Resumo: Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional, sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. A intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade. Cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória.
Palavras-chaves: Intervenção do Estado. Desapropriação Urbanística Sancionatória. Hipótese Constitucional.
Sumário: 1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica; 2 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico; 3 Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no Ordenamento Brasileiro; 4 Da Desapropriação Urbanística Sancionatória: Primeiras Pinceladas à hipótese do artigo 182, §4º, inciso III, da Constituição Federal de 1988
1 Ponderações Introdutórias: O Aspecto de Mutabilidade da Ciência Jurídica
Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.
Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[1]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e os institutos jurídicos neles consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”[3]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.
2 Intervenção do Estado na Propriedade: Breve Escorço Histórico
Em uma primeira plana, o tema concernente à intervenção do Estado na propriedade decore da evolução do perfil do Estado no cenário contemporâneo. Tal fato deriva da premissa que o Ente Estatal não tem suas ações limitadas tão somente à manutenção da segurança externa e da paz interna, suprindo, via de consequência, as ações individuais. “Muito mais do que isso, o Estado deve perceber e concretizar as aspirações coletivas, exercendo papel de funda conotação social”[4], como obtempera José dos Santos Carvalho Filho. Nesta esteira, durante o curso evolutivo da sociedade, o Estado do século XIX não apresentava essa preocupação; ao reverso, a doutrina do laissez feire assegurava ampla liberdade aos indivíduos e considerava intocáveis os seus direitos, mas, concomitantemente, permitia que os abismos sociais se tornassem, cada vez mais, profundos, colocando em exposição os inevitáveis conflitos oriundos da desigualdade, provenientes das distintas camadas sociais.
Quadra pontuar que essa forma de Estado deu origem ao Estado de Bem-estar, o qual utiliza de seu poder supremo e coercitivo para suavizar, por meio de uma intervenção decidida, algumas das consequências consideradas mais penosas da desigualdade econômica. “O bem-estar social é o bem comum, o bem do povo em geral, expresso sob todas as formas de satisfação das necessidades comunitárias”[5], compreendo, aliás, as exigências materiais e espirituais dos indivíduos coletivamente considerados. Com realce, são as necessidades consideradas vitais da comunidade, dos grupos, das classes que constituem a sociedade. Abandonando, paulatinamente, a posição de indiferente distância, o Estado contemporâneo passa a assumir a tarefar de garantir a prestação dos serviços fundamentais e ampliando seu espectro social, objetivando a materialização da proteção da sociedade vista como um todo, e não mais como uma resultante do somatório de individualidades.
Neste sentido, inclusive, o Ministro Luiz Fux, ao apreciar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo N° 672.579/RJ, firmou entendimento que “ainda que seja de aplicação imediata e incondicional a norma constitucional que estabeleça direitos fundamentais, não pode o Ente Estatal beneficiar-se de sua inércia em não regulamentar, em sua esfera de competência, a aplicação de direito constitucionalmente garantido”[6]. Desta feita, para consubstanciar a novel feição adotada pelo Estado, restou necessário que esse passasse a se imiscuir nas relações dotadas de aspecto privado. “Para propiciar esse bem-estar social o Poder Público pode intervir na propriedade privada e nas atividades econômicas das empresas, nos limites da competência constitucional atribuída”[7], por meio de normas legais e atos de essência administrativa adequados aos objetivos contidos na intervenção dos entes estatais.
Com efeito, nem sempre o Estado intervencionista ostenta aspectos positivos, todavia, é considerado melhor tolerar a hipertrofia com vistas à defesa social do que assistir à sua ineficácia e desinteresse diante dos conflitos produzidos pelos distintos grupamentos sociais. Neste jaez, justamente, é que se situa o dilema moderno na relação existente entre o Estado e o indivíduo, porquanto para que possa atender os reclamos globais da sociedade e captar as exigências inerentes ao interesse público, é carecido que o Estado atinja alguns interesses individuais. Ao lado disso, o norte que tem orientado essa relação é a da supremacia do interesse público sobre o particular, constituindo verdadeiro postulado político da intervenção do Estado na propriedade. “O princípio constitucional da supremacia do interesse público, como modernamente compreendido, impõe ao administrador ponderar, diante do caso concreto, o conflito de interesses entre o público e o privado, a fim de definir, à luz da proporcionalidade, qual direito deve prevalecer sobre os demais”[8].
