Autores: Nicholas Bascheroto1, Stéfani Bitencourt Feltrin2
Orientador: Bernardo Wildi Lins3
Resumo: O objetivo deste artigo é realizar uma análise sobre a repressão do Estado ao abuso do poder econômico, a qual se embasa no §4º, art. 173 da Constituição Federal de 1988. Destarte, utilizou-se o método de abordagem dialético, dado que trata-se da melhor forma de atingir os objetivos do artigo de elucidar um tema de extrema relevância social. Além disso, por meio da metodologia bibliográfica, serão verificados os impactos desta redação constitucional na estrutura do Estado, se sua interação com as demais leis atinge o objetivo esperado. Em outras palavras, será feita a análise da eficácia da referida lei, analisando se o método utilizado é o que melhor atende ao interesse público. Serão apontadas as falhas e como ocorrem, além de um estudo do porquê a proibição do aumento arbitrário dos lucros em momento de calamidade pública pode acabar por ter o efeito contrário, sendo ainda prejudicial para a população.
Palavras–chave: Intervenção do Estado no domínio econômico. Repressão ao abuso do poder econômico. Dominação dos mercados. Eliminação da concorrência. Aumento arbitrário dos lucros.
Abstract: The purpose of the article is to carry out an analysis of the State’s repression of the abuse of economic power, which is based on §4, article 173 of the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988. Thus, the dialectical approach method was used, as it is the best way to achieve the objectives of the article to elucidate a topic of extreme social relevance. In addition, through the bibliographic methodology, the impacts of this constitutional wording on the structure of the State will be verified, if its interaction with the other laws reaches the expected objective. In other words, an analysis of the effectiveness of that legal norm will be made, analyzing whether the method used is the one that best serves the public interest. They will be pointed out as failures and as occurrences, in addition to a study of why the prohibition of the arbitrary increase in profits in times of public calamity may end up having the opposite effect, being even harmful for the population.
Keywords: State intervention in the economic domain. Repression of abuse of economic power. Domination of markets. Elimination of competition. Arbitrary increase in profits.
Resumen: El propósito de este artículo es realizar un análisis de la represión estatal del abuso de poder económico, que se fundamenta en el § 4°, art. 173 de la Constitución Federal de Brasil de 1988. Como esto, se utilizó el método del enfoque dialéctico, por ser la mejor forma de lograr los objetivos del artículo de dilucidar un tema de extrema relevancia social. Además, a través de la metodología bibliográfica, se verificarán los impactos de este texto constitucional sobre la estructura del Estado, si su interacción con las demás leyes alcanza el objetivo esperado. Siendo así, se analizará la efectividad de esa ley, analizando si el método utilizado es el que mejor sirve al interés público. Se señalarán las fallas y cómo ocurren, además de un estudio de por qué la prohibición del aumento arbitrario de ganancias en tiempos de calamidad pública puede terminar teniendo el efecto contrario, siendo aún perjudicial para la población.
Palabras clave: Intervención estatal en el ámbito económico. Represión del abuso de poder económico. Dominación de mercados. Eliminación de competencia. Aumento arbitrario de beneficios.
Sumário: Introdução. 1. Como o Estado acaba por ser a gênese da dominação do mercado: concessão de privilégio monopolista. 2. Aumento arbitrário dos lucros em momento de calamidade pública. 3. Porque o Estado falha em evitar a dominação do mercado. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O objeto do presente trabalho é a função do Estado de repressão ao abuso do poder econômico, que integra o rol de situações em que a Constituição Federal autoriza a intervenção do Estado no domínio econômico.
Neste sentido, o foco do trabalho é fazer uma análise da influência do Estado na formação de monopólios privados, o que deveria ser defeso conforme o art. 173 da Constituição Federal (1988). Ainda, será tratado como o Estado acaba por ser a gênese da dominação do mercado, através de concessões de privilégios monopolistas, que podem ser feitos através de forma direta, atribuindo vantagens a determinadas empresas de maneira aberta, levando a exclusão de concorrentes, ou de maneira indireta, mascarada como penalidade aos rivais, e justificada como sendo favorável ao bem-estar geral.
