Da contratação direta de advogados pela administração pública, por inexigibilidade de licitação

Resumo: A contratação direta de advogados por entes ou órgãos públicos por inexigibilidade de licitação por suposta inviabilidade de competição singularidade do serviço e necessidade de profissional de notória especialização com base no art. 13 V c/c art. 25 II ambos da Lei n 8.666 de 21 de junho de 1993 é tema delicado. É cediço que na Administração Pública a regra geral é a necessidade de realização de licitação previamente à celebração de contratos administrativos como corolário do princípio da indisponibilidade do interesse público. Analisando-se o tema com a devida profundida conclui-se que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública por inexigibilidade de licitação possui caráter excepcional e deve estar cabalmente justificada sob pena de ser reputada indevida com possibilidade de responsabilidade pessoal pelos prejuízos decorrentes da contratação irregular.

Na Administração Pública, a regra geral é a necessidade de realização de licitação, previamente à celebração de contratos administrativos, como corolário do princípio da indisponibilidade do interesse público. Há casos em que a licitação é dispensada, dispensável ou inexigível.  A chamada licitação dispensada é aquela que a própria lei, diretamente, dispensa a licitação. Não há licitação, portanto, porque a própria lei a dispensa. As hipóteses de licitação dispensada se encontram no art. 17 da Lei nº 8.666, de 1993, e se referem à alienação de bens, ou direitos sobre bens, pela Administração Pública.

A licitação dispensável é aquela que a lei autoriza a Administração a, discricionariamente, deixar de realizar a licitação. Em outras palavras, na licitação dispensável, em que pese a possibilidade de competição, a Administração pode, ou não, realizar a licitação, conforme critérios de conveniência e oportunidade. As hipóteses de dispensa de licitação estão taxativamente enumeradas no art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993.

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Há inexigibilidade quando a licitação é juridicamente impossível, decorrente da impossibilidade de competição (inexistência de pluralidade de potenciais proponentes). Verifique-se o rol exemplificativo do art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993.

Em qualquer caso, a motivação do ato administrativo que decida sobre a dispensa ou a inexigibilidade de licitação é obrigatória.

Pois bem. No que toca à contratação direta de advogados por entes ou órgãos públicos, por inexigibilidade de licitação, por suposta inviabilidade de competição, singularidade do serviço e necessidade de profissional de notória especialização, com base no art. 13, V, c/c art. 25, II, ambos da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, é tema delicado, que merece acurado exame.

A Lei nº 8.666, de 1993, assim preconiza:

“ART. 13. PARA OS FINS DESTA LEI, CONSIDERAM-SE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS ESPECIALIZADOS OS TRABALHOS RELATIVOS A:

I – ESTUDOS TÉCNICOS, PLANEJAMENTOS E PROJETOS BÁSICOS OU EXECUTIVOS;

TT – PARECERES, PERÍCIAS E AVALIAÇÕES EM GERAL;

III – ASSESSORIAS OU CONSULTORIAS TÉCNICAS E AUDITORIAS FINANCEIRAS OU TRIBUTÁRIAS; (REDAÇÃO DADA PELA LEI N° 8.883. DE 1994)

IV – FISCALIZAÇÃO, SUPERVISÃO OU GERENCIAMENTO DE OBRAS OU SERVIÇOS;

V – PATROCÍNIO OU DEFESA DE CAUSAS JUDICIAIS OU ADMINIS TRA TIVAS;

ART. 25. É INEXIGÍVEL A LICITAÇÃO QUANDO HOUVER INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO, EM ESPECIAL:

I – PARA AQUISIÇÃO DE MATERIAIS, EQUIPAMENTOS, OU GÊNEROS QUE SÓ POSSAM SER FORNECIDOS POR PRODUTOR, EMPRESA OU REPRESENTANTE COMERCIAL EXCLUSIVO, VEDADA A PREFERÊNCIA DE MARCA, DEVENDO A

COMPROVAÇÃO DE EXCLUSIVIDADE SER FEITA ATRAVÉS DE ATESTADO FORNECIDO PELO ÓRGÃO DE REGISTRO DO COMÉRCIO DO LOCAL EM QUE SE REALIZARIA A LICITAÇÃO OU A OBRA OU B SERVIÇO, PELO SINDICATO, FEDERAÇÃO OU CONFEDERAÇÃO PATRONAL, OU, AINDA, PELAS ENTIDADES EQUIVALENTES;

II – PARA A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ENUMERADOS NO ART. 13 DESTA LEI, DE NATUREZA SINGULAR, COM PROFISSIONAIS OU EMPRESAS DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO, VEDADA A INEXIQIBILIDADE PARA SERVIÇOS DE PUBLICIDADE E DIVULGAÇÃO;”

De início, observa-se que, conforme disposto no caput do art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993, para a contratação direta, por inexigibilidade de licitação, deve estar presente a inviabilidade de competição.

