Maura Jorge Bordalo Mendonça1
Resumo: Esse estudo tem por escopo a analisar as exigências abusivas concernentes à fase de habilitação do procedimento licitatório, bem como suas consequências, como anulação do certame e a responsabilidade civil que decorre de tal ato. A atuação de determinados agentes públicos na condução da licitação, por vezes, demonstra a utilização de requisitos arbitrários tendentes ao direcionamento da escolha da proposta, havendo restrição na competitividade ínsita a esse processo. Em face do princípio da isonomia, que rege a referida temática, os requisitos ilegais exigidos pela autoridade competente têm o condão de anular o certame, ocasionando sérios danos tanto ao erário como para os participantes. Discutir-se-á, por fim, sobre a responsabilidade estatal em face dos prejudicados. Na busca da demonstração de tais fatos, o presente trabalho se utiliza do método dedutivo, além de perspectivas doutrinárias e jurisprudências do Tribunal de Contas da União, Superior Tribunal da Justiça e Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto.
Palavras-chave: Licitação. Serviço Público. Responsabilidade Estatal.
Abstract: This study aims to analyze the abusive demands concerning the qualification phase of the bidding process, as well as its consequences, such as cancellation of the bid and the civil liability that results from such act. The performance of certain public agents in conducting the bidding, sometimes, demonstrates the use of arbitrary requirements to guide the choice of bid, and there is restriction on competitiveness inherent to this process. In view of the principle of isonomy, which governs this theme, the illegal requirements required by the competent authority are capable of annulling the event, causing serious damage to both the purse and the participants. Finally, we will discuss state responsibility in the face of the disadvantaged. In the search for demonstration of such facts, the present work uses the deductive method, as well as doctrinal perspectives and jurisprudence of the Federal Court of Audit, Superior Court of Justice and Supreme Federal Court on the subject.
Keywords: Bidding. Public service. State Responsibility.
Sumário: Introdução. 1. Licitação Pública. 1.1. O regime jurídico da licitação pública. 2. Irregularidades na fase de habilitação conforme decisões do Tribunal de Contas da União. 3. Anulação do procedimento licitatório e a possível responsabilidade civil. Conclusão. Referencias Bibliograficas.
Introdução
O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 determina quais os princípios constitucionais pautam a atuação da Administração Pública Brasileira, entre eles os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, publicidade e eficiência. Esses postulados normativos são aplicados uma vez que os recursos públicos devem ser utilizados de forma racional, visando atingir o interesse público.
Para que a Administração Pública cumpra seus atos de modo eficiente, faz-se necessária a utilização da licitação, instrumento que determina a igualdade de condições entre os interessados, já que os bens e serviços não estão a sua livre disposição.
Nesse tocante, a Lei nº 8.666/1993 estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes às obras, aos serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Ademais, subordinam-se ao regime desta lei os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Essas entidades supracitadas podem ser fiscalizadas pelo controle externo, por meio do Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas, que possuem a função de fiscalizar o Poder Executivo, nos diferentes âmbitos da federação, como expõem as normas dos art. 71 a 75 da Carta Magna. Todavia, apesar da existência de fiscalização, na prática, apresentam-se algumas falhas em razão de contratações viciadas que são consideradas ilegais.
Nesse seguimento, pode-se constatar a existência de diversas irregularidades concernentes às exigências das entidades promotoras das licitações, principalmente, na fase de habilitação, as quais, por vezes, demonstram o direcionamento do certame a determinado adjudicante, sem respeito às normas legais.
Determinadas exigências na fase da habilitação como requisito para preencher capacidade técnica e econômica, por exemplo, maculam o procedimento licitatório por ofender os princípios constitucionais e administrativos, ocasionando a anulação do certame.
Para demonstrar tal situação utilizou-se de pesquisa jurisprudencial nos sites do Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Contas da União com as palavras- chaves no campo de pesquisa: “licitação”, “anulação da licitação”, “fase de habilitação na licitação”, “responsabilidade estatal na licitação”, “responsabilidade estatal”, “indenização”. Assim, encontrou-se diversos julgados com as mesmas irregularidades: exigência excessiva de documentos na fase de habilitação demonstrando intenção fraudulenta da Administração Pública ao restringir a competitividade.
É importante frisar que essas decisões demonstram falhas semelhantes que incorrem rotineiramente na Administração Pública e que, por vezes, passam despercebidas ou quando não, são verificadas após a realização do contrato, provocando mais danos ao erário.
Assim, percebe-se a relevância da temática, uma vez que as exigências consideradas desnecessárias na fase da habilitação por restringirem o caráter competitivo da licitação, muitas vezes direcionam o procedimento para determinada empresa. A Administração Pública por vezes se utiliza dessa estratégia com intenção fraudulenta, ocasionando na anulação do certame por vício de ilegalidade.
Este trabalho tem como objetivo analisar as consequências dessa anulação por afrontar princípios legais ocasionando na possibilidade da responsabilidade civil do Estado, conforme entendimento doutrinário que contraria a literalidade do art. 49 da Lei nº 8.666/93.
Para isso, utilizar-se-á o método dedutivo, de caráter descritivo, uma vez que serão expostos alguns limites estabelecidos pelo Tribunal de Contas da União sobre determinadas exigências abusivas, tendo como consequência sua anulação e a posterior responsabilidade civil do Estado.
Destaca-se que as técnicas utilizadas para respectiva pesquisa foram as bibliográficas (doutrinas, revistas dos tribunais, artigos). Foi realizada também a análise documental de jurisprudência obtida por meio de pesquisa on-line, nos sites do Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União,
A análise do tema Licitação suscita o seguinte questionamento: a anulação do certame licitatório por vicio de ilegalidade, decorrente de exigências abusivas na fase de habilitação, enseja responsabilidade civil do Estado?
Essa questão se insere na necessária compreensão de que a Administração Pública exige documentos que demonstram a capacidade técnica e econômico-financeira de forma abusiva, o que, por vezes, caracteriza direcionamento na escolha do vencedor, além de comprometer, restringir ou frustrar o caráter competitivo da licitação.
Por não preencher determinados requisitos, empresas comprometidas deixam de participar, pois outra já está em conluio com o Administrador. Assim, é de suma importância a existência de responsabilidade civil do Estado em face dos participantes que não alcançaram o objetivo final por irregularidades acometidas pela gestão pública.
No capítulo intitulado como “Regime Jurídico da Licitação Pública” é apresentado o conceito geral da Licitação Pública trazido pela Lei n 8.666/93, conjuntamente com a Constituição Federal. São também explicitados os princípios constitucionais e administrativos que regem tal instrumento, bem como sua finalidade.
Por sua vez, o capítulo “Irregularidades na Fase de Habilitação” se refere as exigências não razoáveis estabelecidas nessa determinada etapa. Isso porque os requisitos são elencados de forma taxativa pela Lei nº 8.666/93, sendo, portanto, vedada à entidade a criação de exigências não constantes na norma. Todavia, o Tribunal de Contas da União tem encontrado de forma corriqueira exigências como “visto” em Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) do local de realização de obra, como condição para participação de empresa na respectiva licitação e a obrigação de existência de profissionais no quadro permanente da empresa para fins de habilitação.
Então, as Cortes de Contas consideram que determinadas exigências de capacidade técnica e econômico-financeira são ilegais, como as trazidas nos respectivo trabalho, e, por vezes desnecessárias, maculando os certames.
Nesse seguimento, o terceiro capítulo intitulado como “Anulação do Procedimento Licitatório e a Responsabilidade Civil do Estado” faz relação entre a exigência de requisitos considerados ilegais pelo Tribunal de Contas da União e a possível responsabilidade civil do Estado perante os participantes prejudicados decorrente da anulação do processo licitatório.
Para embasar o questionamento utilizou-se tanto a posição de doutrinadores como o entendimento das Cortes Superiores, inclusive no que diz respeito também a possibilidade de gerar indenização a tais participantes.
- LICITAÇÃO PUBLICA
1.1 REGIME JURÍDICO DA LICITAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública ergue-se sobre os pilares dos poderes que lhe são conferidos para a consecução do interesse público e das restrições que lhe são impostas para preservá-lo de atos imorais, discriminatórios e pessoais (NIEBUHR, 2013, p. 48). A atividade administrativa se delineia em função de dois princípios: a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.
Para assegurar autoridade à Administração Pública são lhe outorgados prerrogativas e privilégios para garantir a supremacia do interesse público sobre o particular, tais como requisitar bens e serviços, aplicar sanções administrativas, etc. Relacionado a esse princípio, está o da indisponibilidade do interesse público, que afirma que o administrador não tem disponibilidade sobre os interesses públicos, mas somente possui o dever de guarda ou de proteção (DI PIETRO, 2013, p. 62/63).
A Administração deve possuir uma boa conduta e por isso é imposto que as atividades sejam realizadas com qualidade, eficácia, economia e celeridade. Todos esses quesitos devem ser concretizados de forma a satisfazer o interesse público. Nas palavras de Celso Bandeira de Mello (2014, p. 62) o interesse público é “resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade”.
No que concerne ao princípio da indisponibilidade do interesse público, Hely Lopes Meirelles (2013, p. 109) entende que “a Administração Pública não pode dispor do interesse geral, nem renunciar os poderes que a lei lhe deu para tal tutela, já que ela não é titular do interesse público, e sim o Estado que é o representante da coletividade”. Desse modo, a Administração não tem a livre disposição de bens públicos, os quais só podem ser alienados se assim a lei dispuser.
Em virtude desse princípio, a realização da licitação é obrigatória, uma vez que os bens, os serviços públicos, os direitos e os interesses não se encontram disponíveis livremente para a Administração Pública. Nessa circunstância, criaram-se leis dispondo sobre a alienação dos bens e das demais atividades.
Conforme explanado, verificou-se a necessidade da realização do procedimento licitatório em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público. Desse modo, o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal estabelece que a Administração Pública tem a obrigatoriedade de licitar quando desejar adquirir bens, prestação de serviços, alienações, locações ou executar obras. O certame licitatório tem como objetivo permitir que a Administração selecione a proposta mais vantajosa que satisfaça o interesse público.
O autor Marçal Justen Filho (2013, p. 494) ensina que a licitação é um “procedimento administrativo disciplinado por lei e por ato administrativo prévio que, determina critérios objetivos para seleção da proposta de contratação mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão de competência específica”.
O processo licitatório tem como principal finalidade assegurar aos interessados igualdade de condições no fornecimento dos bens ou prestação de serviços para as entidades, assim como tornar público os atos para sociedade. Subordinam-se a esse regime, além dos órgãos da Administração Direta, os Fundos Especiais, as Autarquias, as Fundações Públicas, as Empresas Públicas, as Sociedades de Economia Mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 1º, Parágrafo Único, da Lei nº 8.666/93).
A Administração Pública tem o dever de realizar licitações, ressalvados os casos disciplinados na legislação, no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
Entretanto, essa obrigação poderá ser dispensada em hipóteses previstas expressamente na lei, não cabendo qualquer juízo discricionário da entidade Pública quanto à conveniência e a oportunidade de sua realização. É o caso, por exemplo, de guerra ou grave perturbação da ordem, de emergência ou de calamidade pública, quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços, entre outros, conforme observado no art. 24 da Lei nº 8.666/93.
Resta dizer que a licitação é um procedimento de suma importância, como demonstrado nesse capítulo, para que a Administração Pública alcance seus objetivos conforme o interesse público. Além der ser o instrumento que garante o caráter competitivo e de igualdade entre todos os participantes.
2 IRREGULARIDADES NA FASE DE HABILITAÇÃO CONFORME DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO
A licitação é composta pelas seguintes fases: o edital, a habilitação, o julgamento da proposta, homologação, adjudicação. Na busca das irregularidades mais frequentes que ocorrem no certame, comumente encontra-se na jurisprudência e na doutrina um maior número de ocorrências na fase da habilitação e por esse pretexto discorrer-se-á sobre ela.
Eis aqui a fase cujo tema central da pesquisa se desenvolve. A habilitação ocorre após a abertura da licitação pelo edital e é anterior à fase do julgamento de propostas. De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2014, p. 287), a “habilitação é a fase do procedimento em que a Administração verifica a aptidão do candidato para futura contratação. A inabilitação acarreta a exclusão do licitante da fase do julgamento das propostas”.
No que diz respeito à documentação exigida, o art. 27 da referida Lei 8.666/93 determina que os interessados devem demonstrar: (I) a habilitação jurídica, (II) a qualificação técnica, (III) a qualificação econômico-financeira, (IV) a regularidade fiscal e trabalhista, e o (V) cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, referente à proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos.
Esses documentos têm a finalidade de comprovar a personalidade jurídica, a aptidão profissional, a capacidade de satisfazer os encargos econômicos e saber se o participante está cumprindo tanto com suas obrigações fiscais federais, estaduais e municipais, quanto com seus débitos trabalhistas.
Acerca dos critérios de habilitação, a Constituição Federal no art. 37, inciso XXI, permite que sejam feitas somente “(…) exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Desse modo, a Administração Pública não deve formular requisitos excessivos que acabam desviando do objetivo principal do certame, afinal as imposições devem ser pautadas visando o interesse público. Ademais, as exigências desnecessárias à garantia da obrigação tornam o procedimento licitatório mais formalista e burocrático, além de infringir o artigo supracitado (DI PIETRO, 2013, p. 422).
Conforme entendimento do Tribunal de Contas da União (2010, p. 332), as exigências habilitatórias não podem exceder os limites da razoabilidade, além de não ser permitido propor cláusulas desnecessárias e restritivas ao caráter competitivo. Elas devem fixar apenas o necessário para o cumprimento do objeto licitado.
Outrossim, a Administração tem a finalidade de garantir maior competitividade possível à disputa, e por esse motivo, a Lei nº 8.666/93 proíbe qualquer condição desnecessária. Exigências consideradas supérfluas podem indicar o direcionamento da licitação para favorecer determinadas pessoas ou empresas. Por essa razão, admite-se tão somente que sejam exigidos os documentos estabelecidos nos artigos 27 a 31 da Lei nº 8.666/93.
A fim de alcançar uma proposta mais vantajosa, a Administração deve observar os princípios da isonomia e o da livre concorrência, sendo vedadas cláusulas ou condições que estabeleçam preferências irrelevantes ao objeto do contrato e que restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do certame, conforme dispõe o inciso I, § 1º, do art. 3º da Lei nº 8.666/93:
Art. 3º, § 1º: É vedado aos agentes públicos:
I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991.
Nos casos em que o órgão da administração exige uma documentação exorbitante e desnecessária à comprovação da habilitação, acaba ocasionando na diminuição do número de interessados no certame e a Administração Pública perde a chance de alcançar seu objetivo, que é adquirir o produto ou serviço de melhor qualidade pelo menor preço.
Enfim, o gestor deve se privar de fazer exigências abundantes ou utilizar-se do formalismo excessivo para poder obter o maior número de participantes. Esse propósito é para facilitar os órgãos públicos à obtenção de bens e serviços mais convenientes a seus interesses. É por esse motivo que Administração Pública deve utilizar o formalismo de maneira mais flexível diante das suas exigências para que possa alcançar seu objetivo final.
Ao realizar uma vasta pesquisa jurisprudencial sobre quais seriam os requisitos de habilitação que ultrapassam o limite da razoabilidade mais frequentes, encontrou-se a exigência de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante. Apesar de ser uma medida corriqueira por parte dos órgãos públicos, essa medida não se adequa a finalidade da lei, além de não estar em conformidade com o entendimento do Tribunal de Contas da União.
O art. 30, §1º, I da Lei nº 8.666/93, determina que o licitante deve possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente para comprovar capacitação técnico-profissional.
A exigência de que as empresas interessadas possuam vínculo empregatício, por meio de carteira de trabalho assinada, com o profissional técnico qualificado demonstra-se excessiva e limitadora à participação de eventuais interessados no certame. O necessário para a Administração é que o profissional esteja em condições de desempenhar seus serviços no momento da execução de um possível contrato.
No que concerne ao item do edital que exige a comprovação de vínculo empregatício dos responsáveis técnicos na data de entrega da proposta, isto é, em momento anterior ao da contratação, o Tribunal de Contas da União entende ser ilegal, porque impõe um ônus desnecessário aos interessados, como no julgado transcorrido abaixo:
É ILEGAL A EXIGÊNCIA, PARA PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO, DE COMPROVAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO DO RESPONSÁVEL TÉCNICO COM A EMPRESA LICITANTE.
(…) a jurisprudência do Tribunal também é pacífica no sentido de ser ilegal a exigência de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante, pois impõe um ônus desnecessário aos concorrentes, na medida em que são obrigados a contratar, ou a manter em seu quadro, profissionais apenas para participar da licitação (acórdãos 103/2009 e 1.808/2011, do Plenário, entre outros)” (TCU. Acórdão nº 1842/2013 – Plenário, Relatora: Ministra Ana Arraes, Data da sessão: 17 de jul. de 2013).
Nesse seguimento, Marçal Justen Filho (2012, p. 515) considera que a exigência de vínculo trabalhista é muito rigorosa, pois o principal para a Administração Pública é que o profissional tenha condições de desempenhar, de forma efetiva, seus trabalhos por ocasião da execução do futuro contrato. Assim, é inútil para ela que os licitantes mantenham profissionais de alta qualificação empregados apenas para participar do certame. Sendo suficiente a existência de contrato de prestação de serviços, sem vínculo trabalhista e regido pela legislação civil comum.
Conforme o respectivo entendimento, o Tribunal de Contas da União aduz que o vínculo entre o profissional e o licitante pode ser atestado pela apresentação de contrato de prestação de serviços e não apenas por relação trabalhista direta, via Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), ou mesmo societária, como pode ser observado no seguinte julgado:
REPRESENTAÇÃO. MUNICÍPIO DE CÂNDIDO SALES/BA. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES NO EDITAL DA TOMADA DE PREÇOS 8/2014. CONHECIMENTO. ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. EXIGÊNCIAS INDEVIDAS NO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.
Já o subitem 10.4.1, por sua vez, elenca os documentos por meio dos quais poderá ser comprovado o vínculo profissional, dentre os quais Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada pela empresa e registro do profissional junto ao respectivo conselho profissional como responsável técnico da licitante. Contudo, já está pacificado neste Tribunal que, a simples prova da existência de contrato de prestação de serviços, regido pela legislação civil comum, firmado entre a licitante e o profissional já seria suficiente para comprovar o vínculo. Nesse sentido, os Acórdãos 2.297/2005, 361/2006, 291/2007, 597/2007, 1.097/2007, 103/2009, 600/2011 e 2.898/2012, todos do Plenário deste Tribunal (TCU, Acordão 374/2015-Plenário, Relator- Weder de Oliveira, Data da sessão: 04 de mar. de 2015).
Conforme esse posicionamento, entende-se que a comprovação de vínculo empregatício é ilegal, pois impõe um ônus desnecessário aos concorrentes, na medida em que são obrigados a contratar, ou a manter em seu quadro profissionais apenas para participar da licitação.
Destarte, essa exigência impede que a empresa licitante contrate profissional habilitado para prestar serviços sem vínculo empregatício, privilegiando apenas as empresas que possuem responsável técnico em seu quadro permanente de funcionários. Nesse cenário não se admite também a hipótese de contratação de profissionais autônomos para execução do objeto licitado, obrigando o profissional a manter vínculo permanente com a empresa.
Nessa situação, tal exigência desrespeita tanto o princípio da isonomia quanto do interesse público e configura restrição indevida ao caráter competitivo da licitação. Além disso, comprovar o vínculo empregatício antes da contratação não garante que o profissional estará na empresa quando da execução do serviço, conforme o julgado a seguir:
REPRESENTAÇÃO. MUNICÍPIO DE CÂNDIDO SALES/BA. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES NO EDITAL DA TOMADA DE PREÇOS 8/2014. CONHECIMENTO. ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. EXIGÊNCIAS INDEVIDAS NO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO.
(…) Vale assinalar que o fato de um profissional, na data da entrega dos envelopes, pertencer ao quadro permanente da empresa licitante não assegura que esse profissional estará na empresa durante a execução da obra ou do serviço a ser contratado, uma vez que poderá ocorrer o seu desligamento após esse momento (TCU, Acórdão nº 373/2015 – Plenário, Relator: Weder de Oliveira, Data da sessão: 04 de mar. de 2015).
Defende-se que é possível demonstrar a vinculação entre o profissional e a empresa através de contrato de trabalho, conforme parece ser mais adequado à realidade econômica atual. Nesse sentido, demonstra-se que exigir das empresas que elas mantenham profissionais de alta qualificação, sob vínculo empregatício, apenas para participar da licitação, seja irrazoável, visto que existe outras alternativas menos rigorosas de comprovação. Podendo levar o certame a ser anulado, como ocorreu no entendimento abaixo:
REPRESENTAÇÃO FORMULADA EMPRESA SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE TRÂNSITO LTDA., COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 113 DA LEI Nº 8.666/93. TOMADA DE PREÇOS. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA ESPECIALIZADA PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO DE SISTEMAS DE CIRCUITO FECHADO DE TV. POSSÍVEL IRREGULARIDADE CONSTANTE DO EDITAL. SUSPENSÃO DO CERTAME. RESTRIÇÃO À COMPETITIVIDADE. ANULAÇÃO DO CERTAME.
VOTO
(…) 12. Assim, se o profissional assume os deveres de desempenhar suas atividades de modo a assegurar a execução satisfatória do objeto licitado, o correto é entender que os requisitos de qualificação profissional foram atendidos. Não se pode conceber que as empresas licitantes sejam obrigadas a manter profissionais de alta qualificação, sob vínculo empregatício, apenas para participar da licitação, pois a interpretação ampliativa e rigorosa […]. Nesse sentido, entendo que seria suficiente, segundo alega a representante, a comprovação da existência de um contrato de prestação de serviços, sem vínculo trabalhista e regido pela legislação civil comum.
[…] fixar, com fundamento no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal e no art. 45 da Lei nº 8.443/1992 c/c o art. 251 do Regimento Interno do TCU, o prazo de 15 (quinze) dias para que a Gerência Regional de Logística do Banco do Brasil, Unidade de Campinas/SP, adote as providências necessárias à anulação do processo licitatório relativo à Tomada de Preços nº 2005/1909/1149-SL (TCU, AC-2297-49/05-P, Acordão: 2297/2005. Relator: Benjamin Zymler, Data da sessão: 13 de dez. de 2005).
Outro item verificado comumente nos editais é a exigência do “visto” em registro do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) da cidade sede da licitação para as empresas sediadas em outras localidades. O exercício profissional em outros estados da União é permitido através desse “visto”, conforme o art. 58 da Lei n° 5.194/66 “se o profissional, firma ou organização, registrado em qualquer Conselho Regional, exercer atividade em outra Região, ficará obrigado a visar, nela, o seu registro”.
Quanto à licitação, o art. 30 da Lei nº 8.666/93 estabelece que pode ser exigida documentação relativa à qualificação técnica no que diz respeito ao registro ou inscrição na entidade profissional competente, bem como comprovação de aptidão de atividade pertinente, etc. Logo, a lei permite que o registro do CREA seja admitido como exigência no edital, mas o legislador foi silente quanto ao “visto”.
O Tribunal de Contas da União afirma que o referido “visto” do Conselho da região onde o serviço será prestado só poderá ser exigido no início da execução contratual e não para mera participação no certame, conforme a seguinte decisão:
REPRESENTAÇÃO. OBRAS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO INCLUÍDAS NO PAC 2. RESTRIÇÃO AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. REQUISITOS DE HABILITAÇÃO TÉCNICA E ECONÔMICA DESNECESSÁRIOS.
VOTO
(…) 5.3 No caso de licitações para contratação de empresa para execução de obras públicas, deve ser exigido registro no CREA ou no CAU, por serem esses Conselhos os competentes para fiscalização das atividades relacionadas a engenharia, arquitetura e urbanismo e execução de obras nos termos da art. 1º da Lei nº 6.839/1980, c/c art. 26 da Lei nº 5.194/66 e Lei nº 12.378/2010.
5.4 Não há óbice à exigência de certidão de quitação junto ao CREA para fins de habilitação em licitações de obras públicas, por haver lei específica (Lei nº 5.194/1966) estabelecendo tal exigência.
5.5 Entretanto, para fins de habilitação, a exigência de visto do CREA/CAU local é irregular. (grifou-se). O instante apropriado para atendimento de tal requisito é o momento de início do exercício da atividade, que se dá com a contratação, e não na fase de habilitação, sob pena de comprometimento da competitividade do certame (TCU, TC 008.699/2012-7, Relator: Marcos Bemquerer Costa, Data da sessão: 03 de abril de 2013)
Esse entendimento tem como fundamento o princípio constitucional da universalidade de participação em licitações, a fim de garantir a seleção de proposta mais vantajosa para Administração, vedando cláusulas desnecessárias que restrinjam o caráter competitivo do certame.
Ademais, observou-se que no momento da habilitação o licitante tem mera pretensão de contratar com a Administração, sendo assim, não há que se falar em “visto” do CREA local. Essa obrigação somente será exigível do interessado que for vencedor, quando da assinatura do contrato, em que passa a ser certa a execução do objeto. Conforme se verifica no julgado do Tribunal de Contas da União:
REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. SERVIÇOS DE CONSERVAÇÃO E MANUTENÇÃO DE PRÉDIOS, EQUIPAMENTOS E INSTALAÇÕES. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULAS RESTRITIVAS DA COMPETITIVIDADE.
1 – Quando os serviços de manutenção de prédios, equipamentos e instalações a serem prestados envolverem o uso de técnicas de engenharia civil e elétrica, o registro profissional a ser exigido dos licitantes deve ser no CREA. 2 – A exigência, para licitante de outro Estado, de visto do registro profissional pelo CREA local aplica-se apenas ao vencedor da licitação. 3 – É regular a exigência, como requisito de habilitação em licitação, de quitação de obrigações junto ao CREA.
VOTO
(…) 14. Tem razão a autora ao considerar que é aplicável apenas ao vencedor do certame a exigência, para licitantes de outro Estado, de visto de registro profissional pelo conselho local, já que se trata de requisito essencial para desenvolvimento regular das atividades, nos termos do art. 69 da Lei 5194/1996, que regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro agrônomo. Não seria correto aplicá-la a todos os participantes, o que representaria um ônus desnecessário e que poderia restringir a competitividade da licitação (grifou-se). (TCU, Acordão 1908/2008-Plenario. Relator: Aroldo Cedraz. Data da sessão: 03 de set. de 2008)
Ademais, essa exigência pode restringir tanto o caráter competitivo que o Tribunal de Contas pode entender pela necessária medida de anulação do certame, conforme verifica-se a seguir:
REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS RELATIVOS À ELABORAÇÃO DE PROJETOS DE FUNDAÇÕES E ESTRUTURA, ARQUITETURA, ACÚSTICA, SONORIZAÇÃO, LUMINOTÉCNICA, CENOTÉCNICA, PAISAGISMO, PAVIMENTAÇÃO, SISTEMA VIÁRIO E INSTALAÇÕES PREDIAIS. CONHECIMENTO. OITIVA PRÉVIA. PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÃO PARA ANULAÇÃO DO CERTAME. CIÊNCIA.
[…] Em relação à exigência de visto no Crea/DF para empresas registradas em conselho de outra região, comungo do exame empreendido pela unidade instrutiva, no sentido de que tal exigência não se mostra consentânea com a jurisprudência deste Tribunal, limitando de forma desnecessária a competitividade nas licitações públicas. […] (grifou-se). […] com fulcro no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, c/c o art. 45 da Lei nº 8.443/1992 e o art. 251 do Regimento Interno, assinar o prazo de 15 (quinze) dias para que o FUB/Ceplan adote as medidas necessárias à anulação da Concorrência 175/2012 (TCU, Acordão nº 2239/12 -Plenário, Relator: Ministro José Jorge, Data da sessão: 22 de ago. de 2012, grifou-se).
Desse modo, percebe-se que essa exigência não encontra respaldo nas normas contidas na Lei nº 8.666/93, tampouco no entendimento do Tribunal de Contas da União. Então, pode-se concluir que os requisitos citados nesse capítulo são abusivos, pois tem o condão de restringir o caráter competitivo da licitação, maculando o certame. Sendo assim, não devem ser utilizados pela Administração Pública em seus certames licitatórios.
3 ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO E A POSSÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Constatando irregularidades na licitação, como as descritas no capítulo anterior, pode ocorrer a anulação se o ato restringir a competição frustrando a licitação. A anulação pode ser decidida quando o procedimento licitatório possuir vício de legalidade, se inobservadas as regras contidas nos editais ou desrespeitar os postulados normativos. Pode ainda ser decretada pela própria Administração (art. 49 da Lei nº 8.666/93) conforme demonstrado que o vício presente no processo é insanável e há lesividade ao erário.
A teor do art. 49 estabelece que a anulação não gera obrigação de indenizar, salvo o que já tiver sido executado até o respectivo momento e outros prejuízos devidamente comprovados, desde que não seja responsável pela causa da invalidação. Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido, quando diz respeito a anulação, que a Administração não deve indenização aos participantes, consoante o julgado a seguir:
ADMINISTRATIVO- LICITAÇÃO- REVOGAÇÃO APOS ADJUDICAÇÃO.
(…) VOTO
“3. Na anulação não há direito algum para o ganhador da licitação; na revogação, diferentemente, pode ser a Administração condenada a ressarcir o primeiro colocado pelas despesas realizadas.” (STJ, MS n° 12.047/DF, Rel: Min. Eliana Calmon, data de julgamento: 28.03.2007-1ª Seção, DJ de 16.04.2007)
Caso a anulação ocorra depois de já escolhido o vencedor, a indenização só acobertará tão somente o que houver sido gasto. É o que se extrai da 4ª edição da Revista sobre Orientações e Jurisprudência do Tribunal de Contas da União acerca da licitação e contratos (2010, p. 546), que prevê a “nulidade do contrato não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados”
Eis aqui um problema, pois aqueles que não venceram o certame por causa dos vícios, que posteriormente foram reconhecidos como ilegais, ficam desamparados, sem receber qualquer compensação.
Ora, a própria Administração ao anular a licitação afirma que houve irregularidades que eivaram o procedimento de ilegalidade, ou seja, que transgrediram normas e princípios jurídicos. Então não seria razoável que os participantes se submetessem a gravames patrimoniais decorrentes de ato administrativo irregular. Resta lembrar que os atos administrativos tem presunção de legitimidade, logo os participantes, salvo se demonstrado conluio com a Administração Pública, agiram em conformidade com os requisitos elencados no edital.
Celso Bandeira de Mello (2014, p. 616) considera que “é óbvio que o art. 37, § 6º, da Constituição enseja responsabilização ainda com maior amplitude”. Considerando a possibilidade de aplicar-se a responsabilidade civil no âmbito da licitação.
Logo, a responsabilidade estatal perante as anulações por vícios seriam benéficas para a sociedade, visto que obrigaria a Administração a agir com seriedade ao invés de utilizar a licitação de forma fraudulenta como faz com muita frequência. O dever de indenizar os participantes que de algum modo foram prejudicados serve como advertência para que os próximos certames fossem realizados conforme a lei. Ressalta, Celso Bandeira de Mello (2014, p. 618), “têm aplicação se os licitantes estavam de boa-fé e não concorreram para o vício propiciatório da invalidação”.
Nessa perspectiva Marçal Justen Filho (2012, p.785) afirma que “a prática de atos viciados produz a responsabilidade civil do Estado”. Além disso considera que inconstitucional a restrição contida no art. 49, §1°, uma vez que só haveria responsabilidade civil do Estado no caso do anulação da licitação após executado o contrato, ou seja, só perante o vencedor. Essa limitação ofende o disposto no art. 37, § 6º, da CF/88, que possui contornos amplos.
No momento em que a própria Administração atua mal, eivando seus atos administrativos de ilegalidade, já se configuram os pressupostos da responsabilização civil do Estado. Ademais, “a indenização dependerá da existência de dano cuja concretização seja causalmente derivada da ação do Estado” (JUSTEN FILHO, 2012, p. 786).
É comum a Administração promover, a anulação da licitação e silenciar acerca da indenização. Porém, se a Administração tem o dever de anular seus atos inválidos, também tem o dever de indenizar as perdas e danos deles derivados (JUSTEN FILHO, 2012, p. 786).
O que não se pode admitir é que a Administração reconheça a irregularidade, anule o procedimento licitatório e imponha aos particulares arcar com todas as despesas e investimentos que efetivaram para participar dos atos até então verificados.
Para Marçal Justen Filho (2012, p. 786) inclusive “são indenizáveis os danos emergentes e os lucros cessantes. Quanto a isso, aplicam-se os princípios já desenvolvidos no direito comum. Exige-se a indenização ampla e completa, o que não significa, provocar enriquecimento ao interessado”.
Portanto, esses autores acreditam ser possível e indispensável a responsabilidade estatal diante de irregularidade na licitação que configura na anulação do certame. Ensejando, assim, indenização para os participantes que foram prejudicados diante das exigências desnecessárias com função meramente de restringir a competição entre os licitantes.
CONCLUSÃO
Como indicado no início do trabalho, foi objetivado analisar por meio de decisões do Tribunal de Contas da União e doutrinas a respeito das exigências consideradas abusivas na fase de habilitação que ocasionam na anulação do procedimento licitatório a fim de verificar a possível responsabilidade estatal em sua decorrência. No decorrer da pesquisa utilizou-se o método dedutivo, além da pesquisa jurisprudencial, bibliográfica e doutrinária que serviram de base para comprovar os questionamentos levantados nos capítulos anteriores.
Para tanto, foi exposto no primeiro capítulo sobre o regime jurídico da licitação, realizando considerações sobre os princípios norteadores do certame, que estabelecem o que deve ser cumprido pelo agente administrativo. Ademais, verificou-se que o dever de licitar advém de um dos princípios basilares da Administração Pública, qual seja, a indisponibilidade do interesse público. Esse instrumento tem como um dos principais objetivos garantir a isonomia perante os participantes, assim como visa assegurar a proposta mais vantajosa para Administração Pública, considerando sempre o interesse da sociedade.
Já o segundo capítulo discorre sobre a habilitação, que é uma das fases da licitação utilizada para que as empresas comprovem ter aptidão para cumprir o objeto da licitação. Os artigos 27 a 31 da Lei nº 8.666/93 determinam vários requisitos que podem ser exigidos no edital para tal comprovação. Assim, os interessados que apresentarem todas as documentações necessárias serão considerados aptos na fase de habilitação e passarão para a fase seguinte.
Nesse contexto, embora a Administração Pública seja pautada na estrita legalidade, é importante ressaltar que a lei afigura-se incapaz de abarcar todas as condutas do agente administrativo. Por esse motivo, compete à autoridade competente utilizar-se da discricionariedade na avaliação dos requisitos legalmente impostos. A Administração além de escolher quais são os bens e serviços que ela necessita, decide também quais exigências serão feitas no edital para que os interessados sejam considerados aptos a executar a atividade objeto da licitação. É nessa prerrogativa de valoração que se situa o poder discricionário.
Apesar da importância do poder discricionário, há situações em que os gestores extrapolam o limite da razoabilidade. Pode-se verificar quando se utilizam das exigências para habilitação de modo a beneficiar interesses próprios ou de terceiros, ferindo o princípio da indisponibilidade do interesse público, bem como a moralidade da Administração Pública. Na prática, muitos requisitos são impostos de modo arbitrário, que prejudicam a competitividade da licitação, pois muitos interessados são eliminados por não conseguirem atender às exigências estabelecidas.
Uma vez que se está a tratar do patrimônio público, a Administração Pública tem o dever de prestar contas e ser fiscalizada pelos órgãos que possuem competência para tanto. Desse modo, as decisões do Tribunal de Contas demonstram que os administradores fazem exigências de capacidade técnica e econômico-financeira de forma ilegal, desrespeitando o princípio da isonomia, e consequentemente restringindo a competitividade.
Nesse contexto, fez-se necessário averiguar quais as exigências são consideradas excessivas, e por vezes, ilegais. Assim, o entendimento demonstra que os requisitos arbitrários tem o condão de ferir a competitividade e a isonomia entre os interessados, restringindo o caráter competitivo do certame. Verificou-se que alguns requisitos ocorrem reiteradamente ao longo dos anos concernentes aos seguintes tópicos: a exigência de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante e do “visto” no CREA do local da licitação para empresas registradas no Conselho de outra região.
Conforme analisado, essas impropriedades acimas enumeradas restringem em demasia a competitividade do certame e, às vezes, são utilizadas para direcionar a escolha da proposta a uma empresa específica. Nesse contexto, o Tribunal de Contas demonstra sua importância, pois é órgão responsável por fiscalizar os certames licitatórios e impor limites a determinadas exigências que são consideradas ilegais.
Com efeito, as falhas constatadas são consideradas graves pelo Tribunal de Contas na medida em que possuem potencial restritivo à competitividade e prejudicam a obtenção de proposta mais vantajosa para a Administração, em desacordo com o artigo 3º, I, § 1º da Lei nº 8.666/93. O Tribunal de Contas, em suas decisões, determina limites para que os gestores não transformem as exigências de qualificação técnica e econômica em oportunidade para garantir o interesse próprio ou de outrem. Até porque em grande parte das licitações se verifica que apenas uma empresa concorreu ao certame, o que evidencia o direcionamento da escolha.
Nesse ínterim, ao analisar as decisões do Tribunal de Contas, averiguou-se que para resguardar os interesses da Administração Pública as exigências devem se apresentar de forma a assegurar uma garantia mínima suficiente para que os participantes demonstrem capacidade de cumprir as obrigações contratuais.
Diante disso, o terceiro capítulo trata sobre os requisitos arbitrários que ocorrem na licitação que podem ensejar a anulação de procedimento, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. Isso ocorre porque as irregularidades configuram ato de gestão antieconômico ou ocasionam danos ao erário, sendo considerados ilegais.
Discutiu-se também se há a responsabilidade civil do Estado perante os participantes que foram prejudicados e não conseguiram participar ou foram eliminados por conta de tais exigências. Verificou-se que há posição doutrinária a favor da responsabilização, mas que infelizmente a jurisprudência ainda não vem acatando tal entendimento, aplicando a literalidade do art. 49 da Lei 8.666/93.
Ressalta-se que a responsabilidade civil do Estado deve ser vista de forma ampla, conforme art. 37 da Constituição Federal. Sendo indispensável a discussão de temas como, o quantum indenizatório, quem serão os legitimados a receber o determinado valor, o que deve ser ponderado para que haja a responsabilidade e assim por diante.
Resta citar que a responsabilização serve como advertência para que as entidades evitem condutas fraudulentas e honre com seus compromissos contratuais. É essencial ocorrer a responsabilização para que o Poder Público recupere sua credibilidade diante de um cenário de crise econômica e corrupção em que se vive. Afinal, o processo licitatório visa resguardar princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como os já mencionados, princípios da isonomia, impessoalidade, legalidade, moralidade, eficiência.
Por fim, entende-se que para construir um Estado de igualdade material é preciso que os atos administrativos sejam legais e dotados de boa-fé, como são expressamente previstos na Constituição Federal.
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