3 Comentários Gerais ao Instituto da Desapropriação no Ordenamento Brasileiro
Em consonância com as ponderações aventadas até o momento, quadra sublinhar que o direito de propriedade encontra salvaguarda no inciso XXII do artigo 5º do Texto Constitucional[9], sendo exigido, porém, que a propriedade atinja sua função social, nos termos do inciso XXIII[10] do mesmo dispositivo ora mencionado. Desta feita, é possível assinalar que será lícito ao Estado intervir na propriedade toda vez em que se verificar o não cumprimento de seu papel no seio social, logo, com a intervenção, o Estado passa a desempenhar sua função primordial, a saber: atuar conforme as reivindicações de interesse público. Consoante o magistério de Carvalho Filho[11], a intervenção em comento pode ser agrupada em duas categorias distintas: de um lado, a intervenção restritiva, por meio da qual o Poder Público retira algumas das faculdades concernentes ao domínio, conquanto seja mantida a propriedade em favor do dono; doutro ângulo, a intervenção supressiva, que desencadeia a transferência da propriedade de seu dono para o Estado, acarretando, conseguintemente, a perda da propriedade. Com efeito, cuida reconhecer que o instituto da desapropriação encontra-se alcançado pela intervenção mais drástica por parte do Estado, ou seja, aquela capaz de provocar a perda da propriedade.
Tecidos tais comentários, cuidar enunciar que a desapropriação configura procedimento de direito público por meio do qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiros, por razão de utilidade pública ou de interesse social, comumente mediante pagamento de verba indenizatória. Ademais, em se tratando de um procedimento de direito público retrata a existência de uma sequência de atos e atividades do Estado e do proprietário, desenvolvidas nas órbitas administrativa e judicial. Com efeito, sobre o procedimento em comento incidem normas de direito público, maiormente nos aspectos que demonstram a supremacia do Estado sobre o proprietário. Ao lado disso, cumpre evidenciar que o escopo da desapropriação reside na transferência do bem desapropriado para o acervo do expropriante, sendo que esse objetivo só pode ser materializado se houver os requisitos ensejadores substancializados, ou seja, a utilidade pública ou o interesse social. Como regra geral, a indenização é paga pela transferência das desapropriações, só por exceção admitindo a ausência desse pagamento indenizatório.
Neste diapasão, a natureza jurídica do instituto da desapropriação é de procedimento administrativo e, quase sempre, também judicial. Ora, considera-se procedimento como um conjunto de atos e de atividades, devidamente formalizados e produzidos com sequencia, com o escopo de se alcançar determinado objetivo. Em aludido procedimento de desapropriação, tais atos se originam não somente do Poder Público, mas também do particular proprietário. Convém, ainda, mencionar que o procedimento tem seu curso, quase sempre, em duas fases. A primeira é a administrativa, na qual o Poder Público declara seu interesse na desapropriação e começa a adotar as providências visando à transferência do bem. Por vezes, a desapropriação encontra seu esgotamento nessa fase, havendo acordo com o proprietário. Tal situação, porém, destaque-se, é considerada rara. O normal é prolongar-se pela outra fase, a judicial, substancializada por meio da ação a ser movida pelo Estado em face do proprietário.
