O impacto da sustentabilidade na formação dos contratos administrativos

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Resumo: O presente trabalho procura analisar a dimensão da sustentabilidade como elemento inafastável do processo de contratação pública.


Sumário: Introdução; 1. Licitações Sustentáveis; 2. Fixação de critérios sustentáveis para o julgamento das propostas; 3. Sustentabilidade e Preço; Conclusão.


Introdução


O rápido crescimento industrial nos últimos séculos tem melhorado o padrão de vida do ser humano, porém tem determinado elevados custos ambientais. A partir da tomada de consciência desses problemas, as discussões sobre o tema ambiental têm se desenvolvido.


A relação sociedade e meio ambiente passou a ser analisada de forma mais globalizada, exigindo um posicionamento mais crítico, o qual tem determinado o surgimento de novas alternativas de relacionamento da sociedade com seu ambiente, com o intuito de reduzir os impactos que ela produz sobre o meio que a cerca.


O Art. 225 da Constituição da República assegura a todos o direito ao meio ambiente e atribui ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo. A Política Nacional do Meio Ambiente estabelecida pela Lei nº 6.938/1981, recepcionada pelo referido dispositivo constitucional, define os objetivos e institui os princípios e mecanismos capazes de auxiliar o Estado na busca pelo equilíbrio entre as atividades humanas e o meio ambiente.


Dentre as metas fixadas para a execução da Política Ambiental encontra-se a necessidade de conciliação entre o desenvolvimento econômico-social e a eficaz preservação da qualidade ambiental, na utilização adequada dos recursos naturais. Esse processo de adequação da atividade produtiva ao meio ambiente é o que caracteriza o chamado desenvolvimento sustentável.


Acontece que por muito tempo a questão da sustentabilidade foi deixada de lado. Isso porque se tinha a ideia de que a preservação do meio ambiente e do equilíbrio ecológico poderia acarretar limitações ao exercício das atividades econômicas, pois implicaria a diminuição da produtividade em virtude da necessidade de criação e adaptação de instrumentos sustentáveis, o que geraria custos adicionais para o controle do risco ou a redução do impacto ambiental, diminuindo a lucratividade.


No entanto, os diversos danos ao meio ambiente e a ameaça real ao desenvolvimento das gerações futuras, em vista das recentes tragédias ambientais ocasionados em grande medida pela ação do homem, fez com que o conceito de sustentabilidade se tornasse cada vez mais presente em todos os níveis da sociedade. Quebrou-se o paradigma de que a atividade produtiva poderia ser realizada sem qualquer risco ou dano ambiental.


Em vista dessa nova realidade, a Lei nº 12.349/2010 alterou o texto da Lei nº 8.666/1993 para incluir, definitivamente, o desenvolvimento econômico sustentável como objetivo a ser atingido através da licitação e dos contratos administrativos. Com isso, a sustentabilidade passou a ser condição sine qua non para qualquer negócio jurídico celebrado entre a Administração Pública e os entes privados.


A questão, no entanto, é saber qual a repercussão dessa nova condição para a escolha das propostas e para a formação dos contratos a serem celebrados pela Administração Pública através da licitação. Quais são os critérios que devem ser elencados para aferir a sustentabilidade de uma proposta? Qual o meio formal pelo qual estes critérios devem ser estabelecidos? Qual o impacto de técnicas sustentáveis no preço ofertado pelo licitante? A economicidade é reduzida com a sustentabilidade?


Esses são alguns dos problemas que envolvem a questão ambiental no processo de contratação pública e que serão analisadas a seguir.


1 Licitações Sustentáveis


A adoção de uma postura sustentável por parte da Administração é imprescindível. Não se tolera mais que o fornecimento de bens e a execução de serviços e obras públicas ocorram desacompanhados da preocupação com a preservação do meio ambiente.


Nesse sentido, considerando que o objetivo primordial da licitação é a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, hão que ser instituídos critérios que favoreçam a realização de contratos administrativos sustentáveis.


