço público, porque se não houver “prestação de serviço público”, não existirá absolutamente administração pública direta ou indireta.

Serviço público será a rede, o meio, a própria entidade que presta o mesmo ou o conteúdo, o serviço em si, a prestação fornecida.

Ao dizer “Administração Pública”, tratamos de atividades do Estado e da sua estrutura de funcionamento do mesmo. Isto porque o termo “Administração” significa sempre atividade, trabalho, serviço, prestação, desempenho do Estado.

Juridicamente administrar é aplicar a lei de ofício, ponto em que se difere de julgar, que é aplicar a lei contenciosamente[3].

No direito público, Administração é sinônimo de Administração Pública[4].

Utilizando das palavras de Rui Cirne Lima[5] “…se o Direito Administrativo rege, na ordem interna, a Administração Pública, esta expressão pode ser entendida não só como a pessoa de direito público ou o órgão político, normalmente competente para exercitar atividade administrativa dentro do Estado, como também a própria atividade administrativa desempenhada.”

Citando o último autor, Cretella Jr.[6]ainda demonstra que “administração” com “a” minúsculo, tanto no direito privado quanto no direito público, quer dizer atividade vinculada a um fim alheio à pessoa e aos interesses particulares do agente ou do órgão que a exercita.

O direito administrativo está caracterizado pela idéia de que o administrador é preso a um fim que lhe é exterior, pois é este fim alheio aos interesses do agente público ou da entidade que presta a atividade.

Resta assim expressa a dificuldade de conceituar administração pública por ser vocábulo analógico que abriga vários significados, mesmo sendo todos eles ligados por um ponto comum.

Os vocábulos “Administração” com o “A” maiúsculo ou Administração Pública representam não somente governo ou Poder Executivo, mas também a própria máquina administrativa, o pessoal que a faz funcionar, e a sua própria atividade que possibilita ao Estado o cumprimento de seus fins.

Administração é a atividade exercida pelo Estado através da prática de atos concretos e executórios, para o alcance dos interesses públicos.

Administração Pública direta é, assim, “toda atividade realizada pelo centro, pelo Poder Executivo, pelo chefe do Executivo e seus auxiliares, nas três esferas”.[7]Indica a gestão do Serviço Público pelo próprio Estado, ou seja, “Administração Direta é gestão, pelo próprio Estado, do serviço público”.

A administração direta é desempenhada pelo “centro” do Estado, pelo chefe do Poder Executivo e seus auxiliares. Quando se fala Administração Direta, segundo Brandão Cavalcanti[8], “…deve-se compreender, em primeiro lugar, todas as categorias de serviços executados diretamente pelos órgãos estatais, isto é, pelo conjunto dos organismos a que se acham afetos os serviços sob a responsabilidade do Estado”.

Pelo termo “administração indireta” podemos entender as atividades realizadas por interpostas pessoas, ou seja, entidades distintas das centrais, sendo centrais as pertencentes ao Poder Executivo e seus auxiliares.

Administração indireta” é toda entidade, pública ou privada, criada pela pessoa política, que não se confunde com a pessoa jurídica pública política matriz criadora e que realiza serviço público. No Brasil não é nem a União, nem os Estados ou os Municípios, mas os colaboradores dos mesmos, quer privados, quer públicos.

Como exemplo podemos citar as autarquias federais, as estaduais ou as municipais sempre que as mesmas desempenharem serviços públicos, haja vista serem as mesmas o próprio serviço público descentralizado, as concessionárias ou permissionárias de serviço público que se classificam como entidades da administração respectivamente pelo tipo e conteúdo dos serviços desempenhados.

Podemos concluir, logo, que “Administração Indireta” significa “gestão de serviços públicos por qualquer tipo de entidade, pública ou privada, desde que diversa da pessoa jurídica pública política de existência necessária, sua matriz criadora ou controladora”.

Pelo direito positivo brasileiro, no âmbito federal, Administração Direta é a união de serviços públicos, ou seja, o conjunto de serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios ; Administração Indireta é, na esfera da União, a constituida das seguintes categorias de entidades dotadas de personalidade jurídica: autarquias federais, empresas públicas federais e sociedades de economia mista federais.

Cientificamente, porém, sem considerarmos o direito positivo, a Administração Indireta federal é toda pessoa física ou jurídica, que presta serviço público federal outorgado pela União.

Também se diga o mesmo em relação às esferas Estaduais e Municipais, posto que, como dito acima, “indireta” representa tão somente por interposta pessoa.

