Notas sobre Direito Urbanísticos


Este ensaio obedece a um tríplice objetivo:


a) Trazer elementos para a constituição e consolidação de um novo direito, o direito à cidade sustentável;


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b) metodológico, pois assumimos para efeito desta pesquisa um viés interdisciplinar, que acentua não só os aspectos jurídicos dos conflitos existentes no meio ambiente urbano, mas também seus aspectos filosóficos e políticos, por isto trazemos a contribuição da teoria discursiva do direito do filósofo alemão Jürgen Habermas, que aqui adotamos como um das principais referencias, como também utilizamos as pesquisas dos urbanistas e demais cientistas sociais sobre os problemas das cidades em um mundo em intensa transformação;


c) Pretendemos, tomando como marco a teoria da constituição, aprofundar o debate existente sobre os princípios constitucionais e sua interpretação, bem como identificar a existência de uma ordem urbanística constitucional, visualizando sua compatibilidade com a questão ambiental, para tanto se fez obrigatório tomar como ponto de partida as normas internacionais, destacadamente a agenda 21 e a agenda Habitat;


Como dissemos queremos trazer elementos para a constituição de um novo direito, o direito à cidade sustentável, a discussão surge a partir dos crescentes e alarmantes problemas das grandes cidades em nosso planeta, sobretudo, nos chamados países em desenvolvimento, problemas como a pobreza, a ausência de saneamento-básico, a exclusão social e a degradação do solo urbano, esta discussão é ampliada quando os Estados Nacões e as Organizações não-governamentais percebem que o atual modelo civilizatório é incompatível com a preservação da vida na terra e  que o desenvolvimento econômico  não se move entre o infinito dos recursos naturais e o infinito do crescimento, impõe-se, portanto, a superação do clássico penso, logo existo por um sinto, logo compartilho.


Destacamos dois momentos históricos como emblemáticos na reflexão dos problemas ambientais nas grandes cidades, como foram as conferências internacionais, Eco-92 realizada no Rio de Janeiro e a HABITAT II realizada em Istambul em 1996, na Eco-92 encontraremos a consolidação de um conceito de desenvolvimento sustentável, que visa atender às necessidades do presente sem comprometer as necessidades das futuras gerações, nesse sentido diversas indagações assombram os pesquisadores, tendo em vista que nas grandes cidades agigantam-se os problemas advindos do atual modelo que produz nos países subdesenvolvidos a pobreza e a destruição ambiental e nos países desenvolvidos o consumo exagerado que também contribui com a degradação ambiental.


Cristiane Derani afirma que o desenvolvimento sustentável deve instrumentalizar políticas de desenvolvimento com base no aumento da qualidade das condições existenciais dos cidadãos. Com essa percepção indagamos qual é a função do direito ?.


Entendemos que o direito deva liderar um processo de reconstrução de novos valores éticos, o que se faz urgente, numa sociedade de risco, conforme afirma Ulrich Beck, Sociólogo alemão, que fora assistente de Niklas Luhmann.  A sociedade de Risco é produto da globalização que vem desintegrando a sociedade, para superar esse dilema é necessário, segundo Beck, multiplicar o direito à informação e a educação ambiental.


O direito à cidade sustentável, portanto, deverá obrigatoriamente, possuir uma fundamentação ética, nesse termos a teoria discursiva do direito de Jürgen Habermas é em nosso entendimento a que melhor se aplica, uma  vez que a mesma possui como pressupostos: a) a ação comunicativa, que se funda numa Ética discursiva, que é o processo de interação linguisticamente mediado, voltado para os interesses emancipatórios da humanidade; b) o combate à jurisdicização da vida cotidiana, que é um novo tipo de dependência entre o cidadão e o aparelho burocrático do Estado, que leva ao empobrecimento cultural; c) e é uma teoria que busca remover os obstáculos à ampla participação do cidadãos nos processos de decidibilidade jurídica.


