Gastos com Pessoal do Poder Executivo: Entre Limitações Legais e Medidas de Enfrentamento

Ângelo Márcio Minardi de Oliveira – Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Estado de Minas Gerais. Graduado em Direito pela UFMG; Graduado em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro; Pós-Graduado em Direito Público e em Direito Social pela Anamages.

João Victor Malagoli Martins – Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Estado de Minas Gerais. Graduado em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro.

Paulo Sérgio Mendes César – Professor universitário e servidor público estatutário. Doutorando em Ciência Política pela UFMG; Mestre em Administração Pública na Escola de Governo da Fundação João Pinheiro; Pós-Graduado em Direito Público; Graduado em Direito pela UFMG; e em Administração Pública pela FJP.

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ResumoA preocupação básica deste estudo é refletir sobre o papel do gestor público diante da delicada situação financeira experimentada por diversas administrações públicas brasileirasdevendo tomar decisões em conformidade com a legislação vigente. Entretanto, tendo como pressupostos a continuidade do serviço público, o interesse público e os direitos subjetivos, os gestores da coisa pública não podem simplesmente cruzar os braçosEm tempos de crises, várias medidas são sugeridas ou impostas pela própria legislação, porém como proceder de maneira a controlar o déficit público e não afetar a continuidade dos serviços públicosEste artigo tem como objetivo analisar as normas concernentes ao controle fiscal dos Estados frente aos crescentes gastos com pessoal, detectados diante dos relatórios fiscais, bem como analisar medidas a serem tomadas para alterar este obscuro cenário e apresentar alguns panoramas existentes nos gastos públicos, inclusive contemplando contexto de agravamento em decorrência da pandemia de COVID-19.  

Palavras-chave: Lei de Responsabilidade FiscalGastos com pessoal. Pandemia COVID-19. 

 

Abstract: The basic concern of this study is to reflect on the role of the public manager in the face of the delicate financial situation experienced by several Brazilian public administrations, and must make decisions in accordance with current legislation. However, having as assumptions the continuity of the public service, the public interest and the subjective rights, the managers of the public thing cannot simply cross their arms. In times of crisis, several measures are suggested or imposed by the legislation itself, but how to proceed in order to control the public deficit and not affect the continuity of public services? This article aims to analyze the norms concerning the fiscal control of the States in face of the increasing expenses with personnel, detected in the face of tax reports, as well as to analyze measures to be taken to change this obscure scenario and present some existing panoramas in public spending, including contemplating worsening context due to the COVID-19 pandemic. 

Keywords:Fiscal Responsibility Law. Personnel expenses. COVID-19 pandemic. 

 

SumárioIntrodução. 1. Gasto Público1.1 Tendência a Aumento dos Gastos Públicos2.  O Rompimento dos Limites em Minas Gerais e Algumas Diretrizes2.1 Mitigação das Medidas de Contenção de Gastos pela AGE-MG2.2 Consequências Potenciais do Abrandamento das Medidas de Contingenciamento2.3 Aspectos Intocáveis pelas Medidas de Contingenciamento2.4 Discricionariedade na Política de Contingenciamento de Gastos Públicos3. Posicionamento da AGE-MG em 2020 frente ao Cenário Fiscal e à Pandemia do COVID-193.1 Agravamento Fiscal em Decorrência da COVID-19 e as Novas Diretrizes3.1.1 Manutenção dos Aspectos Intocáveis nas Medidas de Contingenciamento3.1.2 Atualização do Vencimento Básico dos Servidores durante a Pandemia de COVID-193.1.3 Atualização dos Benefícios Remuneratórios durante a Pandemia de COVID-193.1.4 Concursos Públicos e Nomeações durante a Pandemia de COVID-193.1.5 Oportunidade para Reorganização Administrativa durante a Pandemia de COVID-19ConclusãoReferências. 