De acordo com a nova redação dada ao caput do art. 3º da Lei nº 8.666/93, a licitação, além de se destinar a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, também será destinada à promoção do desenvolvimento nacional sustentável.


Essa nova forma de uso das licitações proporcionou mudanças profundas na maneira de agir dos agentes públicos.


Destaca Daniel Ferreira[1]:


“(…) pelo fato de a promoção do desenvolvimento nacional ter assumido status de finalidade, pari passu com a de garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa, a ordem legal vigente passa a exigir dos agentes públicos uma nova postura, pela evidente quebra de paradigma e exigência de fiel cumprimento da lei, não apenas como forma de resguardá-los de uma resposta sancionadora disciplinar por seu eventual descumprimento, como, em especial, para garantir a própria validade do certame e da consequente contratação. Destarte, o que antes se aludiu como um fim remoto, indireto, mediato da licitação (a promoção do desenvolvimento nacional, (…) “apenas” com lastro na Constituição) não mais assim se revela, passando ele a integrar o “novo” e cada vez “mais complexo” interesse público objetiva e primariamente perseguido pela licitação.”


Contudo, inexiste na ordem jurídica brasileira, principalmente na legislação relativa às licitações e contratos, parâmetros objetivos para se verificar, na prática, se uma proposta é ou não é sustentável.


Dessa forma, cabe a Administração elaborar critérios para analisar a repercussão ambiental das propostas realizadas pelos particulares, em vista do objeto pretendido e da necessidade a ser satisfeita.


Entretanto, em algumas circunstâncias a determinação desses critérios inviabiliza a participação de interessados, seja pela impossibilidade de seu atendimento seja pela ampliação dos custos envolvidos.


Por isso, é necessário que os critérios elencados guardem pertinência lógica com os possíveis impactos ambientais gerados em razão do cumprimento do objeto e da satisfação da necessidade pública, em consonância com o Art. 37, XXI da Constituição da República.


Logo, os critérios de sustentabilidade devem ser exigíveis em função da repercussão ambiental da execução dos encargos contratuais. Isso não só motiva a sua instituição como evita a restrição indevida de direitos.


Desse modo, em que pese a ausência de critérios ambientais legalmente estabelecidos para a verificação concreta da sustentabilidade das propostas, isso não impede a Administração de elaborar critérios de julgamento com base no chamado “bloco de legalidade” formado pelos princípios informadores da atuação administrativa, encartados explicitamente no Art. 37 da Constituição da República, e implicitamente na ordem jurídica, como a razoabilidade, a proporcionalidade, a lealdade, a confiança, dentre outros.


Assim é possível que a Administração adote critérios como a demonstração pelo particular de atividades próprias ligadas à preservação do meio-ambiente, ou que possuam certificado ambiental ou, ainda, que comprovem a procedência dos materiais e matérias-primas utilizados nos produtos como decorrentes do manejo sustentável e responsável sob o ponto de vista ambiental, sem cometer qualquer ilegalidade.


Sobre a possibilidade de instituição de critérios de julgamento sustentáveis sem previsão legal ou regulamentar desde que compatível ao objeto licitado, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:


 “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ARRENDAMENTO DE EMBARCAÇÕES ESTRANGEIRAS DE PESCA. EDITAL DE CONVOCAÇÃO. NORMA RESTRITIVA. PRESERVAÇÃO DA FAUNA MARINHA. LEGALIDADE.


1. Não há se cogitar de ilegalidade de norma editalícia que, concebida com base em estudos científicos, tem por fim assegurar a preservação da fauna marinha e a sustentabilidade da pesca no litoral brasileiro.


2. Descabe ao Poder Judiciário, sob pena de interferir na órbita no Executivo, adentrar o mérito da pertinência de norma técnica elaborada com a finalidade de regular a atividade pesqueira.


3. Mandado de segurança denegado.” (STJ, MS nº 11.059-DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 12.11.2007)


Também apontou Vania Pereira da Silva[2]:


“Tal obrigação indica a necessidade de criar uma nova consciência coletiva, no que tange à sustentabilidade, adotando-se meios de instrução dos agentes públicos e de introdução do novo conceito, que surge desde a simples adoção de posturas ecologicamente aceitáveis até a definição do objeto da licitação. Observa-se que para a efetiva implementação das ações (…) necessita-se de elaboração de novas normas internas que regulamentem, por exemplo, a utilização racional da água e da energia, (…) e aquisição de lâmpadas de maior eficiência e de processo produtivo sustentável, procedimentos de descarte dos materiais eletrônicos de pequena dimensão, implementação da reciclagem, dentre outros. Além disso, disponibilizar os meios para que a empresa contratada possa executar a seleção do lixo coletado, treinar os agentes públicos para que gerenciem os contratos celebrados, desde a simples execução do objeto propriamente dito, até o acompanhamento das ações finais de descarte de materiais.”


Na mesma linha, entendeu o Tribunal de Contas da União sobre a importância de adotar medidas visando a promoção da sustentabilidade e eficiência na utilização dos recursos naturais ao:


“9.1. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que apresente, em 90 (noventa) dias, um plano de ação visando a orientar e a incentivar todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal a adotarem medidas para o aumento da sustentabilidade e eficiência no uso de recursos naturais, em especial energia elétrica, água e papel, considerando a adesão do País aos acordos internacionais: Agenda 21, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e Processo Marrakech, bem como o disposto na Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, na Lei nº 10.295, de 17 de outubro de 2001, no Decreto nº 5.940, de 25 de outubro de 2006, e na Instrução Normativa SLTI/MP nº 1, de 19 de janeiro de 2010;” (TCU, Acórdão nº 1752/2011-Plenário, Rel. Min. André Luís de Carvalho, DJ 29.06.2011)


De acordo com os entendimentos supracitados, a Administração deve exigir do particular, ainda que a execução do objeto do contrato não envolva qualquer impacto ambiental imediato, a prática de condutas que contribuam para o desenvolvimento sustentável e ao fomento da política de preservação ao meio ambiente, insculpidas nos Art. 23, VI e Art. 225 ambos da Carta Magna.


Destaque-se que os critérios de julgamento baseados no desenvolvimento sustentável devem ser planejados pela Administração. A própria Lei de Licitações impõe esse dever ao estabelecer que o projeto básico[3], elaborado durante a fase interna do processo de contratação atenda ao “(…) adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento” no Art. 6º, IX da Lei nº 8.666/1993.


O que se vê, no entanto, é que, em muitos casos, a Administração não está preparada para realizar procedimentos licitatórios sustentáveis, em razão da sua deficiência em identificar, na fase de planejamento, o impacto ambiental do objeto a ser executado. Dessa forma, ela acaba por deixar de exigir no edital de licitação requisitos ambientais necessários para o cumprimento do objeto, de acordo com as normas vigentes, como a Lei nº 8.630/1993 que regula o licenciamento ambiental em âmbito nacional.


Assinalou o Tribunal de Contas da União:


Solicitação do congresso Nacional. REALIZAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO EM CERTAME LICITATÓRIO. AUSÊNCIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO À ABERTURA DO CERTAME. EDITAL DE CONCORRÊNCIA COM CLÁUSULAS RESTRITIVAS AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. INFRINGÊNCIA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS RELATIVOS A LICITAÇÕES E CONTRATOS. INOBSERVÂNCIA DAS NORMAS LEGAIS RELATIVAS A PROCESSO DE OUTORGA DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INADEQUABILIDADE DOS ESTUDOS DE VIABILIDADE. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DO CERTAME E DO CONTRATO. MULTA. 1. A modalidade operacional a ser aplicada a cada desestatização deve ser previamente aprovada pelo Conselho Nacional de Desestatização – CND, nos termos da Lei 9.491/97. 2. O programa de arrendamento das áreas e instalações portuárias deve ser elaborado atendendo às suas destinações específicas, de acordo com o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto que contém as áreas objeto de arrendamento, nos termos do Decreto 4.391/02. 3. Os processos de arrendamento de áreas e instalações portuárias cujos valores gerem receita mensal superior a R$ 50.000,00 sujeitam-se à fiscalização, prévia ou concomitante, do Tribunal de Contas da União, nos moldes previstos na IN TCU 27/98, alterada pela IN TCU 40/02, ante o disposto no Decreto 4.391/02. 4. O processo licitatório e a celebração do contrato de arrendamento de áreas e instalações portuárias depende de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, nos termos da Lei 8.630/93, da Resolução Antaq 55/02 e da Resolução Conama 237/1997. 5. A identificação de graves irregularidades na fiscalização de procedimento licitatório enseja a fixação de prazo à entidade para que adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, objetivando a anulação de contrato celebrado em decorrência de certame impugnado, bem como a aplicação de multa aos responsáveis.”