Tanto a Agenda 21 como a Agenda HABITAT serviram para que os Estados Nações firmassem compromissos com a promoção de assentamentos humanos sustentáveis e que as organizações não governamentais passassem a utilizar, com a devida crítica, esse conjunto de diretrizes e ações como instrumentos para a concretização do desenvolvimentos sustentável. Nestes termos, podemos afirmar de forma preliminar que o direito à cidade sustentável deverá surgir de uma gestão do meio ambiente urbano, onde as decisões são amplamente descentralizadas, levando em consideração que os aspectos econômicos das cidades devem visar o bem-estar social de seus habitantes.


No Brasil, o direito urbanístico é a expressão jurídica dos conflitos existentes no meio ambiente urbano, seus fundamentos devem estar obrigatoriamente relacionados à cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4, IX da CF/88) que é um princípio da república federativa do Brasil em suas relações internacionais, sendo que os princípios internacionais, sobretudo o desenvolvimento sustentável, integram o rol de direitos e garantias assegurados constitucionalmente por força do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, para quem os tratados internacionais em que o Brasil é parte possuem força cogente.


O Direito urbanístico, através daquilo que se convencionou chamar “legalidade urbana” é regido por uma racionalidade instrumental, voltada para a otimização do lucro e do poder no espaço urbano, produzindo como uma das principais seqüelas: a segregação urbana, pois os processos de decibilidade das cidades em sua imensa maioria possuem como objetivo apartar os ricos dos pobres, por isto propugnamos por uma virada paradigmática no direito urbanístico brasileiro, para que o mesmo busque a sua fundamentação na vontade discursiva dos cidadãos, com o objetivo de produzir padrões de desenvolvimento sustentável das cidades.


Para essa virada paradigmática é imprescindível fazer um esforço de interpretação constitucional, como já dissemos  é um dos nossos objetivos aprofundar o debate sobre os princípios constitucionais e sua interpretação.


Devemos admitir que por muito tempo em nossa Escolas de Direito, o debate sobre a função dos princípios constitucionais não tivera a atenção devida, foram com os Estudos pioneiros de Autores como Eros Roberto Grau, Paulo Bonavides e Ivo Dantas, que tivemos o aprofundamento dessas discussões. Antônio Maués, professor de nossa Universidade, afirma em sua tese de doutorado pela USP, intitulada Poder e Democracia, que o tema dos princípios pode conduzir à discussão de problemas diferentes no âmbito do direito, tais como as relações entre o direito e a moral, o papel criador  da jurisprudência, a linguagem jurídica e a integração do ordenamento.


Tanto Eros Grau como Paulo Bonavides, baseados na lições de Ronald Dwokin, superam as abordagens unilaterais que se atem ao aspecto lógico do princípios, pois acetuam o aspecto valorativo e ideológico dos princípios.


De Dwokin, extraímos como principal contribuição a distinção entre princípios e regras, as regras para que se realizem basta que ocorra o  seu pressuposto fático para sua aplicação, já os princípios nem sempre podem ser realizados por inexistir suporte fático, entretanto por sua dimensão de maior importância possuem superioridade sobre as regras, conduzido àquele encarregado de decidir um conflito a decidir a partir do princípio. Toda regra é uma concreção de um princípio.


Na atividade de interpretar a Constituição o ponto de partida de qualquer raciocino são os princípios, dada a sua proeminência no ordenamento jurídico, portanto, devemos identificar na Constituição quais são os princípios constitucionais do direito urbanístico.


Já dissemos que a Agenda 21 e a Agenda Habitat, são as referencias internacionais do direito urbanístico, por força do inciso. IX do art. 4º e § 2º do art. 5º da CF/88, sendo que o desenvolvimento sustentável será o conceito chave para a compreensão da ordem urbanística constitucional


A existência de uma ordem urbanística constitucional tem nos seguintes princípios sua afirmação:


a) princípio da função social ambiental da propriedade;


b) obrigatoriedade do planejamento;


c) justa distribuição do ônus;


A propriedade possui como fundamento primeiro, os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, sendo que no rol das garantia individuais e coletivas temos três referencias diretas à propriedade: primeiro, temos a inviolabilidade do direito à propriedade; segundo, temos a garantia do direito de propriedade; terceiro temos a qualificação que toda propriedade atenderá sua função social. (art. 5º, caput, XXII e XXIII)


A discussão sobre a propriedade urbana possui sua referência constitucional no § 2º do art. 182 “a propriedade urbana atenderá sua função social quando atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor”,  esse dispositivo encontra-se no capítulo II da ordem econômica, portanto, a propriedade urbana também é informada pelos princípios gerais da atividade econômica, onde encontramos nos incisos do art. 170, a propriedade privada, a função social da propriedade e a defesa do meio ambiente.


