Da inexigibilidade da AFE expedida pela ANVISA como documento indispensável para o licenciamento de drogarias por parte das Vigilâncias Sanitárias locais


Resumo: Uma análise sobre a prática das vigilâncias sanitárias locais (de Estados, DF e Municípios), notadamente sem previsão normativa, de exigir dentre os documentos a serem apresentados por drogarias para obtenção de licença sanitária, a Autorização para Funcionamento de Empresa (AFE) expedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).


Palavras-chave: drogarias – licença sanitária – vigilâncias sanitárias locais- autorização de funcionamento – ANVISA – inexigibilidade.


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Sumário: 1 – Proêmio, 2 – Primeiras linhas sobre a interpretação da legislação sanitária aplicável à matéria, 3 – Do não enquadramento das atividades exercidas por drogarias entre àquelas que e a Lei Federal nº 6.360/76 e o Decreto Federal nº 79.094/77 imputam como passíveis de prévia autorização do Ministério da Saúde (ANVISA), 4 – Sobre a RDC nº 01 de 2010 da ANVISA, 5 – Do erro em se atrelar a emissão de uma licença à obtenção de uma autorização, 6 – Da necessidade de se exigir a AFE, mas não como documento indispensável à emissão da licença sanitária, 7 – Conclusão


1) Introdução


Não é novidade para quem milita entre as hostes da gestão da coisa pública que, por vezes, a Administração adota condutas que, apesar de aparentemente possuírem supedâneo normativo em alguma lei, decreto ou portaria, na verdade por mera prática de uma irrefletida (e porque não dizer acéfala) repetição consuetudinária, tornam-se praxe administrativa e passam a ocupar lugar de destaque no trâmite de procedimentos e processos administrativos.


Quão mais grave se torna a adoção de tais praxes quando verificamos que, com base num mero costume administrativo desprovido de qualquer esteio jurídico, o Poder Público passa a tutelar suas relações com os seus administrados, condicionando-lhes os seus direitos, garantias e condutas, pois, nestes casos, sem supedâneo normativo, o Estado tangencia a autonomia da vontade dos seus administrados com base em algo que não adveio de uma norma jurídica.


Um exemplo desta praxe sem supedâneo normativo e que mesmo assim tutelam direitos, garantias e condutas dos que se relacionam com a Administração Pública é a exigibilidade da AFE (Autorização para Funcionamento de Empresa) expedida pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) como documento indispensável para o licenciamento de drogarias por parte das Vigilâncias Sanitárias locais. Pois, apesar de muitas vezes inexistir no ordenamento jurídico (pelo menos não em esfera nacional/federal) norma que ampare tal exigência, é notório que Vigilâncias Sanitárias de Estados, DF e Municipais tem condicionado a emissão das suas licenças sanitárias à apresentação, por parte das farmácias e drogarias submetidas à sua fiscalização, da AFE emitida pela ANVISA.


É no nosso sentir indiscutível que, inexistindo lei estadual, distrital ou municipal que autorize a vigilância sanitária local a incluir entre os documentos indispensáveis para a emissão da licença sanitária de drogarias a AFE da ANVISA, não é lícito que tais órgãos ou entes de fiscalização sanitária criem óbices de tal quilate para a obtenção do licenciamento sanitário por parte do setor regulado.


E para fundamentar o exposto nesta última assertiva, eis o que temos a expor…


2) Primeiras linhas sobre a interpretação da legislação sanitária aplicável à matéria


Para lançar as bases do tema que aqui nos propomos a debater, cremos ser útil promover a transcrição de alguns dos dispositivos normativos que tutelam o binômio autorização de funcionamento/licenciamento sanitário:


Lei Federal nº 6.360, de 23 de setembro de 1976 – Dispõe sobre a vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos, e dá outras providências.


Art.1º – Ficam sujeitos às normas de vigilância sanitária instituídas por esta Lei os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, definidos na Lei número 5.991, de 17 de dezembro de 1973, bem como os produtos de higiene, os cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários, produtos destinados à correção estética e outros adiante definidos.


