Ilegalidade na exigência, para fins de habilitação licitatória, da Certidão negativa de infrações trabalhistas

Resumo: No contexto licitatório a fase de habilitação constitui o momento apropriado para a aferição das condições dos licitantes interessados em participar do certame. Com o fito de conferir segurança e uniformidade à muticitada fase a Lei 8.666/93 define em seus artigos 27 e seguintes quais os documentos que podem ser veiculados e exigidos. Neste panorama exsurge a regularidade trabalhista como condição imprescindível a ser devidamente comprovada pelo licitante sob pena de sumaria inabilitação. Tal exigência foi acrescida à lei geral de licitações por meio da lei 12.440/11 e possui o evidente propósito imediato de alijar do processo licitatório os inadimplentes pessoas físicas ou jurídicas – em execução trabalhista definitiva. De forma mediata a comprovação da inexistência de débitos trabalhistas protege a Administração contra eventual tentativa de responsabilização subsidiária do próprio ente contratante conforme autorizado pela súmula 331 do TST. Pese a imensa contribuição e importância consentidas a partir da exigibilidade da certidão negativa de débitos vê-se corriqueiramente a confecção de editais de licitação reclamando a apresentação como condição para a prova da regularidade trabalhista da certidão negativa de débitos trabalhistas. Trata-se de exigência que transborda os lindes estabelecidos pela lei merecendo pois seja declarada sua ilegalidade pelos Órgãos de fiscalização.

Palavras-chave: Certidão negativa de infrações trabalhistas. Prova da regularidade trabalhista. Suficiência da certidão de inexistência de débitos. Artigos 27 IV c/c 29 V L. 8666/93. Ofensa à Lei.

Abstract: In the bidding context qualifying phases represents an proper time to confirm the conditions from participants. Therefore to ensure provide improved security and eveness the law 8.666/93 establish especially Articles 27 et seq which documents may be required. Based on this panorama labor regularity appears as an essential requirement demonstrated by the bidder under penalty of elimination. That requirement was added to the Bidding Law through the Law n. 12.440/11 and intend to remove labor defaulters from the bidding. Indirectly proof of labor regularity protects Administration against intent civil liability as prescribed by judicial understanding n. 331 from TST. Despite the large relevance and contribution consented by refusal certificate of debits exigence it can be habitually observed notices bid demanding negative certificate of labor infractions as labors regularity. It is request that extrapolate legal limitations razon why imposes respective illegality declaration by supervisory body.

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Keywords: Negative Certificate of labor infractions. Proof of labor regularity. Satisfactory Refusal Certificate of debits. Article 27 IV c/w 29 V L. 8666/93. Laws offence.

Sumário: Introdução. 1. Especificamente em relação ao tema sub examine: a certidão negativa de infrações trabalhistas. 2. A apresentação de certidão negativa de débitos trabalhistas CNDT como prova suficiente da regularidade trabalhista: cotejo dos artigos 27 IV e 29 V da lei 8.666/93.3. O primado da lei como pressuposto lógico da vinculação ao instrumento convocatório. 4. A orientação consagrada no âmbito do TCU. À guisa de conclusão.

Introdução

No contexto dos procedimentos licitatórios, o instrumento convocatório possui importância sobrelevada, não apenas por conferir segurança jurídica ao certame (vincula os licitantes – é a lei interna da licitação), mas também por funcionar como ferramenta de regulação de todo o procedimento, sinalizando o modus e as condições de participação, a fim de que o objeto proposto possa ser corretamente exercitado.

Nesse contexto, registra-se que, presentemente, constitui cada vez mais corriqueira a previsão, ao interno dos ditos instrumentos convocatórios – independentemente da espécie veiculada -, de exigências singulares e bastante específicas, a serem devidamente satisfeitas pelos interessados que desejam concorrer do certame.

