Judicialização Da Saúde: Impactos Da Judicialização Da Saúde No Orçamento Do Estado Do Tocantins

Autora: Eva Claudia Folha De Sousa – Acadêmica de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins ([email protected])

Orientador: Wellington Gomes Miranda. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela UFT, Professor especialista de Direito na UniCatólica. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/8230081219259484.

Resumo: A insuficiência de alguns tratamentos de saúde ofertados pelo governo é na maioria das vezes contestada via ação judicial. O aumento da judicialização deixa claro que grande parte da população entende que os problemas de acesso ao Sistema Único de Saúde se resolvem via ação judicial, isso acaba quebrando a igualdade de acesso e enfraquecendo a política pública. A interferência do judiciário na gestão da saúde causa uma desorganização nessas políticas porque fere o princípio da equidade e da universalidade, prejudicando assim a coletividade. Talvez seja necessária uma maior aproximação entre judiciário e executivo, com mais conscientização do judiciário quanto a importância de se fazer política pública e de se cumprir o que está previsto na Programação Anual de Saúde (PAS), evitando assim a realocação de recursos orçamentários. A judicialização não é solução para ter garantido o direito de acesso à saúde, isso pode criar grandes dificuldades no funcionamento de órgãos importantes do Estado. Este trabalho apontará os impactos que a judicialização causa no orçamento do Estado do Tocantins.

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Palavras-chave: Judicialização. Saúde. Sistema Único de Saúde. política pública de saúde. Estado do Tocantins.

 

Abstract: The inadequacy of some health treatments offered by the government is most often challenged through judicial action. The increase in judicialization makes it clear that a large part of the population understands that the problems of access to the Unified Health System are solved through legal action, which ends up breaking equal access and weakening public policy. The interference of the judiciary in health management causes disorganization in these policies because it hurts the principle of equity and universality, thus harming the community. Perhaps it is necessary to bring the judiciary and the executive closer together, making the judiciary more aware of the importance of making public policy and complying with what is foreseen in the Annual Health Program (PAS), thus avoiding the reallocation of budgetary resources. The Annual Health Program contains the health actions and services, in addition to being responsible for conducting the preparation of the budget. The judicialization is not a solution to have guaranteed the right of access to health, this can create great difficulties in the functioning of important organs of the State. This paper will point out the impacts that the judicialization causes in the Tocantins State budget.

Keywords: Judicialization. Health. Single Health System. Public Health Policy. State of Tocantins.

 

Sumário: Introdução. 1.Fundamentação Teórica. 1.1. Direito à Saúde. 1.2. Sistema Único de Saúde no Brasil. 1.2.1 O Sistema Único de Saúde e Sua Estrutura. 1.2.2. O Regime Jurídico do SUS.1.3 O Fenômeno da Judicialização da Saúde e as Demandas no Estado do Tocantins.1.3.1 Os Limites da Atuação Judicial. 1.3.2 As Demandas Judiciais no Estado do Tocantins. 1.4 A Programação Anual de Saúde (PAS). 1.5 Impactos Orçamentários Causados Pela Judicialização da Saúde. Considerações finais. Referências.

 

Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB preconiza que a saúde é direito de todos e dever do Estado, esse direito foi conquistado através do movimento da Reforma Sanitária ensejando a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). A Lei Maior prevê que o acesso ao tratamento de saúde deve ser universal e igualitário mediante políticas públicas sociais e econômicas que trazem como escopo a distribuição dos recursos financeiros para melhor atender a população. Entretanto, a carência de oferta de alguns tratamentos de saúde infelizmente não ofertados pelo governo acaba sendo contestada via ação judicial.

A judicialização da saúde cresceu muito nos últimos anos, porque é para os cidadãos uma maneira de ter garantido o seu direito de acesso à saúde. Todavia, a interferência do Poder Judiciário nas políticas públicas de saúde acaba causando um impacto em todo o planejamento feito pela gestão. Assim, a administração pública se vê obrigada a fazer realocação de recursos orçamentários. Isso tem interferido na Programação Anual de Saúde do Estado do Tocantins (PAS-TO), pois ela possui as ações, serviços e recursos financeiros que colaboram para a execução das metas do Plano de Saúde.

Com a judicialização o juiz acaba deliberando políticas públicas individualmente tirando um direito que seria da coletividade, pois ele decide onde aplicar e para quem aplicar e isso tem interferido no planejamento da administração. O SUS é uma porta de entrada para o tratamento de saúde, entretanto, o Poder Judiciário tem se tornado uma segunda porta de entrada.

O crescente número de ações judiciais na área da saúde no Estado do Tocantins ensejou a criação do Núcleo de Demandas Judiciais, que foi criado exclusivamente para atender as decisões judiciais de forma mais célere, pois ele faz todo o trabalho do processo de compra dando mais celeridade ao atendimento da determinação judicial. Além de prejudicar o planejamento em saúde, as demandas excessivas ainda podem levar ao não cumprimento do acesso igualitário conforme preconiza a Constituição Federal de 1988.

