Direito Contratual Norte Americano – Fontes, Princípios, Tratados e Convenções Internacionais

Letícia Medeiros de Souza Andres[1]

Resumo

O presente artigo tem como objetivo demonstrar quais são as fontes do direito contratual dos Estados Unidos, que se dividem na common law e no Código Comercial Uniforme, relacionando as principais diferenças entre essas duas fontes. O artigo apresenta ainda os princípios contratuais que tem influenciado a contratação e o julgamento de litígios no ordenamento jurídico norte americano, bem como a evolução desses princípios ao longo do tempo. Por fim, apresentam-se os tratados e convenções internacionais adotados pelo país, como forma de demonstração de sua postura perante as contratações inseridas dentro do cenário comercial mundial.

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Palavras-chave: Estados Unidos. Contratos. Fontes. Common Law. Código Comercial Uniforme.

 

Abstract

The present article seeks to demonstrate the sources of contractual law in United States, which are separate into common law and the Uniform Commercial Code. In addition, this document relates the main differences between these two sources. The article also presents the contractual principles that have influenced the contracting and the litigation remedies in the North American legal order, as well as the evolution of these principles over time. Finally, the international treaties and conventions adopted by the United States are presented to demonstrate the position of the country in contracting within the world commercial scenario.                                                        

Keywords: United States. Contracts. Sources. Common Law. Uniform Commercial Code.

 

Sumário: Introdução. 1 Fontes do Direito Contratual Americano Privado. 1.1 Common Law e os Restatements de Contratos. 1.2 Código Comercial Uniforme. 1.3 Principais Diferenças entre o UCC e a Common Law. 2 Princípios Contratuais. 2.1 Princípio da Boa-fé Contratual (Good Faith Standard). 2.2 Princípio da Liberdade Contratual (Contractual Freedom). 2.3 Princípio da Razoabilidade (Reasonable Person Standard). 3 Influência das Convenções e Tratados Internacionais. 3.1 UNCITRAL – United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG). 3.2 UNIDROIT – Principles of International Commercial Contracts (PICC). Conclusão. Referências Bibliográficas. Abreviaturas e Siglas.

 

Introdução

O fato de os Estados Unidos ser considerado a maior potência econômica mundial da atualidade trás uma grande relevância para o seu direito contratual privado, como ele se comporta e é influenciado no cenário internacional.

Se faz necessário, portanto, compreender as principais fontes do direito contratual norte americano, especialmente no campo privado, divididas entre a common law e o Código Comercial Uniforme. As diferenças entre esses dois institutos também se monstram de extrema importância, sem excluir o fato de que serão aplicadas de acordo com o entendimento e soberania de cada estado dessa federação.

Destacam-se, também, a base dos princípios mais aplicados dentro do direito contratual dos Estados Unidos e como eles tem se desenvolvido e sendo aplicados até os dias de hoje, onde merecem destaque os princípios da boa-fé, da liberdade de contratar e da razoabilidade.

Seu conteúdo apresenta ainda os tratados e convenções internacionais que influenciam os acordos que envolvem um contratante americano ou uma relação contratual feita sob sua normativa, sendo eles o CISG, que foi desenvolvido pela UNCITRAL e o PICC, maestramente elaborado por meio da UNIDROIT. Tais siglas e seus fundamentos serão esclarecidos ao decorrer desse artigo.

Oportunamente, o conteúdo desse trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa de publicações e doutrina emanadas de conteúdo originalmente americano, disponibilizado ao público em geral por seus autores, em sua maioria estudantes, mestrandos e doutores das melhores universidades de direito do Estados Unidos. Jurisprudências e artigos de escritórios de advocacia que possuem destaque no cenário jurídico norte americano também foram utilizados.

Por fim, este trabalho poderá servir como um guia geral para patronos que venham a representar clientes estrangeiros em negócios que envolva o direito contratual americano, uma vez que ao final este terá adquirido conhecimento para diferenciar a normativa que deve ser aplicada para cada tipo de contrato.