Para resumirmos o assunto podemos dizer que se algum serviço é realizado pelo próprio pessoal da União, Estados ou Municípios, é serviço público direto, entretanto se uma destas pessoas de direito público elencadas delegar este mesmo serviço a outra pessoa pública ou privada, teremos, aí, um serviço público indireto.

Duas atividades, porém, não podem ser nem mesmo delegadas, quais sejam a do exercício do poder de polícia e a distribuição de justiça.

Concluindo a respeito do tema chegamos a que Administração Indireta é, no Brasil, de acordo com a natureza das coisas, “gestão de serviços públicos administrativos” por interposta pessoa, seja esta qualquer entidade pública ou privada, física ou jurídica,  que não seja a União, os Estados ou os Municípios.

Administração pública fundacional representa o serviço público exercido através das fundações vinculadas à administração pública. As fundações podem ser consideradas espécie do gênero autarquia.

No que concerne a respeito da Administração Pública se referir a qualquer dos poderes, doutrinadores como Cretella Jr. e outros consideram um erro evidente do legislador, pois como poderiam os Poderes Legislativo e Judiciário criar autarquias, sociedades de economia mista e empresas públicas?

A resposta para esta suposição é a de que não poderiam criar autarquias ou sociedades de economia mista pois não poderiam nunca exercer tutela administrativa sobre as próprias criações.

Temos pois que “Administração” é “gestão de serviços públicos” e que nem legislação nem jurisdição possam ser serviço administrativo.

Conclui-se, logo, que a “Administração Indireta” não pode ser compatível lógica e juridicamente com os Poderes Legislativo e Judiciário, pois afinal é a grande massa de serviços administrativos acumulados que obriga a criação da administração pública indireta não é existente nestes poderes.

Desta forma, a atual Carta Magna traz em si conceitos equivocados de “Administração Pública”, “Administração Indireta” e entidade fundacional, conceitos estes que podem ser considerados equivocados e distantes da doutrina administrativa, do direito positivo e da realidade prática. E tal situação é decorrente da presença da expressão “de qualquer dos Poderes”, que, como pudemos verificar não pode ser aceita como correta na criação de situações jurídicas concretas.

A União, os Estados-Membros e o Distrito Federal têm competências que justificam a existência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, sendo distintos dos Municípios que não possuem Poder Judiciário.

No tocante aos princípios que devem reger a conduta da Administração Pública, estão elencados no artigo 37 os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade além de outras questões elencadas nos seus incisos.

Além dos princípios expressos acima, outros mereceram igualmente consagração constitucional por estarem expressos na Carta Magna, em outros artigos que não o 37, caput , alguns por nele se encontrarem abrigados logicamente, posto que conseqüentes dos princípios positivados na Lei Maior e , finalmente, os conseqüentes logicamente do próprio Estado de Direito.

Princípio é o que vem no começo, na origem e assinala marco inicial. É, antes de tudo proposição fundamental que condiciona todas as estruturas subseqüentes. São os alicerces, os fundamentos de uma ciência.

Pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, pode a Administração, nos termos da lei, impor obrigações a terceiros unilateralmente. Atos imperativos que são trazem consigo exigibilidade por previsão legal de imposição de sanções que façam o administrado cumpri-las.

Em outros termos, entende-se por auto-executoriedade dos atos administrativos que estejam previstos em lei ou quando a providência for de urgência para evitar-se o perecimento do interesse público caso não seja a medida adotada.

Em face de ser este um princípio geral de direito inerente a qualquer sociedade, não se encontra o mesmo especificamente na nossa Constituição. Porém, mesmo não estando previsto na Constituição, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado deve estar presente na ordem jurídica de acordo com a extensão e compostura que lhe forem dadas por esta. Daí que não pode o mesmo ser invocado abstratamente superando o perfil constitucional que lhe tenha sido dado ou sendo contrário à mesma Lei Magna.

O princípio da legalidade vem expresso nos diversos textos constitucionais brasileiros na fórmula de que “ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. O cidadão por sua vez poderá fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, mas a Administração deverá só fazer o que a lei ordena.

O princípio da legalidade é o grande princípio que domina a atividade do Estado – sendo o da submissão à legalidade lato sensu, e informando o sentido da fórmula do Estado de Direito.

Legalidade, por sua vez, pode ser considerada como sendo aquilo que é conforme à lei, ou melhor dizendo, conforme o direito, apresentando regularidade jurídica.

A Administração deve agir de acordo com o direito. Isto serve para ressaltar que o Estado já pairou em períodos históricos acima das leis, de modo que seus governantes não precisavam obedecer às regras jurídicas.