Art.2° – Somente poderão extrair, produzir, fabricar, transformar, sintetizar, purificar, fracionar, embalar, reembalar, importar, exportar, armazenar ou expedir os produtos de que trata o Art.1 as empresas para tal fim autorizadas pelo Ministério da Saúde e cujos estabelecimentos hajam sido licenciados pelo órgão sanitário das Unidades Federativas em que se localizem. (… omissis …)


Art. 50 – O funcionamento das empresas de que trata esta Lei dependerá de autorização do Ministério da Saúde, à vista da indicação da atividade industrial respectiva, da natureza e espécie dos produtos e da comprovação da capacidade técnica, científica e operacional, e de outras exigências dispostas em regulamento e atos administrativos pelo mesmo Ministério.


Parágrafo único. A autorização de que trata este artigo será válida para todo o território nacional e deverá ser renovada sempre que ocorrer alteração ou inclusão de atividade ou mudança do sócio ou diretor que tenha a seu cargo a representação legal da empresa.


Art. 51 – O licenciamento, pela autoridade local, dos estabelecimentos industriais ou comerciais que exerçam as atividades de que trata esta Lei, dependerá de haver sido autorizado o funcionamento da empresa pelo Ministério da Saúde e de serem atendidas, em cada estabelecimento, as exigências de caráter técnico e sanitário estabelecidas em regulamento e instruções do Ministério da Saúde, inclusive no tocante à efetiva assistência de responsáveis técnicos habilitados aos diversos setores de atividade.


Parágrafo único. Cada estabelecimento terá licença específica e independente, ainda que exista mais de um na mesma localidade, pertencente à mesma empresa.


Decreto Federal nº 79.094, de 05 de janeiro de 1977 – Regulamenta a Lei no 6.360, de 23 de setembro de 1976, que submete a sistema de vigilância sanitária os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos, produtos de higiene, saneantes e outros.


Art. 1º – Os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos, produtos de higiene, perfumes e similares, saneantes domissanitários, produtos destinados à correção estética e os demais, submetidos ao sistema de vigilância sanitária somente poderão ser extraídos, produzidos, fabricados, embalados ou reembalados, importados, exportados, armazenados ou expedidos, obedecido o disposto na Lei no 6.360, de 23 de setembro de 1976, e neste Regulamento.


Art. 2º – Para o exercício de qualquer das atividades indicadas no artigo 1o, as empresas dependerão de autorização específica do Ministério da Saúde e de licenciamento dos estabelecimentos pelo órgão competente da Secretária da Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.


Art. 3º – Para os efeitos deste Regulamento são adotadas as seguintes definições:(… omissis …)


XVIII – Autorização – Ato privativo do órgão competente do Ministério da Saúde, incumbido da vigilância sanitária dos produtos que de trata este Regulamento, contendo permissão para que as empresas exerçam as atividades sob regime de vigilância sanitária, instituído pela Lei no 6.360, de 23 de setembro de 1976.


XIX – Licença – Ato privativo do órgão de saúde competente dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, contendo permissão para o funcionamento dos estabelecimentos que desenvolvam qualquer das atividades a que foi autorizada a empresa.(… omissis …)


Art. 75 – O funcionamento das empresas que exerçam atividades enumeradas no artigo 1º dependerá de autorização do órgão de vigilância sanitária competente do Ministério da Sáude, à vista do preenchimento dos seguintes requisitos:


I – Indicação da atividade industrial respectiva.


II – Apresentação do ato constitutivo, do que constem expressamente as atividades a serem exercidas e o representante legal da mesma.


III – Indicação dos endereços da sede dos estabelecimentos destinados à industrialização dos depósitos, dos distribuidores e dos representantes.


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IV – Natureza e espécie dos produtos.


V – Comprovação da capacidade técnica e operacional.


VI – Indicação do responsável ou responsáveis técnicos, de suas respectivas categorias profissionais e dos números das inscrições nas respectivas autarquias profissionais a que se filiem.


Parágrafo único – A autorização de que trata este artigo habilitará a empresa a funcionar em todo o território nacional e necessitará ser renovada quando ocorrer alteração ou mudança de atividade compreendida no âmbito deste Regulamento ou mudança do sócio, diretor ou gerente que tenha a seu cargo a representação legal da empresa.


