Resumo: Este estudo traça o percurso da jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros em relação à nomeação de candidatos aprovados em concurso público desde a Súmula 15/1963 até os dias atuais. O objetivo é mostrar e sistematizar a mudança de entendimento desses tribunais em relação à discricionariedade da Administração Pública. Para tanto, realizou-se um levantamento de decisões desses órgãos através do tempo. A análise desse material mostrou que os tribunais superiores mudaram seu posicionamento sobre a vinculação e discricionariedade da Administração Pública na nomeação dos candidatos aprovados em concurso público. Será mostrado também que tal processo de mudança está sendo recepcionado apenas parcialmente em projeto de lei do Senado Federal.
Palavras-chave: Concurso público. Nomeação. Discricionariedade e vinculação. Jurisprudência
Abstract: This study traces the course of the jurisprudence of the Brazilian superior courts relative to the nomination of candidates approved in public tender from the Precedent 15/1963 to the present day. The objective is to show and systematize the change of understanding of these courts in relation to the discretion of the Public Administration. A survey of decisions of these organs was carried out over time. The analysis of this material showed that the superior courts changed their position about the linkage and the discretion of the Public Administration in the nomination of the candidates approved in public tender. It will also be shown that this process of change is being received only partially in a Federal Senate of Brazil.
Keywords: Public tender. Nomination. Discretion and linkage. Jurisprudence.
Sumário: Introdução. 1. A súmula nº 15/1963 do STF. 2. Discricionariedade e vinculação da Administração Pública para candidatos aprovados dentro do quantitativo de vagas. 3. Posicionamentos dos tribunais sobre os aprovados fora do número de vagas. 4. O PL 74/2010. Conclusão. Referências.
Introdução
Este estudo expõe a posição atual do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em relação à nomeação de candidatos classificados dentro e fora do número de vagas em concursos públicos, mostrando a mudança pela qual passou esse processo.
Serão apresentados os posicionamentos já adotados por esses dois tribunais, além de sua posição mais recente sobre o assunto. Faremos, assim, uma sistematização da jurisprudência sobre o tema.
Acreditamos que a mudança de posicionamento verificada nesses tribunais foi condicionada, principalmente, pela insistente inobservância do poder público na nomeação de candidatos aprovados no concurso, muitas vezes nomeando para cargos vagos pessoas que não se submetiam ao certame. Essa preterição fez com que muitos candidatos aprovados dentro do número de vagas buscassem o Poder Judiciário, a fim de garantir um direito que, como veremos, nem sempre foi líquido e certo.
Tal pesquisa se justifica pelo fato de não haver legislação sobre o tema. Há um projeto de lei do Senado Federal (Projeto de Lei nº 74/2010 – Lei Geral dos Concursos), que "cria regras para a aplicação de concursos para a investidura em cargos e empregos públicos no âmbito da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal". O projeto já foi remetido à Câmara dos Deputados, onde se encontra sem tramitação desde 2013.
Além disso, é importante mostrar a mudança pela qual passou o entendimento dos tribunais, para que não haja risco de voltar a um estado jurídico já superado pela jurisprudência. Dessa forma, a pesquisa jurídica torna-se de suma importância, sendo necessária uma sistematização do tema.
Por fim, mostraremos que tal processo de mudança da jurisprudência brasileira está sendo refletido no referido projeto do Senado, que, ao regulamentar o inciso II do artigo 37, recepciona apenas parcialmente a jurisprudência atual.
1. A súmula nº 15/1963 do STF
A súmula nº 15 do STF trata da preterição no concurso público. Editada em 1963, ela determina que “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem o direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação”. Ou seja, apenas no caso de, havendo um concurso público vigente, prescindir-se de seu resultado para o preenchimento de cargo, é que aqueles aprovados passariam a ter direito subjetivo à nomeação. Era necessário o preenchimento das duas condições para caracterizar o direito líquido e certo do candidato: o edital de concurso estar em vigência e ocorrer nomeação sem respeito ao resultado classificatório. Apenas a aprovação dentro das vagas não era o suficiente, segundo o STF, para garantir a nomeação.