O referido artigo 173 da Constituição Federal de 1988 dispõe o seguinte:
‘’Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. […] § 4.º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros’’ (grifo nosso).
Neste sentido, recorremos à Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, que regulamenta a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Consoante o art. 1º, cabe ao CADE a repressão ao abuso do poder econômico, isto é, definir se houve a existência de abuso do poder econômico, e em caso positivo, cominar sanções aplicáveis.
O artigo 5º do mesmo dispositivo legal separa a estrutura interna do CADE em três órgãos: Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, Superintendência-Geral e Departamento de Estudos Econômicos. Todos, concomitantemente, possuem o dever de fiscalizar e prevenir abusos do poder econômico. Ressalta-se que um tópico abordado no trabalho — a regulação de preços — não possui sua competência atribuída a autarquia, conforme consta no próprio site do CADE.
O estudo ainda abordará a parte do §4º do artigo 173 da Constituição Federal, a partir de uma análise conjunta com o artigo 39 da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990 (que versa sobre a proteção do consumidor) e seus efeitos. Com isso, se pretende chegar a conclusão de que pode gerar um haver um efeito contrário ao esperado pela lei, já que, ao determinar a repressão ao aumento arbitrário dos lucros, pode acabar por refletir em consequências negativas a população.
Destarte, utilizou-se o método de abordagem dialético, dado que trata-se da melhor forma de atingir os objetivos do artigo de elucidar um tema de extrema relevância social. Além disso, por meio da metodologia bibliográfica, serão verificados os impactos desta redação constitucional na estrutura do Estado, se sua interação com as demais leis atinge o objetivo esperado.
- Como o Estado acaba por ser a gênese da dominação do mercado: concessão de privilégio monopolista
Os monopólios naturais criados pelo Estado são imputados de coerção, porque, através de leis julgam-se de forma diferente os atos que são ambíguos, usando como critério não o que se efetua, mas sim quem o faz, por exemplo, a venda de petróleo no mercado interno brasileiro só é permitida ser realizada por aqueles que receberam o aval legal, caso um fornecedor busque atender um cliente disposto a comprar seu produto o indivíduo será tolhido de seu direito em alocar a sua propriedade, seu capital e de trocá-lo por petróleo por conta de um decreto que o marginaliza.
Conforme elucidado por Murray Rothbard (1970, p. 101) em seu livro Governo e Mercado: a economia da intervenção estatal, ‘’o necessário para abolir o monopólio é que o governo anule as próprias criações’’. Isso se dá, pois, o governo tem poder de proibir a produção e/ou comercialização de determinado produto por determinadas empresas. Isso leva os demais negócios a possuírem um privilégio, pois o Estado eliminou a concorrência, já que coibiu forçosamente possíveis rivais de tentar conquistar os consumidores em potencial.
Há vários exemplos conhecidos que podem ser citados de modo a tornar cristalina a existência de monopólios “estatais”. Ressalta-se que, conforme será exposto posteriormente, — o monopólio de serviços essenciais não é vantajoso para o bem-comum —. Existe também concessões monopolistas mascaradas por mecanismos espoliativos, são exemplos: (a) padrões de qualidade, onde empresas são punidas quando o Estado (e não os consumidores) considera seu produto de baixa qualidade; (b) salário mínimo, que acaba por excluir dos mercados trabalhadores menos produtivos, causando desemprego; (c) licenças, que impõe diversos requisitos para realizar determinados serviços, sendo um destes o pagamento da taxa de licenciamento, que acaba por barrar qualquer hipótese da empresa interessada entrar no ramo desejado e efetuar um bom serviço à população; dentre outros.
Monopólios estatais só abarcam prejuízos para os consumidores, já que há uma oferta reprimida fazendo com que o valor do bem ou serviço fique inflacionado, tendo em vista que a escassez, sem a influência da concorrência, aumenta, por conseguinte, os preços também. Se não existem antagonistas, a empresa detentora da exclusividade de fornecimento pode determinar maior valor para aquilo que produz e os consumidores serão induzidos a aceitá-lo, sendo assim, serão afetados diretamente de adquirir as mercadorias ou serviços feitos por um produtor mais eficiente, ou de melhor custo benefício; A situação persiste quando se trata de serviços essenciais, como a água e luz.
Então, levando-se em conta o que foi observado, podemos deduzir que a emanação de sanções por parte do Estado com intuito de garantir idoneidade acaba por mitigar os benefícios do capitalismo, como, a geração de riqueza e criação de empregos. Porém, o capitalismo é bastante incerto, hostil e instável, neste meio os empresários não podem permanecer confortáveis, uma vez que, nele não é o melhor nem o mais inteligente que sobrevive, mas sim aquele que melhor se adapta, contudo, o que a maioria dos empresários almeja é que o governo lhes proteja da concorrência e lhes assegure uma fatia garantida de lucro, permitindo desfrutar a vida sem aflições e sem constantes inquietações acerca de como evoluir seus serviços aos consumidores.
- Aumento arbitrário dos lucros em momento de calamidade pública
Para abordar este tema, faz-se necessária a diferenciação entre aumento dos preços e aumento dos lucros. A priori, o aumento dos preços, per si, não é defeso por lei, já que esse aumento pode ser devido à elevação da produção do produto, conforme elucidado pelo próprio John Maynard Keynes, em seu livro ‘A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda’, que retrata (1936, p. 282):
(…) ‘’o preço da oferta tem, conseqüentemente, tendência para subir à medida que a produção obtida por meio de dado equipamento aumenta. Assim sendo, o aumento da produção é acompanhado por uma alta de preços, independentemente de qualquer variação na unidade de salários.’’ (sic)
Ainda, ‘à medida que aumente a demanda efetiva, traduz-se, em parte, numa elevação da unidade de custos e, em parte, num aumento da produção´ (KEYNES, 1936, p. 285).
Destarte, é extremamente importante entender a lei de acordo com a finalidade a qual foi criada, bem como se atende ao interesse público. No caso em tela, o §4º do art. 173 da CF, ao mencionar ‘aumento arbitrário dos lucros’, refere-se a elevação sem justa causa dos preços dos produtos, isto é, o aumento dos valores sem haver aumento na produção, como pode ocorrer em casos de monopólio natural ou de fato, conforme registro do Alberto Venâncio Filho em seu verbete Abuso do Poder Econômico. Sendo assim, a elevação do preço, desde que seja proporcional a ampliação da produção, não caracteriza aumento arbitrário dos lucros.
Conforme Karl Marx alega (1865):
‘’(…) para explicar o caráter geral do lucro não tereis outro remédio senão partir do teorema de que as mercadorias se vendem, em média, pelos seus verdadeiros valores e que os lucros se obtêm vendendo as mercadorias pelo seu valor, isto é, em proporção à quantidade de trabalho nelas materializado’ e ‘que lucros normais e médios se obtêm vendendo as mercadorias não acima do que valem e sim pelo seu verdadeiro valor’.’’
Com essa afirmativa, pode-se aduzir que uma das formas de evitar o lucro excessivo, é por meio da intervenção do Estado.
Para uma análise mais profunda, observa-se o art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe:
‘’Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…) IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.’’
É fundamental analisar se essa lei realmente atende o interesse público, visando o bem comum. Para isso, precisa ser eficaz ao regular o lucro das empresas. Essa questão torna-se duvidosa ao compreender que o aumento de preços, considerado como prática abusiva, na verdade, pode ser benéfico para a população, conforme será abordado a seguir.
O preço reflete a escassez relativa de uma mercadoria, ao congelar o preço tal informação se perde. Isso significaria que, como já dito por Hayek em seu livro Caminho da Servidão, ‘não podemos confiar no forte senso de justiça do povo‘ (1944, p. 132). Ora, se a população considera justo pagar um valor mais alto para determinado produto, não cabe ao Estado intervir nisso. Como Mises já escreveu e Hayek ratificou, a tática de tabelar preços já está demonstrada ineficiente, conforme demonstrado em diversos momentos, inclusive no plano Cruzado, onde o congelamento dos preços originou a redução do abastecimento em mercados. Muitas vezes faltavam produtos por conta do desincentivo de produção. A inflação sobre o custo acelerou, mas em relação às receitas mantinham-se estagnadas, não devido ao consumo, mas sim por uma decisão forçada do governo. Há estudos hodiernos que corroboram com esse pensamento, como a pesquisa feita pelo ecônomo Caio Augusto, em seu artigo ‘’Qual poderia ser o preço da gasolina se não houvesse congelamento?’’, onde revela que o valor da gasolina, caso não houvesse congelamento, poderia chegar a R$ 2,72.
A situação não é diferente em momentos como os de calamidade pública. Na verdade, o congelamento e o tabelamento dos preços geram consequências negativas para a população nos momentos de normalidade, bem como nos momentos atípicos, por exemplo, na situação tratada no caso em tela, de calamidade pública. O desinteresse das empresas em produzir mais é um fator de extrema importância nesse aspecto. Se a empresa não pode aumentar o valor de seus produtos, nenhum incentivo terá para produzir mais oferta, conforme a necessidade da demanda. Isto aplica-se tanto em casos em que a elevação dos preços deveria ocorrer devido a aumento de produção quando aumento dos lucros per si. Ou seja, faltariam produtos nas prateleiras, como já demonstrado anteriormente no caso do plano Cruzado. Coibir o acréscimo dos valores é prejudicial para a população, tanto em situações onde há ascensão do lucro das empresas, quanto em situações em que é necessário o aumento para que consiga ampliar a produção do produto, a fim de atender a toda a demanda.
Outro aspecto negativo, é o controle discricionário e arbitrário que seria exercido pelas autoridades, conforme afirma Hayek (1944):
‘’Não é, portanto, porque os interesses econômicos com os quais tais medidas interferem são mais importantes que os outros controles de preços e quantidades deve ser excluído num sistema de livre mercado, mas porque esse tipo de controle não pode ser exercido com normas, sendo por sua natureza discricionário e arbitrário. Conceder tais poderes à autoridade, significa, na verdade, dar-lhe o poder de determinar o que deve ser produzido, por quem e para quem.’’
De fato, é inconcebível colocar uma decisão tão significativa, que deveria ser tomada por todos, nas mãos de poucos. É ilusório o pensamento de que poucas pessoas podem, efetivamente, representar várias. E, se assim o fosse, deveriam deixar o mercado agir per si, pois aí que se manifesta a real vontade da população, ao dizer se o produto vale realmente o preço que está sendo ofertado, e caso não o valha, cabe ao mercado reconhecer e baixar o valor. Trata-se da Lei da oferta e da procura4.
Se houver uma obrigação de manter os preços mesmo em épocas de aumento da demanda, isso pode gerar ainda mais malefícios: como há poucos produtos (já que não há incentivo para que as empresas produzam mais, já que isso geraria mais gastos e não entraria mais dinheiro para suportar tais gastos), e o preço continua o mesmo, a população teria um incentivo para comprar em grandes quantidades, seja pelo temor de que o produto acabe, ou para que possa, posteriormente, revender o produto mais caro para quem precise, e assim, lucrar em proveito próprio. Conforme o artigo 39, IX, já elucidado anteriormente, é proibido negar a venda de produtos para compradores que desejam adquiri-los mediante pronto pagamento, salvo exceções definidas por lei. Ocorre que, nesses casos, geralmente há um número máximo de itens que é permitido comprar, mas estes itens não se destinam a quem realmente precisa, e sim a qualquer pessoa que os queira. Sendo assim, a necessidade real que levaria a pagar um valor mais alto pelo produto é atropelada pela