 

  1. Fundamentação teórica

1.1 Direito à saúde

Entendendo que o direito à saúde tem previsão legal na Constituição Federal de 1988, no Título II sob a égide “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Neste aspecto pode-se assegurar que é direito fundamental garantir à população o acesso universal e igualitário nos tratamentos de saúde sem privilégios ou preconceitos de nenhuma natureza, nem mesmo financeiro, por meio de políticas públicas, sociais e econômicas.

O direito à saúde contém previsão legal no artigo 196 da Constituição Federal, que dispõe:

 

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (BRASIL, 1988, Art. 196).

 

Nota-se que o legislador, deixa claro que as políticas públicas devem buscar a diminuição do risco de doenças e de outros agravos. A Lei Maior de 1988 determina o compromisso do Estado em garantir à população o pleno direito à saúde. Desta forma, podemos citar o Princípio da integridade do atendimento que assegura a população o acesso a qualquer procedimento até mesmo os que não estão previstos no SUS, mas que seja fundado na medicina. Quanto à integridade do atendimento, neste sentido, vale citar o entendimento de DRESCH (2014, p. 39).

 

“Embora o art.198, II, da Constituição Federal priorize as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, também fixa como diretrizes das ações e serviços de saúde o atendimento integral. Em razão da especificidade e do detalhamento das disposições constitucionais que asseguram o acesso à saúde pública, afasta-se a possibilidade de afirmar que as disposições sobre o acesso à saúde têm natureza meramente programática.”

 

O autor garante nesse texto que não pode haver no atendimento à população exclusão de nenhuma natureza de tratamento, preventivo ou curativo. Devendo contemplar tratamento condigno conforme prevê a ciência médica, isso sem excluir qualquer tratamento de saúde, garantindo até mesmo os tratamentos que não estão dentro da Política Pública de Saúde.

O que se deve atentar é até que ponto se pode ou deve-se judicializar para ter a garantia desses direitos. É necessário que o Poder Judiciário antes de uma decisão, investigue primeiramente se existe alguma demanda reprimida bem como, se haverá consequências dessa demanda nos recursos financeiros disponíveis. Isso para evitar decisões equivocadas sobre o direito à saúde, evitando nesse mesmo contexto a má judicialização.

 

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1.2 Sistema Único de Saúde no Brasil

O Sistema Único de Saúde (SUS) teve sua criação na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mas começou a ser pensado em 1970. Neste sentido, afirma-se que a criação do SUS aborda o maior programa de atenção à saúde do mundo, com algumas falhas e até mesmo deficiências, mas ainda assim, busca a melhor forma de atender a população. Segundo BUÍSSA, BEVILACQUA E MOREIRA (2018, p. 28):

 

“A criação do SUS resultou de um movimento em favor de uma ampla reforma sanitária, iniciando no final da década de 1970, no contexto do processo de redemocratização do País, tendo como escopo fundamental a reversão do quadro inadequado e perverso do sistema de saúde então vigente, constituído ao longo de quase um século e consolidado durante a ditadura militar. “

 

No texto dos autores resta claro que o movimento da reforma sanitária deu origem e ajudou a formalizar o Sistema. Mas a sua regulamentação veio com a Lei nº 8080/1990 que prevê a promoção, prevenção e tratamento de saúde, trazendo também o exemplo de gestão e os princípios do Sistema Único de Saúde. O SUS é uma porta de entrada para os tratamentos de saúde.  Uma das suas ferramentas mais importantes é a participação da população perante as políticas públicas. Os conselhos e conferências de saúde são instrumentos de grande importância para a transparência, participação e controle da população quanto às políticas e serviços de saúde.

 

1.2.1 O Sistema Único de Saúde e sua estrutura

O Sistema foi criado para atender a toda a população e possui uma estrutura formada pelas três esferas de governo com diferentes responsabilidades. Segundo NUNES E QUEIROZ (2007, p. 9): “O SUS é um sistema porque é formado por várias instituições dos três níveis de governo (União, Estados e Municípios) e pelo setor privado, com o qual são feitos contratos e convênios para a realização de serviços e ações, como se fosse um corpo único”.

Vejamos as informações a seguir.

Captura de Tela 150

Conforme o exposto no infográfico, as três esferas trabalham em conjunto em busca de um bem maior, o melhor atendimento à população. Esse atendimento deve ser assegurado a todos sem discriminação ou regalias e garantindo a atenção total e qualidade de vida do cidadão.