 

1 FONTES DO DIREITO CONTRATUAL AMERICANO PRIVADO

1.1 Common Law e os Restatements de Contratos

O Direito Contratual Americano tem suas raízes na common law inglesa, mas começou a formar sua própria identidade a partir da década de 1870 na Escola de Direito de Harvard, onde ao longo dos anos foram publicados diversos artigos sobre o tema, como por exemplo o artigo intitulado “A Lei dos Contratos” escrito pelo professor Samuel Williston, em 1920.

Esse período ficou conhecido nacionalmente como a era pré-moderna do Direito Contratual Americano, uma vez que deu início a abertura de mais faculdades de Direito pelo país e os escritores regionais começaram a se concentrar em estudos baseados nas decisões judiciais locais e não mais nos pronunciamentos e decisões oriundas da Inglaterra.

Já a era moderna teve início a partir da grande depressão econômica mundial, em 1930, onde o governo americano viu a necessidade de  intervir nas relações comerciais visando proteger o sistema econômico e de contratação. A forma de controle encontrada foi a padronização dos direitos e deveres contratuais, de forma que os contratantes soubessem no momento da contratação o que se esperar de cada um e as consequências do não cumprimento dessas obrigações.

Nesse sentido, em 1932 foi publicado pela American Law Institute, o Restatement de Contratos, que seria um compilado de decisões das cortes de apelação americana, em conjunto com comentários explanatórios, exemplos hipotéticos e citações estaduais e federais a respeito de casos concretos. O Restatement de Contratos nasceu de um trabalho feito com o auxílio do professor Williston, juntamente com aproximadamente 4.000 professores de direito, advogados e juízes e se encontra nos dias atuais em sua segunda versão, que foi publicada em 1981.

Destaca-se que esse documento não tem peso de lei, caso contrário seria elevado como um Código, mas é amplamente utilizado pelos juízes americanos como forma de resolução de conflitos. Portanto, tem caráter doutrinário não vinculante dentro de uma das fontes do direito contratual americano que é a common law.

A common law se resume nas decisões judiciais dadas pelos tribunais, que serão usadas como fundamento para decisões posteriores. Esse tipo de Sistema jurídico é aplicado também em países como Austrália, Canadá, Hong Kong, Índia e Nova Zelândia, mas nos Estados Unidos possui raízes tão fortes, que se aplica como principal método de estudo dos alunos nas faculdades desde que estas começaram a ser tornar populares no início do século XIX até os dias de hoje.

Os principais tipos de contratos que são regidos pela common law são os contratos imobiliários, prestação de serviços, seguro, de bens intangíveis, de relação de emprego, contratos de empreitada, contratos de software, patentes, entre outros.

1.2 Código Comercial Uniforme

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Ainda dentro da era moderna foi criado o Código Comercial Uniforme (Uniform Commercial Code – UCC), que começou a ser formulado em 1945 em parceria entre o American Law Institute e o NCCUSL – Conferência Nacional de Comissários sobre Leis Estaduais Uniformes,  uma associação sem fins lucrativos constituída por representantes de diversos estados.

O UCC foi publicado em 1952 e desde então trata da normativa dos contratos relacionados à venda de mercadorias, especialmente os bens tangíveis.  Destaca-se que esse documento também não foi promulgado pelo congresso americano e, assim como os Restatements, não tem status de lei. Contudo, no campo prático o UCC é considerado uma “lei nacional”, uma vez que foi adotado em quase sua totalidade por todos os estados americanos em seus estatutos, sendo certo que aqueles que o alteraram fizeram em principio como forma de adequação aos costumes locais.

Oportuno ressaltar que, alguns juristas consideram o UCC falho, uma vez que trás em seu contéudo normativa apenas para os contratos de vendas de mercadorias, não abrangendo contratos importantes na atualidade como os contratos de serviços e imobiliários, que conforme já explanado serão atendidos pela common law. Além disso, outras matérias contratuais não estão relacionadas no UCC, sendo aquelas relativas à preclusão, fraude, deturpação, coação, coerção e erro.

Portanto, duas fontes alimentam o direito contratual sendo a primeira delas a common law, que se fundamenta nas jurisprudências, enriquecida pelos Restatements de Contratos; e a segunda o Código Comercial Uniforme, nos casos de venda de bens tangíveis.

Necessário destacar que a Constituição Federal americana dá autonomia para que cada um dos cinquenta estados tenha seu próprio direito contratual, por meio de suas Constituições Estaduais. Desta forma, essas fontes são adotadas por cada estado de acordo com seus interesses econômicos e culturais e por isso é praticamente impossível que se analise a prática do direito contratual em cada um deles em único artigo, não havendo que se falar em uma lei uniforme de contratos.

Alguns doutrinadores têm lançado teses de que a unificação seria interessante, considerando que diariamente são feitos acordos entre contratantes de estados distintos. Esse entendimento é oriundo da prática dos países europeus, que vivem em busca da harmonização e unificação do direito e entendem que a diversidade legal pode ser na verdade considerada como um caos. Porém, não há muitos esforços para que o conteúdo jursiprudencial, doutrinário e normativo de cada estado sejam unificados, já que a própria Constituição Americana limitaria a competência do Congresso Nacional em aplicar a unificação.

Por fim, a maioria dos empresários americanos pensam que não é preciso uma legislação uniforme sobre direito geral dos Contratos para que o mercado econômico seja grande. Já dizia o renomado professor de direito Whitmore Gray, que a diversidade no direito privado seria a norma e a uniformidade seria exceção.[2]

1.3 Principais Diferenças entre o UCC e a Common Law

Conforme já verificado, o UCC será aplicado aos contratos sobre venda de mercadorias e objetos tangíveis, sendo que os demais contratos, tais como de relação de emprego, bens intangíveis, seguros, prestação de serviços, imobiliários, entre outros, estarão subordinados às decisões da commom law. Para que se entenda a aplicabilidade dessas fontes do direito contratual, se faz necessário explanar as suas principais diferenças sob o ponto de vista prático.

As principais diferenças consistem na formação dos contratos, especialmente a respeito da flexibilização, que é mais restrita na commom law do que no UCC para que um acordo seja considerado nulo ou anulável, especialmente porque esse segundo se preocupa mais em entender se as partes pretendiam entrar em um acordo vinculativo ou não.

Nesse sentido, o UCC trás como termo essencial a explicitação da quantidade de bens a serem comercializados, os demais termos poderão ser aceitos se combinados informalmente, enquanto a commom law exige que sejam determinados explicitamente a oferta, preço, quantidade e obrigação das partes.

Destaca-se que o UCC determina que uma oferta escrita feita por uma empresa será irrevogável, sendo certo que mudanças na oferta poderão ser aceitas apenas nos casos em que não alterem substancialmente o seu objeto. Na commom law a oferta deve sempre trazer em seu escopo o preço, o nome da pessoa a quem está sendo proposta e o objeto da proposta. Eventual modificação pelo ofertado será considerada como rejeição, já que o aceite deve ser um espelho da proposta para que esta seja considerada válida e se torne um elemento de formação do contrato.

As obrigações da parte contratada devem ser estritamente observadas no UCC, enquanto que a common law possibilita maior flexibilidade sobre o seu cumprimento pelas partes. Ressalta-se que modificações na obrigações diante de um contrato da esfera da commom law exigem que seja observado um famoso elemento na doutrina americana que é o elemento da consideração, que consiste na necessidade de que cada parte deve fornecer algo de valor na relação contratual. Essa exigência nem sempre abrange compensação financeira, mas também as obrigações de fazer ou de não fazer e não é exigida nos contratos do UCC.

Outros fatores importantes a serem considerados podem ser resumidamente listados:

  1. A common law não admite danos punitivos, o que não ocorre com os contratos sob a esfera do UCC.

 

  1. Um contrato subordinado à commom law poderá ser encerrado no caso de morte de uma das partes ou na impossibilidade do cumprimento de seu objeto, o que não ocorre no UCC, que permitirá que o contrato seja disconsiderado apenas em caso impraticabilidade.
  • O prazo de prescrição para os contratos subordinados varia de estado para estado, bem como se foram celebrados na forma escrita ou oral, mas em sua maioria, os contratos sobrepostos ao UCC terão um prazi prescricionário de quatro anos, enquanto na common law poderá variar entre quatro a seis anos.

 

  1. A common law e o UCC permitem que seja postulado um processo judicial por quebra de contrato, mas os requisitos de elegibilidade são diferentes, uma vez que na primeira apenas as partes do contrato terão legitimidade para processar e requerer ressarcimento por danos. Este elemento é denominado como “privação do contrato”, uma vez que o contrato não poderá dar direitos ou impor obrigações à terceiros. Já perante o UCC esse elemento pode ser dispensado.

