Penalidades administrativas em contratos públicos

Resumo: O presente estudo objetiva analisar as espécies de sanções administrativas, previstas na Lei de Licitações. Primeiro serão traçadas considerações iniciais a estas sanções, demonstrando a necessidade de obediência a um rol taxativo, porém, sem contar com uma tipicidade fechada, como ocorre no Direito Penal. Em sequencia serão abordadas as penalidades em espécie, culminando com recomendações pessoais do autor sobre o tema.

Palavras-Chave: Direito Administrativo. Contrato público. Sanção administrativa.

Abstract:  This study aims to analyze the kinds of administrative sanctions as provided in the Bidding Law. First initial considerations will be drawn to these sanctions, demonstrating the necessity of obedience to an exhaustive list, but not counting on a typicality closed, as in the Criminal Law. In the sequel we will discuss the penalties in kind, culminating with the author's personal recommendations about the subject.

Keywords: Administrative Law. Public Contract. Administrative Penalty.

Sumário:  Introdução. 1 – Da advertência. 2 – Da Multa. 3 – Da suspensão temporária. 4 – Da declaração de inidoneidade. Conclusão.  Referências Bibliográficas.  

Introdução

A inexecução do contrato administrativo ou a sua execução deficiente pode ensejar a aplicação de uma, ou mais, das penalidades administrativas elencadas no artigo 87 da Lei 8.666/93, quais sejam: a) advertência, b) multa, c) suspensão temporária e, d) declaração de inidoneidade.

A aplicação de quaisquer destas penalidades exige um prévio ato administrativo punitivo, conforme ensinamentos de José Dos Santos Carvalho Filho: “…o Estatuto relacionou uma série de atos administrativos, de caráter punitivo, que traduzem sanções pela inexecução total ou parcial do contrato."[i]

Ao contrário do Direito Penal, aqui, não há, em regra, uma tipicidade fechada, ou seja, a lei não prevê as hipóteses infracionais e as possíveis sanções a serem aplicadas, não determinando qual sanção aplicar para cada caso, deixando esta margem de liberdade para o administrador, baseado no caso concreto, aplicar a sanção que melhor atenda à situação.

Assim, quando da aplicação da sanção administrativa, o administrador deve atuar pautado nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, aplicando a pena de acordo com a gravidade da infração e ainda, seguindo os parâmetros traçados no editou e no próprio contrato, conforme ensinamento de Lucas Rocha Furtado:

“Deve ser observada, ademais, regra de proporcionalidade na aplicação das sanções. Assim, para pequenas infrações que não tenham causado qualquer dano, a Administração deve aplicar a pena de advertência. Para a eventualidade de reincidência no cometimento de pequenas infrações, e para as hipóteses de infrações mais rigorosas, mas que não justifiquem a rescisão do contrato, a pena indicada é a multa. Sempre que houver violação de cláusula do contrato que justifique sua rescisão, deve ser aplicada a pena de suspensão temporária. Em hipótese de fraude praticada pelo contratado, de que seria exemplo a juntada ao processo de declarações falsas com o propósito de receber pagamento por serviços não executados, deve ser aplicada a pena mais rigorosa, a declaração de inidoneidade. De se observar que a aplicação das duas últimas penas, a suspensão temporária e a declaração de inidoneidade podem ser acumuladas com a aplicação de multa.”[ii]

Trata-se de um rol taxativo, sendo vedado inovar, no edital ou no contrato, com novas punições, além daquelas previstas no art. 87 da Lei de Licitações, como bem observou Jesse Torres Pereira Junior: "Poderia o contrato ampliar ou diversificar tal elenco: Não, porque o poder de punir há de ter fundamento legal; só a lei pode estabelecer as sanções que a Administração estará autorizada a aplicar".[iii]  

Com estas considerações iniciais, a próxima etapa do estudo será analisar os contornos de cada sanção em espécie. 