 

Introdução 

A principal investigação deste estudo é o papel do gestor público diante da delicada situação financeira atual de diversas administrações públicas brasileiras nos diferentes níveis de governo, federal, estadual ou municipalDessa sorte, questiona-se: Quais decisões esse gestor deverá tomar quando o poder público extrapolar os limites de gastos impostos pela legislação vigente? Como fazer isso tendo como pressuposto o interesse público e a necessidade de se respeitar os direitos subjetivos e adquiridos de cidadãos 

O limite de gastos com pessoal será objeto dessa pesquisa, tendo em vista ser a maior despesa do orçamento do setor públicoOcorre que, ao ser ultrapassado, existem diversas medidas sugeridas ou impostas pela própria legislação que serão apresentadas oportunamente. 

Preambularmente, há de contextualizar que hodiernamente diversos entes federativos encontram-se em uma situação de déficit público que vem se agravando ano após ano, fazendo concluir que uma postura rígida frente aos gastos públicos se faz urgente. 

Nesse desiderato, esse estudo demonstrará ações emergenciais a serem tomadas, bem como limitações para atuação do gestor, que são na maioria das vezes impostas pela própria legislação conjugada com a interpretação dessas normas pelas assessorias jurídicas dos órgãos. 

Porém, ainda resta a questão de como proceder de maneira a controlar o déficit público e não afetar a continuidade dos serviços públicos? Eis que um governo deficitário não consegue realizar seu preceito básico de existência: servir à população., tampouco prover serviços públicos, dos mais essenciais, como educação, saúde e segurança, bem como serviços acessórios, como cultura, esporte, turismo, igualdade social, trabalho, dentre outros. Como poderia nessas circunstâncias prover de serviços públicos e investir em novos hospitais, escolas, estradas, prisões, etc., já que a quase totalidade dos recursos financeiros é gasta com a própria folha de pessoal (ativos e inativos)? 

É o que se pretende demonstrar ao final deste estudo: opções, revestidas de legalidade e orientadas pelo interesse público de ajuste fiscal e controle das contas públicas visando possibilitar um equilíbrio financeiro para que se possa planejar e executar políticas públicas visando o interesse público, principalmente em momentos de crises, com destaque para o agravamento promovido pela pandemia do novo Coronavírus da SARS-CoV-2 –  COVID-19 . 

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa documental e bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada da legislação vigentedos relatórios fiscais da Secretaria de Estado de Fazenda, de Notas Jurídicas da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais e materiais dos principais autores sobre o tema. 

Vale destacar que as medidas propostas foram fundamentadas com base nas imposições da Lei Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000 ou Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF e da Constituição Federal do Brasil – CF/88. 

 

  1. Gasto Público

O orçamento público foi criado como um instrumento de controle, principalmente sobre os gastos do Estado. E a análise histórica dos orçamentos públicos nos permite traçar uma tendência negativa, relativa à forma com que as despesas vêm crescendo. Giacomoni (2001) e Rezende (2001) apontam que o século XX foi marcado pelo crescente aumento das despesas públicas mesmo em países defensores da livre iniciativa e da economia de mercado. Ao passo que Giacomoni (1994, p. 17) afirma que “uma das características mais marcantes da economia do Século XX é o crescente aumento das despesas públicas. 

E o que comporta tais gastos afinal? De acordo com Pires (2008), os gastos públicos ou gastos governamentais comportam todas as despesas da Administração Pública realizadas em todas as esferas da administração direta e indireta, englobando inclusive as despesas do governo com suas atividades econômicas através das empresas estatais. 

A justificativa para tais gastos, conforme Mota, Maciel e Pires (2015), concentra-se no fato de que o gasto público é o instrumento para a viabilização da atuação do Estado na economia, com vistas a atender demandas da sociedade relacionadas à qualidade de vida. 

Segundo Mota, Maciel e Pires (2015), para além da recuperação econômica, é necessário que o gasto público também busque lançar as bases para o desenvolvimento futuro e ainda atender as demandas do mercado por equilíbrio fiscal. 

Rezende e Cunha (2005) destacam a LRF como importante instrumento para sanar as contas públicas e restringir o endividamento. Para os autores a qualidade dos gastos públicos passa pela responsabilidade fiscal, visto que através dela advêm a estabilidade econômica e as bases para o crescimento econômico sustentável. 

Rezende e Cunha (2005) esclarecem que, das instabilidades intrínsecas às crises políticas e econômicas, decorre a prática do contingenciamento, o qual, em se elevando, compromete proporcionalmente mais as despesas públicas discricionárias, tais como investimentos, políticas sociais e emendas parlamentares. Porém, é um mal necessário, são decisões às vezes maquiavélicas que o gestor deve tomar, tendo por base o interesse público. 

Cabe ressaltar, que caso medidas drásticas não sejam tomadas pelo gestor de maneira administrativa, e os limites de despesas não sejam reduzidos, as medidas legais da LRF poderão ter consequências muito mais impactantes e negativas, tanto no âmbito político quanto no âmbito social, pelo impacto que as ações de governo têm sobre a sociedade. 

A forma como o Estado aloca seus recursos pode ser considerada uma importante questão estratégica no tocante à qualidade do gasto público. Alguns gastos públicos que aparentemente impactam apenas o curto prazo podem promover mudanças na estrutura econômica no longo prazo. Investimentos em infraestrutura podem elevar a produtividade dos fatores da economia e gastos com educação e tecnologia criam um capital humano mais refinado que potencialmente também pode incrementar a produtividade da economia a médio e longo prazo (ACEMOGLU, 2006). 

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1.1 Tendência a Aumento dos Gastos Públicos

Especificamente em relação ao Brasil, Giacomoni (2001) destaca que ocorre expressiva elevação dos gastos a partir da Segunda Guerra Mundial, mas não chega aos patamares dos países desenvolvidos. Entre 1948 e 1994 as despesas com o setor público, excetuando-se o gasto das empresas estatais, passou de 17% para 30% do Produto Interno Bruto – PIB (REZENDE, 2001). 

Porém, não é objetivo deste estudo discutir ou demonstrar o crescimento dos gastos públicos no cenário recente, mas aceitá-lo como fato. Aceita-se a realidade de há o aumento do endividamento do setor público e o desequilíbrio nas contas públicas. Tanto que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada no intuito de auxiliar no ajuste fiscal do Estado.  

Santos e Gentil (2010, p. 241) refutam afirmativas baseadas no senso comum de que o “Governo gasta muito com máquina pública ao invés de gastar com investimentos em infraestrutura que leva ao crescimento econômico”. Segundo os autores, tais gastos também estão relacionados a serviços essenciais de saúde, educação, assistência social, justiça e outros, bem como a investimentos pretéritos, como escolas, hospitais, batalhões e outros equipamentos públicos construídos.  

Como pode-se ver as áreas em que há uma discricionariedade para cortes de despesas estão cada vez menores e esta tomada de decisão implica em grande responsabilidade. 

Ao analisarmos apenas as despesas com investimentos, temos a afirmativa de que o Estado está cada vez mais inchado confirmada. Em relação aos investimentos realizados pela Administração Pública, de acordo com o levantamento realizado entre 1995 a 2008 constata-se um nível baixo de gasto público. Ressalvados os investimentos públicos realizados pelas empresas estatais, uma vez que estas conseguem manter um nível de investimento considerável (SANTOS; GENTIL, 2010).  

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A partir do gráfico acima, pode-se observar quedas significativas no nível de investimento nos anos de crise econômica de 1999 e 2003. Segundo Santos e Gentil (2010), tal queda nos anos de crise se deveu principalmente a um ajuste fiscal de má qualidade, que promoveu o aumento de impostos e a redução nos investimentos ao invés de reduzir gastos correntes. 