Admitindo que a Constituição não se interpreta em tiras, adotamos uma visão integradora, onde a propriedade urbana, atende sua função social quando realiza as exigências urbanísticas sendo indissociável a proteção ambiental, nestes termos a limitações impostas ao exercício da propriedade urbana, não devem atender somente a um critério urbanístico, sendo o conteúdo ambiental conformador daquele exercício, segundo as lições de Canotilho.


Devemos identificar que o direito urbanístico é uma função pública naquele sentido atribuído por Cristina Dourado, que seguindo as lições do administrativa, Roberto Dromi, para quem a função pública pode ser entendida como o conjunto de atividades conjugadamente desenvolvidas pelo poder público e por representantes da sociedade civil.


Nesse sentido, a Constituição alberga essa concepção quando em seu art. 174 enuncia que o planejamento é obrigatório para o Estado e indicativo para o setor privado, tendo o art. 182 definido qual é o instrumento de planejamento das cidades, o plano diretor que passa a ser o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, sendo que a cooperação das associações representativas no planejamento municipal segundo art. 29, XII é obrigatória.


Devemos afirmar que o planejamento urbano é obrigatório para todos os municípios, mesmo que não tenham mais de 20000 habitantes.


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O princípio da justa distribuição do ônus pela urbanificação, decorre do princípio da isonomia, implica em distribuir de forma equânime as mais-valias do solo urbano, levando o princípio da capacidade contributiva à organização do solo urbano. Um exemplo é da aplicação desse princípio seria a Contribuição de Melhoria prevista no inciso III do art. 145 da CF/88..


A Constituição não enuncia princípios do direito urbanístico que aqui exemplificamos como um esforço de interpretação constitucional, traz também instrumentos, são eles:


O Plano Diretor


As desapropriações


O parcelamento e a edificação compulsória do solo urbano


O IPTU progressivo no tempo


Usucapião especial


Para efeito deste trabalho estudaremos o Plano Diretor, que assume em termos de direito urbanístico, o status de Constituição Urbanística,  é o que extrai da redação do art. 182 § 1 da CF/88 “O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”


É através do Plano Diretor que o municípios desenvolverão suas competências de promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.


O planejamento urbano não é realizado exclusivamente pelos municípios deverá atender também às diretrizes gerais traçadas pela União e pelos Estados, esse no âmbito de sua competência, pois o art. 24, I da CF/88 enuncia que o direito urbanístico é matéria de competência legislativa concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal e como no âmbito da competência legislativa concorrente só cabe à União editar normas gerais, serão as normas gerais do Urbanismo que ainda não forma traçadas, pois ainda tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei “Estatuto da Cidade”, onde encontramos elementos que aperfeiçoa a compreensão dos planos diretores, calcados em princípios de Justiça Orçamentária, Participação Popular e regulador de institutos jurídicos como o solo criado, o direito de preempcão, as operações urbanas, a transferência do direito de construir etc.


A finalidade do planejamento local é o adequado ordenamento do território municipal1 com o objetivo de disciplinar o uso, o parcelamento e a ocupação do solo urbano (art. 30, VIII). O solo qualifica-se como urbano quando ordenado para cumprir destino urbanístico, especialmente. a edificabilidade e o assentamento viário. Esse ordenamento é função do plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, a que a Constituição Federal elevou à condição de instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana (art. 182, § 1º). Vale dizer, combinando ambos os dispositivos, que o plano diretor constitui o instrumento pelo qual se efetiva o processo de planejamento urbanístico local, que é obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes. Ademais, demonstra ser um instrumento potencializador da demanda por proteção ambiental, uma vez que normatiza a atuação estatal junto com a comunidade na ordenação de um meio ambiente urbano equilibrado e saudável promovendo a qualidade de vida no meio ambiente urbano.


