Avanços e Inovações no Desenvolvimento da Rede Assistencial à Mulher Vítima de Violência Doméstica

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Autora: Brenda Aires Rodrigues – Estudante de Direito da Universidade Católica do Tocantins – UNICATOLICA/TO. (E-mail: [email protected])

Orientador: Prof. Igor de Andrade Barbosa – Professor de Direito na Universidade Católica do Tocantins, Defensor Público Federal na Defensoria Pública da União no Estado do Tocantins e Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes. (E-mail: [email protected])

Resumo: Completando 13 anos de existência, a Lei Maria da Penha, considerada o maior avanço no enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil, tem passado por significativas transformações principalmente no que se refere ao desenvolvimento das medidas de atendimento e suporte à vítima. O reconhecimento da importância da implantação de uma rede assistencial multidisciplinar poderá ser verificado no presente artigo que tem como objetivo abordar os avanços obtidos nesse sentido através da promulgação de novas leis, especialmente nos últimos dois anos, que buscam implementar melhorias para o efetivo cumprimento do previsto na Lei 11.340/2006. Para alcançar o objetivo estabelecido realizou-se revisão de literatura especifica, com a análise da legislação vigente, doutrinas e artigos voltados ao tema.  

Palavras-chave: Direito Penal, Lei Maria da Penha, Medidas Protetivas e  Assistenciais e Violência Doméstica.  

 

Abstract: Completing 13 years of existencethe Maria da Penha Law, considered the greatest advance in tackling violence against women in Brazilhas undergone significant transformationsespecially in regards to the development of care and support measures for the victim. The recognition of the importance of implementing a multidisciplinary assistance network can be seen in the present articlewhich aims to address the advances made in this regard through the enactment of new lawsespecially in the last two yearswhich seek to implement improvements for the effective fulfillment of the expected in Law 11.340/2006. To achieve the objective proposed, a specific literature review was made with the analysis of the current legislationdoctrinesand articles focused on the theme. 

Keywords: Criminal Law, Maria da Penha Law, Protective and Assistance MeasuresDomestic Violence. 

 

Sumário: Introdução. 1. Lei Maria da Penha: Estrutura e Desenvolvimento das Medidas de Suporte ao Combate da Violência Doméstica. 2. Das Medidas Integradas de Prevenção. 3. Da Assistência à Mulher Vítima de Violência Doméstica. 3.1. Lei 13.871 de 2019. 3.2.Lei 13.882 de 2019. 3.3. Lei 13.894 de 2019. 4. Das Medidas Protetivas de Urgência. 4.1. Lei 13.984/2020. Considerações Finais. Referências Bibliográficas  

 

Introdução  

Em agosto de 2006 publicou-se a Lei 11.340, mais conhecida como a Lei Maria da Penha, homenageando a Sra. Maria da Penha Maia Fernandes que, durante anos vivenciou um relacionamento abusivo com seu então marido, tendo sofrido inúmeras agressões e humilhações no âmbito de sua vida conjugal, que culminaram em uma tentativa de assassinato que a deixou paraplégica em 1983. 

A importantíssima trajetória de Maria da Penha na busca de justiça chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que foi fundamental para o sucesso na luta do movimento feminista por uma lei que visasse combater, prevenir e punir eficazmente à violência contra a mulher no Brasil. 

Esta Lei, considerada por muitos uma revolução no enfrentamento do problema da violência de gênero, trouxe consigo o desafiador objetivo de modificar uma realidade social patriarcal construída ao longo da história da humanidade, de modo que apenas a punição dos agressores não se mostrava o bastante para garantir a efetiva erradicação do tipo de crime em questão e nem mesmo de proteger à vítima de forma eficaz. 

Assim, além do aspecto punitivo criminal, a Lei 11.340/2006 estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres vítimas de violência doméstica, ficando a cargo do poder público a criação de um mecanismo que promova o atendimento humanizado e qualificado dessas vítimas, a devida proteção, o acesso à justiça e a garantia do direito à saúde, educação, trabalho e habitação. 