Outro dado interessante é que os gastos com investimento público são mais comprometidos em nível subnacional, estados e municípios, devido principalmente à necessidade de honrar dívidas com a União (SANTOS; GENTIL, 2010). 

Há divergência na doutrina, sendo que alguns autores defendem que o aumento do gasto corrente gera o aumento de renda que faz girar a economia, porquanto outros afirmam e demonstram que o inchaço público gera uma retração dos investimentos que interfere direta e negativamente sobre o desenvolvimento da economia. 

 

  1. O Rompimento dos Limites em Minas Gerais e Algumas Diretrizes 

Abaixo está o quadro com a análise dos últimos relatórios fiscais publicados pela Secretaria de Estado de Fazenda – SEF que permite visualizar o comportamento dos gastos públicos recentes do Estado de Minas Gerais. 

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É possível observar que ainda em 2014 o estado havia ultrapassado o limite de alerta estabelecido na LRF e em 15/09/2015 foi ultrapassado o limite prudencial, sendo que até meados do ano de 2018 a situação ainda não havia sido revertida. No terceiro quadrimestre de 2016 e de 2017 pode-se verificar que foi ultrapassado o limite máximo de gastos estabelecido pela LRF.  

Após a publicação dos relatórios fiscais da SEF, demonstrando o excesso de gastos, o Governo de Minas Gerais realizou consultas à Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais – AGE-MG, no intuito de se compreender os limites legais para despesas com pessoal, dentre elas a relativa a novas nomeações de cargos em comissão e de efetivos no setor público. As consultas foram realizadas em três momentos distintos: primeiro quando foi ultrapassado o limite prudencial e posteriormente quando foi ultrapassado o limite máximo e por fim quando se retornou do limite máximo aos patamares do limite prudencial. 

A AGE-MG emitiu cinco pareceres1 em que analisaram a divisão estabelecida pela própria legislação e suas implicações para o governo estadual. A AGE-MG estabeleceu um primeiro corte onde separou os órgãos de saúde, educação e segurança, como prioritários (conforme determinado pela legislação) e os demais no grupo seguinte. Outra dicotomia foram os limites ultrapassados (limite prudencial, e limite máximo – também chamado de limite efetivo por alguns procuradores). Dessa forma alguns pareceres tratam das situações que ocorrem enquanto o estado ultrapassou o limite prudencial, já outros tratam das situações enquanto perdura ultrapassado o limite máximo. 

As interpretações da AGE-MG foram tomadas com base na legislação. Abaixo o quadro com as principais vedações e recomendações impostas pela LRF após o estado ultrapassar os limites prudencial e máximo, respectivamente. 

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Além do descrito no Quadro 1, a legislação prevê também que os gastos devem ser controlados de modo a não prejudicar a gestão seguinte, o que quer dizer que no último ano de mandato o gestor deverá reduzir as despesas de modo que ela não exceda o limite prudencial no 1º quadrimestre do último ano de mandato (ano eleitoral). Caso contrário, as medidas restritivas são previstas, como a vedação ao ente receber transferências voluntárias; obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; e contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal. 

 

2.1 Mitigação das Medidas de Contenção de Gastos pela AGE-MG

Ao compararmos as normas restritivas impostas pela LRF e a interpretação da AGE-MG, fica claro que os procuradores estaduais utilizaram de uma interpretação bastante extensiva, com entendimentos de que mesmo com as vedações explícitas da legislação, para que o interesse público da prestação de serviços não fosse imediatamente prejudicado, seria defensável algumas nomeações, seja de cargos efetivos, seja de comissionados, desde que cumpridos os requisitos descritos nos pareceres como: devida comprovação da indispensabilidade da medida; impossibilidade de reposição do cargo mediante reestruturação administrativa; não ocorrer aumento do percentual preexistente de comprometimento com despesas de pessoal; substituição de cargos vagos antes da data do relatório que demonstra a entrada no limite prudencial e compensação por meio de exonerações de cargos e/ou funções, após essa data no valor equivalente ou maior. Ao utilizar a expressão defensável, os procuradores empurram toda a responsabilidade sobre a tomada de decisão aos gestores, que em caso de futuro questionamento, deverão ter os meios de comprovar a real necessidade das nomeações realizadas, diante do momento de crise fiscal e financeira do estado. 

 

2.2 Consequências Potenciais do Abrandamento das Medidas de Contingenciamento

Esta postura e falta de objetividade nos pareceres da AGE-MG pode ser compreendida como perigosa, pois apesar de visar abrir uma brecha para atuação do gestor, visando proteger, em última instância, o interesse público, ela gera o risco de se deixar nas mãos de gestores políticos e transitóriosque por muitas vezes não estariam realmente interessados em buscar o interesse público mas sim o benefício privado. 

 

2.3 Aspectos Intocáveis pelas Medidas de Contingenciamento

Outro ponto importante e que limita a atuação dos gestores é a preservação da segurança jurídica e dos direitos subjetivos. Por exemplo, após o decurso do prazo de validade de concurso público, o estado é obrigado a nomear os aprovados dentro das vagas previstas no edital.  

Outrossim, tem-se o direito à promoção e progressão nas carreiras, já previstos em lei. Estes direitos, dentre outros, limitam a atuação dos gestores e implicam em aumento dos gastos públicos. Daí a importância de se ter um controle sobre estes diretos e se fazer uma projeção futura para não se criar déficits inesperados. 

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2.4 Discricionariedade na Política de Contingenciamento de Gastos Públicos

Diante desse quadro em que a legislação protege direitos por um lado e exige cortes imediatos por outro é essencial se prezar pela eficiência nos gastos públicos. Deve-se combinar uma política de contingenciamento de recursos, visando priorizar os gastos essenciais e se congelar ou mesmo reduzir ou cortar despesas não essenciais. Para isso é necessário avaliar, preambularmente, quais gastos são passíveis liberdade de escolha ao gestor público, somando-se o estudo pormenorizado do orçamento para finalmente se estabelecer as despesas prioritárias de determinado exercício. 

Como exemplo, sob o prisma da discricionariedade do gasto público, podemos citar algumas ações passíveis de realização imediata, com efeitos positivos. São elas: reestruturação administrativa, com redução da estrutura administrativa, de chefias e reagrupamentos de competências e atividades; corte de gastos e contingenciamento de despesas com viagens (nacionais e internacionais), coffe break, eventos, cessões e licenças de servidores com ônus, combustível, aquisição de veículos e imóveis, nomeações de cargos efetivos e em especial os de comissão, dentre outros. 

Diante de tudo isso, os gestores devem permanecer firmes, com uma postura ativa e responsável, para que as pressões políticas interfiram minimamente neste processo de tomada de decisões. 

 

  1. Posicionamento da AGE-MG em 2020 frente ao Cenário Fiscal e à Pandemia dCOVID-19 

O cenário apresentado anteriormente, de dificuldades fiscais enfrentadas pelo Estado de Minas Gerais e de elevadas despesas com pessoal se perpetuou no ano de 2019 e nessa primeira metade do ano de 2020. Tanto que os últimos relatórios de Gestão Fiscal da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais comprovam este fato, uma vez que despesa total com pessoal em relação à Receita Corrente Líquida foi de 45,52% no último quadrimestre de 2019, ficando acima do limite de alerta (44,10%) 

Já o relatório do primeiro Quadrimestre de 2020 demonstra ultrapassagem, pelo Poder Executivo, do limite máximo de despesa com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme critérios da Secretaria do Tesouro Nacional – STN. Na apuração do cumprimento do limite legal, segundo a metodologia da STN, o Poder Executivo atingiu o índice de 58,00% frente ao limite máximo de 49,00% definido pela LRF. Já em relação à metodologia adotada pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – TCE-MG, o desempenho correspondeu a 47,86%, portanto abaixo do limite máximo (49%) e acima do limite prudencial (46,55%). 

Destaca-se que foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 69 para suspender entendimentos dos Tribunais de Contas Estaduais que não computem os gastos com inativos e pensionistas para calcular as Despesas com Pessoal. Neste sentido, caso prospere a ADI, o índice a ser considerado deverá ser aquele calculado com base nos critérios do STN. 

 

3.1 Agravamento Fiscal em Decorrência da COVID-19 e as Novas Diretrizes

Além do difícil cenário fiscal apresentado, foi reconhecido o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia causada pela COVID-19, pelo Decreto Estadual Nº 47.891, de 20 de março de 2020. Diante disso, algumas normas foram expedidas, como a Lei Complementar Nº 173, de 27 de maio de 2020, que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento à COVID-19, além de alterar alguns dispositivos da LRF, e o Decreto Estadual Nº 47.904, de 31 de março de 2020, que dispõe sobre o Plano de Contingenciamento de Gastos do Poder Executivo e atualiza o Anexo do Decreto nº 47.865que dispõe sobre a programação orçamentária e financeira do Estado de Minas Gerais. 

Dessa forma, diante das duas situações apresentadas anteriormente, o grave quadro fiscal do Estado, a situação de calamidade pública e as novas disposições normativas para enfrentar esse cenário, a Secretaria de Planejamento e Gestão de Minas Gerais realizou alguns questionamentos à AGE-MG quanto a questões atinentes à gestão e ao aumento de gastos com pessoal, como: datas de referência para aplicação do art. 8º da LCP 173/2020; evolução nas carreiras; concessão e atualização de gratificações, adicionais, vencimento básico e demais vantagens pecuniárias; atualização de vencimento básico e correção anual de benefícios previdenciários; adicionais por tempo de serviço, férias-prêmio e mecanismos equivalentes; realização de concursos públicos, contratações temporárias, nomeações e remanejamento de cargos; e providências cabíveis em caso de atos publicados ou concessões realizadas que contrariam as vedações previstas no art. 8º da LCP 173/2020. 

Dessa forma, a AGE respondeu por meio do Parecer Jurídico AGE nº 16.247, de 22 de julho de 2020. Inicialmente destaca-se que a Consultoria Jurídica da AGE firmou o entendimento no sentido de que a eficácia temporal da LC nº 173/2020, teve seu termo inicial em 28/05/2020, quando ocorreu a sua publicação, razão pela qual por coerência e integridade, manteve-se este entendimento. Ademais, entenderam também que Marco legal para fins de aplicação das excepcionalidades previstas no art. 8º, incisos I e VI da LC nº 173/2020, a ser adotado como referência foi o Decreto Estadual nº 47.891, que reconheceu o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de COVID-19.  

 

3.1.1 Manutenção dos Aspectos Intocáveis nas Medidas de Contingenciamento

Com relação a concessão de progressões e promoções nas carreiras decorrentes de direitos subjetivos dos servidores, o entendimento foi de que estes atos não se enquadram nas vedações impostas pela LC nº 173/2020, já que são amparadas por determinação legal anterior à calamidade pública, entendimento este que será base para a análise da maioria dos outros benefícios em questão. 

concessão/atualização de gratificações, adicionais, vencimento básico e demais vantagens pecuniárias, como ciclos avaliativos em andamento para fins de concessão e/ou manutenção das respectivas gratificações de desempenho; gratificações de desempenho que tiverem fundamento em determinação legal anterior à calamidade pública; Gratificação de Estímulo à Produção Individual, Adicional de Desempenho, Abono de permanência, Gratificação de Incentivo ao Exercício, Gratificação Temporária de Emergência em Saúde Pública, Pensão acidentária à dependente de servidor público, dentre outros, também não são afetadas pelas vedações, já que as referidas gratificações de desempenho tem fundamento em determinação legal anterior à calamidade pública, não configurando criação ou majoração de vantagens, mas apuração de valor previamente estabelecido. 