Reputamos que o planejamento urbano, deva assumir uma nova postura frente ao impositivo fenômeno da globalização2 e por decorrência da discussão mundial que imprimiu novos princípios a serem seguidos pelos Estados-Nações, sobretudo, o desenvolvimento sustentável e a participação popular, consolidados na Agenda 21 e na Agenda HABITAT.


Entendemos que o planejamento urbano, em especial, o Plano Diretor, integre todas as perspectivas apontadas no decorrer de nosso trabalho, ou seja, como instrumento básico da política de desenvolvimento urbano, deverá ser informado obrigatoriamente pelos princípios do desenvolvimento sustentável e a participação popular, que informarão os princípios constitucionais do direito urbanístico que são: a) a função social ambiental da propriedade; b) a política urbana é uma função – obrigatoriedade do planejamento e; c) justa distribuição do ônus pela urbanificação, pois como já se disse “A política de desenvolvimento urbano, que não tiver como prioridade atender as necessidade essenciais da população pobre das cidades, estará em pleno conflito com as normas constitucionais norteadoras da política urbana, com o sistema internacional de proteção dos direitos humanos, em especial com o princípio do desenvolvimento sustentável.” (JÚNIOR; 1997; 49)


Admitir que o desenvolvimento sustentável passou a ser um componente fundamental do desenvolvimento urbano, significa a compatibilidade constitucional entre o desenvolvimento urbano, previsto no art. 182 da Constituição, como o art. 225 da mesma Constituição, que assegura o direito das presentes e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Eis o fundamento do Direito à cidade sustentável.


Para garantir o exercício do direito à cidade sustentável, entendemos como Nelson Saule Júnior que uma política de desenvolvimento urbano deve levar em conta os seguintes princípios:


a) assegurar o respeito e tornar efetivos os direito humanos;


b) promover medidas para proteger o meio ambiente natural e construído, de modo a garantir a função social ambiental da propriedade na cidade;


c) incentivar atividades econômicas que resultem na melhoria da qualidade de vida, mediante um sistema produtivo gerador de trabalho e de distribuição justa da renda e riqueza;


d) combater as causa da pobreza, priorizando os investimentos e recursos para as políticas sociais (saúde, educação, habitação);


e) democratizar o Estado, de modo a assegurar o direito à informação e à participação popular no processo de tomada de decisões.


Nestes termos, a teoria habermasiana do direito aqui trabalhada, encontra recepção quando integramos o princípio do desenvolvimento sustentável e a participação popular na configuração desse novo direito que é o direito à cidade sustentável, que só se configurará quando os sujeitos participantes dos processos de decibilidade dos conflitos ambientais urbanos tiverem como retores de suas práticas discursivas e na formulação do planejamento urbano, os princípios do desenvolvimento sustentável e da participação popular.


Nota:


1. Para José Afonso da Silva “a ordenação adequada dos espaços urbanos constitui, assim, um mecanismo dos mais importantes para a política do meio ambiente”, Op. cit., p. 152.


2. Sobre como a globalização é reproduzida no imaginário jurídico, a sempre crítica análise de Óscar Correas para quem: “otro motivo caro a los neoliberales, instalado también en el imaginario jurídico, es la ,globalización. Y hablan de ella, y consiguen que se hable de ella, como sifuera una fuerza proveniente de alguna enigmática región de la galaxias, como si fuese  ‘natura’, como si no hubiese sido decidida por algunas mentes poderosas. Y hablan de los tratados y demás leyes que organizan, como si fuera de derecho natural; como si no hubiera posibilidad que producir esa legislación. ‘Hay que ser realistas’, dicen los que, no siendo liberales, participan de ese imaginario jurídico, y se han tragado esa ideología como si fuera ciencia. “No es posible”ir contra las “fuerzas mundiales de la historia”. Cf. El neolibralismo en el imaginario jurídico, in Direito e neoliberalismo: elementos para uma leitura interdisciplinar, Curitiba: EDIBERJ, 1996, pp. 6 e 7.


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Informações Sobre o Autor

Maurício Leal Dias

Advogado, Mestre em Direito PPGD/UFPA


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