Contudo, é dever da Administração identificar o potencial lesivo da execução do encargo e verificar quais condutas ela mesmo pode realizar para contribuir com a sustentabilidade da contratação – na fase de planejamento, através do projeto básico – e quais requisitos podem ser exigidos dos licitantes para evitar ou atenuar o impacto ambiental da realização do objeto, tendo em vista as tecnologias existentes no mercado.


A partir dessas informações será possível elaborar um instrumento convocatório com parâmetros e critérios suficientemente capazes de atender a demanda pela sustentabilidade através da indicação de elementos concretos para a elaboração da proposta pelo particular, aumentando assim a eficiência da contratação.


É preciso que os critérios de julgamento sustentáveis, assim como todos os demais elementos intrínsecos ao processo de contratação, sejam claros e sem inconsistências, a fim de evitar interpretações dúbias por parte dos licitantes e da própria Comissão de Licitação, em observância ao que dispõe o Art. 40, da Lei de Licitações, o princípio do julgamento objetivo e da vinculação ao instrumento convocatório.


Muito embora existam dificuldades em identificar e instituir critérios uniformes acerca da sustentabilidade para todas as formas de contratação pública, eles não podem deixar de serem exigidos pela Administração, na medida em que a promoção ao desenvolvimento sustentável é obrigação constitucional do Poder Público.


Vale lembrar, por fim, que a licitação, além de proporcionar a satisfação da necessidade da Administração, constitui instrumento de concretização de política pública[4], da qual o fomento ao desenvolvimento sustentável está, sem dúvida, incluído.


Assim, é essencial que haja o convencimento por parte dos tomadores de decisão da importância e dos impactos positivos que a pesquisa e a adoção de critérios de julgamento sustentáveis podem trazer futuramente aos contratos administrativos, no campo social e, especialmente, no campo econômico.


2 Fixação de critérios sustentáveis para o julgamento das propostas


A seleção da proposta mais vantajosa ao interesse público deve eleger os bens e serviços cujas características atendam a especificações adequadas, tanto em termos de qualidade e funcionalidade, quanto dos princípios e deveres do Estado definidos na Constituição da República.


A Lei nº 12.349/2010 que alterou a Lei nº 8.666/1993 incluiu o desenvolvimento social sustentável como objetivo a ser atingido através das licitações e contratos. No entanto, deixou de prever critérios ambientais objetivos de julgamento para orientar a compra de bens ou contratação de obras e serviços pela Administração Pública.


As licitações, atualmente, devem ser sustentáveis e, por isso, exigem a inserção de critérios ambientais, principalmente, para priorizar a compra de produtos. Em vista disso, foi publicada a Instrução Normativa SLTI/MP n° 01 em janeiro de 2010, que dispõe sobre critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal.