urgência momentânea de pessoas que apenas não querem esperar a situação normalizar e desejam se abastecer do produto, já que o preço segue o mesmo enquanto a quantidade ofertada está escassa. Imaginando um caso hipotético, onde há falta de gasolina devido ao não abastecimento dos postos pela fornecedora: neste caso, há diversas pessoas precisando de gasolina por diversos motivos. Algumas pessoas necessitam da gasolina, pois, com este cenário atípico, não sabem quando a venda do produto será normalizada, sem faltar estoque, bem como não sabem quando irão precisar utilizar seus veículos para se locomover, já que há imprevistos e urgências que ocorrem repentinamente. Estas pessoas, com o intuito de se prevenir de futuras dificuldades, irão optar por abastecer-se de gasolina, afinal o valor não aumentou, o produto pode estar momentaneamente extinto do mercado e, além disso, é melhor ‘pecar pelo excesso’. Por outro lado, pode ter uma família no qual um integrante está com uma enfermidade que requer visitas periódicas ao hospital, ou, ainda, alguma doença que demande idas ao nosocômio sempre que o paciente sentir-se com mal-estar ou tiver crises, caso contrário seja provável seu óbito. Como já dito alhures, é obrigação do estabelecimento fazer a venda do produto para compradores que o desejem mediante pronto pagamento, portanto, não necessariamente a quem realmente necessite do produto. Isso significa que pessoas que apenas querem prevenir-se de futuras e hipotéticas situações poderão comprar a gasolina, que no que lhe concerne não estará disponível para emergências realmente graves e urgentes de indivíduos que precisam disto para sobreviver. Há também casos em que sujeitos compram o produto mesmo com a pretensão de usar para uma emergência atual e sem a finalidade de precaver-se, mas sim de modo a locupletar com a venda do produto para uma família em iminente apuro, como no caso mencionado anteriormente. Esse cenário, além de afastar a coerência das medidas adotadas pelo Estado (de coibir a venda para alguém que apresente somente dinheiro e não uma razão justa para a concessão do produto), ainda acaba por prejudicar o comprador, que, por sua vez, invés de pagar para o posto de gasolina uma quantia mais alta, entretanto ainda apropriada devido ao momento de atipicidade, acabará por pagar o valor decidido arbitrariamente pelo indivíduo vendedor, que irá comercializar pelo maior valor possível, a fim de obter o maior lucro.
Destarte, vale a reflexão sobre se o evitamento do aumento dos lucros realmente é o mais favorável ao interesse público, já que deste modo, há falta do produto escasso para todos. É o mesmo que ocorre com o álcool em gel hodiernamente, apesar de muitas indagações sobre as pessoas com menos condições financeiras não obterem o produto, o aumento do preço é o melhor a se fazer, pois, assim, ao menos, haverá produto no mercado. Com a interferência do Estado, não há incentivo para a produção de mais álcool em gel, e, portanto, o produto encontra-se em falta em diversos estabelecimentos, o que consequentemente pode levar a um agravamento da questão da saúde pública, dificultando ainda mais o controle da propagação da COVID-19, conforme demonstrado no artigo ‘’Para que haja máscaras e álcool em gel para todos, só há uma solução: deixar os preços subirem’’ publicado pelo administrador e empreendedor Thiago Fonseca.
- Porque o Estado falha em evitar a dominação do mercado?
Uma maneira de organizar o assunto é começando pelos fundamentos do próprio estado democrático de direito, onde um dos pressupostos é que ele emane parâmetros para a liquidação dos problemas existentes, com lastro neste viés se justifica a intervenção do estado no poderio econômico que nada mais é do que todo ato ou medida legal que restrinja, acondicione ou tenha o propósito de suprimir a iniciativa privada em determinado campo, mirando assim, o desenvolvimento nacional por meio da centralização de recursos e/ou regulamentação destes, entretanto, estes antecedentes podem levar a um desempenho subótimo da sociedade, pois, através de aspectos subjacentes que caracterizam este complexo, como a corrupção, a burocracia e o poder de estatuir, elaborasse entraves fazendo com que o estruturante, ou seja, o Governo, passe a ser o principal financiador de déficits.
Ao refletirmos sobre a ineficiência do Estado em alocar recursos, dois aspectos se destacam a corrupção e a burocracia, a primeira é quando um governante vestisse de estratégias para tomar posse do dinheiro público de modo a maximizar seus próprios benefícios, apesar desta prática ser ilegítima é algo comum e acarreta redução do crescimento econômico. O segundo fator se dá quando lobistas induzem o burocrata a elaborar restrições, porque, além de terem seu aporte inicial restituído e conquistarem uma excelente margem de lucro, concomitantemente, garantem receitas restritas por um longo período com uma ofensiva tácita aos seus concorrentes, por outro lado, o gestor querendo aumentar seu poder opta por segui-las, consequentemente surge lentidão, desperdícios e espoliações, assim acaba que poucos são favorecidos em detrimento de muitos. Levando-se em conta o que foi observado podemos relacionar tais fatos a tragédia dos comuns, pois, ela rege esta conjuntura, indivíduos agindo de modo racional e independente ao dividirem um recurso mútuo buscam aumentar suas vantagens, mesmo que isso contrarie o que seria melhor para a comunidade, fazendo com que o erário seja superexplorado e levando a administração a aumentar seus gastos cada vez mais.
Ademais, há a teoria da captura, a qual discorre que as indústrias reguladas tendem a corromper as agências reguladoras, levando essas a agir de modo em que garantam privilégios e proteção aos interesses comerciais e/ou políticos das indústrias que dominam o setor em questão. Tal conduta vai ao desencontro do interesse público, haja vista que, ao invés destes órgãos beneficiarem os consumidores garantindo-lhes segurança e qualidade em um ou mais ramos do mercado, ela, na verdade, acaba por sofrer de um efeito rebote, já que influências externas impõem o sufocamento de possíveis concorrentes, fulminando a competitividade que possibilitaria o aperfeiçoamento dessas ramificações. Outrossim, o suborno de funcionários públicos trata-se do valor pago em troca da não aplicação penal, ao aceitar a propina o funcionário público está indo contra diversos princípios da administração pública(princípio da legalidade, impessoalidade e moralidade). Todavia, para a realidade de alguns empresários este obstáculo é o único caminho viável até os consumidores, destarte, pode-se entender o pagamento do suborno como uma licença informal que permite ao aliciante enfim ingressar em um meio de negócios e assim passar a comercializar sua mercadoria livre de pressões externas.
O Estado falha ao desconsiderar a ação humana. Não é o ideal que ocorra, porém, é impossível afastar o fato que o ser humano nem sempre irá executar o que é dele esperado, ignorar a corrupção é negar fatos intrínsecos à natureza do homem, se ele puder achar um caminho para desviar das normas ou criá-las para usufruto, assim fará, seria utópico idealizar qualquer sistema onde as falhas humanas não se encontram presentes, por conseguinte, devemos levar tais fatores em consideração e licenciar alternativas que almejam – e obtenham sucesso em – alinhar esses transvios.
Conforme elucida Eduardo Levy em um comentário sobre o livro ‘’A Lei’’, de Frédéric Bastiat (2016, p. 60):
‘’Se o privilégio da proteção governamental contra a competição – fosse garantido apenas por um grupo da França, os ferreiros, por exemplo, tal ato constituiria uma espoliação legal tão óbvia que não poderia durar muito. É por isso que vemos todas as atividades protegidas se combinarem em prol de uma causa comum. Elas até se organizam de modo a dar a impressão de representar todas as pessoas que trabalham. Instintivamente. Sentem que se esconde a espoliação legal ao generalizar-lá.’’(N.A)
Segundo Houaiss, o termo ‘’espoliação’’ é o ‘’ato de privar alguém de algo que lhe pertence ou a que tem direito por meio de fraude ou violência; esbulho’’. Neste trecho, trata-se da ‘’liberdade negativa’’, já trazida por Isaiah Berlin, e tema do artigo científico publicado por Júlio Cesar Casarin (2018), o qual diz que: ‘’a liberdade é negativa porque opera “negativamente”, ou seja, pela não-interferência alheia naquelas esferas protegidas da vida do indivíduo, dos grupos e das associações’’. Sendo assim, tem-se que a liberdade negativa é encontrada, por exemplo, na falta de interferência estatal perante a imprensa. A falta de censura por parte do Estado faz com que a imprensa possa manifestar-se exercendo sua liberdade, portanto, basta a não intromissão de terceiros para que seja dada a autonomia para expressar o que entender ser válido. Diferentemente da liberdade positiva, onde o indivíduo pode agir por si próprio e tomar as rédeas de sua vida e suas escolhas. No trecho supracitado, há uma confusão entre ambas, dado que, conforme o prórpio Bastiat, bem como Berlin reconheceu, as duas liberdades são contraditórias, isto porque, na intenção de dar mais autonomia para a população (liberdade positiva, que versa acerca do poder de controle das próprias escolhas), o Estado acaba por exercer coação sobre eles, ferindo a liberdade negativa dos mesmos. É o dilema encontrado no trecho citado alhures, onde há um privilégio concedido apenas para um grupo, possibilitando, assim, maior independência e autoridade para certo grupo, mas, para que isto possa ocorrer, deverá haver a liberdade positiva, por meio de imposições e prévias coações para com estes grupos.
CONCLUSÃO
O artigo 170 da Constituição Federal de 1988 dispõe que: ‘A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social(…)’. Portanto, há um impasse entre a proteção à livre iniciativa e as regras que o próprio Estado impõe para realizar a manutenção do status quo, sob a justificativa de conceder uma melhor qualidade de vida à população. Mas, o que realmente ocorre é o desincentivo a empresas pequenas de abrirem seus negócios, haja vista que é exigida uma série de complicações que tornam o processo demasiado burocrático e demorado, o que impede a entrada de novos concorrentes no mercado, facilitando a formação de monopólios, os quais o próprio Estado devia evitar, conforme o art. 173 da Constituição Federal de 1988.
Outro fator que facilita a criação de monopólios é o suborno a qual os funcionários públicos estão sujeitos. A teoria da captura corrobora com esse pensamento, já que a corrupção é benéfica para quem produz no ramo, dado que, por meio de um pagamento, é possível que a agência reguladora aja de acordo com os interesses comerciais ou políticos de determinada empresa que atue naquele setor.
Em que pese ser defeso o monopólio de determinado setor por uma companhia privada, a situação se inverte quando se trata de monopólios estatais: são permitidos, ainda que sem a anuência da população. Todavia, tal prática não é de fato proveitosa para a população, posto que, além de não ter o poder de escolha e ter que aceitar o que terceiro (o Estado) crê que é melhor, há a falta de competitividade nas empresas para dominarem o mercado e se tornarem bem sucedidas. A competitividade leva a melhor prestação de serviços e/ou a elevação da qualidade dos produtos, a fim de atrair mais clientes. Quando os clientes são obrigados (por não haver outra opção) a aceitar determinado serviço ou produto, há a ausência de motivação para prestar o melhor atendimento possível, uma vez que não há a ameaça de perder a clientela para rivais. O cenário permanece o mesmo quando trata-se de serviços essenciais, como o fornecimento de água e luz. Se não há disputa pelos consumidores, não há estímulo para aperfeiçoar o exercício da função, ou então um preço mais atrativo para conquistar usuários.
Impactos contrários ao esperado não ocorrem somente na questão de desanimar empresários a abrir seus negócios, tornando o cenário propício para a criação de monopólios, mas também acarreta um desestímulo nas empresas já constituídas a prosseguirem sua produção. Isso ocorre nos casos da repressão ao aumento arbitrário dos lucros, que ocasiona na falta de incentivos a empresas de aumentarem a produção de determinado produto em que houve aumento na demanda. Tendo em vista que o aumento dos valores pode culminar na possibilidade de haver produtos suficientes para atender toda a demanda, o que não ocorreria em casos de fixação de um valor máximo sobre estes, pode-se concluir que o aumento dos lucros, na verdade, é mais efetivo para satisfazer o interesse público.
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1 Graduando em Filosofia na faculdade UFSC. E-mail: [email protected]
2 Graduanda em Direito na faculdade CESUSC. E-mail: [email protected]
3 Mestre em Direito pela UFSC. E-mail: [email protected]