 

1.2.2 O regime jurídico do SUS

Os princípios, diretrizes e normas específicas do SUS podem ser encontrados no texto da Carta Magna no artigo 23, inciso II que trata da competência das esferas e no artigo 198, inciso II onde o legislador se preocupou em trazer as ações e serviços públicos de saúde. É necessário que se compreenda o modelo do SUS, para que as determinações dos magistrados possam ser tomadas sem causar prejuízos à população e sem causar impacto no orçamento público. Na visão de MAPELI JUNIOR (2017, p. 50):

 

“A teoria jurídica da saúde pública, inclusive para fins de aplicação da lei ao caso concreto pelo juiz de direito, obrigatoriamente deve partir do modelo constitucional do SUS, não somente em razão dos princípios genéricos da Constituição que devem irradiar por toda a ordem jurídica (dignidade humana, solidariedade, justiça social, direito à saúde, etc.), mas também porque as regras constitucionais que desenharam as políticas públicas de saúde tem imperatividade como um todo, harmoniosamente, devendo ser centrais na interpretação jurídica. “

 

A própria Constituição Federal criou um modelo jurídico a ser seguido com princípios e normas específicas, desta forma é impossível falar em direito à saúde sem que seja aplicado o que está previsto no texto constitucional. A Lei Orgânica da Saúde (nº 8.080/1990) traz expresso em seu texto as ações e serviços de saúde e, mais precisamente, no artigo 4º os órgãos que constituem o Sistema.

 

“Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).” (BRASIL, 1990, Art. 4º).

 

Não deixando de falar na Lei 8.142/1990 que complementa a Lei Orgânica da Saúde trazendo a participação da sociedade no Sistema Único de Saúde, assim como os Conselhos e Conferências. O Sistema foi pensado para acolher toda população de forma digna, através de ações e políticas públicas.

 

1.3 O fenômeno da judicialização da saúde e as demandas no Estado do Tocantins

A judicialização da saúde é um assunto que vem crescendo nos últimos dez anos, um fenômeno de ampla importância, pois estamos falando de direito fundamental expresso na Constituição Federal de 1988. As discussões sobre o assunto são constantes.

O Estado do Tocantins realizou em 2017 o primeiro Congresso de Saúde Integrada e durante este evento aconteceu o Fórum de Judicialização da Saúde, onde diversos órgãos de controle juntamente com todo o jurídico da Secretaria de Estado da Saúde debateram suas opiniões sobre as determinações judiciais, buscando fortalecer o atendimento aos cidadãos usuários do SUS.

No mês de agosto de 2019 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Comitê Executivo de Monitoramento das Ações de Saúde (CEMAS), também realizou um fórum de judicialização com a finalidade de sensibilizar os operadores do Direito e também profissionais da área da saúde frente às ações e serviços, buscando a melhor forma de atender os cidadãos.

 

1.3.1 Os limites da atuação judicial

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Conforme já foi exposto, à saúde é um direito fundamental, previsto na Constituição Federal de 1988. Entretanto vale analisar até que ponto se pode judicializar para ter garantido esse direito. Na visão de BARROSO (2007, p. 3):

 

“Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em si. Eles põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos. No limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implementadas. Trata-se de hipótese típica em que o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar à não realização prática da Constituição Federal. Em muitos casos, o que se revela é a concessão de privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que continua dependente das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo.”

 

Com essa alerta do autor, vale repensar as determinações dos magistrados frente às demandas excessivas, pois elas podem levar ao não cumprimento do que está preconizado na Constituição Federal de 1988, ocasionando um desequilíbrio, o não cumprimento das políticas públicas de saúde além de uma desorganização no planejamento que foi feito. Essas políticas são pensadas para atender a sociedade de forma coletiva e o judiciário, ao tomar uma decisão, pode estar tirando o direito do coletivo para aplicar ao individual. A judicialização transfere para o juiz o poder para deliberar políticas públicas e essas deliberações têm sido individuais, tirando o direito que seria da coletividade. Assim o poder judiciário acaba sendo quem decide onde aplicar e para quem aplicar e isso tem interferindo na Programação Anual de Saúde (PAS). O SUS é uma porta de entrada para o tratamento de saúde, todavia o judiciário tem se tornado uma segunda porta de entrada. Para melhor entendimento, vale trazer a visão de BUCCI (2017, p. 61):

 

“Com o reconhecimento praticamente unânime de que a judicialização da saúde se tornou excessiva, a partir de certo momento, que pode ser fixado em 2009, quando se realizou a Audiência Pública nº 4, no STF, o Poder Judiciário passou a se mobilizar para buscar critérios e padrões mais racionais para suas decisões nesses casos.”

 

Percebe-se que o Poder Judiciário tem se preocupado com o tema em comento e vem buscando uma solução para o caso. Apesar de a discussão ser constante sobre o assunto, ainda é necessário amadurecimento e que seja acrescido ao debate às questões financeiras e as implicações das determinações judiciais, sob pena de o judiciário com o intuito de salvar vidas, estar cometendo uma injustiça com os cidadãos que não judicializam.