É importante salientar que a expressão “sem observância da classificação” diz respeito a três hipóteses de preterição: (i) nomeação de candidatos do concurso sem respeito à ordem de classificação; (ii) nomeação de candidatos aprovados em concurso posterior, sendo que o anterior ainda está vigente, situação de que trata o inciso IV do artigo 37 da Constituição Federal e (iii) contratação de pessoal a título precário, com desrespeito não à ordem de classificação, mas ao próprio concurso, já que a vaga existente que a Administração Pública mostrou ter interesse em preencher foi ocupada de forma precária, ignorando-se a seleção pública feita.
As decisões criaram um padrão para o órgão – expresso na Súmula n° 15/1963 –, que passou a adotar o entendimento segundo o qual não há direito líquido e certo de candidatos aprovados em concurso público. Vê-se que, com esse entendimento, a discricionariedade do poder público recaía não apenas sobre a oportunidade da nomeação, mas sobre o próprio ato da nomeação. Ele decidia quando e se nomeava. No entanto, se nomeasse, deveria obedecer estritamente à classificação do concurso vigente.
2. Discricionariedade e vinculação da Administração Pública para candidatos aprovados dentro do quantitativo de vagas
Até pouco tempo, seguindo a orientação da Súmula 15/1963, jurisprudência e doutrina defendiam que a aprovação em concurso público, ainda que dentro do número de vagas, gerava tão somente expectativa de direito, ficando a nomeação do candidato, durante o prazo de validade do concurso, condicionada à discricionariedade da Administração Pública, que se pautava na conveniência e na oportunidade do ato.
O Poder Público estava obrigado a nomear o candidato apenas nas hipóteses de preterição já mencionadas.
Sobre esse posicionamento, Fernandes (1999) comenta o seguinte:
"Somente quando violada a ordem de classificação, o candidato poderia ter direito perante o Judiciário. Levado ao extremo, esse entendimento permitiu a ocorrência de situações esdrúxulas como a de candidatos que, após intensa dedicação, obtinham a aprovação dentro do número das vagas oferecidas e amargavam o dissabor de ver expirar-se o prazo de validade de um concurso sem nomeação". (FERNANDES, 1999)
Os acórdãos a seguir demonstram essa visão e como ela perdurou até bem pouco tempo:
"ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS. CONTRATAÇÃO PRECÁRIA DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO EXISTÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO.
1. É unânime na jurisprudência o entendimento de que os candidatos aprovados em concurso público possuem mera expectativa de direito à nomeação; nasce esse direito se, dentro do prazo de validade do concurso, são preenchidas as vagas por terceiros, concursados ou não, à título de contratação precária”. [Grifo nosso] (RMS 11.714/PR, Rel. Min. Edson Vidgal, DJU de 08/10/2001)
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO. EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO.
– É incontroverso na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que os candidatos aprovados em concurso público são detentores de mera expectativa de direito à nomeação pela Administração, a qual não tem a obrigação de nomeá-los dentro do prazo de validade do certame.
– O direito à nomeação somente nasce havendo preterição dos habilitados em benefício de outros servidores para ocupar as vagas existentes dentro do prazo de validade do certame, ou ainda em virtude de desrespeito à ordem classificatória, hipóteses inexistentes na espécie. [Grifos nossos]
– Recurso ordinário desprovido.” (ROMS 10.838/PB, Relator Min. Vicente Leal, DJ de 21.10.2002)".
Esse entendimento foi modificado, reconhecendo-se o direito líquido e certo à nomeação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas ofertadas no edital.
Como bem explica Di Pietro (2016):
"Não tem sentido e contraria o princípio da razoabilidade o Poder Público deixar de nomear os candidatos aprovados […]. Menos justificável ainda é a hipótese cogitada no inciso IV do artigo 37 da Constituição, em que a Administração Pública inicia outro concurso público quando existem candidatos habilitados em concurso anterior". (DI PIETRO, 2016, p. 674).
Os acórdãos seguintes ilustram o atual posicionamento dos tribunais superiores:
"ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. DIREITO SUBJETIVO. CANDIDATO CLASSIFICADO DENTRO DAS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. ATO VINCULADO.