O Estado de Direito que é contraposto ao Estado de Polícia, caracteriza-se principalmente pela sua sujeição e conseqüente afirmação do princípio da legalidade. O mesmo princípio apoia-se, também, na impossibilidade, pela Administração, de modificar a lei, fruto do parlamento.

O princípio da legalidade é, pois, o meio de realizar a subordinação da Administração Pública, órgão do Poder Executivo, ao Parlamento, Poder Legislativo, na proteção dos cidadãos contra as iniciativas arbitrárias da Administração.

Aqui devemos parar a exposição para refletir a respeito das medidas provisória que são editadas pelo Presidente da República, via de regra, sem atender às cominações do inciso constitucional que as justificam e que permitem aos Presidentes da República, governar legislando ao seu próprio alvedrio, ou em causa própria.

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Em 10 anos de vigência da atual Constituição da República Federativa do Brasil já foram editadas e reeditadas nada menos do que 2316 (duas mil trezentas e dezesseis) Medidas Provisórias, ou seja, quase 232 ( duzentos e trinta e duas) em média a cada ano. Pergunta-se: será possível que os nossos Presidentes da República teriam mais do que dia sim, dia não, em média, uma situação relevante e urgente que justificasse a adoção de medidas provisórias?!

Algumas destas Medidas Provisórias, como a de número 17 de novembro de 1988 que concedia, por exemplo, redução de 80% por cento do Imposto de Importação que incidisse sobre partes, peças, componentes, acessórios e sobressalentes para máquinas equipamentos, aparelhos e instrumentos importados que se destinassem a empresas de televisão e radiodifusão, sendo que um dos modos de o então Presidente Sarney conseguir a aprovação do seu quinto ano de mandato foi justamente através da concessão de empresas de radiodifusão aos deputados que votassem a seu favor ou a de número 26 de 1989 que já autorizava a privatização das empresas estatais pelo Poder Executivo, quando sabemos que tais processos só deveriam ocorrer em virtude de lei e entendemos que não é só o atual Presidente da República que quer passar por cima da vontade popular, real soberano do poder democrático.

Pelo princípio da impessoalidade, a Administração Pública direta, indireta ou fundacional está vinculada a um fim de interesse público. Este princípio também se chama princípio da finalidade, pois deve o administrador tem em mira somente o interesse público.

Aqui ressalta-se que o interesse particular é disponível, sendo informado pela vontade humana, ao passo que o interesse público é indisponível, pois informado pela idéia de fim. No Direito público prevalece a finalidade, ao passo que no privado prevalece a vontade. No campo do direito público predomina a idéia de indisponibilidade ao posto que a administração pública está vinculada à idéia de fim. É o princípio da indisponibilidade do interesse público, que alberga em seu seio a idéia de impessoalidade.

Já o princípio da moralidade pode ser considerado como sendo a regra que mais deve orientar o administrador. Desde Roma o ético e o jurídico deveriam andar juntos para se alcançar o senso ideal de justiça que nas palavras de Ulpiano assim se expressa: “Iuris praeceptum sunt haec: honeste vivere, alterum non ladere, suum cuique tribuere”. A ética como ciência dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, ou em outras palavras, a ciência do correto agir serve para informar o princípio da moralidade da administração pública.

O Princípio da Publicidade é também informador da Administração pública direta, indireta ou fundacional em todas as esferas de poder, quais sejam da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios. Publicidade contrapõe-se a clandestinidade, ao sigilo, ou segredo. Público é o ato de que todos têm ciência.

Esta publicidade se dará geralmente pela publicação nos Diários Oficiais. A publicação será assim, essencial, sendo nulo o ato que não a comportar. A vontade do poder público deve ser de conhecimento de todos, daí a publicação ser considerada até como elemento da própria validade ou da eficácia do ato editado pelo Estado.

Notas
[1] Von Stein apud Cavalcanti, Themístocles Brandão “Tratado de Direito Administrativo” – Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1947 p.11.
[2] Cretella Jr., José – “Comentários à Constituição de 1988”, p.2114.Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991
[3] cf. Seabra Fagundes apud Cretella Jr.(1991:2116)
[4] Cretella Jr.(1991:2117)
[5] Cirne Lima, Rui, “Princípios de Direito Administrativo”, 4ª ed., 1964, p.19 apud Cretella          Jr.(1991:2117)
[6] Cirne Lima(1964:21) apud Cretella Jr.(1991:2117).
[7] Cretella Jr(1991:2119).
[8] Brandão Cavalcanti,  Tratado de Direito Administrativo.  3ª ed.,  1956,  vol.  2,  p.  70

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Francisco Mafra.

 

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.

 


 

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