1 – Da advertência

 Dentre as sanções previstas a advertência é a mais tênue. Utilizada para punição de infrações leves. Trata-se de uma censura moral que deve ser adotada diante de pequenas falhas no decorrer da execução do contrato.

De acordo com Jessé Torres:

“…a advertência cabe em faltas leves, assim entendidas aquelas que não acarretam prejuízo de monta ao interesse do serviço, o qual, a despeito delas, será atendido; prevenir que a falta venha a inviabilizar a execução do contrato ou obrigue  a Administração a rescindi-lo é  a prioridade da advertência”.[iv]

A princípio não acarreta a rescisão contratual, todavia, o cometimento reiterado de faltas que ensejam a aplicação da advertência poderá culminar com a rescisão unilateral do vínculo.

2 – Da Multa

A multa é a sanção pecuniária que atinge o patrimônio do contratado, normalmente estabelecida em um determinado percentual do valor do contrato e deve estar prevista no edital e no instrumento contratual, sob pena de tornar inviável sua aplicação.

Isso porque, como já observado no tópico “1” deste estudo, a legislação não estabelece tipicidade fechada, logo, a ausência de cláusula contratual listando as infrações e a correspondente sanção pecuniária, impossibilitará uma futura punição ao contratato, pois a Administração Pública não terá parâmetros a serem seguidos. 

De acordo coma Lei 8.666/93, a multa pode ser aplicada em duas situações. Pelo atraso em executar o contrato[v] ou pela inexecução do contrato[vi].

3 – Da suspensão temporária:

A aplicação da sanção “suspensão temporária” acarreta a proibição de participar de licitações e de contratar com a Administração Pública pelo prazo de até 2 (dois) anos.

Deve ser utilizada quando apurada falta grave do contratado, assim entendidas por Jessé Torres: “capaz de deixar pendente, total ou parcialmente, a prestação acordada, com prejuízo ao interesse do serviço” [vii]

Em face da gravidade dos fatos que ensejam a aplicação desta sanção, normalmente, o contrato também é rescindido unilateralmente.

Dúvida existe sobre os limites desta penalidade: se o particular estaria impedido de licitar ou contratar com qualquer ente público ou apenas com o ente público que o suspendeu temporariamente.  

Para o Superior Tribunal de Justiça a sanção é plena, acarreta a impossibilidade de participar de licitação ou de contratar com qualquer ente público:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III.

– É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras.

– A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum.

– A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública.

– Recurso especial não conhecido.”( REsp 151567 / RJ – SEGUNDA TURMA – STJ –  Relator: Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS. Publicação: DJ 14/04/2003 p. 208.)

 Oposto é o entendimento do Tribunal de Constas da União – TCU, que limita os efeitos da suspensão temporária ao ente sancionador:

“ALCANCE DA SANÇÃO PREVISTA NO ART. 87, III, DA LEI N.º 8.666/93. Representação formulada ao TCU noticiou suposta irregularidade no Convite n.º 2008/033, promovido pelo Banco do Nordeste do Brasil S/A (BNB), cujo objeto era a “contratação de serviços de infraestrutura na área de informática do Banco”. Em suma, alegou a representante que o BNB estaria impedido de contratar com a licitante vencedora do certame, haja vista ter sido aplicada a esta, com base no art. 87, III, da Lei de Licitações, a pena de “suspensão de licitar e contratar com a Administração pelo período de um ano”, conforme ato administrativo do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJ/CE). Instado a se manifestar, o Ministério Público junto ao TCU alinhou-se “ao posicionamento da parcela da doutrina que considera que a sanção aplicada com supedâneo no art. 87, inciso III, da Lei das Licitações restringe-se ao órgão ou entidade contratante, não sendo, portanto, extensível a toda a Administração Pública”. Portanto, para o Parquet, “o impedimento temporário de participar de procedimentos licitatórios está restrito à Administração, assim compreendida pela definição do inciso XII do art. 6º da Lei de Licitações.”. Anuindo ao entendimento do MP/TCU, o relator propôs e o Plenário decidiu considerar improcedente a representação. Precedentes citados: Decisão n.º 352/98-Plenário e Acórdãos n.os 1.727/2006-1ª Câmara e 3.858/2009-2ª Câmara. Acórdão n.º 1539/2010-Plenário, TC-026.855/2008-2, rel. Min. José Múcio Monteiro, 30.06.2010”. [viii]

Acertado o posicionamento do Tribunal de Contas da União, conforme se extrai da interpretação proveniente da combinação dos artigos 87, inciso III com o 6º, inciso XII, ambos da Lei de Licitações.

Assim, caso um Município suspenda uma empresa de licitar ou contratar, por um período de 06 (seis) meses, todos os outros entes da federação poderão continuar a contratar a empresa punida, mesmo que durante o prazo da punição.

4 – Da declaração de inidoneidade

Para as faltas gravíssimas, em que além da inexecução do contrato, ha graves prejuízos à Administração Pública, deve ser aplicada a declaração de inidoneidade, que impede o envolvido de contratar com a Administração, a princípio, por um prazo indeterminado.

Devido à gravidade da sanção, a mesma só pode ser aplicada por autoridades do primeiro escalão: Ministros e Chefe do Executivo.

Assim como no caso da suspensão temporária, a aplicação desta penalidade é seguida da rescisão unilateral do contrato.  

Conclusão

Como já observado, as penalidades administrativas não dispõem de uma ampla regulamentação legislativa. Contam com matrizes legais abertas que autorizam a punição ao particular que descumprir o contrato público.

Em que pese à abertura do tipo da sanção administrativa contratual, a contribuição doutrinária não deixa dúvidas de que a atuação do sancionador está limitada à obediência aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Seria elogiável, portanto, se a Administração Pública disciplinasse de forma razoável e proporcional a aplicação das sanções, nos editais e nos contratos. Relacionando as irregularidades contratuais, pelo menos as mais frequentes, com as correspondentes penalidades. Esta medida conferiria maior segurança jurídica aos contratados e às próprias autoridades administrativas.

A aplicação de penalidade administrativa, em um Estado Democrático de Direito, se legitima pela participação do particular em todas as fases do procedimento sancionador, inclusive com o direito a requerer produção de provas.

Para que o ente público permita esta participação, torna-se indispensável seguir um rito, em sintonia com o Devido Processo Legal, conferindo toda oportunidade de defesa ao particular a ser sancionado.  

Agindo assim, terá meios para cumprir o seu dever de punir o infrator contratual, sem desrespeitar os direitos do particular, evitando nulidades futuras e, consequentemente, desperdícios de recursos públicos.  

 

Referências:
BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <htpp://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm>Acesso: 28 ago. 2013.
BRASIL. Lei 8666, de 21 de Junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, instituiu normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm> Acesso: 27 ago. 2013.
BRASIL. Lei 9784, de 29 de Janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9784.htm.>Acesso: 27 ago. 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009.
PEREIRA JÚNIOR, Jesse Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública. 6º Edição, Rio de janeiro: Renovar, 2003.
 
Notas:
[i] – Manual de Direito Administrativo p. 186.

[ii]  Curso de Licitações e Contratos Administrativos, p. 460.

[iii]   Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, p. 796.  

[iv] Ob. Cit. P. 797.

[v] Prevista no art. 86 da lei 8666/93.

[vi] Prevista no art. 87, II da Lei 8.666/93.

[vii]  Ob. Cit. P. 87.

[viii] Disponível em:< www.tcu.gov.br> Acesso em : 27 de ago. 2013.


Informações Sobre o Autor

Odair Raposo Simões

Procurador Federal em Uberlândia-MG. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia-MG. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB).


logo Âmbito Jurídico