Ocorre que, passados 13 anos da promulgação da Lei Maria da Penha, ainda observa-se um altíssimo índice de violência contra a mulher no Brasil mostrando que, apesar dos avanços, as mulheres ainda estão longe de encontrar a segurança que o Estado deveria fornecer. 

Nesse contexto, a ênfase do presente trabalho recai sobre a verificação dos avanços na nossa legislação através da edição e atualização de normas com vistas a assegurar o apoio e proteção necessários para coibir a violência doméstica.  

 

  1. Lei Maria da Penha: Estrutura e Desenvolvimento das Medidas de Suporte ao Combate da Violência Doméstica 

Vivemos em uma sociedade construída historicamente por ideias patriarcais, em que a mulher por muito tempo foi vista como submissa dentro das relações familiares (Welter, 2007), conforme bem ressalta Dias (2015, p. 31), “desde que o mundo é mundo humano, a mulher foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetivizadamonetarizada”, nesse mesmo contexto Alambert (2004, p.26) diz que “um exame, mesmo que superficial, da história da mulher, vai nos indicar que trata de uma história de exclusão, invisibilidade, opressão e exploração”.  

Assim, como desdobramento dessa constituição cultural, até pouco tempo atrás cultivava-se a ideia de que certo grau de violência contra a mulher era permitido e até normal dentro do âmbito familiar, visto a superioridade do homem que possuía o papel ativo na relação conjugal. (Morato, et al., 2009, p. 19) 

Para combater tais concepções as mulheres galgaram gradativamente conquistas em busca de maior isonomia através da aprovação de diversas leis e normas nacionais e internacionais, dentre elas podemos ressaltar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 1979 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher aprovada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 1994, entre outros tratados ratificados pelo Brasil.  

No Brasil, o advento da Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, é resultado da luta feminina e, em especial, de Maria da Penha, que vivenciou na pele por muitos anos as consequências da violência doméstica que, em 1983, a deixaram paraplégica após uma tentativa de assassinato que teve seu marido como autor.  

Ela surge dando continuidade ao processo de desmistificação da ideia de que a violência doméstica e familiar contra a mulher resumia-se somente em atos fisicamente agressivos, trouxe à tona o fato de que a violência se configura também em qualquer ação ou omissão que cause lesão, morte, sofrimento físico, sexual ou psicológicos ou danos morais ou patrimoniais à mulher, conforme preceitua seu 5º artigo 

Além disso, a promulgação da referida lei e seus dispositivos retiram a violência doméstica do âmbito familiar e a transformam em um problema a ser tratado pelo Estado, a vítima deixa de ser somente a mulher agredida e passa a ser também a sociedade, pois essa reprodução de violência passada de geração para geração torna-se um problema de todos. (Lima, 2013, p.62) 

Nesse sentido, o artigo 1ª da Lei. 11.340/2006 prevê que: 

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. 

Desta forma, a violência doméstica deixou de estar limitada à esfera privada das relações familiares e passou a ser uma questão pública a ser combatida por meio de medidas preventivas e repressivas, “a Lei 13.340/06 veio a lume justamente para dar voz àquelas mulheres que não eram ouvidas em algum lugar, que chegavam às delegacias e eram orientadas a retornar ao lar que foi cenário da violência sofrida”. (Mello, 2009, p. 6) 

Entretanto, apesar dos avanços alcançados, de acordo com pesquisa elaborada pelo Instituto Datafolha em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (DATAFOLHA, 2018), 536 mulheres foram vítimas de agressão física a cada hora em 2018, 16 milhões de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência, 76,4% das mulheres indicaram que o agressor era um conhecido, entre esses casos de violência 42% ocorreram no ambiente doméstico e apenas 10% relataram ter buscado uma delegacia da mulher após o episódio mais grave de violência sofrida no último ano, sendo que 52% das mulheres alegam não ter feito nada. 

O Brasil detém a quinta maior taxa de feminicídio do mundo, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde – OMS, contabilizando desde 1980, ano em que iniciou-se o registro dos números de feminicídio, à 2013 o registro de 106.093 mortes. Já o número 180, destinado às denúncias, recebeu 92.323 denúncias no ano de 2018 e nos dois primeiros meses de 2019 já havia recebido 17.836 notificações, número 36,85% maior do que no ano anterior, segundo os dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. (Dias, 2019, p. 25) 

Os números são alarmantes e transparecem que além da preocupação com a punição do agressor, existe também a necessidade da construção e aperfeiçoamento de um sistema mais humanizado que atenda, resguarde e apoie adequadamente as vítimas, encorajando-as a procurar ajuda, prestar queixa para que desta forma seja cada vez menos comum a desistência da denúncia por medo, insegurança, descrença ou reconciliação com o agressor. 

Para alcançar efetivamente tal finalidade, além de trazer previsões de sanção ao agressor, a Lei Maria da Penha traz também previsões de medidas protetivas e assistenciais à vítima de violência doméstica com uma completa integração operacional entre os entes públicos, as instituições de Polícia, o Poder Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública, o Sistema Único de Segurança Pública, o Sistema Único de Saúde e o que mais for necessário para evitar que esse ciclo de violência perdure e “garantir segurança pessoal e patrimonial à vítima e sua prole”. (Dias, 2015, p. 138) 

 

2. Das medidas Integradas de Prevenção  

A integração de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de entidades não governamentais com o objetivo de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, surge através da Lei Maria da Penha como maneira de efetivar os compromissos assumidos pelo Brasil quando da ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), que em seu artigo 8º prevê:  

Art. 8º Os Estados-Partes concordam em adotar, em forma progressiva, medidas específicas, inclusive programas para:  

  1. fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos; 
  1. modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas formais e não formais apropriados a todo nível de processo educativo, para contrabalançar preconceitos e costumes e todo outro tipo de práticas que se baseiem na premissa da inferioridade ou superioridade de qualquer dos gêneros ou nos papéis estereotipados para o homem e a mulher, que legitimam ou exacerbem a violência contra a mulher; 
  1. fomentar a educação e a capacitação do pessoal na administração da justiça, policial, e demais funcionários encarregados da aplicação da lei, assim como do pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher; 
  1. aplicar os serviços especializados apropriados para o entendimento necessário à mulher objeto da violência, por meio de entidades do setor público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para toda a família, quando for o caso, e cuidado e custódia de menores afetados; 
  1. fomentar e apoiar programas de educação governamentais e do setor privado destinados a conscientizar o público sobre os problemas relacionados com a violência contra a mulher, os recursos jurídicos e a reparação correspondente; 
  1. oferecer à mulher objeto de violência o acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente da vida pública, provada e social; 
  1. estimular os meios de comunicação  elaborar diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as duas formas e realçar o respeito e a dignidade da mulher; 
  1. garantir a investigação e recompilação de estatísticas e demais informações pertinentes sobre as causas, consequências e frequência da violência contra a mulher, com o objetivo de avaliar a eficiência das medidas para prevenir, punir e eliminar a violência contra a mulher e de formular e aplicar as mudanças que sejam necessárias; e 
  1. promover a cooperação internacional para o intercâmbio de ideias e experiências e a execução de programas destinados a proteger a mulher objeto da violência.” 

Nesse sentido, Dias esclarece que “durante boa parte da história, o patriarcado foi incontestavelmente aceito por ambos os sexos. Os papéis diferenciados de gênero eram legitimados nos valores associados à separação entre esferas pública e privada.” (2019, p. 20) 

Assim, uma vez entendido que o papel de inferioridade atribuído à mulher deriva de padrões socioculturais milenares, mostrou-se fundamental uma desconstrução estrutural, desde o modo de criação dos mais novos à (re)educação dos mais velhos, para que só assim se torne possível alcançar uma verdadeira conscientização de que as mulheres possuem direitos igualitários seja no âmbito familiar, trabalhista ou social.  

Desta forma, em seu artigo 8º a Lei Maria da Penha, prevê diretrizes integrativas de prevenção como: 

A reunião operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de assistência social, educação, saúde, habitação e trabalho visando maior agilidade e eficiência no atendimento a amparo às vítimas bem como a celebração de instrumentos de parcerias entre órgãos governamentais ou não governamentais para a implementação de programas e medidas para a erradicação da violência doméstica; 

estímulo de pesquisas, estudos e estatísticas sobre o assunto que ajudem a identificar as causas, consequências e periodicidade da violência, unificando e sistematizando os dados obtidos para avaliação dos resultados e avanços da aplicação da lei; 

A coibição da exibição de mulheres de maneira que estimule ou legitime a violência doméstica e familiar nos meios de comunicação, como em situações que a coloquem como inferior ou submissa, além da promoção e realização de companhas para a difusão do disposto na Lei, para a educação do público escolar e também da sociedade em geral sobre os direitos humanos, direitos das mulheres e valores éticos de irrestrito respeito; 

E, por fim, a implementação das Delegacias de Atendimento à Mulher com atendimento policial especializado, cumprindo as exigências previstas nos artigos 10 e seguintes da Lei, preferencialmente composto por policiais do sexo feminino e, ainda, a capacitação contínua de todos os profissionais que atuarem na rede integrativa (Polícia Civil e Militar, Guarda Metropolitana, Bombeiros, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Sistema Único de Segurança Pública, Sistema Único de Saúde…) sobre as questões de gênero, raça ou etnia, para que possam oferecer um atendimento sensível, humanizado e acolhedor às vítimas.     

 

3. Da assistência à mulher vítima de violência doméstica 

Previstas nos artigos 9 e 11 da Lei Maria da Penha, as medidas assistenciais à vítima deliberam que a assistência à mulher vítima de violência doméstica e familiar deverá ocorrer de forma articulada, levando em consideração os princípios e diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social, do Sistema Único de Segurança Pública e todas outras normas e políticas públicas de proteção, inclusive emergenciais, quando forem necessárias. 

Tais disposições tratam de pontos importantíssimos dentro do contexto familiar e social, visto que por diversas vezes a vítima é desencorajada a denunciar pela dependência financeira que possui do agressor ou até mesmo pelas consequências que uma situação dessa magnitude possa trazer para a sua vida e para o seu ambiente de trabalho, desta forma “assegura à mulher vitimizada no ambiente doméstico uma série de garantias. Busca cercá-la de cuidados sem descuidar da necessidade que ela tem de prover o próprio sustento”. (Dias, 2019, p. 183) 

Mas as previsões não limitam-se apenas ao campo financeiro, os mecanismos abrangem assistência social, à saúde e também à segurança.   

Em vista disso, para garantir o bem estar da vítima, o juiz poderá incluí-la, por prazo certo, no cadastro de programas assistenciais do governo federal, estadual e municipal, caso necessite.  

Em se tratando de casos de vítima servidora pública, a ela deverá ser assegurada a prioridade à remoção, podendo esta ser requerida por ela, pelo Ministério Público ou declarada de ofício pelo juiz, desde que mesma não se oponha. (Dias, 2019, p. 185) 

Diante do contexto conturbado que pode alcançar a vida desta mulher, afetada psicologicamente e/ou fisicamente, não são raras também as situações vexaminosas que o agressor pode provocar dentro do seu ambiente de trabalho, logo garante-se a manutenção do vínculo trabalhista e até mesmo o afastamento do local de trabalho quando necessário, por até seis meses, visto que “ela pode ser vítima duas vezes: a primeira ao sofrer qualquer espécie de violência dentre as tratadas nesta lei, e, a segunda, ao ser obrigada, muitas vezes, a deixar o emprego por conta destas mesmas agressões”. (Cunha; Pinto, 2015, p. 106) 

Assegura-se, também, nos casos de violência sexual, amplo acesso à benefícios decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos disponíveis em nosso território, principalmente no que se refere à métodos de contracepção de emergência, profilaxia de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e qualquer outro procedimento médico necessário e cabível.   

No que se refere à segurança, fica a cargo da autoridade policial garantir a proteção da vítima, informá-la dos direitos e serviços disponíveis. Se necessário, deverá a autoridade encaminhá-la ao hospital, posto de saúde e ao Instituto Médico Legal, fornecer transporte para local seguro e acompanhá-la ao local da ocorrência ou domicilio familiar para retirada de seus pertences garantindo sempre sua integridade física.  

Em reconhecimento à importância do desenvolvimento de uma rede cada vez mais completa para amparar as mulheres em situação de violência doméstica, a legislação vem sendo aperfeiçoada, podendo-se destacar 2019 como um ano de grandes avanços nesse sentido.  

 

3.1 Lei nº 13.871 de 2019

Diante do evidente dever do Estado de oferecer toda e qualquer assistência à vítima, com atendimento integral e profissionalizado, ao longo do tempo notou-se que não era justo toda a coletividade pagar pelas despesas geradas pelos atos do agressor, muito menos a vítima.  

Logo, a Lei nº 13.871/2019 incluiu novas disposições ao artigo 9º da Lei Maria da Penha, visando incumbir ao agressor o ressarcimento de todos os custos relacionados aos danos por ele causados, inclusive custos relativos aos serviços de saúde prestados à vítima pelo Sistema Único de Saúde. 

O cálculo para apurar o valor dos tratamentos fornecidos será feito de acordo com a tabela do SUS e os recursos arrecadados serão destinados ao Fundo de Saúde da entidade federativa que prestar o serviço.  

Determinou-se, também, que ficará a cargo do agressor os valores dispendidos com os dispositivos de segurança, como tornozeleira eletrônica, ou qualquer outro instrumento de segurança ou monitoramento usado para garantir a segurança da vítima e evitar que a violência volte a acontecer.   

Vale ressaltar que tais ressarcimentos deverão ser custeados exclusivamente pelo agressor, por seus próprios meios, não podendo ele utilizar dos bens comuns do casal e nem importar ônus de qualquer natureza ao patrimônio da mulher ou de seus dependentes, sendo cabível, ainda, ação de cobrança caso o pagamento não se realize de forma voluntária.  

Esse ressarcimento se configura como dever do agressor e, por isso, não deverá implicar em qualquer alteração da pena. Não poderá ser configurado como atenuante, não deve ensejar possibilidade de substituição da pena aplicada nem ser classificada como pena restritiva de direitos.  

 

3.2 Lei 13.882 de 2019

Em consonância ao direito de prioridade a remoção já conferido à vítima, a Lei 13.882/2019 buscou facilitar ainda mais o afastamento vítima-agressor, visto que para desvincularem-se de qualquer local, aquelas que são mães necessitam levar consigo seus dependentes.  

Logo, acrescentou-se que a mulher em situação de violência deverá ter também prioridade para matricular ou transferir seus dependentes para as instituições de ensino mais próximas ao seu domicílio, preservando-se sempre os dados da ofendida e dos dependentes em sigilo, conforme artigo 9º, § 7 e § 8 da Lei Maria da Penha, para evitar que o agressor os localize.  

Além disso, outra novidade se dá no fato de que além da prioridade, há também a possibilidade de que o juiz determine a matrícula ou transferência dos dependentes à instituição mais adequada independentemente da existência de vagas naquele momento, vide artigo 23, V, da Lei Maria da Penha.  

Conforme Cunha (2019), a implementação dessas medidas são importantes para “garantir uma transição menos traumática e evitar a imposição de obstáculos que, somados à violência já sofrida, tornem ainda mais penosa a retomada da vida cotidiana”.  

Assim, para a efetivação do direito não é essencial que a vítima possua medidas protetivas sancionadas, basta apresentar os documentos que comprovem a existência da ocorrência policial ou do processo de violência doméstica em trâmite.  

 

3.3 Lei 13.894 de 2019

Visando garantir maior segurança jurídica à mulher vítima, a Lei 13.894/2019 cuida de instruções a serem seguidas pelos profissionais responsáveis pelo atendimento dessas mulheres de modo que obrigatoriamente devem sempre informar à ofendida todos os direitos e serviços a ela disponíveis.  

Além dos serviços já anteriormente previstos, o dispositivo adicionou o dever de encaminhamento à assistência judiciária gratuita, quando for o caso, inclusive para ajuizar ação de separação judicial, divórcio, anulação de casamento ou dissolução de união estávelcaso seja a vontade da vítima, com prioridade de tramitação.  

Concomitantemente a isso, a Lei também traz modificações ao Código de Processo Civil instituindo como foro competente para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável o de domicílio da vítima de violência doméstica (Art. 53, I, d, CPC) e atribuindo ao Ministério Público o dever de agir como órgão interveniente nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica (Art. 698, parágrafo único, CPC).  

 

4. Das medidas protetivas de urgência  

Para dar efetividade ao seu propósito de assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência, a Lei Maria da Penha elenca um rol de medidas a serem aplicadas de forma imediata e eficiente, para deter o agressor e garantir a segurança pessoal e patrimonial da vítima e sua prole. (Dias, 2019, p. 160) 

Elencadas mas não restritas aos artigos 22 a 24, as medidas de urgência são as mais conhecidas dentro da Lei 11.340/2006 e compõem um rol exemplificativo de providências que poderão ser concedidas de imediato pelo juiz, isolada ou cumulativamente, independentemente de audiência das partes ou de manifestação do Ministério Público, podendo serem substituídas a qualquer tempo por outras consideradas mais eficazes e quando requeridas pela ofendida ou pelo Ministério Público deverão ser analisadas em até quarenta e oito horas.  

Para garantir obediência à essas determinações “restou reconhecido como delito penal o descumprimento da decisão judicial que defere as medidas protetivas de urgência, ao qual é cominada a pena de três meses a dois anos”. (Dias, 2019, p. 181) 

Portanto, quando constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, averiguando-se as particularidades de cada caso, a autoridade poderá suspender a posse ou restringir o porte de armas do agressor, que segundo Dias: 

Trata-se de medida que se mostra francamente preocupada com a incolumidade física da mulher. E com razão. Os dados estatísticos referentes à prática de crimes contra a mulher, com a utilização de arma de fogo, são assustadores. Apenas para dar alguns números, interessante o teor de moção formulada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 16 de setembro de 2005, à época em que se discutia o referendo que iria decidir, no dia 23 de outubro seguinte, sobre o desarmamento da população. Consta do documento que “nas capitais brasileiras, 44,4% das mulheres vítimas de homicídios em 2002 foram mortas com armas de fogo (ISER, 2005: com dados do Datasus, 2002). Em homicídios e tentativas de homicídios com arma de fogo, mais da metade das mulheres vítimas (53%) conheciam seu agressor. E mais de um terço (37%) dessas mulheres tinham relação amorosa com seu agressor. (ISER, 2005: com dados das Delegacias Legais do Rio de Janeiro, entre 2001 e 2005).” (DIAS, 2019, p. 168) 

Nota-se que o legislador cuidou somente de discorrer sobre armas regulares, visto que em se tratando de porte por ilegal, além de ser considerado agravante o autor também incorrerá nos crimes previstos nos artigos 12,14 ou 16 da Lei 10.826/2003.  

Nesse mesmo sentido, em garantia da segurança e integridade física da mulher, se necessário, também poderão ser adotadas medidas que coíbam a aproximação física do agressor-vítima, dentre elas temos o afastamento do agressor do lar (Art. 22, II, LMP); o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos seus direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos (Art. 23, III, LMP) podendo a mesma ser reconduzida ao seu lar após o afastamento do agressor (Art. 23, II, LMP); a proibição de contato ou aproximação do agressor para com a vítima, familiares ou testemunhas por qualquer meio, fixando-se limite mínimo de distância a ser respeitado (Art. 22, III, a e b, LMP); restrição de circulação do agressor em determinados lugares, como trabalho, ou espaços de lazer frequentados pela vítima (Art. 22, III, c, LMP); restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores (Art. 22, IV, LMP)e determinação de separação de corpos (Art. 23, IV, LMP).  

Já no âmbito da proteção financeira e patrimonial da mulher e dos bens comuns do casal, permite-se que sejam fixados alimentos provisionais ou provisórios em favor da vítima para sobrevivência e manutenção da entidade familiar durante o curso do processo (Art. 22, V, LMP)Permite-se, ainda: a determinação de prestação de caução provisória, via depósito judicial, para garantir quaisquer perdas e danos decorrentes da violência (Art. 24, IV, LMP); a suspensão de procurações existentes que confiram poderes ao autor (Art. 24, III, LMP) e a proibição de realização de atos e contratos de compra, venda ou locação de bens comuns do casal, ficando estas condicionadas a prévia autorização judicial (Art. 24, II, LMP). Caso tenha ocorrido subtração indevida de bens poderá ser determinada a imediata restituição à ofendida (Art. 24, II, LMP), 

 Através da previsão dessas medidas a Lei Maria da Penha busca “estancar a marcha da violência contra a vítima, seja pela adoção de alguma medida restritiva contra o agressor, seja viabilizando temporariamente a salvaguarda dos bens jurídicos ou interesses da mulher em situação de perigo. (Guimarães e Moreira, 2017, p. 96) 

Entretanto, compreendendo que para estancar de fato a prática desse tipo de crime tem se mostrado cada vez mais necessário compreender o contexto histórico familiar que deu causa ao fato, e tratá-lo, incluíram-se também medidas psicossociais de urgência como o encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programas de proteção ou atendimento (Art. 23, I, LMP) dentre eles podemos citar os Núcleos de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, Centros Integrados da Mulher, Casas de Abrigo e Acolhimento Provisório, Defensoria e Promotorias Especializadas, Ouvidoria da Mulher, Serviços de Saúde Especializados, Centros de Referência Especializados em Assistência Social.  

No mesmo diapasão, a recente Lei 13.984/2020 incluiu às essas medidas a possibilidade de acompanhamento psicossocial do agressor com comparecimento em programas de recuperação e reeducação (Art. 22, V e VII, LMP).  

 

4.1  Lei 13.984 de 2020

Uma vez que as penas com caráter exclusivamente punitivos, em grande parte dos casos, não previnem verdadeiramente a reincidência ou novas infrações, a busca pela conscientização e ressocialização do autor se torna cada vez mais visada dentro do nosso Código Penal.  

Nos casos de violência doméstica, em particular, é comum que as agressões sejam resultado de um histórico familiar violento herdado de várias gerações ou, ainda, associadas a problemas como alcoolismo ou uso de drogas.  

Guimarães e Moreira aduzem que “a violência contra a mulher transcende a questão de diferença de gêneros, podendo localizar-se em fatores muito distintos, inclusive psicossomáticos”. (2017, p. 97) 

Assim, a Lei 13.984/2020, buscando atuar na consciência do autor, complementa a Lei Maria da Penha para determinar que os agressores de mulheres possam ser obrigados a receberem acompanhamento psicossocial e a frequentarem centros de reeducação, aonde deverão buscar e tratar os fatores que o levaram a cometer tais delitos.  

 

Considerações Finais 

O exame das inovações e avanços no âmbito dos direitos das mulheres, desde os primórdios até a atualidade, revela que paulatinamente houveram grandes avanços na ruptura de padrões sociais retrógrados que instituíam uma visão de subordinação feminina perante o homemprincipalmente no que se refere ao ambiente familiar.  

As estatísticas continuam preocupantes e nos mostram que ainda existe um enorme caminho a ser trilhado, entretanto já é possível reconhecer que a violência contra a mulher tem se tornado uma situação cada vez mais discutida e reprimida pela sociedade e, concomitantemente, também pela legislação.  

A compreensão das peculiaridades que envolvem o ciclo da violência doméstica contra a mulher mostraram a necessidade do aperfeiçoamento das previsões legais no sentido de dar maior proteção e, principalmente, amparo à mulher vítima tendo em vista à vulnerabilidade a qual são expostas.  

Sob essa perspectiva, conclui-se que as atualizações trazidas à Lei Maria da Penha por meio da promulgação de leis como a 13.871/2019, 13.882/2019, 13.894/2019 e 13.984/2020 incentivam cada vez mais a interdisciplinaridade e a articulação entre os profissionais envolvidos no processo para que de fato as políticas públicas e sanções saiam do papel e entrem no campo prático de forma humanizada e respeitando as especificidades e nuances de cada caso 

Assim, espera-se que a consolidação dessa rede de proteção e assistencial se dê de forma cada vez mais eficaz para resguardar e amparar as mulheres tanto no aspecto jurídico como também no aspecto social, patrimonial, de saúde, habitação, trabalho e quais mais forem necessários para que aquela possa reestabelecer sua vida e se ver livre dos assombros de um relacionamento abusivo.  

 

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