Ademais, exige-se, outrossim, a caracterização de serviço técnico especializado de natureza singular, com profissionais de notória especialização.

A regra geral é a contratação de serviços técnicos profissionais especializados seja precedida de licitação na modalidade concurso (art. 13, §1º, da Lei nº 8.666, de 1993). Mas essa caracterização não é suficiente para acarretar a inexigibilidade. É necessário que o serviço tenha natureza singular.

Entende-se por serviço de natureza singular aquele serviço não ordinário, usual, corriqueiro, que, por essa razão, demande a sua prestação por profissional ou empresa de notória especialização.

Acrescente-se que a excepcionalidade da contratação direta de advogados por ente ou órgão público exige a demonstração de deficiência ou mesmo ausência de quadro de advogados concursados, resultando em necessidade do contratante, para a qual não tenha concorrido.

A contratação direta de advogados, por inexigibilidade de licitação, é hipótese excepcional até para municípios pequenos, entes federados com orçamento limitado e que não possuem quadro próprio de procuradores.

Outro ponto importante é que a contratação excepcional de advogados, quando compatível com o art. 25, II, da Lei ns 8.666, de 1993, deve se dar para serviços específicos, não contínuos, e durar estritamente o tempo necessário à ultimação do certame para contratação de novos procuradores/advogados. Na contratação de serviços contínuos, há obrigatoriamente de se proceder ao certame licitatório.

 Em se tratando de autarquias e fundações públicas federais, a contratação direta, a rigor, é de difícil justificativa também porque, a partir da edição da Lei nº 10.480, de 2 de julho de 2002, que criou a Procuradoria-Geral Federal – PGF, essas entidades deixaram de deter competência para disciplinar os trabalhos das Procuradorias Jurídicas, que passaram constituir órgãos de execução da PGF, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, dirigido pelo Procurador-Geral Federal e completamente distinto do órgãos e entidades assessoradas/representadas.

Pertinente mencionar aqui o caso do INSS que, durante anos, contratou advogados credenciados (privados) para atuar em comarcas do interior.

Essa prática decorreu do permissivo constitucional de que ações entre segurados ou beneficiários e o INSS sejam processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro do domicílio daqueles, sempre que a comarca não for sede de vara federal.

 Assim dispunha o art. 125, § 3º, da Constituição Federal de 1967, com redação dada pela Emenda Constitucional Nº 1, de 17 de outubro de 1969:

“ART. 125. AOS JUIZES FEDERAIS COMPETE PROCESSAR E JULGAR, EM PRIMEIRA INSTÂNCIA: (…)

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§ 3º PROCESSAR-SE-ÃO E JULGAR-SE-ÃO NA JUSTIÇA ESTADUAL, NO FORO DO DOMICÍLIO DOS SEGURADOS OU BENEFICIÁRIOS AS CAUSAS EM QUE FOR PARTE INSTITUIÇÃO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL E CUJO OBJETO FÔR BENEFÍCIO DE NATUREZA PECUNIÁRIA, SEMPRE QUE A COMARCA NÃO SEJA SEDE DE VARA DO JUÍZO FEDERAL. O RECURSO, QUE NO CASO COUBER, DEVERÁ SER INTERPOSTO PARA O TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS.”

Na Constituição Federal de 1988, a previsão foi mantida nos termos do §3º do art. 109:

“ART. 109. AOS JUIZES FEDERAIS COMPETE PROCESSAR E JULGAR: (…)

§3º. SERÃO PROCESSADAS E JULGADAS NA JUSTIÇA ESTADUAL, NO FORO DO DOMICÍLIO DOS SEGURADOS OU BENEFICIÁRIOS, AS CAUSAS EM QUE FOREM PARTE INSTITUIÇÃO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL E SEGURADO, SEMPRE QUE A COMARCA NÃO SEJA SEDE DE VARA DO JUÍZO FEDERAL, E, SE VERIFICADA ESSA CONDIÇÃO, A LEI PODERÁ PERMITIR QUE OUTRAS CAUSAS SEJAM TAMBÉM PROCESSADAS E JULGADAS PELA JUSTIÇA ESTADUAL”.

A alta capilaridade da justiça estadual nas comarcas interioranas tornou difícil a defesa judicial do INSS, demandando estrutura física e de pessoal não existente, à época.

Para atender a essa necessidade, houve autorização legal expressa para contratação de advogados credenciados (privados), para atuar nas comarcas do interior, conforme art. 1º da Lei Nº 6.539, de 28 de junho de 1978. Vejamos:

“LEI N°6.539, DE 1978:

ART 1º – NAS COMARCAS DO INTERIOR DO PAÍS A REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DAS ENTIDADES INTEGRANTES DO SISTEMA NACIONAL DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL, INSTITUÍDO PELA LEI N° 6.439, DE 1º DE SETEMBRO DE 1977, SERÁ EXERCIDA POR PROCURADORES DE SEU QUADRO DE PESSOAL OU, NA FALTA DESTES, POR ADVOGADOS AUTÔNOMOS, CONSTITUÍDOS SEM VÍNCULO EMPREGATÍCIO E RETRIBUÍDOS POR SERVIÇOS PRESTADOS, MEDIANTE PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PROFISSIONAIS.” (GRIFOS NOSSOS)

Vê-se, pois, que a contratação excepcional de advogados privados pelo INSS, em caráter complementar, decorreu de elevada necessidade decorrente de previsão constitucional, com autorização legal expressa, dada a capilaridade das justiças estaduais nas comarcas do interior do país.

A respeito do tema, o Tribunal de Contas da União – TCU ressaltou no Acórdão nº 1.758/2004 – TCU – Plenário a irregularidade de eventual contratação de advogados privados fora da hipótese excepcional prevista na Lei nº 6.539, de 1978, ou seja, para atuação nas capitais dos estados ou em cidades do interior dotados de procuradores, havendo, nestes casos, possibilidade de responsabilização pessoal dos responsáveis peta contratação irregular. Vejamos:

“ACÓRDÃO N° 1.758/2004 – TCU – PLENÁRIO:

10. DIANTE DO EXPOSTO, COMPREENDO QUE OS PRESENTES EMBARGOS, NO MÉRITO, DEVEM SER ACOLHIDOS, TORNANDO INSUBSISTENTE O ITEM 9.2 DO ACÓRDÃO N° 1.312/2004. NO ENTANTO, É DE TODO OPORTUNO ESCLARECER AO INSS QUE A LEI N° 6.539/78 NÃO AMPARA A CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARA REPRESENTÁ-LO JUDICIALMENTE EM CIDADE DO INTERIOR EM QUE HAJA PROCURADOR PERTENCENTE AOS SEUS QUADROS DE PESSOAL, CONFORME ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO-TST, ALERTANDO-O ACERCA DA POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO PESSOAL PELOS PREJUÍZOS DECORRENTES DESSA

REPRESENTAÇÃO IRREGULAR.”

Pois bem, com a criação do cargo de Procurador Federal, para o qual foram transpostos os cargos de advogado, procurador, procurador autárquico e assistente jurídico das autarquias e fundações públicas federais (Medida Provisória Nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001) e a criação e a estruturação da Procuradoria-Geral Federal — PGF (Lei nº 10.480, de 2002), essa prática foi paulatinamente descontinuada no âmbito do INSS, com o aval da Procuradoria-Geral Federal e do Tribunal de Contas da União – TCU.

DIANTE DE TODOS ESSES ELEMENTOS, pode-se validamente concluir que  a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, possui caráter excepcional e deve estar cabalmente justificada, sob pena de ser reputada indevida, com possibilidade de responsabilidade  pessoal  pelos prejuízos decorrentes dessa contratação irregular.


Informações Sobre o Autor

Aloizio Apoliano Cardozo Filho

Procurador Federal desde dezembro de 2003 em exercício na Procuradoria-Geral Federal em Brasília órgão vinculado à Advocacia-Geral da União. Ex-servidor do Poder Judiciário do Estado do Ceará de 1995 a 2003. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho.


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