Oportuno informar que tais diferenças não são exaustivas e podem ter variações de acordo com o estado em que se aplicam, mas trazem um bom norte do que as partes contratantes e seus patronos precisam saber quando pretendem entrar em uma contratação que posteriormente poderá ser levada à uma corte americana.

 

2 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

2.1 Princípio da Boa-fé Contratual (Good Faith Standard)

Destacam-se os princípios que se aplicam à esfera contratual norte americana, sendo o primeiro deles o princípio da boa-fé.

Derivado do próprio UCC, por meio dos artigos 201, §1° e 304, §1°, o princípio da boa fé (conhecido como Good Faith Standard), trás o entendimento de que as partes devem evitar tomar ações que visam impedir a finalidade do contrato, exigindo um comportamento honesto e de acordo com os padrões comerciais razoáveis. Esse princípio, portanto, não era abraçado pela doutrina americana antes da adoção do UCC no ordenamento jurídico. Posteriormente, a boa-fé também foi adotada na seção 205 da segunda edição do Restatement de Contratos, no ano de 1981.

Em que pese a adoção do princípio da boa-fé nas fontes do direito comercial, não há um entendimento nacional exato do seu significado, portanto, ele será considerado de acordo com o contexto de cada situação. Desta forma, se aplica por meio de uma conotação subjetiva e se torna tão importante que os contratos sejam precisos ao descrever o que as partes deverão ou não fazer durante a sua vigência. Assim, o princípio da boa-fé é comumente aplicado como um remédio quando da verificação do cumprimento do contrato e não no momento das tratativas.

2.2 Princípio da Liberdade Contratual (Contractual Freedom)

O princípio da liberdade contratual também é amplamente aplicado no ordenamento jurídico norte americano, sob o fundamento de que a proteção das partes e o avanço econômico deve ser garantido. Este princípio é então considerado de ordem pública e por isso os tribunais evitam interferir no que foi combinado entre as partes. Desta forma, a commom law se baseia no entendimento de que o direito contratual, com raras exceções, deverá se sujeitar à vontade dos contratantes, sob o entendimento de que é isso que torna os Estados Unidos à frente do direito contratual globalizado.

Como forma de exemplificação podemos citar que hoje em dia as cláusulas a respeito da eleição de foro, arbitrais, exclusão da responsabilidade (com exceções) e exclusão da não concorrência são amplamente aceitas, o que não era praticado há algumas décadas. Ademais, a corte americana é resistente quanto a classificação de cláusulas como abusivas por causa desse princípio, em que pese o UCC trazer normativa a esse respeito em seu artigo 302.

 

2.3 Princípio da Razoabilidade (Reasonable Person Standard)

O princípio da razoabilidade ou reasonable person standard  se aplica no ordenamento jurídico americano, em diversos campos, tais como no direito civil e criminal e não tem fundamento normativo, mas jurisprudencial.

Sob o ponto de vista contratual, esse princípio tem um forte contraste com o princípio da boa-fé, uma vez que ele se configura como um padrão objetivo, requerendo que determinada pessoa tenha os mesmos cuidados e responsabilidades na contratação que qualquer pessoa  com entendimento razoável na comunidade em geral deveria ter. Esse entendimento objetivo surgiu somente após o século XIX na era moderna, com o fundamento de que a simples análise subjetiva dos contratos traria desconfiança e atenderia apenas os interesses individuais, mas novamente ressalta-se que as cortes americanas tem reservas quanto a sua aplicação.

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Esse princípio tem sido comumente aplicado nos contratos de adesão, que geralmente incluem os contratos bancários e os contratos de seguro, onde a jurisprudência utiliza como justificativa para que seja declarada nulidade total ou parcial. Já nos contratos comerciais, a jursiprudência americana adota a lei britânica Unfair Contract Terms Act 1977 (UCTA), que determina que o princípio da razoabilidade restringe o limite das obrigações impostas ou a exclusão de responsabilidade por uma empresa à outra, especialmente quando ocorre falha em cumprir determinada obrigação do contrato por negligência de um dos sujeitos do contratos, obrigando a parte infratora à indenização da outra parte em virtude do seu comportamento.

 

3 INFLUÊNCIA DAS CONVENÇÕES E TRATADOS INTERNACIONAIS

3.1 UNCITRAL – United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG)

A UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law) é uma comissão que foi estabelecida em 1966, cujo objetivo principal é promover a harmonia e a unificação do lei internarcional de comércio, tendo até o início do ano de 2019, 62 estados membros.

Os representantes dos países membros da UNCITRAL se reunem geralmente uma vez ao ano, visando a elaboração de textos que intentam simplificar e desenvolver as transações do comércio internacional, reduzindo ainda os seus custos. Desta forma, no ano de 1980 foi realizada uma convenção na cidade de Vienna, na Austria, que culminou com um tratado de uniformização da lei internacional de venda de mercadorias, denominado United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG), tornando-se um sucesso, uma vez que vem sendo aceito por estados de diferentes posições geográficas, sociais e econômicas, bem como vem sendo considerado pelo mundo como um Código Comercial Uniforme internacional.

Destaca-se que o próprio Código Comercial Uniforme dos Estados Unidos é semelhante ao texto da CISG em seus artigos 1 e 2, mas ambos os documentos também possuem divergências, como por exemplo algumas regras a respeito da fases contratuais de oferta e aceite. Além disso, a CISG não exige que os contratos sejam realizados da forma escrita, diferente do estatuto de fraude do UCC que determina que os contratos de venda de bens de valor maior que U$500 deverão ser necessariamente constituídos sob a forma escrita. Nesse sentido, uma vez que os EUA ratificaram a CISG, ela passou a ter estatus de lei federal no país e, portanto, se sobrepõe ao UCC em sua aplicabilidade como lei estadual, razão pela qual nos contratos internacionais para venda de bens que figurem os Estados Unidos e outro estado estado contratante que também seja signatário, deverão prevalecer os termos da CISG, a menos que seja incluída uma cláusula excluindo essa esse normativa.

Observe-se, portanto, que nas contratações entre os EUA e um estado que não seja signatário da CISG, o tribunal americano aplicará a lei interna, de acordo com as regras do direito internacional privado.

 

3.2 UNIDROIT – Principles of International Commercial Contracts (PICC)

O UNIDROIT é um instituto formado atualmente por 63 estados membros, cujo objetivo é a unificação do direito privado internacional por meio de leis uniformes, convenções internacionais e outros documentos oficiais.

Os Estados Unidos atua como estado membro do UNIDROIT desde o ano de 1964 e se tornou signatário do documento denominado PICC (Principles of International Commercial Contracts), que visa a harmonização da lei internacional para contratos comerciais. O PICC foi publicado em sua primeira versão no ano de 1994 e sua quarta e última versão ocorreu em 2016.

A implementação do PICC nos contratos comerciais internacionais pode ocorrer de diversas formas, tais como: (1) quando as partes decidem aplicar o PICC que legislação aplicável ao contrato; (2) quando as partes decidem incorporar o PICC nos termos do contrato; (3) quando as partes decidem usar o PICC como forma de interpretar e suplementar a aplicação do CISG no contrato; e, (4) quando as partes decidem usar o PICC como forma de interpretar e suplementar a lei doméstica ou outra lei internacional aplicável.

 

Conclusão

A criação de novas escolas de direito nos Estados Unidos abriu caminho para que o país pudesse se desmembrar e começar a criar a identidade do seu próprio direito contratual. Ademais, a depressão econômica mundial demonstrou a necessidade do desenvolvimento de um conteúdo normativo e jurídico denso, que pudesse trazer mais segurança aos contratantes.

Nesse sentido, as decisões das cortes americanas, caracterizadas na common law como a primeira fonte do direito contratual, serviram de base para a formação e resolução de litígios na maioria dos tipos de contratos, com exceção daqueles relacionados à compra e venda de bens tangíveis. Além disso, a jurisprudência contratual foi compilada em um documento denominado Restatement de Contratos, que apesar de não possuir status de lei, até hoje é fortemente considerado pela normativa jurídica do país.

Por outro lado, o Código Comercial Uniforme americano, publicado em 1952, também não alcançou status de lei federal, mas foi adotado majoritariamente pelos estados dentro de suas constituições de acordo com os interesses regionais e se tornou a segunda fonte do direito dos contratos, especialmente aqueles relacionados à venda de mercadorias.

Desta forma, as diferenças entre as duas fontes do direito contratual caracterizadas na common law e no Código Comercial Uniforme é um rico objeto de estudo para aqueles que querem entender como funciona a aplicabilidade da norma contratual nos Estados Unidos, especialmente no que tange à formação dos contratos por meio da oferta, do aceite e de seus requisitos de validade.

Outrossim, considerados tão importantes quanto as fontes, os princípios contratuais apresentam ainda a base do direito contratual americano, sendo três deles destacados: i. a boa-fé; ii. a liberdade contratual; e, iii. a razoabilidade.

Os princípios da boa-fé e da razoabilidade se diferem quanto a sua aplicabilidade, onde o primeiro trás um julgamento subjetivo, especialmente como um remédio quanto ao cumprimento do acordo firmado entre as partes. O segundo se aplica na esfera objetiva, levando em consideração o que seria feito de acordo com os padrões morais da comunidade em geral. Já o princípio da liberdade contratual está intrisicamente ligado ao avanço da economia, o que o eleva a um princípio de ordem pública.

Temos ainda a influência dos tratados e convenções no direito contratual americano diante do cenário internacional. A cada ano os Estados Unidos se torna signatário de aproximadamente 200 tratados e acordos internacionais que versam sobre paz, comércio, limites territorias, direitos humanos, meio ambiente e contratos.

Nesse sentido, a CISG poderá atuar como normativa nos contratos internacionais feitos entre os Estados Unidos e outro membro da UNCITRAL para os contratos de venda de mercadorias. Ademais, temos o país como membro do UNIDROIT e signatário do PICC, considerado como o Código Comercial Internacional e que tem dentro do seu escopo a harmonização de lei internacional para contratos comerciais.

Conclue-se, portanto, que os Estados Unidos tem alcançado grande avanço no direito contratual na medida que o país permanece como a maior potência econômica do mundo, o que demonstra a grande importância, principalmente por contratantes estrangeiros e seus patronos, do conhecimento de suas fontes e como funciona o sistema jurídico dentro desse campo do direito comercial.

Por fim, é importante destacar que o presente artigo trás uma visão geral de cada instituto apresentado, sendo certo que seu conteúdo não é taxativo e poderá ser complementado por meio de outros artigos aprofundados sobre cada tópico, ajudando os leitores a entender melhor como o ordenamento jurídico contratual norte americano funciona em sua essencialidade.

 

REFERÊNCIAS

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  1. Koetz, Hein. Contract Law in Europe and the United States: Legal Unification in the Civil Law and the Common Law. Disponível em <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2233928>. Acesso em 29 de Maio de 2019.

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WIKIPÉDIA. United States contract law. Disponível em <https://en.wikipedia.org/wiki/United_States_contract_law>. Acesso em 07 de Junho de 2019.

 

ABREVIATURAS E SIGLAS

UCC – Uniform Commercial Code

NCCUSL – National Conference of Commissioners on Uniform State Laws

UCTA – Unfair Contract Terms Act

UNCITRAL – United Nations Commission on International Trade Law

CISG – United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods

UNIDROIT – International Institute for the Unification of Private Law

PICC – Principles of International Commercial Contracts

 

[1] Advogada inscrita na OAB/RJ, Pós graduada pelo Instituto de Direito da PUC Rio em Direito de Empresas e especialista em Contratos pela Universidade Cândido Mendes.

[2] Whitmore Gray, E pluribus unum: A Bicentennial Report on Unification of Law in the U.S., 50 RABELS ZEITSCHRIFT FÜR AUSLÄNDISCHES UND INTERNATIONALES PRIVATRECHT [RABELSZ] 111, 155 (1986); see also Mathias Reimann, Amerikanisches Privatrecht und europäische Rechtseinheit—Können die USA als Vorbild dienen?, in AMERIKANISCHES PRIVATRECHT UND EUROPÄISCHES PRIVATRECHT 132 (Reinhard Zimmerman ed., 1995).

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