Art. 76 – As empresas que exerçam exclusivamente atividades de fracionamento, embalagem e reembalagem, importação, exportação, armazenamento, transporte ou expedição dos produtos sob o regime deste Regulamento, deverão dispor de instalações, materiais, equipamentos, e meio de transporte apropriados.


Art. 77 – O órgão de vigilância sanitária competente do Ministério da Saúde expedirá documento de autorização às empresas habilitadas na forma deste Regulamento para o exercício de atividade enumerada no artigo 1º.


Art. 78 – O licenciamento dos estabelecimentos que exerçam atividades de que trata este Regulamento pelas autoridades dos Estados, do Distrito Federal, e dos Territórios, dependerá do preenchimento dos seguintes requisitos:


I – Autorização de funcionamento da empresa pelo Ministério da Saúde.


II – Existência de instalações, equipamentos e aparelhagem técnica indispensáveis e em condições necessárias à finalidade a que se propõe.


III – Existência de meios para a inspeção e o controle de qualidade dos produtos que industrialize.


IV – Apresentarem condições de higiene, pertinentes a pessoal e material indispensáveis e próprias a garantir a pureza e eficácia do produto acabado para a sua entrega ao consumo.


V – Existência de recursos humanos capacitados ao desempenho das atividades de sua produção.


VI – Possuírem meios capazes de eliminar ou reduzir elementos de poluição decorrente da industrialização procedida, que causem efeitos nocivos à saúde.


VII – Contarem com responsáveis técnicos correspondentes aos diversos setores de atividade.


Parágrafo único – Poderá ser licenciado o estabelecimento que não satisfazendo o requisito do item III deste artigo, comprove ter realizado convênio com instituição oficial reconhecida pelo Ministério da Saúde para a realização de exames e testes especiais que requeiram técnicas e aparelhagem destinadas ao controle de qualidade. 


Lei Federal nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 – Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências.


Art. 6º A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionadas, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.


Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo: (… omissis …)


VII – autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação dos produtos mencionados no art. 6º desta Lei;(… omissis …)


XVI – cancelar a autorização de funcionamento e autorização especial de funcionamento de empresas, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco iminente à saúde;”


Pela mera exposição destas normas, já podemos concluir (mesmo que preliminarmente) que: Em primeiro lugar, cabe ao Ministério da Saúde, através da ANVISA autorizar o funcionamento das empresas que extraiam, produzam, fabriquem, transformem, sintetizem, purifiquem, fracionem, embalem, reembalem, importem, exportem, armazenem ou expeçam medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos, correlatos, produtos de higiene, cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários e produtos destinados à correção estética e; Em segundo lugar, o licenciamento, por parte das Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios dependerá de haver sido autorizado o funcionamento da empresa pelo Ministério da Saúde (por meio da ANVISA, que expedirá a AFE).


3) Do não enquadramento das atividades exercidas por drogarias entre àquelas que e a Lei Federal nº 6.360/76 e o Decreto Federal nº 79.094/77 imputam como passíveis de prévia autorização do Ministério da Saúde (ANVISA)


Por seu turno, nos parece restar incontroverso que, nos termos da Lei Federal nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, do Decreto Federal nº 79.094, de 05 de janeiro de 1977 e da Lei Federal nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999 drogarias não precisam obter a AFE (Autorização para Funcionamento de Empresa) vez que elas, pelo menos de forma usual, não extraem, produzem, fabricam, transformam, sintetizam, purificam, fracionam, embalam, reembalam, importam, exportam, armazenam ou expedem medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos, correlatos, produtos de higiene, cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários e produtos destinados à correção estética.


E aqui se deve repelir qualquer tentativa de atribuir as drogarias o exercício da atividade de armazenar medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos ou correlatos, vez que a atividade de armazenamento não é atividade-fim das drogarias que, na verdade, apenas estocam (e não armazenam) os produtos que ela irão comercializar.


4) Sobre a RDC nº 01 de 2010 da ANVISA


Todavia, a obrigação de as drogarias necessitarem de AFE para funcionar, apesar de não constar do texto da Lei Federal nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, do Decreto Federal nº 79.094, de 05 de janeiro de 1977 ou da Lei Federal nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, encontra-se prevista na RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) nº 01 de 2010 (publicada no D.O.M. do dia 14/01/2010) da ANVISA que revogou a RDC nº 238 de 27 de dezembro de 2001.


E a RDC nº 01 de 2010 da ANVISA, apesar de não gozar do mesmo status da Lei Federal nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, de Decreto Federal nº 79.094, de 05 de janeiro de 1977 e da Lei Federal nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, deve ser obedecida pelas drogarias, vez que ela possui força coercitiva. Neste sentido…


O Estado, por meio das agências, fixa um conjunto de regras atinentes à conformação da prestação de serviços públicos ou do exercício de atividades econômicas com interesse coletivo.(… omissis …)


Realmente, a ação intervencionista do Estado sobre o domínio econômico rompe com o monopólio da produção normativa pelo Poder Legislativo, configurando uma tendência à “administrativização” do público.(… omissis …)


A doutrina observa que os atos administrativos originários do poder normativo do Estado produzem efeitos gerais e abstratos, tal qual a lei(… omissis …)


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… é de reconhecer que a norma do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, em virtude da qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, há de ser tomada como uma garantia constitucional de ninguém estar obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da ação normativa do Estado.Nessa medida, salta a toda evidência que o que garante a legitimidade do comando normativo não é a retórica da legalidade formal, mas a materialidade desse mesmo comando normativo. Pretender o contrário, isto é, que a lei, como tal formalmente considerada, seja tomada como a única fonte primária legítima de direitos e obrigações, implica desprestigiar o próprio texto constitucional, pelo que ele tem, mais de caro, vale dizer, a condução do Estado no sentido da edificação de uma nova ordem econômica e social, legítima por seus próprios fundamentos e finalidades.” (Sebastião Botto de Barros Tojal in controle judicial da atividade normativa das agências reguladoras, artigo integrante do livro Agências Reguladoras, organizado por Alexandre de Moraes, São Paulo, Atlas, 2002, págs. 157, 158, 161 e 162)


Só que, diferentemente dos estabelecimentos que são tutelados pela Lei Federal nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, pelo Decreto Federal nº 79.094, de 05 de janeiro de 1977 e pela Lei Federal nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, que para serem licenciados pelas Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios necessariamente deverão ter obtido a AFE junto à ANVISA, no caso das drogarias, o que acontece é o contrário, pois, conforme se pode perceber diante da redação da RDC nº 01 de 2010, a AFE expedida pela ANVISA, para ser concedida ao estabelecimento requerente, depende do licenciamento ou, no mínimo, da inspeção sanitária realizada pelas Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios:


Art. 9º Nos casos de peticionamento e protocolo exclusivamente eletrônicos, o documento de instrução da petição deverá ser digitalizado e apensado no ambiente virtual durante o peticionamento.


§ 1º Para as petições de Concessão, Renovação e Alteração da Autorização de Funcionamento de Empresa, exceto a Alteração de Responsável Técnico, o documento de instrução é a Licença Sanitária ou o Relatório de Inspeção, ambos emitidos pelo Órgão Sanitário competente.(… omissis …)


Art. 10 Em caso de protocolo físico, os pedidos de Concessão, Renovação e Alteração da Autorização de Funcionamento de Empresa (AFE), exceto a Alteração de Responsável Técnico, deverão ser instruídos com a documentação abaixo:(… omissis …)


II – Cópia da Licença Sanitária ou Relatório de Inspeção, ambos emitidos pelo Órgão Sanitário competente. O documento deverá apresentar os dados atualizados e ser referente ao ano corrente. Caso este ainda não tenha sido emitido, aceitar-se-á o documento relativo ao ano imediatamente anterior, desde que o requerimento do exercício atual tenha sido devidamente protocolizado no Órgão Sanitário competente;”


Destarte, cumpre então asseverar que não há norma jurídica de caráter nacional que obrigue as Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios a exigirem a AFE de drogarias como conditio sine qua non para a emissão das licenças sanitárias sob suas competências e, sendo assim, salvo a existência de norma local, o licenciamento sanitária deverá se dar de forma apartada do processo de obtenção da AFE, cabendo às Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios licenciarem as drogarias sob seu âmbito de competência sem exigir das mesmas a AFE expedido pela ANVISA como se fora um documento indispensável para o licenciamento.


5) Do erro em se atrelar a emissão de uma licença à obtenção de uma autorização


Ademais, entendemos que não há como se atrelar a emissão de uma licença à emissão de uma autorização, pois autorizações e licenças são figuras distintas. A autorização é…


o ato administativo pelo qual a Administração consente que o particular exerça atividade ou utilize bem público no seu próprio interesse. É ato discricionário e precário, características, portanto, idênticas às da permissão.” (José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 121)


“o ato administrativo unilateral, discricionário e precário pelo qual a Administração faculta ao particular o uso privativo de bem público, ou o desempenho de atividade material, ou a prática de ato que, sem esse consentimento, seriam legalmente proibidos.” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro in Direito Administrativo, 13ª edição, São Paulo: Atlas, 2001, pág. 211)


…ao passo que a licença é…


 “o ato vinculado por meio do qual a Administração confere ao interessado consentimento para o desempenho de certa atividade.” (José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 117)


 “o ato administrativo unilateral e vinculado pelo qual a Administração faculta àquele que preencha os requisitos legais o exercício de uma atividade.” (Maria Sylvia Zanella Di Pietro in Direito Administrativo, 13ª edição, São Paulo: Atlas, 2001, pág. 212)


Como se viu acima, autorizações e licenças são figuras distintas, sendo as primeiras, atos discricionários e as segundas, atos vinculados.


Atos discricionários, gênero do qual a autorização é espécie, são conceituados pela doutrina especializada da seguinte forma:


Atos ditos discricionários e que melhor se denominariam atos praticados no exercício de competência discricionária – os que a Administração pratica dispondo de certa margem de liberdade para decidir-se, pois a lei regulou a matéria de modo a deixar campo para uma apreciação que comporta certo subjetivismo. Exemplo: autorização de porte de arma.


… seriam os que a Administração pratica com certa margem de liberdade de avaliação ou decisão segundo critérios de conveniência e oportunidade formulados por ela mesma, ainda que adstrita à lei reguladora da expedição deles” (Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, 14ª edição, São Paulo: Malheiros, 2002, pág. 375 e 380)


“Nestes é a própria lei que autoriza o agente a proceder a uma avaliação a proceder a uma avaliação da conduta, obviamente tomando em consideração a inafastável finalidade do ato. A valoração incidirá sobre o motivo e o objeto do ato, de modo que este, na atividade discricionária, resulta essencialmente da liberdade de escolha entre alternativas igualmente justas, traduzindo, portanto, um certo grau de subjetivismo.” (José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pág. 109)


Já os atos vinculados, donde a licença se insere, são, ainda segundo a doutrina, assim caracterizados:


Atos vinculados – os que a Administração pratica sem margem alguma de liberdade para decidir-se, pois a lei previamente tipificou o único possível comportamento diante de hipótese prefigurada em termos objetivos. Exemplo: licença para edificar; aposentadoria, a pedido, por completar-se o tempo de contribuição do requerente.


… seriam aqueles em que, por existir prévia e objetiva tipificação legal do único possível comportamento da Administração em face de situação igualmente prevista em termos de objetividade absoluta, a Administração, ao expedi-los, não interfere com apreciação subjetiva alguma.” (Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, 14ª edição, São Paulo: Malheiros, 2002, pág. 375 e 380)


“… como o próprio adjetivo demonstra, são aqueles que o agente pratica reproduzindo os elementos que a lei previamente estabelece. Ao agente, nesses casos, não é dada liberdade de apreciação da conduta, porque se limita, na verdade, a repassar para o ato o comando estatuído na lei. Isso indica que nesse tipo de atos não há qualquer subjetivismo ou valoração, mas apenas a averiguação de conformidade entre o ato e a lei. Exemplo de um ato vinculado: a licença para exercer profissão regulamentada em lei. Os elementos para o deferimento desse ato já se encontram na lei, de modo que ao agente caberá apenas verificar se quem o reivindica preenche os requisitos exigidos e, em caso positivo deverá conferir a licença se, qualquer outra indagação.” (José dos Santos Carvalho Filho in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, rev. ampl. e atual., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, págs. 108/109)