De acordo com os Arts. 4º e 5º da IN SLTI/MP n° 01/2010 são critérios de aferição de sustentabilidade para obras e serviços de engenharia e aquisição de bens e serviços;


Art. 4º Nos termos do art. 12 da Lei nº 8.666, de 1993, as especificações e demais exigências do projeto básico ou executivo, para contratação de obras e serviços de engenharia, devem ser elaborados visando à economia da manutenção e operacionalização da edificação, a redução do consumo de energia e água, bem como a utilização de tecnologias e materiais que reduzam o impacto ambiental, tais como:


I- uso de equipamentos de climatização mecânica, ou de novas tecnologias de resfriamento do ar, que utilizem energia elétrica, apenas nos ambientes aonde for indispensável;


II – automação da iluminação do prédio, projeto de iluminação, interruptores, iluminação ambiental, iluminação tarefa, uso de sensores de presença;


III – uso exclusivo de lâmpadas fluorescentes compactas ou tubulares de alto rendimento e de luminárias eficientes;


IV – energia solar, ou outra energia limpa para aquecimento de água;


V – sistema de medição individualizado de consumo de água e energia;


VI – sistema de reuso de água e de tratamento de efluentes gerados;


VII – aproveitamento da água da chuva, agregando ao sistema hidráulico elementos que possibilitem a captação, transporte, armazenamento e seu aproveitamento;


VIII – utilização de materiais que sejam reciclados, reutilizados e biodegradáveis, e que reduzam a necessidade de manutenção; e IX – comprovação da origem da madeira a ser utilizada na execução da obra ou serviço.


Art. 5º Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, quando da aquisição de bens, poderão exigir os seguintes critérios de sustentabilidade ambiental:


I – que os bens sejam constituídos, no todo ou em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável, conforme ABNT NBR – 15448-1 e 15448-2;


II – que sejam observados os requisitos ambientais para a obtenção de certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO como produtos sustentáveis ou de menor impacto ambiental em relação aos seus similares;


III – que os bens devam ser, preferencialmente, acondicionados em embalagem individual adequada, com o menor volume possível, que utilize materiais recicláveis, de forma a garantir a máxima proteção durante o transporte e o armazenamento;


IV – que os bens não contenham substâncias perigosas em concentração acima da recomendada na diretiva RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances), tais como mercúrio (Hg), chumbo (Pb), cromo hexavalente (Cr(VI)), cádmio (Cd), bifenil-polibromados (PBBs), éteres difenil-polibromados (PBDEs).”


A maioria dos critérios ambientais utilizados nas licitações sustentáveis são fixados por atos normativos infralegais, como mostra a citada instrução normativa.


Essas medidas são utilizadas como instrumento para incentivar os órgãos administrativos a exigir, nas licitações, e as empresas a adotar, nos seus processos produtivos para vencerem o certame, padrões e tecnologias comprometidos com o meio ambiente.


No entanto, poderia se cogitar em dizer que o estabelecimento de condições de participação e julgamento de propostas em certame licitatório baseados nesses critérios, por não estarem revestidos sob a forma legal, não poderiam ser exigíveis por restringir, de modo ilegítimo, a competitividade.


Acontece que, a instituição de critérios ambientais de julgamento por atos regulamentares expedidos pelo Poder Executivo não fere qualquer direito subjetivo do particular, já que sua função é indicar ao órgão administrativo licitante parâmetros para a observância do requisito da sustentabilidade nas contratações públicas, inexistentes em Lei. Tais atos regulamentares, desde que não inovem a ordem jurídica no sentido de exigir a satisfação de condições de participação que não encontram qualquer respaldo legal, são plenamente válidos.


Veja, por exemplo, o caso da já mencionada IN nº 01/2010 da SLTI/MP. A citada instrução normativa ao regulamentar o Art. 12 da Lei de Licitações apenas explicita quais devem ser, para a Administração Pública Federal, as condições necessárias para a elaboração do estudo de impacto ambiental nos projetos básicos por ela realizados.


No entanto, a Administração – Federal – não está obrigada a instituir esses critérios em todos os certames licitatórios. É importante ressaltar que os órgãos administrativos devem verificar no caso concreto a efetiva possibilidade de utilização desses requisitos, tendo em vista a sua compatibilidade com o objeto licitado.


Isso porque, tais critérios não podem servir como instrumento arbitrário para o direcionamento da licitação.


Nessa linha já apontou o Tribunal de Contas da União:


“A decisão subjetiva é rechaçada pelo ordenamento jurídico, que impõe o julgamento objetivo e a vinculação ao edital, em homenagem aos princípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da moralidade. 4. O edital é a lei interna do processo de licitação, vinculando aos seus termos tanto a Administração Pública como os licitantes. Não seria aceitável que a Administração fixasse no edital a forma e o modo de participação dos licitantes e, no decorrer do processo ou na realização do julgamento, se afastasse do estabelecido. Ou ainda, que aceitasse de apenas um dos participantes a apresentação de proposta em desacordo com o estabelecido”. (TCU, Acórdão nº 3.474/2006, 1ª Câmara, Rel. Min. Valmir Campelo, DOU de 06.12.2006.)


Dessa forma, desde que os critérios ambientais regulamentados guardem pertinência lógica com o objeto pretendido e a necessidade a ser satisfeita e sejam previamente definidos no edital, não há motivo para a Administração deixar de aplicá-los.


Nada impede, inclusive, que a Administração, dependendo do objeto licitado, inclua critério de sustentabilidade para o julgamento das propostas que sequer tenham sido regulamentados, caso sejam observadas as condições acima citadas.


Seria interessante que, na Lei de Licitações, fosse incluída a necessidade de comprovação da qualificação ambiental, através da apresentação de certidão de regularidade ambiental, ou a exigência, na qualificação técnica, da metodologia de execução, contemplando o planejamento ambiental, principalmente nas contratações para obras e serviços de engenharia.


Entretanto, ante a inexistência, ainda, de tais exigências no plano legal cabe a Administração buscar elaborar critérios precisos que possam proporcionar uma contratação sustentável sem restringir a participação de interessados no certame.


Assim sendo, os critérios ambientais incorporados para a realização das licitações verdes, devem estar previstos no instrumento convocatório e não podem frustrar a competitividade, nem discriminar os participantes. Os critérios ambientais inseridos no edital devem ser delimitados de forma clara e precisa, a fim de permitir que se tenha uma avaliação objetiva no julgamento das propostas.


3 Sustentabilidade e Preço


O interesse público nas contratações públicas sempre foi visto sobre a perspectiva do preço, isto é, a busca pela satisfação da necessidade através do melhor objeto pelo menor dispêndio financeiro.


Atualmente, o interesse público nas licitações não se encontra apenas na preservação econômica na aquisição das soluções das necessidades públicas. O interesse público também está em assegurar que a execução do objeto não cause prejuízos aos recursos ambientais no futuro, já que assim como os recursos financeiros oriundos de arrecadação tributária, o meio ambiente também constitui patrimônio público, o qual precisa ser preservado.


Mas por que a proteção aos recursos ambientais é interesse público e deve ser observada nas licitações?


Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[5] o interesse público pode ser entendido como “a dimensão pública dos interesses individuais, ou seja dos interesses de cada indivíduo enquanto partícipe da sociedade”


De acordo com o referido doutrinador o interesse público não é, simplesmente, o somatório dos interesses individuais, pois não se resume ao interesse da maioria. Além disso, não é necessariamente contraposto ao interesse privado, como se estivesse desvinculado de cada uma das partes que compõem o conjunto social.


Todos os indivíduos, direta ou indiretamente, tem interesse na preservação do meio ambiente para a manutenção da sua qualidade de vida, e é justamente por isso que os recursos ambientais constituem interesse público.


Essa noção afasta a ideia de que a proteção ao meio ambiente é interesse apenas do Estado, bem como revela a possibilidade dos particulares defenderem esse interesse, como uma extensão de seus interesses pessoais.


Por isso é que qualquer pessoa pode manejar ações populares em razão da verificação de danos ao patrimônio público, como o meio ambiente – Art. 5º, LXXIII da Constituição da República.


Nessa linha, a Administração deve selecionar os bens, serviços e obras mais vantajosos, não apenas sob a perspectiva do preço, mas também de acordo com a qualidade e a conformidade do objeto à política pública de proteção ao meio ambiente, vez que é interesse de todos a sua preservação. A prevenção/precaução ambiental e o desenvolvimento econômico devem coexistir, de modo que aquele não acarrete a anulação deste e vice-versa.


Logo, a sustentabilidade ambiental é ao lado do preço fator primordial para a escolha da melhor proposta através da melhor relação custo-benefício. São duas grandezas que devem ser analisadas em conjunto, como duas faces da mesma moeda.


É sabido que a execução de atividades econômicas sustentáveis acarreta o aumento de determinados custos de produção, por exigir a capacitação de mão-de-obra, a elaboração de tecnologias capazes de aproveitar com maior eficiência os recursos disponíveis, entre outros fatores.


Dessa forma, não é possível considerar que a realização de licitações sustentáveis não provoca maior dispêndio financeiro por parte da Administração, seja em relação à elaboração do planejamento seja na remuneração pela realização do contrato.


Contudo, isso não implica dizer que a Administração pode, a pretexto da sustentabilidade, deixar de observar a economicidade das suas contratações.


Isso porque a globalização estabelece um mercado cada vez mais competitivo, no qual a adaptação da atividade produtiva à sustentabilidade desponta como requisito essencial para a manutenção das empresas no mercado. Essa adaptação, por sua vez, proporciona o aprimoramento dos métodos de produção e de planejamento ambiental sob uma perspectiva de baixo custo econômico, o que possibilita encontrar produtos ou serviços sustentáveis que sejam ao mesmo tempo vantajosos sob o ponto de vista financeiro.


Dessa maneira, em que pese a sustentabilidade ainda ser um conceito relativamente novo, o mercado já está se adequando a ele, o que possibilita a Administração elaborar critérios de julgamento das propostas que visem garantir uma contratação sustentável sem diminuir a competitividade da licitação e consequentemente a sua economicidade. Portanto, a sustentabilidade não se contrapõe à economicidade de um contrato administrativo.


Frise-se que uma contratação sustentável certamente diminui o risco futuro da ocorrência de maiores aportes financeiros por parte da Administração, em virtude de alterações contratuais, ou até mesmo da realização de novos contratos, por conta da necessidade de adaptação do objeto à diminuição de riscos ambientais, especialmente, nas licitações de grande vulto.


Em razão disso, é preciso que a Administração realize um bom planejamento, para que a economicidade de uma contratação antes revelada apenas sobre o viés financeiro represente, em boa medida, o incentivo a prática de condutas sustentáveis e garanta a preservação do meio ambiente.


Conclusão


A adoção de critérios ambientais nas compras e contratações realizadas pela Administração Pública, adequando os efeitos ambientais das condutas do Poder Público à política de prevenção de impactos ao meio ambiente, constitui objetivo a ser atingido constantemente pelo Estado.


Por isso, é interessante que a Administração Pública, ainda que na ausência de critérios de julgamento ambientais de propostas fixados por Lei, elabore parâmetros para exigir do particular nos certames licitatórios a realização de condutas ou a adoção de práticas sustentáveis compatíveis com o objeto licitado e o encargo a ser executado, dentro do chamado “bloco de legalidade”.


Critérios esses que, a despeito de estarem regulamentados ou não, devem ser objetivamente definidos no edital de licitação, em consonância com o princípio da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, da isonomia, entre outros.


Ademais, não se olvida que a realização de contratações sustentáveis acarrete imediatamente um dispêndio financeiro maior para a Administração Pública. No entanto, é certo que a médio e longo prazo a celebração de contratos administrativos sustentáveis trará muito mais benefícios do que prejuízos ao interesse público.


Conforme exposto, o desenvolvimento nacional sustentável encontra, no processo de contratação pública, um dos meios através dos quais o Estado pode garantir a sua eficácia, buscando, através do fomento, a realização do interesse público presente e futuro.


 


Notas:

[1] FERREIRA, Daniel. Função social da licitação pública: o desenvolvimento nacional sustentável (no e do Brasil, antes e depois da MP nº 495/2010). Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 9, n. 107, nov. 2010. <http://www.editoraforum.com.br/bid/bidCont>

[2] SILVA, Vania Pereira da. O dinamismo das normas administrativas nas contratações públicas: impedâncias na implementação de novos procedimentos. Revista Obras Civis, ano 2, n. 2, p. 60, dez. 2010.

[3] Decidiu o Tribunal de Contas da União que é necessário incluir no projeto básico da licitação os estudos de impacto ambiental decorrentes da execução do encargo “ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em: (…)9.3 – determinar ao DNIT que:9.3.1 – obtenha, junto ao Ibama, parecer conclusivo quanto aos riscos de que a execução da obra de dragagem de aprofundamento do canal do Porto de Rio Grande se mostre ambientalmente inviável, contendo, inclusive a indicação das medidas de controle necessárias para mitigar os danos ambientais associados à obra;9.3.2 – caso o parecer do Ibama não conclua pela inviabilidade ambiental da dragagem de aprofundamento do canal, realize um estudo de viabilidade econômica do empreendimento, contemplando inclusive o custo das medidas de controle de dano ambiental eventualmente sugeridas pelo Ibama no parecer mencionado;(…)9.4 – determinar à Secex/RS que:9.4.1 – no que se refere à realização de licitação da obra de ampliação dos molhes do Porto do Rio Grande com projeto básico incompleto, analise a responsabilidade da autoridade que determinou a abertura do procedimento licitatório e do autor do projeto, promovendo as audiências cabíveis; (TCU, Acórdão nº 1693/2003-Plenário, Rel. Min. Marcos Vinicios Villaça, DJ 12.11.2003)

[4] A utilização do chamado “poder de compra do Estado” através da licitação constitui instrumento dinâmico e eficaz para o fomento efetivo da preservação ao meio ambiente. Conforme leciona Erivam da Silva: “O uso desta política é justificado quando se constata que o direcionamento do poder de compra do Estado, por sua própria natureza e flexibilidade, e que também possui um viés redistributivo, tem todos os atributos necessários para gerar impacto na competitividade industrial e tecnológica, já que o Estado, enquanto consumidor em grande escala de bens e serviços está em posição ideal para a implantação de um sistema de indução de produtividade, controle de qualidade, transferência de tecnologia e promoção de benefícios sociais, principalmente quando se trata da geração de emprego e renda e desenvolvimento local, em que este direcionamento para os pequenos fornecedores, principalmente em áreas de menor desenvolvimento econômico, com a indução de arranjos locais, apresenta-se como um mecanismo de alto impacto e de baixo custo. A possibilidade de o Estado utilizar-se deste potencial, que não somente sob a ótica do paradigma da eficiência estrita, que é o atualmente utilizado, traduzindo-se por comprar mais, mais rápido e por um menor preço, mas também para alcançar outros resultados que, vistos globalmente, possam ser mais vantajosos para a Administração Pública e, indiretamente, para a sociedade, coloca-se como uma questão de grande complexidade a ser enfrentada. (…) Embora se mantenha a preocupação com a eficiência das compras públicas, com a adoção do uso do poder de compra do Estado há uma ponderação entre redistribuição e eficiência, o que é um ponto central no debate econômico, deste modo, o processo de adaptação de um sistema de compra, seja do nacional ou de seus entes, antes de tornar-se um instrumento redistributivo enfrenta o desafio de provar que os benefícios desta política são maiores do que os seus custos”. (SILVA, Erivam. O uso do poder de compra do Estado como instrumento de política pública: a Lei Complementar nº 123/2006, sua implementação, p. 70-71.)

[5] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo. 2008. Malheiros. p. 67.


Informações Sobre o Autor

Eduardo Sprada Annunziato

Advogado, Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (UNICURITIBA).


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