No Estado do Tocantins podemos contar o Comitê Executivo de Monitoramento das Ações de Saúde (CEMAS), que foi criado com a finalidade de coordenar e executar as ações da saúde e conta com a presença de servidores de vários órgãos, envolvidos diretamente nas questões de saúde. O CEMAS tem a encargo de monitorar as ações judiciais de saúde que sejam de medicamentos, leitos de Unidade de Terapia Intensiva – UTI ou cirurgias, além de ter que propiciar o diálogo para que as demandas sejam solucionadas e evitadas a judicialização. Dentre as ações do CEMAS podemos citar a concepção do Núcleo de Apoio Técnico Jurídico (NatJus), criado através de um Termo de Cooperação Técnica entre Tribunal de Justiça e o Governo do Estado. HENRIQUE, MENDONÇA E BRAGA (2018, p. 283) destacam que:

 

“A parceria entre o TJTO e a SES-TO resultou na disponibilidade, por parte do Tribunal de Justiça, de uma sala localizada na sede da Corregedoria Geral de Justiça, com infraestrutura e equipamentos necessários para as atividades do núcleo; e, por parte da Secretaria Estadual de Saúde, na disponibilização “de fato” de servidores, que atualmente somam a quantia de 21 (vinte e um) técnicos. Conforme o Termo de Cooperação Técnica vigente, 17(dezessete) servidores, à exceção dos médicos, foram disponibilizados para o Tribunal de Justiça, que passou a ter gestão do NAT Estadual, por intermédio da Coordenadora do Comitê Estadual de Saúde.”

 

Diante deste contexto, pode-se perceber que existe uma preocupação tanto do Tribunal de Justiça quanto do Governo do Estado na desjudicialização da saúde. O NatJus do Tocantins foi criado para dar suporte aos magistrados e operadores do direito que não tem conhecimento técnico sobre o SUS e suas políticas públicas e para que seja garantido o direito da coletividade em preferência ao do individual. O SUS trabalha com políticas para acolher a coletividade.

 

1.3.2 As demandas judiciais no Estado do Tocantins

As determinações dos magistrados na área da saúde são inúmeras, a secretaria possui demandas desde medicamentos não incorporados até aquelas de medicamentos simples, sendo facilmente encontrados na unidade básica de saúde.  Hoje em dia todas as políticas públicas de saúde do Estado do Tocantins são ajuizadas. O aumento no número de ações judiciais no estado ensejou na criação do Núcleo de Demandas Judiciais que funciona dentro da Secretaria de Estado da Saúde e foi criado exclusivamente para melhor atender as determinações dos magistrados. Tal preceito pode ser complementado segundo o entendimento de SANTOS (2018, p.193):

 

“No caso da Secretaria de Estado da Saúde do Tocantins, em razão das inúmeras decisões judiciais para atendimento de pacientes que necessitam de medicamentos, exames ou cirurgias, quase sempre com prazos exíguos para cumprimento, foi criado na estrutura da Superintendência de Assuntos Jurídicos, um Núcleo de Demandas Judiciais, com a atribuição de dar cumprimento às decisões judiciais que determinam a compra de determinado medicamento ou procedimento ao paciente.“

 

Percebe-se que o Núcleo de Demandas Judiciais – NDJ foi um meio encontrado pela Secretaria de Estado da Saúde (SES/TO) para melhor cumprimento das decisões judiciais. Antes da ideia de criar o NDJ, as demandas judiciais entravam junto com todas as demandas administrativas da secretaria, passando por termo de referência, cotação, nota de empenho e todo o trâmite burocrático necessário para os processos de compras e isso demorava muito. Assim, uma demanda que era para ser cumprida no prazo de 24 horas, demorava de dois a três meses para ser concluída, porque ela não tinha prioridade frente às compras regulares. Em tese, o certo era que as determinações dos magistrados tivessem prioridade, porém, não era o que acontecia. Então se criou o Núcleo para que as demandas pudessem ser atendidas de uma maneira mais célere, concentrando dentro da Secretaria todas as ações judicializadas individualmente e não demandas coletivas. O NDJ é um setor de compras emergenciais que são feitas para acatar as decisões dos magistrados. Ainda de acordo com SANTOS (2018, p. 193):

 

“As compras feitas por este Núcleo de Demandas Judiciais são realizadas de forma direta, na forma do art. 24, IV da Lei 8.666/1993, observando-se todas as exigências legais para tanto, como a elaboração do Termo de Referência, com a especificação do que se deseja adquirir, seu quantitativo e qual o fundamento da situação emergencial, bem como a decisão judicial.”

 

A necessidade em cumprir a determinação judicial faz com que o secretário precise fazer a compra direta, mas todas as compras devem ser feitas dentro dos padrões legais, pois cabe ao gestor comprovar que não houve dano ao erário e tão pouco ao paciente que judicializou sob pena de sofrer possíveis sanções caso isso seja provado.

Desde a sua criação, o Núcleo Demandas Judiciais trabalha de maneira célere, em virtude do crescente número de ações. Na visão de SANTOS (2018, p. 193): “No ano de sua implantação, o Núcleo de Demandas Judiciais foi responsável pelo atendimento de mais de 400 demandas judiciais que necessitavam de compra emergencial por parte da Secretaria de Estado da Saúde”. Logo após ser implantado o Núcleo de Demandas Judiciais, as determinações dos magistrados passaram a ter mais efetividade, pois o NDJ faz todo o trabalho do processo de compra, dando celeridade ao atendimento da determinação judicial.