No que concernem aos pressupostos, considera-se que a desapropriação só pode ser considera legítima se reunir a utilidade pública, compreendendo-se em tal requisito a necessidade pública, e o interesse social. Carvalho Filho[12] vai aduzir que a utilidade pública resta materializada quando a transferência do bem se apresenta conveniente para Administração, ao passo que a necessidade pública decorre de situações de emergência, cuja solução reclame a desapropriação do bem. Conquanto o Texto Constitucional se refira a ambas as expressões, o correto é a noção de necessidade pública já está inserta na de utilidade pública, porquanto esta é mais abrangente que aquela, de maneira que se pode dizer que tudo que for necessário será útil. O interesse social, por sua vez, consiste naquelas hipóteses em que mais se sublinha a função da propriedade. O Poder Público, em tais episódicas situações, tem preponderantemente o objetivo de neutralizar de alguma forma as desigualdades coletivas, encontrando nos assentamentos de colonos e na reforma agrária os exemplos mais robustos. É importante assinalar que ambos os requisitos autorizadores materializam conceitos jurídicos indeterminados, porquanto são despojados de precisa que permita a identificação. Logo, importa frisar que ambos os conceitos serão aludidos na legislação pertinente.
4 Da Desapropriação Urbanística Sancionatória: Primeiras Pinceladas à hipótese do artigo 182, §4º, inciso III, da Constituição Federal de 1988
Em alinho aos comentários tecidos até o momento, cuida mencionar que o inciso III do §4º do artigo 182 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi responsável por instituir a desapropriação de área urbana não edificada, subutilizada ou não utilizada, incluída no plano diretor, consoante vier a ser prevista em legislação federal, cujo proprietário não promoveu o seu adequado aproveitamento, nos termos preconizados em legislação municipal ou distrital, caso não tenham sido eficazes as sanções contidas nos incisos I e II do parágrafo supra[13]. Tal instituto recebeu, pela doutrina, a denominação de “desapropriação urbanística sancionatória”. Conforme elucida Diógenes Gasparini[14], o dispositivo constitucional em comento recebeu regulamentação por meio da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, notadamente a partir de seu artigo 8º[15]. “Essa espécie de desapropriação é utilizável após o decurso de cinco anos de cobrança do IPTU progressivo, sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”[16], consoante aduz Gasparini.
Convém explicitar que o Município não é o único ente federativo que poderá utilizar de tal espécie de desapropriação, como se depreende, inclusive, de uma interpretação conjugada do artigo 182, §§1º e 2º, combinado com o artigo 32, §1º, ambos do Texto Constitucional[17], porquanto o último dispositivo atribui, com clareza ofuscante, ao Distrito Federal as competências que são próprias dos Estados-membros e dos Municípios. Assim, cuida realçar, conforme entendimento doutrinário[18] abalizado, que a modalidade de desapropriação urbanística sancionatória não estará restrita apenas aos Municípios, mas também, em decorrência de expressa alusão do Texto Constitucional de 1988, ao Distrito Federal. Em complemento ao expendido, cuida pontuar que o artigo 51 da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[19], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências, assegura a expressa incidência da legislação em comento ao Distrito Federal, ampliando, via de consequência, a possibilidade da utilização de seu sucedâneo de institutos por tal ente federativo.
Carvalho Filho[20], em magistério acurado, vai apontar que a natureza jurídica da desapropriação em comento não pode afastar-se dos parâmetros com os quais encontra conexão, a saber: a política urbana. Desta feita, é possível assinalar que a natureza jurídica da desapropriação urbanística sancionatória configura, pois, instrumento de política urbana, revestida de aspecto punitivo, executado por meio da transferência coercitiva do imóvel para o patrimônio municipal. Ademais, o pressuposto da modalidade expropriatória em análise repousa no descumprimento, pelo proprietário, da obrigação urbanística de aproveitamento do imóvel em harmonia com o que foi entalhado no plano diretor. Ora, a determinação urbanística consiste na adequação do solo urbano às diretrizes estabelecidas no plano diretor. Assim, não sendo cumprida, o Município deverá adotar as providências punitivas em caráter sucessivo, sendo que, repise-se, só é possível a aplicação da sanção subsequente se a anterior for ineficaz. Nesta linha de dicção, as sanções possuem a seguinte ordem de aplicabilidade: 1º) ordem de edificação ou parcelamento compulsórios; 2º) imposição de IPTU progressivo no tempo; 3º) desapropriação urbanística sancionatória. Há que se reconhecer que essa sanção é revestida de maior gravidade, vez que implica na perda da propriedade do imóvel.