Não obstante seja cediço, como regra geral, que a aprovação em concurso público gera mera expectativa de direito, tem-se entendido que, no caso do candidato classificado dentro das vagas previstas no Edital, há direito subjetivo à nomeação durante o período de validade do concurso. Isso porque, nessa hipótese, estaria a Administração adstrita ao que fora estabelecido no edital do certame, razão pela qual a nomeação fugiria ao campo da discricionariedade, passando a ser ato vinculado. Precedentes do STJ e STF.
Recurso provido”. [Grifos nossos] (ROMS 15.034/RS, Relator Min. Felix Fischer, DJ de 29.03.2004)
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS.
I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL.
Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento no qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas”. [Grifo nosso].[…]V. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.(RE 598.099/MS, Relator Min. Gilmar Mendes, DJ de 3.10.2011)."
Vê-se, com essas decisões, que a visão jurisprudencial passou a considerar que aqueles aprovados dentro do número de vagas oferecidas pelo edital têm direito líquido e certo à nomeação. É importante frisar que, nessa visão, o direito subjetivo é incondicional[1], isto é, surge unicamente da situação de ter sido aprovado dentro do número de vagas, independendo de qualquer outra circunstância.
3. Posicionamentos dos tribunais sobre os aprovados fora do número de vagas
Se a nomeação dos aprovados dentro das vagas passou a ser ato administrativo vinculado, a nomeação dos classificados fora das vagas permanecia como ato não vinculado da Administração, que, segundo a jurisprudência do STF e do STJ, tinha a discricionariedade de aproveitar ou não esses candidatos, a não ser que eles fossem preteridos em relação a candidatos de pior classificação.
Muitas vezes os candidatos recorriam ao Judiciário alegando que, se uma pessoa nomeada deixava de tomar posse no cargo, este permanecia vago, devendo ser chamado a próxima na lista de classificação. Outras vezes demonstrava-se que a Administração, após preencher as vagas do edital, mantinha terceirizados ou os contratava a título precário para desempenhar as mesmas funções previstas para o cargo pleiteado. Outra circunstância alegada era o fato de o órgão criar novas vagas e demonstrar o interesse em preenchê-las.
Em qualquer caso, o Judiciário afirmava que a nomeação de aprovados fora do número de vagas situava-se no âmbito da discricionariedade da Administração, que se pautava na conveniência e oportunidade do ato. A única hipótese que vinculava a Administração à nomeação desses candidatos continuava sendo a preterição da ordem classificatória ou da ordem de concursos. Os acórdãos a seguir ilustram tal posicionamento.
"ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – FHEMIG – CANDIDATOS APROVADOS, PORÉM NÃO CLASSIFICADOS DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS – MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE PRETERIÇÃO.
1 – […].
2 – Verificado que as impetrantes não se classificaram dentro do número de vagas previstas pelo edital e que inexiste prova de que as mesmas foram preteridas por conta de nomeações de outros candidatos de pior classificação, não há direito líquido e certo a ser amparado.
3 – Recurso conhecido, porém, desprovido.” [Grifo nosso] (ROMS 10.961/MG Relator Min. Jorge Scartezzini, DJ de 13.8.2001)
“DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. HOMOLOGAÇÃO. NOVAS VAGAS. CRIAÇÃO. NOMEAÇÃO. EXPECTATIVA DE DIREITO. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES. EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITOS INFRINGENTES.[…]
3. Tendo os embargantes sido aprovados no concurso público para preenchimento dos cargos de Delegado Federal fora das vagas originalmente previstas no edital do certame, a criação de novas vagas não lhes garante o direito à nomeação, por se tratar de ato discricionário da Administração, não havendo falar em direito adquirido, mas tão-somente em expectativa de direito. Precedentes.[…]”. [Grifo nosso] (EDcl no REsp n. 824.299/RS, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 2.6.2008)".
Essa posição foi revista pelos tribunais superiores, que passaram a reconhecer o direito subjetivo de nomeação. Esse direito, contudo, depende de algumas condições para que exista, ou seja, é um direito subjetivo condicional, já que ele não surge apenas da situação de ter sido aprovado fora das vagas, mas da conjugação dessa situação e de uma circunstância externa a ela.