Segundo levantamento de dados feitos pelo jurídico da Secretaria de Estado da Saúde (SES/TO) observa-se um aumento no número das determinações judiciais entre os anos de 2016 a 2019. O levantamento foi feito pelos números de processos de compras, bloqueio judicial, quantidade de pacientes e mandados judiciais. Percebe-se que a quantidade de ações para garantir o direito à saúde é muito elevada e que traz custos para a gestão. As despesas são enormes no que diz respeito a todos os tipos de demandas desde as de aquisição de medicamentos até as de realização de cirurgias sejam elas ortopédicas, cardíacas e até mesmo as eletivas.

Captura de Tela 149

No gráfico acima se percebe que o gasto com processos de compras entre os anos de 2016 e 2019 cresceu de forma acelerada. Enquanto em 2016 o gasto com processos de compra era R$ 852.492,41 no ano de 2019 esse valor chega a R$ 3.908.889,52. Para promover a compra de medicamentos, insumos e serviços que são necessários para o atendimento das determinações judiciais muitos gestores, algumas vezes, são obrigados a aderir às contratações emergenciais atendendo os requisitos para que não estejam expostos a sanções no campo administrativo, civil ou penal.

Captura de Tela 148

Neste segundo gráfico pode-se perceber que houve uma redução nos valores de bloqueio judicial entre os anos de 2018 a 2019, mas ainda assim, a diferença entre os anos de 2016 e 2019 é enorme. Enquanto em 2016 o bloqueio foi de R$ 500.819,34 no ano de 2019 esse bloqueio chega a casa dos milhões, mais precisamente R$ 11.971.095,89. Os bloqueios judiciais são na maioria das vezes sobre as contas de transferência do Ministério da Saúde para o Estado, isso acaba por comprometer a execução de ações vinculadas, gerando assim, a ineficiência de políticas públicas.

Captura de Tela 147

Este terceiro gráfico traz a quantidade de pacientes que foram atendidos pelas decisões judiciais. No ano de 2019 foram atendidos menos pacientes que os anos de 2016 a 2018, mas, conforme demonstra os gráficos acima, os números de processos de compras e de bloqueios judiciais são maiores. Neste sentido, as decisões dos magistrados privilegiam uma minoria, lesionando vários cidadãos que necessitam do Sistema Único de Saúde, tirando o direito da coletividade e quebrando a igualdade de acesso.

Captura de Tela 146

O gráfico acima traz a quantidade de mandados judiciais entre os anos de 2016 a 2019. Novamente nota-se que os números aumentaram. Grande parte dos custos com a judicialização é direcionado ao atendimento à prestação de serviços ou fornecimento de itens não previstos nas políticas públicas do Sistema Único de Saúde. A maioria das demandas judiciais em que se pleiteia o fornecimento de medicamentos envolve itens não incorporados, experimentais ou que não atendem aos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas.

O gráfico abaixo faz um aparato geral dos gráficos citados anteriormente e  mostra o custo da judicialização da saúde entre os anos de 2016 e 2019.

Captura de Tela 145

Fonte: BANDEIRA, Cícero Oliveira. Demandas Judiciais – Custo da Judicialização. Superintendência de Assuntos Jurídicos. 2019.

Para a quantidade de pacientes atendidos do ano de 2019 foram considerados os valores apresentados no RQDA no NDJ para o respectivo ano. Já os valores apresentados nos anos anteriores tiveram por base os dados lançados na planilha Diretoria de Contencioso (DCONT) de mandados e prevenções para pacientes atendidos, tendo em vista que o NDJ foi criado em Março/2017, não havendo a possibilidade de análise de série histórica para os anos de 2016 e 2017, e para o ano de 2018 não havia estrutura de servidores para fazer o acompanhamento do RQDA do respectivo ano.

 

1.4 A Programação Anual De Saúde (PAS)

A Programação Anual de Saúde – PAS contém as ações e serviços de saúde que serão utilizadas no ano subsequente a sua elaboração. Ela é responsável por guiar a preparação do orçamento em saúde.  A LC nº 141/2012 dispõe:

 

“Art. 36, §2º Os entes da Federação deverão encaminhar a programação anual do Plano de Saúde ao respectivo Conselho de Saúde, para aprovação antes da data de encaminhamento da lei de diretrizes orçamentárias do exercício correspondente, à qual será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público (LC nº 141/2012).”

 

Neste contexto, vale mencionar que o Plano de Saúde, a PAS e o Relatório de Gestão são interligados e compõem o planejamento para operacionalizar o SUS. O Plano de Saúde é a ferramenta básica para nortear a Programação Anual de Saúde.  Na visão de DUTRA (2018, p.28) o Plano:

 

“Apresenta as intenções e os resultados a serem buscados no período de quatro anos, expressos em objetivos, diretrizes e metas. Como instrumento referencial, no qual devem estar refletidas as necessidades e peculiaridades próprias de cada esfera, configura-se a base para execução, o acompanhamento, a avaliação e a gestão do sistema de saúde, de modo a garantir a integridade desta.”

 

O Plano de Saúde é essencial no planejamento para definir e implementar iniciativas na área da saúde, tem como escopo as precisões da população, os atributos de cada esfera; isso, através de uma análise situacional. Deste modo, a preparação do Plano de Saúde deve ser feita de maneira ascendente e participativa, devendo basear-se nas necessidades da sociedade que podem se manifestar durante a audiência pública que é realizada para a preparação do Plano, visando à transparência e a visibilidade, os planos devem ainda especificar o procedimento de alocação dos recursos.

A Programação Anual é referência no cumprimento das ações e serviços de saúde, contém os recursos orçamentários e outros elementos que colaboram para a execução das metas instituídas no Plano de Saúde, prevendo a alocação dos recursos orçamentários. Conforme GARCIA E REIS (2016, p. 46):

 

“O Plano de Saúde, a Programação Anual de Saúde e o Relatório Anual de Gestão expressam o sistema de planejamento do SUS e são instrumentos específicos de cada esfera, estratégicos para o alcance da capacidade resolutiva e efetivação dos acordos do Pacto pela Saúde.”

 

Desta maneira, a PAS deve conter ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde.  As regiões de saúde deverão conter ações e serviços de atenção primária, urgência e emergência, atenção psicossocial e vigilância em saúde. De acordo com DUTRA (2018, p.28):

 

“A Programação Anual de Saúde Deve conter a definição das ações que, no ano específico, irão garantir o alcance dos objetivos e o cumprimento das metas do Plano de Saúde; o estabelecimento das metas anuais relativas a cada uma das ações definidas; a identificação dos indicadores que serão utilizados para o monitoramento da Programação; e a definição dos recursos orçamentários necessários ao cumprimento da Programação.“

 

Segundo o texto citado, fica esclarecido que a gestão faz todo um planejamento para execução das metas do Plano. Entretanto, as interferências das determinações dos magistrados podem vir a prejudicar o que está previsto na PAS, gerando um possível desequilíbrio em tudo o que foi planejado. Ainda de acordo com DUTRA (2018, p. 30):

 

“No âmbito do SUS, pra execução dos recursos do Fundo de Saúde, o Gestor deve observar: o Plano de Saúde, o PPA, a LDO e a LOA, visto que a aplicação dos recursos vinculados à saúde deve estar em conformidade com os objetivos e metas estabelecidas, dada determinação da Lei n. 8.080 de 1990 e a LC n. 141, de 2012.”

 

O Secretário da Pasta da Saúde deverá observar a previsão contida na PAS acerca do emprego dos recursos do Fundo de Saúde, posto que tudo deve estar em concordância com o que foi estabelecido. A PAS-2019 do Estado do Tocantins foi apresentada ao Conselho Estadual de Saúde em 06 de dezembro de 2018, e apresenta trinta e oito ações orçamentárias como projetos, atividades e operação, além de oito objetivos temáticos e um objetivo de manutenção da gestão (TOCANTINS, 2018). As ações da Programação Anual de Saúde do Tocantins podem ser encontradas no sítio eletrônico da Secretaria de Estado da Saúde (SES-TO).

 

1.5 Impactos orçamentários causados pela judicialização da saúde

A judicialização da saúde no Tocantins consome cerca de 10% do orçamento previsto para custeio na fonte do tesouro estadual (Fonte 102), grande parte das demandas são as de aquisição de medicamentos que não estão incorporados, fora do protocolo de atribuição da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e esta situação gera um desequilíbrio orçamentário na Pasta, sendo fator determinante a inexistência das políticas públicas de saúde e dificultando a execução do que foi planejado na Programação Anual de Saúde.

Os recursos destinados à saúde nunca são suficientes para atender os crescentes casos de judicialização, sendo considerado o impacto orçamentário causado pelas demandas em excesso. Segundo BUÍSSA, BEVILACQUA E MOREIRA (2018, p. 39):

 

“Quando da elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), não há conhecimento acerca das ações judiciais em tramitação ou que tramitarão em matéria de saúde pública, de modo a se inviabilizar um exato dimensionamento do montante a ser gasto pelo ente a este título.”

 

Nesse contexto, a administração pública não tem como prever o que será gasto com as ações judiciais, embora ao elaborar a PAS seja reservada uma ação para atender as determinações dos magistrados, ainda assim é impossível saber o montante a ser gasto nesse setor devido ao aumento nos casos de judicialização. A lei orçamentária brasileira estabelece a quantidade de recursos, receitas e despesas destinados à saúde que serão realizadas no ano subsequente a sua elaboração e aprovação, buscando dar efeito ao princípio da universalidade, assegurando a saúde acessível a toda comunidade.

Se há determinações judiciais que impetram gastos públicos, efetivamente, será efetuada deslocação de recursos que seriam gastos com outras ações e serviços, tirando o direito de alguns para garantir um direito em particular. Ainda de acordo com BUÍSSA, BEVILACQUA E MOREIRA (2018, p. 39):

 

“Por conta dessa escassez de recursos públicos a serem usados nesta área, e da necessária ocorrência de “escolhas trágicas”, tem-se buscado uma limitação no âmbito das decisões judiciais exaradas, o que se deu com a importação da teoria alemã da “reserva do possível”.”

 

Segundo a teoria da reserva do possível, os direitos sociais são efetivamente prestados ficando adstritas às capacidades financeiras do Estado, esses direitos são financiados pelos cofres públicos. Nesse sentido, deve ser analisada a possibilidade jurídica e a capacidade orçamentária, da mesma forma em que deve ser analisada a competência dos entes da federação para a garantia desse direito. Neste sentido, na visão de BUÍSSA; BEVILACQUA; MOREIRA (2018, p. 39):

 

“O primeiro órgão a quem compete fazer minuciosa análise dos limites fáticos do orçamento seria o legislador, ao elaborara a LOA. O poder executivo, num segundo momento, daria concretude ao disposto em lei, efetivando a execução orçamentária com a eleição de prioridades a serem atendidas. O judiciário não poderia interferir nesta seara.”

 

A Constituição Federal de 1988 instituiu o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), visando o equilíbrio orçamentário e o planejamento estatal para consolidar as políticas públicas com alcance coletivo dos cidadãos. Deste modo, o Poder Judiciário fica impedido de interferir nesses planejamentos.  O PPA tem a função de garantir a transparência dos gastos públicos, além de ser um plano que contém as ações pretendidas pelo Governo. Segundo MAZZA (2014, p.373):

 

“A possibilidade de se efetuar gastos em saúde sem antes haver uma relação com o seu programa é inexistente; a LRF obriga a interação dos instrumentos de planejamento e orçamento – PPA, LDO e LOA -, que são leis e determinam financeiramente, através de alocação de recursos públicos, as ações prioritárias para o atendimento das demandas da sociedade.”

 

A administração pública faz todo um planejamento para cumprimento das ações da Programação Anual de Saúde sendo estas de médio e longo prazo, ficando instituídas no plano as políticas públicas e medidas em que serão investidas o orçamento.  A LDO serve para garantir o que está previsto no PPA e funciona como uma ligação entre o que está previsto nas metas e a aplicação do orçamento previsto na LOA.

Grande parte do que é gasto com determinações judiciais está relacionada a demandas para aquisição de medicamentos que não estão incorporados, experimentais, fora de protocolo e de atribuição dos demais entes da federação.  No entendimento de PAIM (2018, p. 91):

 

“Ressalta-se que o orçamento da saúde é limitado, e toda e qualquer decisão judicial que determina o fornecimento de um serviço ou medicamento não inserido na lista do RENASES ou RENAME acaba por acarretar a deficiência na prestação de outro serviço do SUS.”

 

Segundo a aludida autora, é necessário que as decisões judiciais sejam repensadas, pois elas podem acarretar uma possível desorganização do Sistema Único de Saúde, ou seja, tudo o que foi programado para atender o coletivo acaba sendo quase impossível de ser realizado para que possa ser cumprida uma ordem judicial garantindo um direito individual, deixando os menos favorecidos em situação de desassistência.

O orçamento da saúde possui uma limitação, por essa razão existe toda uma programação para que ele seja gasto da melhor forma possível, pensando em dar assistência à população. Os grandes números de decisões judiciais acabam por causar uma desorganização na administração pública gerando um intenso impacto orçamentário para cumprimento das determinações dos magistrados, sejam com a aquisição de medicamentos de alto custo, insumos, equipamentos e realização de cirurgias. Todas essas demandas não podem ser previstas pelos gestores, por isso, a administração precisa fazer deslocamento de recursos públicos para cumprimento das determinações judiciais, em virtude desse cenário deixa desassistida parte da população. Na visão de MAZZA (2014, p. 374):

 

“Ocorre que o Poder Judiciário não observa e não considera muitas vezes as políticas que envolvem o Direito à Saúde, ficando restrito somente a uma leitura do ordenamento jurídico sem observar o planejamento orçamentário, conforme estabelece a exigência legal da LRF, inviabilizando desta forma a sustentabilidade financeira da política de saúde devido a incompatibilidade entre a decisão do Poder Judiciário e o campo normativo das finanças públicas – exigência a ser cumprida pelo Poder Executivo. “

 

A judicialização da saúde transfere para o juiz o poder para deliberar políticas públicas e essas deliberações têm sido individuais, tirando o direito que seria da coletividade. Assim, o poder judiciário acaba sendo quem decide onde aplicar e para quem aplicar, mas não é feita uma análise quanto ao impacto que essas decisões podem causar no orçamento público e em toda Programação Anual de Saúde (PAS). Ainda conforme MAZZA (2014, p. 374):

 

“Nota-se que, mesmo a decisão judicial sendo direcionada a concretização do direito fundamental social à saúde, ela não considera a complexidade dos critérios normativos legais e a possibilidade da execução por meio dos recursos alocados no orçamento.“

 

A saúde pública possui uma escassez de recursos, porém, são muitas as necessidades da população. Desta forma, antes de tomar uma decisão os magistrados devem fazer uma análise em relação aos recursos orçamentários para que seja evitado o não cumprimento das políticas públicas de saúde prevista na Programação Anual e que foram planejadas para melhor atender os cidadãos. Para mais perfeito entendimento, à luz de MAZZA (2014, p.374):

 

“É importante mencionar, ainda, que ocorrem impactos orçamentários gerados com a realocação de recursos para que as decisões judiciais sejam cumpridas, prejudicando assim quem se beneficiaria destes recursos e as políticas públicas da pasta da saúde e, até mesmo, de outras pastas.“

 

Ainda de acordo com o autor, as determinações dos magistrados causam grande impacto no orçamento isto porque recursos precisam ser realocados, impossibilitando o cumprimento das políticas que foram planejadas pela gestão para serem cumpridas no ano subsequente a sua elaboração. MAZZA (2014, p. 374) ainda afirma que:

 

“O Poder Judiciário deve basear-se em alguns parâmetros e na exata noção das consequências de suas decisões, tendo em vista que de uma forma ou outra, suas decisões implicarão no orçamento público, causando impacto, exigindo realocação forçada de recursos e prejudicando quem se beneficiaria originalmente destes recursos do Estado.”

 

Neste sentido, o Poder Judiciário além de seguir as normas jurídicas também deve analisar o contexto econômico antes de qualquer decisão. Os bloqueios judiciais e a realocação de recursos para a garantia do cumprimento da determinação judicial têm sido constantes e isso tem causado grande preocupação aos gestores da área da saúde. A interferência do Poder Judiciário gera desequilíbrio no funcionamento da Programação Anual de Saúde, fazendo com que muitas vezes os recursos orçamentários sejam realocados, interferindo no cumprimento das ações e serviços previstos na Programação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a realização deste estudo  foi possível analisar o quanto a reflexão acerca da  judicialização da saúde é de extrema importância, um fenômeno que vem crescendo nos últimos dez anos por causa de diversos problemas: falta de infraestrutura, investimento e por ser uma garantia à população na obtenção de medicamentos ou cirurgias que não estão dentro da política pública de saúde, causando uma desorganização nessas políticas.

O aumento da judicialização evidencia que alguns cidadãos entendem que os problemas de acesso ao SUS se resolvem com ações judiciais. Alguns podem até conseguir, mas, sendo impossível garantir solução de acesso a todos, via ação judicial. Esta instabilidade inviabilizaria o funcionamento de órgãos como o Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preconiza, no artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo o acesso universal e igualitário por meio de políticas públicas sociais e econômicas, prevendo a diminuição do risco de doenças e outros agravos. Isso significa que o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) será assegurado a todos, sem qualquer tipo de regalias.

Para garantir esse direito a Programação Anual de Saúde (PAS) contém as ações, os recursos orçamentários e outros elementos que colaboram para a execução das metas e objetivos da Programação Anual, com a finalidade de prever a alocação dos recursos financeiros a serem usados no ano subsequente a sua elaboração. A PAS é referência na execução dos serviços de saúde, porém a interferência de fator externo gera desequilíbrio em seu funcionamento.

Por fim, acredito que o excesso de judicialização prejudique a maior parte da população.  É perceptível que judicializar não é solução para que os cidadãos garantam o acesso à saúde, visto que isso pode criar grandes dificuldades no funcionamento de órgãos importantes do Estado, prejudicando assim a melhoria da prestação de serviços do Sistema Único de Saúde, uma vez que quebra a igualdade do acesso à saúde, consumindo recursos financeiros, criando uma segunda porta de entrada e enfraquecendo a política pública de saúde.  Assim, os cidadãos que não possuem um determinado grau de instrução acabam arcando duas vezes por este excesso de judicialização, por não possuírem os recursos e conhecimento necessários para procurar o judiciário em busca de seus direitos via ações judiciais e a segunda, mas não menos importante, pelo fato dos recursos financeiros que seriam gastos com políticas públicas, sendo, por muitas vezes,  realocados de sua programação inicial para arcar com  as determinações dadas pelos magistrados.

Acredito que todos os operadores do direito devem agir com discernimento, principalmente quando estiverem de frente com alguma demanda de saúde, evitando obrigar a administração pública a fazer gastos que possam causar impactos aos cofres públicos e prejudicar de alguma forma a coletividade.

 

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