 

3.1.2 Atualização do Vencimento Básico dos Servidores durante a Pandemia de COVID-19

A atualização de vencimento básico, a correção anual de benefícios previdenciários e a revisão geral anual da remuneração também não foram afetados pelos atos normativos expedidos após o início da pandemia, tendo em vista que os respectivos fundamentos legais são anteriores ao estado de calamidade pública e que a norma somente veda a adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo IPCA. Portanto, proceder à recomposição das perdas inflacionárias no percentual estabelecido pelos índices oficiais é permitido, conforme destacado a seguir. 

Caso haja revisão do salário mínimo, o valor do vencimento básico mínimo estadual deverá ser corrigido nos mesmos moldes, inclusive durante o período de 28/05/2020 a 31/12/2021 […] Em matéria de reajuste de proventos de aposentadoria e de pensões, é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real. (PARECER JURÍDICO AGE nº 16.247, 2020). 

 

3.1.3 Atualização dos Benefícios Remuneratórios durante a Pandemia de COVID-19

Já sobre adicionais por tempo de serviço, férias-prêmio e mecanismos equivalentes, a AGE-MG teve o seguinte entendimento: 

Depreende-se que os servidores que tenham completado o período aquisitivo exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal até 27 de maio de 2020, terão os seus efeitos financeiros implementados. Por outro lado, os demais, que não tenham completado o respectivo período aquisitivo até essa data, terão suspenso até 31 de dezembro de 2021 a concessão de pagamento e fruição das vantagens mencionadas no inciso IX do art. 8º da Lei Complementar n. 173/2020 que forem adquiridas neste período. (PARECER JURÍDICO AGE nº 16.247, 2020). 

 

Ressalta-se que aqueles que não tenham complementado o respectivo período aquisitivo até 27 de maio de 2020, não ficam impedidos de ter o período mencionado acima contado para aquisição do direito aos benefícios referidos posteriormente, como destacado a seguir. 

Em atenção a orientação exposta anteriormente, não há impedimento para que o período compreendido entre a publicação da LC nº 173/2020, 28/05/2020, até 31/12/2021 seja contado para aquisição do direito aos benefícios referidos no inciso IX, do art. 8º, da LC nº 173/2020. Na verdade, o que se restringe é o pagamento/fruição decorrente da implementação desses benefícios durante o período de eficácia determinado na Lei, a fim de proporcionar condições financeiras para que o Estado possa enfrentar a pandemia. (PARECER JURÍDICO AGE nº 16.247, 2020). 

 

3.1.4 Concursos Públicos e Nomeações durante a Pandemia de COVID-19

Em relação aos concursos públicos, às contratações temporárias, às nomeações e ao remanejamento de cargos, em que pese a Lei Complementar suspender a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, bem como a realização de concursos públicos, ela prevê exceções, permitindo as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos, o atendimento a medidas de combate à calamidade pública e hipóteses específicas de contratação temporária. 

Dessa forma, a AGE firmou entendimento de que a reposição de cargo de chefia, de direção e de assessoramento pode ocorrer independentemente do período em que o cargo deixou de ser ocupado, de forma que aquela que eleve o patamar de despesa, será permitida se houver a adoção de alguma medida compensatória do valor acrescido, como o desligamento de outro cargo.  

Com relação aos concursos públicos, a AGE-MG entende que desde que o certame pretenda dar provimento a cargos em decorrência da vacância dos mesmos, não há óbice a continuidade dos concursos autorizados antes da publicação da LC nº 173/2020, ainda que o edital não tenha sido publicado. Porém, se o certame visa preencher novas vagas, ainda que criadas antes da vigência da lei federal em referência, a publicação do edital estaria vedada. Além disso, os concursos em andamento (edital publicado) ao tempo da edição da aludida lei federal, se tiverem por finalidade o preenchimento de novas vagas, apesar de não haver óbice ao seu prosseguimento, a admissão dos aprovados não será possível, uma vez que não se referem a reposição de vacâncias. 