Reforçando esta dissociação entre a AFE expedida pela ANVISA e a licença sanitária, Helio Pereira Dias, na condição de Procurador-Geral da ANVISA, assim se manifestou:


Tal autorização de funcionamento, conforme a melhor doutrina do direito administrativo, difere da licença. Enquanto a licença é ato vinculado, ou regrado, isto é, deve ser concedida desde que o administrado satisfaça os requisitos legais e regulamentares, a autorização de funcionamento constitui ato administrativo discricionário e precário, pelo qual a autoridade competente faculta ao particular, em casos concretos, o exercício ou aquisição de direitos que, e outras circunstâncias, sem tal assentimento, são proibidos. A autoridade competente, no caso a ANVISA, detentora da discricionariedade, pode conferir, ou não, autorização ou permissão ao particular, no caso o proprietário da farmácia ou drogaria, para a prática daqueles atos de comércio, próprios destes estabelecimentos.” (Dias, Helio Pereira, Flagrantes do ordenamento jurídico sanitário, 2ª ed. rev. atual. Brasília: ANVISA, 2004, pág. 237)


Exclusive o teor do artigo 51 da Lei Federal nº 6.360, de 23 de setembro de 1976 (que é inaplicável às drogarias, ressalte-se), não é de bom alvitre se atrelar a expedição de uma licença que é um ato que se consiste num verdadeiro direito subjetivo do licenciando (vez que se ele atender aos requisitos previstos na legislação ele DEVERÁ ser licenciado) à expedição de uma autorização que por sua vez se consiste numa mera expectativa de direito (vez que não há garantia de que o administrado obterá do Poder Público a autorização por ele almejada, haja vista este poder fazer um juízo de conveniência e oportunidade acerca da emissão ou não da autorização).


6) Da necessidade de se exigir a AFE, mas não como documento indispensável à emissão da licença sanitária


Entretanto, cabe aqui deixar patente que, apesar de não dever a AFE (salvo a existência de norma local) ser exigida no licenciamento das drogarias fiscalizadas pelas Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios como se fosse um documento indispensável, ela deverá ser sim exigida, mas não como um requisito ao licenciamento e sim como uma outra exigência sanitária que, se descumprida, não necessariamente impedirá a emissão ou renovação da licença sanitária, mas acarretará na lavratura de auto de infração e instauração de processo administrativo. Assertiva esta que está amparada pelo que dispõe a Lei Federal nº 6.437/77:


Art. 10. São infrações sanitárias:(… omissis …)


IV – extrair, produzir, fabricar, transformar, preparar, manipular, purificar, fracionar, embalar ou reembalar, importar, exportar, armazenar, expedir, transportar, comprar, vender, ceder ou usar alimentos, produtos alimentícios, medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos, produtos dietéticos, de higiene, cosméticos, correlatos, embalagens, saneantes, utensílios e aparelhos que interessem à saúde pública ou individual, sem registro, licença, ou autorizações do órgão sanitário competente ou contrariando o disposto na legislação sanitária pertinente:


Pena – advertência, apreensão e inutilização, interdição, cancelamento do registro, e/ou multa.”


7) Conclusão


Apesar de as drogarias serem obrigadas, por força da RDC nº 01/2010 da ANVISA, a requererem a AFE, tal documento não deverá (salvo a existência de norma local) ser exigido na expedição ou renovação de licenças sanitárias por parte das Vigilâncias Sanitárias dos Estados, DF e Municípios como um documento indispensável, sem prejuízo de ele ser cobrado com base no inciso IV da Lei Federal nº 6.437/77.



Informações Sobre o Autor

Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado da UEN de Direito Administrativo do Escritório Lima e Falcão, Assessor Jurídico da Diretoria de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde do Recife e Consultor Jurídico do Departamento de Vigilância Sanitária de Olinda


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