Em complemento, a finalidade, no que toca à espécie de desapropriação, tem por fito o regime de adequação entre os imóveis e as diretrizes afixadas no plano diretor. Sendo o instrumento básico da política urbana, o plano diretor reclama que o solo urbano seja com ele compatível, porquanto, apenas assim, estará atendendo a função social aludida nos §§1º e 2º do artigo 182 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[21]. Carvalho Filho[22], ainda, vai aduzir que o efeito originário produzido pela desapropriação em comento consiste na transferência da propriedade para o Município. Entretanto, substancializa efeito derivado (ou sucessivo) a obrigação de o Município proceder ao aproveitamento do imóvel no lapso temporal de cinco anos a partir do ingresso do bem no acervo municipal, em consonância com o aludido no §4º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[23], que regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Desta feita, o descumprimento de semelhante obrigação tem o condão de caracterizar omissão do Prefeito e dos agentes como conduta de improbidade administrativa, estando, pois, os autores sujeitos às penalidades.
No que alude ao aproveitamento do imóvel, insta mencionar que este pode se dá diretamente pelo governo municipal, conforme preconiza a primeira parte do §5º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[24] (Estatuto das Cidades). A segunda parte do dispositivo supramencionado estabelece que o Município poderá alienar ou conceder a terceiros o imóvel expropriados, desde que, em tal situação, sejam observadas as regras do procedimento licitatório. Na hipótese de haver alienação, restam mantidas para o adquirente as mesmas obrigações urbanísticas de parcelamento ou de edificação compulsórios anteriormente estabelecidas ao ex-proprietário, nos termos em que dicciona o §6º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[25] (Estatuto das Cidades).
No que se relaciona ao procedimento para efetivar a transferência do imóvel, incidirá, in casu, as disposições oriundas do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de Junho de 1941, que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública, porém incide, no que couber e houver compatibilização, visto ser imprescindível às peculiaridades da desapropriação sancionatória. Conseguintemente, ao Município e ao Distrito Federal, em decorrência da intelecção da disposição específica, cabe propor a devida ação de desapropriação. Carvalho Filho[26] vai enunciar que é dispensável o decreto expropriatório, pois o objetivo de tal ato é o de indicar o escopo da Administração e comunica-lo ao proprietário. Há que se reconhecer, neste sentido, que, na desapropriação urbanística sancionatória, o proprietário há muito tomou ciência de que o descumprimento poderia culminar na desapropriação. Doutro viés, a finalidade do Poder Público permanece a mesma, a saber: a necessidade de adequação do imóvel ao plano diretor para observância às disposições da política urbana.
No que toca à indenização a ser paga, cuida observar que o adimplemento se dará por meio de títulos da dívida pública, previamente aprovados pelo Senado Federal, com resgate no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurando-se o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano, conforme previsão do §1º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[27] (Estatuto das Cidades). A legislação, contudo, indicou o sentido de valor real, estabelecendo: 1º) que esse valor refletirá o que serve de base de cálculo do IPTU, descontando-se, com efeito, o montante incorporado em função de obras executadas pelo Poder Público; 2º) que no quantum indenizatório não poderão ser computados expectativas de ganho, lucros cessantes e juros compensatórios, atendendo-se, assim, os ditames burilados nos incisos I e II do §2º do artigo 8º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001[28] (Estatuto das Cidades). Carvalho Filho[29], porém, vai apresentar entendimento que se afasta de tal percepção, ponderando que o conceito de indenização justa não se apresenta com determinação tal que dela possa se extrair valor pré-fixado. Afora isso, a referência, preconizada no inciso XXIV do artigo 5º do Texto Constitucional, substancializa regra para as desapropriações, sendo, contudo, plenamente admissível que haja exceções na própria Constituição. Em complemento, ainda como argumento contrário, é preciso realçar que a modalidade de desapropriação em comento apresenta natureza punitiva e só foi acionada em virtude da resistência do proprietário em atender às obrigações urbanísticas de adequação ao plano diretor. Logo, tal situação não pode merecer o mesmo tratamento que o dispensado para a desapropriação ordinária.
Informações Sobre o Autor
Tauã Lima Verdan Rangel
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES