O processo administrativo disciplinar e a liberdade do administrador público na escolha de uma sanção disciplinar

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Preliminarmente, é de
bom alvitre se distinguir procedimento de processo. Esses institutos possuem a
mesma origem latina, já que vêm do mesmo vocábulo procedere (adiantar-se, caminhar, avançar, marchar à frente,
progredir).  

Do processo
acabou derivando procedimento, que vulgarmente se define como “modo de
alguém efetuar alguma coisa
”.[1]

Destarte, é de se
ressaltar, “que não há processo sem
procedimento, mas há procedimentos administrativos que não constituem processo,
como, p. ex., os de licitações e concursos”.
[2]

José Cretella Júnior
preleciona que “Processo designa entidade
que, em nada difere da que se designa por procedimento, podendo-se, quando
muito, quantitativamente, empregar o primeiro termo para mostrar o conjunto de
todos os atos e procedimentos para designar cada um desses atos: processo é o
todo, procedimento as diferentes operações que integram esse todo”.
[3]

Grandes estudiosos
brasileiros, em diversas obras do Direito Administrativo Disciplinar,
manifestaram-se a respeito do conceito de processo administrativo disciplinar.

Léo da Silva
Alves à luz
do Direito Positivo brasileiro diz que “processo
administrativo disciplinar é o instrumento utilizado na regra como próprio para
viabilizar a aplicação de sanções disciplinares no âmbito da Administração
Pública direta, autárquica, ou no seio das fundações públicas”.
[4]

Antônio
Carlos Palhares Moreira Reis define como: mecanismo
estabelecido na lei para o controle das atividades dos servidores, no que
concerne ao descumprimento de suas obrigações, ao desrespeito às proibições e à
realização de fatos capituláveis como crimes ou contravenções, pela legislação
penal ou por leis especiais, com reflexo no âmbito administrativo.
[5]

O art. 148 da Lei n.º
8.112/90[6] informa
que o processo administrativo disciplinar é o instrumento destinado a apurar
responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições,
ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido.

Delimitado o campo de
atuação da responsabilidade administrativa dos servidores públicos, mister se
faz um esclarecimento sobre a matéria elaborada pelo mestre Hely Lopes
Meirelles, in examine:

“Responsabilidade administrativa é a que resulta da
violação de normas internas da Administração pelo servidor sujeito ao estatuto
e disposições complementares estabelecido em lei, decreto ou qualquer outro
provimento regulamentar da função pública. A falta funcional gera o ilícito
administrativo e dá ensejo à aplicação de pena disciplinar pelo superior
hierárquico, no devido processo legal”.
[7]

O Professor de Direito
Daniel Ferreira ao discorrer sobre a definição da sanção imponível, sua
intensidade e o “excesso de punição”, destaca:

“Não aceitamos a menor possibilidade de subjetiva
eleição entre impor esta ou aquela sanção diante de um ilícito administrativo.
Isso decorre da estrita observância do binômio ilícito/sanção. Vale dizer: para
cada ilícito há uma previamente reconhecida e correspondente sanção.

Todavia, ainda assim se nos apresenta como
juridicamente viável a possibilidade de outorga legislativa de certa parcela de
discricionariedade, mesmo que residual, na imposição das sanções
administrativas.

Não vislumbramos qualquer traço de
discricionariedade na definição da infração ou na fixação da sanção, posto que
“somente a lei pode criar uma infração e cominar-lhe a respectiva sanção.
Somente as infrações previstas como tais pela lei e as sanções nela
expressamente cominadas é que podem ser aplicadas pelo administrador”.
[8]

Aliás, algumas questões
do Direito Administrativo Disciplinar figuram entre as hipóteses da
insuscetibilidade do controle jurisdicional pleno, em razão da valoração
administrativa de conceitos juridicamente indeterminados.

Para o Professor de
Direito Público da Universidade Federal do Piauí Robertônio Santos Pessoa
existe discricionariedade no exercício do poder disciplinar, já que a
nomenclatura adotada pelos estatutos funcionais, assim quando da escolha da
sanção administrativa mais adequada à punição da infração definida em lei. Alerta o ilustre
Professor: “Tal dificuldade decorre da
forma como são fixadas as infrações administrativas e sua conseqüente
penalização”.
[9]

Na opinião de Vladimir
da Rocha França,[10]
quando o Poder Judiciário se depara com a impossibilidade material de fixar a
aplicação mais correta do “conceito
jurídico indeterminado
”, é quase sempre impossível identificar a fronteira
entre o juízo de oportunidade e o juízo de juridicidade, pois aí, houve
justamente a perigosa mistura de ambos. Se o Poder Judiciário pudesse dissociar
os elementos de juridicidade dos elementos de oportunidade na ação
administrativa, haveria, sem sombra de dúvida, espaço para um controle total,
sob a ótica da juridicidade.

A Doutora em
Ciências Jurídico-Políticas Germana de Oliveira Moraes
defende que um dos problemas mais sérios para o direito dos servidores públicos
encontra-se no fato do administrador público ter a liberdade de escolher uma
sanção disciplinar, quando a lei estabelece uma possibilidade desse optar entre
mais de uma. O Poder Judiciário pode verificar se existe uma causa legitima que
possibilite a imposição de uma reprimenda disciplinar, acrescenta a nobre
Professora de Direito Administrativo. “O
que se lhe veda, nesse âmbito, é, tão-somente, o exame do mérito da decisão
administrativa, por tratar-se de elemento temático inerente ao poder
discricionário da Administração Pública”,
[11] conclui
ela o  pensamento sobre a matéria.

Para Odete Medauar uma
das questões mais relevantes no tratamento do tema do controle jurisdicional da
Administração diz respeito ao alcance da atuação do Judiciário. Disserta, ainda
que:

“A tendência de ampliação do controle jurisdicional
da Administração se acentuou a partir da Constituição Federal de 1988. O texto
de 1988 está impregnado de um espírito geral de priorização dos direitos e
garantias ante o poder público. Uma das decorrências desse espírito
vislumbra-se na indicação de mais parâmetros da atuação, mesmo discricionária,
da Administração, tais como o princípio da moralidade e o princípio da
impessoalidade. O princípio da publicidade, por sua vez, impõe transparência na
atuação administrativa, o que enseja maior controle. E a ação popular pode ser
com um dos seus fulcros a anulação de ato lesivo da moralidade administrativa,
independentemente de considerações de estrita legalidade”.
[12]

Para Ernomar Octaviano e Átila J. Gonzalez[13]
permitido é o Poder Judiciário examinar o processo administrativo disciplinar
para verificar se a sanção imposta é legítima e se a apuração da infração
atendeu ao devido processo legal. Essa verificação importa conhecer os motivos
da punição e saber se foram atendidas as formalidades procedimentais
essenciais, notadamente a oportunidade de defesa ao acusado e a contenção da
comissão processante e da autoridade julgadora nos limites de sua competência
funcional, isso sem tolher o discricionarismo da Administração quanto á escolha
de pena aplicável entre as consignadas na lei ou regulamento do serviço, à
graduação quantitativa da sanção e à conveniência e oportunidade de sua
imposição.

 

Bibliografia:

[1] OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLEZ, Átila J. Sindicância e processo administrativo. São
Paulo: Leud, 1999, p. 101.

2  MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
administrativo brasileiro
(n. 05), p. 584.

3 CRETELLA JR., José. Curso de direito administrativo. São Paulo: Forense, 1992, pp. 655/656.

4 ALVES, Léo da Silva. Questões relevantes da sindicância e do processo disciplinar.
Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 51.

5 REIS, Antônio Carlos Palhares Moreira. Processo disciplinar. Brasília:
Consulex, 1999, p. 100.

6 Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da
União, das Autarquias e das Fundações Públicas, de 11 de dezembro de 1990.

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7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
administrativo brasileiro
(n. 05), pp. 223-224.

8 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 161.

9 PESSOA, Robertônio Santos. Curso de direito administrativo moderno. Brasília: Consulex, 2000,
p. 374.

10 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Vinculação e discricionariedade nos atos administrativos. In: Revista de
Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: FGV, out/dez, 2000, (222): p. 113.

11
MORAES, Germana de Oliveira. Controle
jurisdicional da administração pública.
São Paulo: Dialética, 1999, pp.
175/176.  

12 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. São Paulo: RT, 1999, p. 435.

13 OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLEZ, Átila J. Sindicância e processo administrativo (n.01), p. 192.

 

Notas:

[1] OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLEZ, Átila J. Sindicância e processo administrativo. São
Paulo: Leud, 1999, p. 101.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 584.

[3] 
CRETELLA JR., José. Curso de direito administrativo. São Paulo: Forense, 1992, pp. 655/656.

[4]ALVES, Léo da Silva. Questões relevantes da sindicância e do processo disciplinar.
Brasília: Brasília Jurídica, 1999, p. 51.

[5] REIS, Antônio Carlos Palhares Moreira. Processo disciplinar. Brasília:
Consulex, 1999, p. 100.

[6] Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da
União, das Autarquias e das Fundações Públicas, de 11 de dezembro de 1990.

[7] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro (n. 02), pp. 223/224.

[8] FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 161.

[9] PESSOA, Robertônio Santos. Curso de direito administrativo moderno. Brasília: Consulex,
2000,                                                                                                                                                                                                                                                                             p.
374.

[10] FRANÇA, Vladimir da Rocha. Vinculação e discricionariedade nos atos administrativos. In: Revista de
Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: FGV, out/dez, 2000, (222): p. 113.

[11] MORAES, Germana de Oliveira. Controle jurisdicional da administração pública. São Paulo:
Dialética, 1999, pp. 175-176.  

[12] MEDAUAR, Odete. Direito
Administrativo moderno
. São Paulo: RT, 1999, p. 435.

[13]OCTAVIANO, Ernomar, GONZÁLEZ, Átila J. Sindicância e processo administrativo (n. 01), p. 192.


Informações Sobre o Autor

João Bosco Barbosa Martins

Auditor-Fiscal da Receita Federal, parecerista do Escritório de Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal em Recife – PE E pós-graduando em Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Recife da UFPE.


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