Essas circunstâncias, juntamente com as outras duas que já eram aceitas, estão sistematizadas a seguir[2]:
a) inobservância da ordem classificatória do concurso;
b) abertura de novo concurso público enquanto ainda vigente o atual;
c) criação por lei de novas vagas ou ocorrência de vacância de cargo durante o prazo de validade do certame e, concomitantemente, interesse da Administração no preenchimento dos cargos criados ou vagos;
d) desistência de candidatos mais bem posicionados, antes da expiração do prazo do concurso, em número suficiente para alcançar aquele candidato classificado fora do número de vagas; ou
e) contratação, no decorrer do prazo de validade do edital, de pessoal de forma precária para o preenchimento de vagas existentes, com preterição daqueles que, aprovados em concurso público, estariam aptos a ocupar o cargo ou a função.
Todas essas situações demonstram a necessidade de pessoal e a existência de cargos para serem preenchidos. A jurisprudência mais recente as reconheceu como circunstâncias que vinculam o Poder Público à nomeação dos candidatos classificados além das vagas oferecidas no certame, inexistindo, assim, motivo para não nomeá-los.
Os julgados a seguir expressam o atual posicionamento jurisprudencial:
"ADMINISTRATIVO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – NECESSIDADE DO PREENCHIMENTO DE VAGAS, AINDA QUE EXCEDENTES ÀS PREVISTAS NO EDITAL, CARACTERIZADA POR ATO INEQUÍVOCO DA ADMINISTRAÇÃO – DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO – PRECEDENTES.
1. A aprovação do candidato, ainda que fora do número de vagas disponíveis no edital do concurso, lhe confere direito subjetivo à nomeação para o respectivo cargo, se a Administração Pública manifesta, por ato inequívoco, a necessidade do preenchimento de novas vagas.
2. A desistência dos candidatos convocados, ou mesmo a sua desclassificação em razão do não preenchimento de determinados requisitos, gera para os seguintes na ordem de classificação direito subjetivo à nomeação, observada a quantidade das novas vagas disponibilizadas.” [Grifos nossos] (RMS 32.105/DF, Relatora Min. Eliana Calmon, DJe de 30.08.2010).
“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO
PÚBLICO. DEFENSOR PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATOS CLASSIFICADOS FORA DO NÚMERO ESTABELECIDO NO EDITAL. ANÚNCIO DE NOVO CONCURSO DURANTE A VIGÊNCIA DO ANTERIOR. DEMONSTRADA PELA ADMINISTRAÇÃO A NECESSIDADE DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. DISCRICIONARIEDADE. INEXISTÊNCIA. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. RECONHECIMENTO. CONVERSÃO DA EXPECTATIVA EM DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS IMPETRANTES. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA. DECISÃO UNÂNIME.
1. A discricionariedade do Poder Público de nomear candidatos classificados fora do número previsto no edital, deixa de existir a partir do momento em que a Administração pratica atos no intuito de preencher as vagas surgidas e demonstra expressa a sua necessidade de pessoal.[…]
4. Ordem concedida, unânime.” (RG no RE 837.311/PI, Relator Min. Luiz Fux, DJ de 05.12.2014).
4. O PL 74/2010
O Projeto de Lei 74 de 2010, do Senado Federal, conhecido como Lei Geral dos Concursos, em seu artigo 8º, §§ 1º e 2º, recepciona a jurisprudência atual em relação aos aprovados dentro das vagas. Vejamos:
"Art. 8º É vedada a realização de concurso que se destine, exclusivamente, à formação de cadastro de reserva.
§ 1º – Todos os candidatos aprovados dentro das vagas ofertadas deverão ser empossados até o decurso do prazo legal de validade do concurso, com a prorrogação, vedada a realização de novos certames durante o referido período.
§ 2º – A aprovação dentro das vagas anunciadas no edital assegura ao candidato direito líquido e certo à investidura no cargo ou emprego público, dentro do cronograma previsto no Caput deste artigo.[…]". (Grifo nosso).
Vê-se, assim, que a mais recente jurisprudência firmada pelo STF e pelo STJ em relação aos aprovados dentro do número de vagas foi incorporada à Lei Geral dos Concursos.