 Não por outra razão, a evolução sentida advém de justificativa legítima e inafastável: no mundo moderno, marcado pela existência de intermináveis e complexas formas de relações sociais desenvolvidas, a proteção ao interesse e patrimônio público deve ser máxima. Se, para tanto, o uso da tecnologia e das vantagens dela decorrentes se afigure útil, que seja dado o adequado aproveitamento. Aliás, não se deve esquecer que a noção de Regime Jurídico Administrativo se orienta a partir de 02 (dois) pilares intensamente imbricados: o da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado e, ainda, o da Indisponibilidade do Interesse Público.

 Contudo, não poderá o administrador público, sob o pretexto de estar atuando em consonância à principiologia acima referenciada, inovar, isso é, extrapolar os limites impostos pela legislação pertinente, de modo a exigir o atendimento de condições e exigências despidas de qualquer previsão legal razoável.

Para que seja considerada lícita, a restrição deve, antes e superiormente, estar calcada em base legal, acorde aos ditames expressos na Constituição Federal. Qualquer desvio, por certo, incorrerá em grave prejuízo, configurador inequívoco ferimento ao sistema legal posto, devendo, isso posto, ser repelido veementemente. Nessa quadra, insere-se a propalada inclusão, como requisito de habilitação nos procedimentos de licitações, a apresentação de Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas.

1 Especificamente em relação ao tema sub examine: a Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas

Como dito, tem sido bastante comum a inserção dos mais variados tipos de exigências, para que se possa aferir a regularidade-viabilidade da participação das licitantes nos certames públicos. Dentre elas, cita-se condição habilitatória bastante recorrente nos recentes instrumentos de convocação: a apresentação de Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas para comprovar a regularidade trabalhista do(a) licitante.

 Trata-se de documento emitido eletronicamente, obtido diretamente no sítio do Ministério do Trabalho e Emprego[1] junto à Secretaria de Inspeção do Trabalho, e que, não obstante possa se apresentar sob múltiplos conteúdos – a depender do tipo e natureza da infração examinada -, se mostra apto a demonstrar a inexistência de ilícitos trabalhistas cometidos pela empresa, com base no exercício do poder de polícia conferido aos órgãos de fiscalização do MTE.

No ponto, e sem pretender fazer, por ora, qualquer juízo de valor sobre a importância do teor veiculado na certidão de inexistência de infração, revela-se de extremo interesse extremá-la de uma outra certidão, a de inexistência de débitos trabalhistas, comumente denominada de CNDT (certidão negativa de débitos trabalhistas). Nessa última, à toda evidência, a informação veicula a existência ou não de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho.

Assim sendo, baseando-se em uma falsa percepção de maior garantia ao interesse público, vem os gestores públicos optando por consagrar a previsão da certidão negativa de infrações trabalhistas como documento necessário à comprovação da regularidade trabalhista, dentro das condições para a habilitação dos licitantes. Veja-se, pois, o que enuncia a lei licitatória a esse respeito.

2 A apresentação de certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT) como prova suficiente da regularidade trabalhista: cotejo dos artigos 27, iv e 29, v, da lei 8.666/93.

De início, convém destacar que a exigência da regularidade trabalhista, como condição para a habilitação no procedimento licitatório, foi implementada pela Lei 12.440/11. A partir da sobredita alteração, o artigo 27 da lei geral licitatória, l. 8.666/93 passou a ostentar a seguinte redação, in verbis:

“Lei 8.666/1993, Art. 27:  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: I – habilitação jurídica; II – qualificação técnica; III – qualificação econômico-financeira; IV – regularidade fiscal e trabalhista; V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal” (grifos do autor).

Além de alterar o inciso IV do Artigo 27 do estatuto licitatório, a sobredita lei também foi responsável por instituir a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, a ser expedida para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho (Artigo 642-A, CLT).

De remate, a Lei 12.440/11 também foi responsável por promover importantíssima adição ao Artigo 29, inciso V, que passou a constar com a seguinte redação:

“Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em: (…) V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943. (Incluído pela Lei nº 12.440, de 2011);” (grifos do autor).

A este ponto, acredita-se que a legislação posta se revela extremamente clara. Ora, a relevante e significativa inclusão da prova da regularidade trabalhista como requisito para a habilitação do licitante interessado (vide Artigo 27, IV, Lei 8.666/93) não pode ser compreendida senão se imbricada a outro dispositivo legal, que verdadeiramente orienta o administrador público no procedimento de verificação da dita regularidade.

Pela leitura do Artigo 29, inciso V da lei de licitações, tem-se que a apresentação da Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas (CNDT) servirá como prova suficiente da regularidade trabalhista. No entanto, se mostra rotineira a transgressão ao aludido preceptivo, dada a constante previsão, pelos inúmeros instrumentos, consistente na apresentação de certidão negativa de infrações como meio hábil tendente a demonstrar a regularidade trabalhista.

Não há, a nosso sentir, qualquer margem de discricionariedade neste ponto, sendo a lei suficientemente precisa para o deslinde da presente questão. De um turno, o estatuto esclarece que só podem ser exigidos exclusivamente documentos referentes aos itens mencionados (cf. Art. 27) e, de outro, aponta o que pode ser exigido ao licitante para que comprove o preenchimento daquelas condições (cf. Artigos 28-31).

Com efeito, não poderá o administrador, ao seu talante e de acordo com sua própria conveniência, estabelecer documentação outra que não a legalmente referida para que reste caracterizada a demonstração de qualquer dos itens indicados no Artigo 27, ainda que o faça sob a falaciosa escusa de proteção do interesse público, impondo restrição incabível, desarrazoada e ilegal, visto não ter tido qualquer autorização legal para assim proceder.

Ainda, entende-se que o legislador foi absolutamente preciso ao redigir o já referido Artigo 29, V. De um lado, porque a lei poderia ter ido além, e optado por consignar expressamente a possibilidade de se exigir documentação diversa à CNDT. De outro, e em via diametralmente oposta, poderia o legislador ter ido aquém, nada dispondo acerca do modus de comprovação da regularidade trabalhista.

 No entanto, a decisão implementada não levou em consideração as duas propostas sobreditas, restando inarredável a conclusão no sentido de que a apresentação da certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT) pela empresa licitante e durante a fase de habilitação comprova, suficientemente, a situação de regularidade trabalhista veiculada no inciso V do Artigo 27. Qualquer exigência adicional, tal como a expedição de certidão negativa de débito trabalhista, se mostra flagrantemente ilegal. 

Expressivo, no ponto ora tocado, o exposto por José dos Santos Carvalho Filho, ao veicular acerca da documentação referida no artigo 29, inciso V da lei de licitações (CARVALHO FILHO, 2014, p. 290):

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“Outro requisito a ser cumprido pelo licitante reside na comprovação de inexistência de débitos não solvidos perante a Justiça do Trabalho. Para tanto, deve apresentar a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), expedida pelo mesmo ramo do Judiciário. É válido também apresentar Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas, quando o débito estiver garantido por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, caso em terá os mesmos efeitos da primeira. O escopo desse requisito, de caráter protetivo, é o de alijar dos certames públicos a sociedade que, indevidamente, descumpriu suas obrigações trabalhistas e causou gravame a seus empregados” (grifos do autor).

Na passagem acima transcrita, José dos S. Carvalho Filho enaltece o conteúdo declarado na CNDT, bem assim esclarece que a comprovação da regularidade trabalhista pelo(a) licitante – como condição ou requisito para a habilitação no certame – se perfectibiliza por meio da sua apresentação.

3 O primado da lei como pressuposto lógico da vinculação ao instrumento convocatório

Ab initio, impende esclarecer que o Princípio da Vinculação ao Instrumento Convocatório não se traduz em instrumento de legitimação ao que vem contido ao interno do edital. Em outros termos, a simples publicação do edital, veiculando as regras a serem observadas no procedimento licitatório – não representa, por si só, condição suficiente para que seja considerado válido o seu conteúdo. Não se trata, pois, de espécie de tudo-pode, como se um poder absoluto fosse.

A despeito de funcionar como ferramenta imprescindível para a garantia da segurança jurídica durante a licitação, deve o instrumento convocatório guardar estrita obediência a outro princípio maior, de estatura constitucional e de extremo relevo para a manutenção das instituições: o da Legalidade.

O denominado Primado da Lei, orientador de todo o sistema jurídico brasileiro (integrado à família do civil law, cuja origem remonta, sobretudo, à Europa Continental), se manifesta de forma clarividente no Texto Constitucional de 1988, que logo em seu Artigo 5°, inciso II, assim assevera: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei.

À Administração Pública, certo é que o princípio da legalidade irradia seus efeitos com maior latência e intensidade, eis que a atuação do administrador público deve, antes de mais nada, ter na lei o seu ponto de partida e o ponto final.

Nesse diapasão, é o que revela a dicção do Artigo 37, caput da CF/88: A Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios obedecerá aos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência.

Ainda a respeito do princípio em comento, a Lei 8.666/93, em seu artigo 3°, caput, propugna que as licitações serão processadas e julgadas em conformidade com o princípio da legalidade (dentre outros que são enaltecidos pelo preceptivo retro).

Destarte, feito o cotejo do arcabouço normativo que orienta o procedimento licitatório, cumpre regressar ao caso vertente, em ordem a se propor a seguinte indagação: Poderia o gestor, ao tempo da confecção do instrumento convocatório, exigir, para fins de comprovação da regularidade trabalhista, a apresentação de documento não previsto na norma legal que regulamenta – de forma específica e em caráter restritivo, inclusive – o tema?

A nosso sentir, não pode o administrador público substituir o próprio legislador e estabelecer tratamento jurídico dissonante ao legalmente instituído. Antes e superiormente, a atividade administrativa é atividade sublegal, é dizer, a atuação do gestor prende-se ao que reza a lei. Irretocáveis as lições do aclamado professor Celso A. Bandeira de Mello, ao tecer considerações sobre o tema em foco (DE MELLO, 2014, p. 104):

“Assim, o princípio da legalidade é o da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes públicos, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito Brasileiro” (grifos do autor).

Note-se: da leitura conjunta dos artigos 27, IV e 29, V, ambos da Lei 8.666/93, conclui-se que a opção legislativa foi a de não deixar qualquer margem de escolha ou atuação suplementar a cargo do administrador no tocante ao tema.

Ora, fosse intenção do legislador propiciar que, durante a fase de habilitação, a prova da regularidade trabalhista pudesse ser feita por outros meios, assim o teria previsto de forma expressa. Contudo, a passagem normativa é contundente, admitindo uma única solução interpretativa, qual seja, a de que a apresentação da certidão negativa de débitos trabalhistas revela-se suficiente e bastante para a prova da regularidade pelo licitante.

No ponto, impõe-se perfilhar as lições de Victor Aguiar J. de Amorim, ao analisar detidamente as balizas que delimitam o espectro da documentação exigível na fase de habilitação:

“(…) Entende-se, assim, que a Administração, ao definir os requisitos de habilitação no edital, deve não só observar os limites legais, como também a razoabilidade das exigências, que, dentro da segurança de execução contratual pretendida, representem o menor cerceamento à competição. É o que se denomina, na doutrina de Justen Filho (2014, p. 542-545), de aplicação da teoria da restrição mínima. (…) A finalidade é ampliar a possibilidade de competição, de forma a abarcar os interessados que, minimamente, estão aptos a contratar o objeto. (…) O TCU considera ilegais as exigências de documentação e habilitação não previstas em lei, em especial, na Lei 8.666/1993. Portanto, qualquer exigência para fins de habilitação deverá estar prevista em ato normativo primário; desse modo, carecem de legalidade as exigências fundadas em atos normativos secundários (decretos; resoluções, portarias, etc)” (grifos do autor).

Em remate, merecem destaque os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho, ao se posicionar especificamente sobre a impossibilidade de o administrador estabelecer requisitos e condições de habilitação superiores aos já previstos na lei:

“A Administração não pode fazer exigências indevidas e impertinentes para a habilitação do licitante. A própria Constituição, ao referir-se ao processo de licitação, indica que este ‘’somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações (art. 37, XXI)’’. No mesmo sentido, já decidiu o STJ que as exigências na licitação devem compatibilizar-se com seu objetivo, de modo que a ‘’ausência de um documento não essencial para a firmação do juízo sobre a habilitação da empresa não deve ser motivo para afastá-la do certame licitatório”.

Forçoso, pois, seja considerada como ilegal a exigência, como prova da regularidade trabalhista para a habilitação das licitantes, a apresentação de Certidão Negativa de infração à legislação de proteção à criança e ao adolescente, expedida pelo Ministério do Trabalho, dada a falta de amparo legal para a validade da aludida condição.

4  A orientação consagrada no âmbito do TCU

Faz-se necessário evidenciar, ainda, que o Tribunal de Contas da União, quando instado a se manifestar especificamente sobre casos análogos ao ora apresentado, decidiu pela ilegalidade de exigência, contida em edital de concorrência, consistente na apresentação de Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas – expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego – para fins de regularidade trabalhista.

De um turno, destaque ao Acórdão 2913/14, lavrado em 29 de outubro de 2014, nos autos da Representação autuada sob o n° 023957/2014-0, de relatoria do Ministro Weder de Oliveira. Na oportunidade, os ministros do TCU se debruçaram sobre representação apresentada contra editais de concorrência promovidos pelo município de Barra do Choça/BA. Dentre as inúmeras irregularidades apontadas pelo representante, impugnou-se a inserção de cláusula editalícia prevendo-exigindo, para fins de prova da regularidade trabalhista, a apresentação de Certidão Negativa de Infrações Trabalhistas.

Consoante consta do acórdão aprovado por aclamação na Corte de Contas ora colacionado, assim se manifestou o Egrégio Tribunal:

“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, diante das razões expostas pelo Relator, em: (…) 9.3. com fulcro no art. 43 da Lei 8.443/1992, c/c o art. 250, II, do RI/TCU, cientificar à prefeitura municipal de Barra do Choça/BA que foram constatadas as seguintes ilegalidades nos editais das concorrências visando à construção de unidades escolares objeto dos termos de compromissos 29976 e 30109/2014 firmado com o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação. (…) 9.3.4. exigência de certidão negativa de infrações trabalhistas – Ministério do Trabalho e Emprego – para fins de comprovação de regularidade trabalhista” (grifos do autor).

Da análise acurada do aludido decisum, verifica-se que o TCU encaminhou entendimento no sentido de inexistir fundamentação legal apta a autorizar a exigência atinente à apresentação de certidão negativa de infrações trabalhistas como prova da regularidade trabalhista. De tal arte, a Corte concluiu que a exigência relativa à apresentação, pelo licitante, de certidão negativa de ilícitos trabalhistas NÃO está contemplada no elenco dos documentos indispensáveis à garantia do objeto licitado, previsto nos artigos 27 a 31 do estatuto licitatório.

Na ocasião, inclusive, foi aprovada a edição de enunciado, cujo teor é de imensa clareza e importância para o caso em testilha: NÃO HÁ AMPARO LEGAL PARA EXIGIR DOS LICITANTES A APRESENTAÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE INFRAÇÕES TRABALHISTAS.

Em idêntica trilha é o que revela outro julgamento do TCU, tomado nos autos do processo n° 025463/2014-4, em representação intentada contra o Município de Nilo Peçanha/BA, relatada também pelo Ministro Weder de Oliveira e julgada em 12 de novembro de 2014 (Acórdão 3148/14). Na dita sessão, os ministros da Corte constataram irregularidades no tocante à previsão de cláusula editalícia veiculando a apresentação de malfadada Certidão negativa de infração trabalhista. No ponto, merece o registro da conclusão tomada no julgamento:

“ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão da Primeira Câmara, ante as razões expostas pelo relator, em: (…) 9.2. assinar prazo de quinze dias para que o município de Nilo Peçanha/BA adote as providências necessárias para a correção das irregularidades a seguir listadas, identificadas no edital da Tomada de Preços 004/2014 e que acarretam restrição à competitividade do certame, com fulcro no que estabelece o art. 71, IX, da Constituição Federal c/c os art. 45 da Lei 8.443/1992: (…) 9.2.4. exigência da certidão de infrações trabalhistas e de infrações à legislação de proteção à criança e ao adolescente para fins de habilitação, o que contraria o disposto no Decreto 4.358/2002” (grifos do autor).

Ademais, cumpre esclarecer que os julgamentos acima referenciados foram realizados posteriormente às alterações promovidas pela Lei 12.440/11 à Lei 8.666/93, isso é, quando já se admitia, como condição-requisito para habilitação das empresas licitantes, a prova da regularidade trabalhista (alteração do inciso IV do artigo 27, lei licitatória).

À guisa de conclusão

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Ante todo o exposto, tem-se que plenamente demonstrada a ilegalidade contida na exigência da apresentação de certidão negativa de infrações trabalhistas – nos termos do ora veiculado – como requisito a demonstrar a regularidade trabalhista, visto que a leitura conjunto dos dispositivos constantes na Lei 8.666/93, máxime o disposto nos artigos 27, IV e 29, V, revela uma única interpretação possível e legítima: a demonstração da regularidade trabalhista somente pode ser realizada por meio da apresentação da CNDT (certidão negativa de débitos trabalhistas).

Ainda que a malfadada certidão de inexistência de infrações venha prevista nos instrumentos convocatórios que regem a licitação, não poderá ser admitida a cobrança, sob o pretexto de ser o documento a lei interna entre as partes. Ora, antes de tudo, deve o próprio instrumento – edital ou convite – guardar estrita consonância ao que está contido na lei, amoldam-se a ela. Do contrário, estar-se-ia afundando o postulado da lei, cláusula constitucional, insculpida no Artigo 5°, II da CF/88, segundo o qual constitui tarefa da lei – e tão somente dela – a atividade de prever direito e estabelecer obrigações aos cidadãos. Aos atos normativos secundários, restará a correspondente aderência e pleno acatamento.

Por fim, deverão estar os jurisdicionados vigilantes em relação ao tema em foco, sobretudo para que noticiem a ilegalidade de cláusula transgressora junto aos tribunais de contas estaduais ou da União e, inclusive, ao Poder Judiciário, com vistas à alcançar a segurança jurídica de todo o ordenamento posto, a partir do escorreito cumprimento às leis nacionais e locais.

 

Referências
AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Licitações e Contratos Administrativos: teoria e jurisprudência. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2017.
BRASIL. Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.  Brasília, DF. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8666cons.htm. Acesso em 03 jun. 2018.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29. ed. São Paulo: Forense, 2016.
FURTADO. Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2017.   
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de Licitações e Contratos administrativos. 17. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 31. ed. São Paulo, Malheiros, 2014.

Nota


Informações Sobre o Autor

Pedro Henrique Alencar Rebelo Cruz Lima

Advogado Graduado em Direito pelo Instituto Camillo Filho-PI Especializando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica – SP e Especializando em Advocacia Imobiliária Notarial e Registral pela Universidade Santa Cruz do Sul – RS


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