 

3.1.5 Oportunidade para Reorganização Administrativa durante a Pandemia de COVID-19

Por fim, a AGE-MG entende que a reorganização administrativa para promoção da racionalização, otimização de gastos e maior eficiência na prestação de serviços, amparada em lei, mostra-se possível, ainda quando não seja configurada a reposição da vacância do mesmo cargo em comissão, desde que o resultado final da reestruturação não enseje aumento de despesa. Da mesma forma, o parecer opina pela vedação da criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, de forma que a transformação de cargos sem impacto financeiro não se encontra proibida. 

 

Conclusão 

Diante do exposto, concluiu-se que é impreterível que os gestores públicos adotem uma postura ativa, responsável e severa frente ao grave quadro de elevado gasto público e déficit fiscal, considerando, não obstante, seus limites de atuação quanto à discricionariedade dos gastos públicos em política de contingenciamento meticulosamente arquitetada. 

O estudo permite constatar que a legislação impõe uma série de medidas extremas para cortes imediatos de gastos, caso o Poder Público não consiga reduzir determinados gastos, em especial, as despesas com pessoal. Doutra sorte, o mesmo aparato jurídico, impõe limites às possibilidades de cortes, por exemplo, os direitos subjetivos e adquiridos.  

Após o breve aprofundamento realizado sobre os gastos públicos, em especial as despesas com pessoal, pode-se destacar o estratégico papel que o gasto público assume não só para controle fiscal, estabilização ou reestruturação econômica. Os gastos públicos desempenham potencial papel de orientar o futuro, visto que, em se considerando a escassez de recursos públicos, sempre haverá priorização de certos gastos por outros e cada escolha desencadeia um cenário futuro diferente. 

Verificou-se uma elevação dos gastos com pessoal, ultrapassando-se os limites impostos pela LRF e, de acordo com as informações sobre a evolução em Minas Gerais, verifica-se que seus gestores foram incapazes de aplicar medidas para que este cenário fosse alterado no curto prazo. De setembro de 2015 até o início de 2018, por exemplo, estado não conseguiu reduzir de forma suficiente o gasto com pessoal. E cabe ressaltar que o limite imposto já é relativo a um gasto muito elevado.  

Sobre o aumento de gastos, admite-se que é uma tendência universal, comum a países desenvolvidos ou não, seja de corrente liberal ou intervencionista. Porém, cabe aos gestores das administrações públicas sempre buscar o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle e aferição de eficiência e qualidade dos gastos públicos, promovendo uma melhor utilização dos recursos disponíveis. 

Acerca dos novos posicionamentos da AGE-MG durante a pandemia de COVID-19, mediante as informações coletadas pelo já exposto em seções anteriores, percebe-se clara uma interpretação bastante extensiva, com entendimentos de que mesmo com as vedações explícitas da legislação, para que o interesse público da prestação de serviços não fosse imediatamente prejudicado. 

Ademais, e como já ressaltado alhures, outro ponto importante e que limita a atuação dos gestores é a preservação da segurança jurídica e dos direitos subjetivos. Exemplo disso é o direito à promoção e progressão nas carreiras e a concessão/atualização de gratificações, adicionais, vencimento básico e demais vantagens pecuniárias, que segundo a AGE-MG, não se enquadram nas vedações impostas pela LC nº 173/2020, já que são amparadas por determinação legal anterior à calamidade pública. Estes direitos, dentre outros, limitam a atuação dos gestores e implicam em aumento dos gastos públicos. Daí a importância de se ter um controle sobre estes direitos e de se fazer uma projeção futura para não se criar déficits inesperados. 

Nesse ínterim, cabe ao gestor uma grande responsabilidade, de modo que suas escolhas não sejam baseadas apenas em pensamentos e efeitos imediatistas, há que se planejar também para estruturar o futuro para as próximas gerações. 

 

Referências 

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