Relativamente àqueles aprovados fora do número de vagas, o projeto de lei diz o seguinte:
"Art. 8º […]
§ 3º Durante o período de validade do concurso público, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão poderá autorizar, mediante motivação expressa, a nomeação de candidatos aprovados e não convocados, podendo ultrapassar em até cinquenta por cento o quantitativo original de vagas."
Há aqui, a meu ver, pelo menos duas interpretações possíveis para esse dispositivo, que pode estar se referindo: (i) aos candidatos aprovados fora do número de vagas em qualquer concurso ou (ii) a concursos públicos federais em que há mais de uma fase, inclusive com curso de formação, por exemplo, Auditor Fiscal da Receita Federal. Se o dispositivo estiver se referindo a esta última interpretação, logo ele é omisso em relação à primeira, não incorporando a jurisprudência atual sobre esse aspecto.
Se ele estiver se referindo à primeira hipótese, o PL 74, deliberadamente, não recepciona o entendimento da jurisprudência de que os aprovados fora do número de vagas também têm direito líquido e certo à nomeação, caso haja alguma das circunstâncias elencadas no item 4 deste artigo. O que o projeto de lei fez foi dar ao Ministério do Planejamento a incumbência de autorizar a nomeação desses candidatos em até 50% além do quantitativo de vagas ofertadas no edital. Ou seja, o ato fica dependente de uma decisão do Ministério do Planejamento, deixando toda a Administração Pública – em âmbito federal, estadual, municipal e distrital – sem poder discricionário para fazê-lo. De forma ilustrativa, imagine-se que a Câmara Municipal de Igarapé abre concurso para preenchimento de 1 vaga de auxiliar administrativo. O segundo colocado só poderá ser nomeado se o referido Ministério autorizar, mediante motivação expressa, a nomeação desse candidato. Além da morosidade, transtorno e ineficácia que isso poderá causar, quase inviabilizando o ato, esse dispositivo fere a autonomia administrativa dos órgãos, já que a decisão pela nomeação desses candidatos estará com outro órgão.
Qualquer que seja a interpretação, é necessário que ela fique clara.
Conclusão
A jurisprudência foi, com o tempo, delimitando o campo de discricionariedade e de vinculação da Administração Pública em relação à nomeação de candidatos dos concursos públicos. Para essa delimitação, foram se estabelecendo critérios e condições que, atualmente, podem ser assim sistematizados:
I- aprovados dentro das vagas oferecidas: direito subjetivo incondicional não absoluto. O poder público deve nomear esses candidatos, exceto na hipótese de circunstâncias excepcionais previstas no RMS 598.099/MS. Neste caso, o ato de recusa deverá ser apreciado pelo Judiciário;
II- aprovados fora das vagas oferecidas: direito subjetivo condicional não absoluto – apenas o fato de ter sido aprovado fora das vagas não gera direito líquido e certo à nomeação; ocorrendo uma das condições listadas no item 4, a Administração deve nomear esses candidatos, salvo, é claro, no caso das mesmas circunstâncias excepcionais já mencionadas.
Pode-se então inferir que, atualmente, apenas os candidatos desclassificados em concurso público, isto é, que não atingiram os requisitos mínimos para investidura no cargo, é que não têm direito, em nenhuma circunstância, à nomeação. Isso porque a Administração não é obrigada a nomear candidato que, em tese, não atende aos critérios estabelecidos para exercer a função.
Por fim, o Senado Federal brasileiro mostra que anda em dissonância com a jurisprudência superior. Isso porque um dos dispositivos do seu projeto de lei ou não contempla uma questão já assentada nos tribunais superiores ou a contempla com outro entendimento. O problema desse entendimento diferente é que ele não traz nenhum benefício para a sociedade e para a Administração Pública. Ao contrário, além de ser praticamente inviável, ele fere a autonomia administrativa dos órgãos, já que transfere para o Ministério do Planejamento a responsabilidade de nomeação de candidatos aprovados fora do quantitativo de vagas dos concursos públicos de todo o país.
Caso o projeto volte a tramitar, essa questão – e provavelmente outras – deve ser revista pela Câmara dos Deputados.
Informações Sobre o Autor
Fernanda Cunha Pinheiro da Silva
Licenciada em Letras e mestre em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Linguística Aplicada na Educação pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes